Prisão revogada

Leia o voto de Gilmar Mendes que deu liberdade a Jorge Farah

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31 de maio de 2007, 17h47

Se não estão mais presentes os fundamentos que decretaram a prisão cautelar da garantia da ordem pública, da garantia da aplicação da lei penal e da conveniência da instrução criminal, a vigência de prisão cautelar configura constrangimento ilegal. Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes acatou o pedido de Habeas Corpus em favor do cirurgião plástico Farah Jorge Farah.

Segundo Gilmar Mendes, relator do HC, a prisão foi decretada com os seguintes fundamentos: garantia da ordem pública, garantia da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal. Fundamentos que, de acordo com ele, não se encontram mais presentes.

“No caso concreto, o paciente já foi pronunciado. Daí a impossibilidade de invocar o requisito da garantia da instrução criminal”, afirmou o relator. “Da leitura dos argumentos expendidos pelo juízo de origem, constato que não há, em qualquer momento, a indicação de fatos concretos que levantem suspeita ou ensejem considerável possibilidade de interferência da atuação do paciente para retardar, influenciar ou obstar a instrução criminal”, afirmou o ministro.

Sobre a aplicação da lei penal, o argumento básico do decreto de prisão preventiva é a circunstância de que, o crime imputado seria hediondo e não admitiria liberdade provisória. No entanto, Gilmar Mendes lembrou que o Supremo já reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos. “Assim, a rigor, na linha desses precedentes, constato que o simples fato de o crime imputado ser considerado hediondo não inviabiliza, de plano, a possibilidade de deferimento de liberdade provisória”, afirmou o relator.

Quanto ao argumento da garantia da ordem pública, Gilmar Mendes explicou que as únicas afirmações ou adjetivações do juízo de origem para decretar a prisão cautelar, “são ilações de que a constrição pautar-se-ia no ‘modus operandi’ da prática criminosa imputada ao paciente e na ‘comoção social que a gravidade do delito causou na sociedade paulistana’”.

Ele entendeu, portanto, que não há razões para a manutenção da custódia preventiva. E, assim, revogou a prisão de Farah Jorge Farah. Na 2ª Turma do STF, a votação foi por 4 votos a 1, na terça-feira (29/5).

O crime

Farah responde por homicídio duplamente qualificado, ocultação e vilipêndio de cadáver. Ele foi denunciado pelo Ministério Público por matar e esquartejar a dona de casa Maria do Carmo Alves na noite de 24 de janeiro de 2003. De acordo com a denúncia, para evitar reconhecimento, o médico desfigurou a vítima. Ele removeu cirurgicamente parte dos tecidos do rosto e das plantas das mãos e dos pés. O corpo foi esquartejado, colocado em sacos de lixo e escondido no porta-malas do carro do médico.

A denúncia foi aditada para fazer constar que o médico teria criado armadilha mortífera para a vítima, injetando nela o tranqüilizante Dormonid. O juiz do 2º Tribunal do Júri de São Paulo acrescentou à imputação, ainda, o crime de fraude processual porque o acusado limpou sua clínica para se livrar dos vestígios de sangue no local.

Ao julgar um recurso contra a sentença de pronúncia do 2º Tribunal do Júri de São Paulo, o Tribunal de Justiça paulista determinou que ele respondesse também pelos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e fraude processual. A defesa do cirurgião plástico recorreu. Pediu a retirada do crime de fraude processual. Conseguiu êxito no Supremo.

Leia a íntegra do voto de Gilmar Mendes

29/05/2007 SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS 89.238-8 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): FARAH JORGE FARAH

IMPETRANTE(S): ROBERTO PODVAL E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por ROBERTO PODVAL E OUTROS, em favor de FARAH JORGE FARAH, contra decisão proferida pela Quinta Turma, do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do HC nº 53.060/SP, Relator Ministro Gilson Dipp. Eis o teor da ementa desse julgado:

“CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. PRISÃO PREVENTIVA. MODUS OPERANDI. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS DA PRÁTICA DELITIVA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRONÚNCIA. PERSISTÊNCIA DOS MOTIVOS ENSEJADORES DA SEGREGAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS DEFENSIVOS CONTRA A PRONÚNCIA. SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DO JÚRI. DEMORA JUSTIFICADA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.

I. Hipótese em que ao paciente foi imputada a suposta prática dos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver, tendo sido decretada sua prisão preventiva para garantia da ordem pública.


II. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação.

III. Cabe ao Julgador interpretar restritivamente os pressupostos do art. 312 da Lei Processual Penal, fazendo-se mister a configuração empírica dos referidos requisitos.

IV. O modus operandi da eventual prática delituosa empreendida, em tese, pelo paciente obsta a revogação da segregação cautelar para a garantia da ordem pública.

V. Em casos como o dos autos, em que se sobressalta a forma fria, cruel e insidiosa como supostamente foi cometido o crime pelo agente, cujo modo de proceder em muito se distancia de outros comportamentos capazes de atingir o mesmo fim, a jurisprudência tem entendido pela manutenção da custódia cautelar. Precedentes do STJ e do STF.

VI. A manutenção da custódia cautelar constitui efeito natural da pronúncia, se continuam presentes os motivos ensejadores do decreto, como verificado in casu.

Precedente.

VII. Considerando o disposto no art. 584 do Código de Processo Penal, o recurso manejado contra a pronúncia suspende o julgamento do réu pelo Júri, protelando o andamento do processo e impedindo o seu regular prosseguimento.

VIII. Presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, elencados no art. 312 da Lei Processual adjetiva, e verificada a interposição sucessiva de recursos somente pela defesa, capazes de suspender a Sessão Plenária do Júri, e, no caso, foram seis recursos, não se pode admitir o argumento de excesso de prazo para a soltura do paciente.

IX. Ordem denegada” – (fl. 365).

Na espécie, o paciente foi pronunciado, em 23 de abril de 2004 (Apenso 01 – fls. 141-149), pela suposta prática dos crimes descritos nos arts. 121, § 2º, incisos I e IV (homicídio duplamente qualificado), 211 (destruição e ocultação de cadáver) e 212 (vilipêndio a cadáver) e 347, parágrafo único, todos do Código Penal (Art 121. Matar alguém: § 2° Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; Art. 211 – Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele; Art. 212 – Vilipendiar cadáver ou suas cinzas; Art. 347 – Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: Parágrafo único – Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro).

O paciente foi preso em flagrante em 27 de janeiro de 2003 (Apenso 01 – fls. 46-53). Em 28 de janeiro de 2003, foi decretada a prisão preventiva do paciente (Apenso 01 – fls. 55/56).

Em decisão de 02 de junho de 2003 (fls. 94-97), o Juízo do 2º Tribunal do Júri de São Paulo indeferiu pedido de relaxamento da prisão em flagrante e revogação da prisão preventiva do acusado.

Visando excluir da pronúncia as imputações do tipo do art. 121, § 2º, inciso I (qualificadora do motivo torpe), do art. 212 (vilipêndio a cadáver) e do art. 347 (fraude processual), todos do Código Penal, a defesa interpôs recurso em sentido estrito em 14 de maio de 2004 (Apenso 01 – fls. 150-177).

Em 13 de dezembro de 2004 (fls. 199-206), a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, deu parcial provimento ao referido recurso, afastando da pronúncia o delito de vilipêndio a cadáver previsto no art. 212, do Código Penal, mantendo, no mais, a decisão recorrida.

No julgamento do HC nº 88.733/SP, sessão de 17.10.2006, de minha relatoria, a Segunda Turma desta Corte concedeu a ordem, por empate na votação, para que fosse afastada a imputação do delito de fraude processual (CP, art. 347).

A defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerando que “a prisão preventiva decretada em desfavor do paciente, confirmada pela decisão de pronúncia, não tinha (e não tem) fundamento legal, como também já perdurava por tempo superior ao permissivo legal” – (fl. 5).

O mencionado writ foi denegado, por votação unânime, pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apenso 02 – fl. 310).

Denegada a ordem, a defesa impetrou habeas corpus, de idêntico teor, junto ao Superior Tribunal de Justiça (ora apontado como autoridade coatora).

Neste habeas corpus, a inicial sustenta:

a) falta de fundamentação do decreto cautelar; e

b) excesso de prazo na prisão preventiva.


Quanto à falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva (item “a” acima), a defesa aduz:

“Por todo o exposto, o acórdão coator, ao fundamentar, exclusivamente, a prisão preventiva do paciente no modus operandi da conduta supostamente perpetrada, não satisfez as exigências legais do artigo 312 do Código de Processo Penal. Ao contrário, abandonou totalmente os aspectos da cautelaridade expostos naquele dispositivo legal, invadindo o mérito da causa e impondo ao paciente uma antecipada punição por delito que sequer foi condenado.

Outros motivos não há que justificassem a prisão cautelar, o que ficou reconhecido no próprio acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, porquanto apoiado tão-somente na alegação quanto ao modus operandi. Deste modo, pela falta de justificativa legal, deve a prisão processual decretada em desfavor do paciente ser revogada” – (fls. 13/14).

Com relação ao excesso de prazo (item “b” acima), a impetração considera que:

“A prisão preventiva decretada em desfavor do paciente deveria ainda ter sido desconstituída pela autoridade coatora diante do excesso de prazo em seu cumprimento.

(…)

O excesso de prazo no cumprimento da prisão preventiva, provocado pela demora do julgamento do feito, é latente. O paciente está preso desde o dia 27 de janeiro de 2003, portanto, há 03 (três) anos e 06 (seis) meses, sem ter sido condenado a qualquer pena.

(…)

Se bem analisada a questão, verificar-se á que a demora no processamento do feito decorreu, enfim, não de atitudes supostamente ‘procrastinatórias’ desses impetrantes – o recurso em sentido estrito era necessário e a defesa foi a única que cumpriu com todos os prazos processuais -, mas da lentidão dos próprios trâmites e entraves burocráticos do Estado, por conhecidas deficiências materiais e humanas nos serviços públicos” – (fls. 16-25).

Em 07 de julho de 2006, a Ministra-Presidente Ellen Gracie, apreciou o pedido de medida liminar, nos seguintes termos:

“1. Sob o argumento de excesso de prazo, buscam os impetrantes, neste habeas corpus substitutivo, a desconstituição da prisão preventiva do paciente, pronunciado por homicídio triplamente qualificado, destruição, ocultação e vilipêndio a cadáver e fraude processual (CP, arts. 121, § 2º, incisos I, III e IV, 211 e 212 e 347). A pretensão foi repelida pelo TJSP e pelo Superior Tribunal de Justiça em medidas idênticas lá impetradas (fls. 310/319; 347/365 – apenso 2).

O paciente foi preso em 2003 (fl. 325 – apenso 2) e não foi ainda submetido a julgamento em decorrência de uma série de recursos interpostos. A pronúncia foi objeto de recurso em sentido estrito, provido parcialmente para a exclusão do crime de vilipêndio a cadáver, em 13.12.2004 (fl. 04). Contra esse acórdão, foi interposto recurso especial, visando à exclusão do crime de fraude processual.

Indeferido o recurso, foi manejado agravo de instrumento e, diante do seu indeferimento, seguiu-se o agravo regimental, que foi improvido (fls. 04/05). Isso tudo retardou o julgamento pelo Tribunal Popular.

2. À Turma Julgadora caberá decidir, no exame do mérito deste habeas corpus, se a prisão preventiva se justifica e se a demora do julgamento pode ser atribuída ao Judiciário. Indefiro a liminar, tendo em vista sua natureza satisfativa.

Os autos estão suficientemente instruídos, dispensando-se informações. Colha-se a manifestação de mérito da Subprocuradoria-Geral da República. À distribuição, oportunamente” – (fl. 40).

Na Petição nº 107.572/2006 (fls. 50-56), os impetrantes formularam pedido de reconsideração de decisão liminar (fl. 40), proferida pela Ministra Presidente Ellen Gracie (RI/STF, art. 13, VIII).

A petição referida argumentava que a demora no processamento do feito era decorrência da prestação jurisdicional ofertada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Dos documentos constantes dos autos, não era possível atestar a efetiva contribuição ou não da defesa para a mora processual.

Por essas razões, indeferi o pedido de reconsideração e mantive, por seus próprios fundamentos, a decisão liminar proferida pela Ministra Presidente (fls. 58-61). Com vistas a obter subsídios para a apreciação dessa questão, determinei, ainda, a solicitação de informações ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ao Juízo de Direito da 2ª Vara do Júri da Comarca da Capital/SP acerca do andamento do Processo nº 003.03.001450-9, para o fim de que se esclarecesse:

a) se ainda perdurava a custódia cautelar decretada contra o ora paciente;

b) qual a duração da constrição da liberdade do paciente; e

c) qual a atual fase do processo, com as respectivas indicações dos atos processuais da defesa ou da acusação que teriam, eventualmente, obstado a tramitação da ação penal.


Em 21 de fevereiro de 2007, proferi o seguinte despacho:

“Considerado o transcurso de tempo em razão do recesso forense, solicitem-se, com urgência, informações ao Juízo de Direito da 2ª Vara do Júri da Comarca da Capital/SP para o fim de que se esclareça:

i) qual a atual fase do Processo nº 003.03.001450-9; e

ii) se há previsão de data para o julgamento pelo Tribunal do Júri da referida ação penal” – (fl. 414).

Na Petição nº 33.286, de 14 de março de 2007 (fls. 420-422), a Juíza da 2ª Vara do Júri da Comarca de São Paulo, Élia Kinosita Bulman, informou:

“os autos estão com a fase de libelo encerrada, aguardando a decisão do incidente de sanidade mental, no qual foi realizada a perícia médica pelo IMESC em 30 de novembro de 2006 e solicitado pelo Senhor Perito daquele instituto a avaliação complementar (Teste de Rorschach), para auxiliar na conclusão do laudo, a qual foi designada para o dia 26 de fevereiro de 2007, às 13:00 horas, estando o referido incidente aguardando a remessa do referido laudo, não havendo ainda data de julgamento designado” – (fls. 421-422).

Em 28 de março de 2007, na Petição nº 42.526/2007 (fls. 425-430), a defesa requereu reconsideração da decisão liminar. Em face da iminência do encaminhamento destes autos para a apreciação e julgamento de mérito pela Segunda Turma, optei por submeter a matéria a este órgão colegiado para manifestação definitiva sobre as questões de fundo veiculadas neste writ.

No mérito deste habeas corpus, os impetrantes pleiteiam:

“Diante de todo o exposto, requerem os impetrantes se digne esse E. Supremo Tribunal Federal a conceder ordem de habeas corpus (também em caráter definitivo), em favor do paciente FARAH JORGE FARAH, para que sejam desconstituídas e/ou revogadas as prisões processuais decretadas e mantidas nos autos do processo nº 003.03.001450-9 – controle 182/2003, em curso perante a Vara Preparatória do 2º Tribunal do Júri de São Paulo, e confirmada pelos acórdãos da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (HC nº 852.042-3/0-00) e da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (HC nº 53.060), seja pela inobservância dos requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal, seja pelo excesso de prazo no cumprimento da medida restritiva de sua liberdade” (fls. 28/29).

O parecer do Ministério Público Federal, da lavra do Subprocurador-Geral da República Dr. Cláudio Lemos Fonteles, é pelo indeferimento do pedido (fls. 390-394).

É o relatório.

HABEAS CORPUS 89.238-8 SÃO PAULO

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator): O parecer do Ministério Público Federal (fls. 390-394), da lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, é pelo indeferimento do pedido, nos seguintes termos:

“1. Advindas as informações, a argumentação a inspirar a pretensão liberatória – excesso de prazo e injustificada custódia cautelar – não se consolida, data vênia.

2. Acontecido inquérito policial em 27.01.03, já aos 6 de fevereiro, subseqüente, era recebida a denúncia (vide: fls. 72).

3. Segue-se que a defesa, verbis:

‘4. Na data última citada o paciente foi interrogado e o Dr. Defensor ofertou defesa prévia, arrolando 24 testemunhas, das quais uma delas foi ouvida por Rogatória em Israel.

5. Em 21 de março de 2003 foram inquiridas as 18 testemunhas arroladas pela acusação, oportunidade em que foi designado o dia 09 de maio do mencionado ano para a oitiva das testemunhas elencadas pela defesa, bem como para acareação de duas testemunhas requeridas pelo Dr. Promotor de Justiça.’ (fls. 72/73, grifei)

4. Depois, anotam as informações, a defesa, sistematicamente, vem alongando a definição da instância de conhecimento. De se ler, a propósito, as informações judiciais, verbis:

‘6. Na data última citada foram inquiridas duas testemunhas e, havendo insistência do Dr. Defensor no tocante as testemunhas ausentes, foi designado audiência em continuação para o dia 04 de julho de 2003.

7 – No dia 04 de julho de 2003 foi inquirida apenas uma das testemunhas arroladas, com redesignação de audiência para o dia 30 daquele mês e ano, oportunidade em que foram inquiridas mais duas testemunhas e ao final a defesa requereu expedição de cartas precatórias para as Comarcas de Mairiporã/SP e Cruz das Almas/BA com a finalidade de inquirição de testemunhas de defesa, o que foi deferido, bem como fora concedido o prazo do art. 405 do CPP para que a defesa se manifestasse com relação a outra testemunha faltante.

8 – Cumpre ressaltar que a fase instrutória somente se encerrou em 16 de março de 2004, diante da complexidade do fato e porque a Defesa insistia na oitiva da testemunha Rodrigo Leandro dos Santos, por ela arrolada, requerendo diversas diligências para localizá-la, as quais restaram infrutíferas.


9 – Com o oferecimento das alegações finais pelas partes, o paciente foi pronunciado em 23 de abril de 2004, sendo-lhe negado o direito de aguardar o julgamento em liberdade, pelo fato de estarem presentes os requisitos da prisão cautelar, bem como por ser o crime a ele imputado considerado hediondo e incompatível com os requisitos do art. 408, § 2º do Código [de Processo] Penal.

10 – Referida decisão transitou em julgado para o Ministério Público, tendo a defesa dela recorrido.

11 – Por Acórdão datado de 13 de dezembro de 2004 foi dado provimento parcial ao recurso do paciente, tão somente para excluir da pronúncia o delito de vilipêndio de cadáver.

12 – Em 22 de fevereiro de 2005 a Defesa opôs embargos de declaração, aduzindo que o Acórdão continha obscuridade e omissão, o qual foi rejeitado em 04 de abril de 2005.

13 – Em 30 de maio de 2005 a Defesa interpôs Recurso Especial, cujo seguimento não foi admitido por despacho de 04 de agosto de 2005, seguindo-se, em 17 de agosto de 2005, a interposição de Agravo endereçado do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

14 – Com a baixa dos autos em cartórios em 21 de julho de 2006, o Dr. Promotor de Justiça ofertou o libelo crime acusatório no dia 31 de julho p.p., o qual foi recebido em 02 de agosto último.’ (fls. 74)

5. Então, e mais uma vez, a defesa, no contrariar o libelo, ‘requereu a instauração do incidente de insanidade mental do paciente, dentre outras diligências (fls. 75), o que foi judicialmente deferido.

6. Assim, e por força do disposto no § 2º, do artigo 149, às vésperas de acontecer a decisão do iudicium causae, e três (3) anos após o eclodir do fato, a defesa menciona a insanidade mental do acusado.

7. Aliás, esse incidente é boa mostra, também, a que não se desconstitua o estado de custódia cautelar do acusado.

(…)

10. Pelo indeferimento do pedido” – (fls. 390-394).

Conforme se observa, neste habeas corpus, discute-se:

a) a ocorrência, ou não, de excesso de prazo na instrução criminal; e

b) a fundamentação, ou não, do decreto de prisão preventiva.

Quanto à alegação de excesso de prazo (item “a” acima), o Supremo Tribunal Federal tem deferido a ordem de habeas corpus somente em hipóteses excepcionais, nas quais a mora processual:

a) seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela atuação da acusação (cf.: HC no 85.400/PE, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 11.3.2005; e HC no 89.196/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, maioria, DJ 16.2.2007;

b) resulte da inércia do próprio aparato judicial em atendimento ao princípio da razoável duração do processo, nos termos do art. 5º, LXXVIII (cf.: HC no 85.237/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 29.4.2005; HC no 85.068/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1a Turma, unânime, DJ 3.6.2005; HC no 87.910/SP, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, DJ 25.4.2006; HC no 87.164/RJ, de minha relatoria, 2a Turma, unânime, DJ 29.9.2006; HC no 86.850/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; e HC no 86.346/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 2.2.2007); e, por fim,

c) seja incompatível com o princípio da razoabilidade (cf.: HC no 84.931/CE, Rel. Min. Cezar Peluso, 1a Turma, unânime, DJ 16.12.2005), ou, quando o excesso de prazo seja gritante (cf.: HC no 81.149/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1a Turma, unânime, DJ 5.4.2002; RHC nº 83.177/PI, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 19.3.2004; HC no 84.095/GO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 16.12.2005; e HC no 87.913/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, DJ 23.3.2007).

Nesse particular, o Ministro Gilson Dipp, Relator do HC nº 53.060/SP, do Superior Tribunal de Justiça, em seu voto (fls. 350-363, aduz que:

“Por outro lado, quanto ao apontado excesso de prazo na prisão do réu, melhor sorte não assiste aos impetrantes.

Pelos documentos constantes dos autos, verifica-se que o andamento da ação penal instaurada contra o paciente é o seguinte:

A Autoridade Policial lavrou auto de prisão em flagrante no dia 27/01/2003 (fls. 46/54), o qual foi reputado em ordem pelo Magistrado em 28/01/2003, ocasião em que foi decretada a prisão preventiva do acusado (fls. 55/56).

A denúncia foi oferecida em 05/02/2003 (fls. 41/44) e recebida em 06/02/2003 (fls. 57/58).

Posteriormente, em 07/05/2003, o Ministério Público ofereceu aditamento à peça acusatória (fls. 59/60).

Em 27/06/2003, a defesa do paciente formulou pedido de relaxamento da prisão em flagrante e revogação da custódia preventiva (fls. 62/89), o qual, após manifestação desfavorável do Parquet (fls. 90/93), foi indeferido pelo Juiz singular no dia 02/07/2003 (fls. 94/97).

Após a fase instrutória, acusação e defesa apresentaram alegações finais em 23/03/2004 e 05/04/2004, respectivamente (fls. 98/140).


Sobreveio, então, a decisão de pronúncia, exarada em 23/04/2004 (fls. 141/149), contra a qual os patronos do réu manejaram recurso em sentido estrito, cujo termo foi protocolado na secretaria da vara em 14/05/2004 (fls. 150/191).

Mantendo, por seus próprios fundamentos, a pronúncia, o Julgador de 1º grau determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 21/05/2004 (fl. 192).

A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se em 27/07/2004 (fls. 193/196).

A Corte Estadual apreciou o inconformismo em 13/12/2004, acolhendo em parte a pretensão defensiva (fls. 197/206).

Ainda inconformado, o paciente opôs embargos de declaração em 22/02/2005 (fls. 207/210), os quais foram rejeitados por acórdão proferido em 04/04/2005 (fls. 211/212).

Em seguida, a defesa interpôs recurso especial, datado de 30/05/2005 (fls. 214/234).

Sabe-se que o recurso excepcional não foi admitido, ensejando a interposição de agravo de instrumento perante este Superior Tribunal de Justiça, distribuído em 11/10/2005 (AG 711.502/SP).

O agravo foi desprovido por decisão de 28/10/2005, tendo sido opostos embargos de declaração e, posteriormente, interposto agravo regimental.

Transitado em julgado o aresto proferido no agravo na data de 16/05/2006, os autos baixaram à origem em 18/05/2006.

Depreende-se da descrição do andamento do processo criminal do acusado que, concluído o juízo da acusação, com a pronúncia, a defesa seguiu questionando a imputação atribuída ao paciente pelas vias recursais admitidas no nosso ordenamento jurídico até alcançar esta Corte Superior, fazendo-se mister salientar que não há notícia da interposição de recursos pelo Ministério Público.

Tal procedimento perdurou por mais de 02 anos, desde a interposição do recurso em sentido estrito, em 14/05/2004, até à baixa do feito à origem, advindo deste STJ, em 18/05/2006.

Considerando o disposto no art. 584 do Código de Processo Penal, o recurso manejado contra a pronúncia suspende o julgamento do réu pelo Júri, protelando o andamento do processo e impedindo o seu regular prosseguimento.

Dessa forma, o réu deve suportar o ônus da segregação se, verificada a adequação dos fundamentos da medida constritiva, que é a hipótese em tela, optar por recorrer da pronúncia, eis que, diante da suspensão do julgamento do Tribunal Popular e do acúmulo de processos nas varas e nos gabinetes não é possível atender com a celeridade ideal todos os feitos em tramitação.

Com as peculiaridades do trâmite da ação penal movida contra o paciente, a dilação de sua custódia não pode, por conseguinte, ser atribuída ao Juiz ou ao Ministério Público, o qual, inclusive, não interpôs recurso contra a decisão de pronúncia, pelo que consta dos presentes autos.

É importante frisar que não se trata de transferir ao réu ou à sua defesa a culpa pela delonga na custódia cautelar, até porque a interposição de recursos encontra guarida nos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição.

O que se está preconizando é que, presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, elencados no art. 312 da Lei Processual adjetiva, e verificada a interposição sucessiva de recursos somente pela defesa, capazes de suspender a Sessão Plenária do Júri, e, no caso, foram seis recursos, não se pode admitir o argumento de excesso de prazo para a soltura do paciente.

Não se pode, assim, acolher a alegação dos impetrantes no sentido de que a defesa em nada contribuiu para a delonga do encarceramento do acusado, sob pena de se formar a praxe de interposição ilimitada de recursos com o intuito de alcançar a expedição de alvará de soltura por excesso de prazo, na hipótese de não ser possível a revogação da custódia cautelar em razão da presença dos pressupostos autorizadores.

Cabe destacar, ainda, que, apreciada a irresignação contra a pronúncia, resta superado o obstáculo à designação do julgamento pelo Tribunal Popular.

(…)

Por toda a fundamentação acima, não há constrangimento ilegal a ser reparado na via eleita” – (fls. 360-363).

No presente caso, verifico que há indícios de que a própria defesa deu causa ao excesso de prazo, segundo informações prestadas pelo Juízo da 2ª Vara do Júri da Comarca de São Paulo, verbis:

“1- Em 27 de janeiro de 2003 foi instaurado o inquérito policial que deu origem ao presente processo e o paciente teve a sua prisão preventiva decretada em 28 de janeiro daquele ano, com mandado de prisão cumprido em 11 de fevereiro de 2003.

2- Em 05 de fevereiro de 2003 o paciente foi denunciado como incurso nos artigos 121, § 2º, incisos I, III e IV, 211, 212, combinado com o artigo 61, inciso II, letra ‘g”, todos do Código Penal, por fato ocorrido em 24 de janeiro do mesmo ano.


3 – A denúncia foi recebida em 06 de fevereiro de 2003, oportunidade em que foi designado interrogatório para o dia 21 de fevereiro de 2003.

4- Na data última citada o paciente foi interrogado e o Dr. Defensor ofertou defesa prévia, arrolando 24 testemunhas, das quais uma delas foi ouvida por Rogatória em Israel.

(…)

Cumpre ressaltar que a fase instrutória somente se encerrou em 16 de março de 2004, diante da complexidade do fato e porque a Defesa insistia na oitiva da testemunha Rodrigo Leandro dos Santos, por ela arrolada, requerendo diversas diligências para localizá-la, as quais restaram infrutíferas.

(…)

15 – Em 21 de agosto último a defesa contrariou o libelo e requereu a instauração de incidente de insanidade mental do paciente, dentre outras diligências”. (fls. 79-82).

Em 14 de março de 2007, na Petição nº 33.286/2007 (fls. 420-422), a Juíza Élia Kinosita Bulman, da 2ª Vara do Júri da Comarca de São Paulo, prestou as seguintes informações:

“estando os autos com a fase de libelo encerrada, aguardando a decisão dos autos de incidente de sanidade mental, no qual foi realizada a perícia médica pelo IMESC aos trinta de novembro de dois mil e seis e solicitado pelo Senhor Perito daquele Instituto a avaliação complementar (Teste de Rorschach), para auxiliar na conclusão do laudo, a qual foi designada para o dia vinte e seis de fevereiro de dois mil e sete, às 13:00 horas, estando o referido incidente aguardando a remessa do referido laudo, não havendo ainda data de julgamento designado” – (fls. 421/422).

Outrossim, verifico a existência de elementos que sinalizam para a complexidade da causa. Em princípio, desde que devidamente fundamentada e atendido o parâmetro da razoabilidade, admite-se a excepcional prorrogação de mais de 81 dias para o término de instruções criminais de caráter complexo.

A jurisprudência deste Tribunal, para o caso de processos complexos, reconhece a possibilidade de dilação do prazo da instrução processual, sem que a prisão do envolvido configure inequívoco constrangimento ilegal.

Neste sentido, vale destacar os seguintes precedentes da Corte: HC nº 81.905/PE, 1ª Turma, Maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 16.5.2003; HC nº 82.138/SC, 2ª Turma, Unânime, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJ 14.11.2002; e HC nº 71.610/DF, Pleno, Unânime, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.3.2001.

Neste caso, a defesa contribuiu para a mora processual por meio de atos processuais tais como:

a) expedição de carta rogatória para a oitiva de testemunha residente em Israel;

b) expedição de cartas precatórias para a inquirição de testemunhas; e

c) instauração de incidente de insanidade mental do paciente.

Além de indícios concretos da contribuição da defesa, vislumbro, no caso concreto, indícios de complexidade da causa.

Com relação à alegação de excesso de prazo (item “a” acima), portanto, dos documentos acostados aos autos, não é possível vislumbrar situação de patente constrangimento ilegal ou abuso de poder. Neste ponto, indefiro a ordem.

Quanto à alegação de falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva (item “b” acima), o Ministro Gilson Dipp, Relator do HC nº 53.060/SP, do Superior Tribunal de Justiça, assim se manifestou em seu voto (fls. 350-363):

“Daí a presente impetração, por meio da qual se reitera o pleito de soltura do paciente.

Para tanto, afirma-se que o decreto prisional, as decisões monocráticas confirmatórias da segregação e o aresto impugnado estão baseados apenas em aspectos relacionados ao mérito da causa, impondo ao paciente, em conseqüência, custódia com caráter de pena.

Nesse contexto, alega-se a inexistência de fatos concretos hábeis a configurar os requisitos da garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e da conveniência da instrução criminal, previstos no art. 312 do Código de Processo Penal.

A imposição da medida constritiva estaria, assim, carente de fundamentação adequada, pois a gravidade e a hediondez do delito, bem como o clamor social, não seriam suficientes para a prisão cautelar.

Aduz-se, ainda, que o paciente preenche os requisitos do art. 408, § 2º, da Lei Processual Adjetiva para aguardar em liberdade o julgamento do Tribunal do Júri, motivo pelo qual a manutenção da custódia na pronúncia não seria decorrência natural do fato de ter permanecido preso até então, devendo, igualmente, ser fundamentada na subsistência dos requisitos da prisão preventiva.

Sustenta-se, por outro lado, que, ainda que verificada a presença de alguma das circunstâncias caracterizadoras da prisão cautelar, o réu deve ser posto em liberdade em razão do apontado excesso de prazo na sua segregação, pois estaria preso há mais de 03 anos.

Afirma-se terem sido ultrapassados os prazos previstos para custódia cautelar nos processos afetos ao Tribunal do Júri, sem que se possa atribuir à defesa a culpa pela demora.


Passo à análise da irresignação.

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que a análise do presente habeas corpus limita-se aos requisitos indispensáveis à decretação da prisão preventiva, descritos no art. 312 do Código de Processo Penal, bem como ao apontado excesso de prazo na custódia, pois é incabível na via eleita o exame das questões de fundo relativas à ação penal instaurada contra o paciente.

(…)

Pela leitura das decisões acima transcritas, verifica-se fundamentação adequada a embasar a custódia do paciente.

Como é cediço, a prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação.

Sendo assim, cabe ao Julgador interpretar restritivamente os pressupostos do art. 312 da Lei Processual Penal, fazendo-se mister a configuração empírica dos referidos requisitos.

Nesse contexto, destaca-se, no caso dos autos, aspecto citado pelo decreto prisional e confirmado pelo acórdão recorrido que se mostra hábil a embasar a custódia cautelar do réu: o modus operandi da suposta prática criminosa.

Com efeito. A seguir as circunstâncias concretas em que o delito foi, em tese, praticado.

O paciente é médico cirurgião plástico e teria se envolvido afetivamente com a vítima Maria do Carmo Alves. Com o intuito de pôr fim ao relacionamento, teria optado por dar cabo à vida dela.

Dessa forma, o réu combinou com a vítima um encontro na sua clínica, após o expediente normal e, por via intravenosa, aplicou-se o medicamento Dormonid, indutor de sono profundo.

A partir daí, valendo-se de seus conhecimentos médicos e com uso de instrumentos próprios para cirurgia, teria, em tese, provocado a morte de Maria do Carmo Alves, mediante esquartejamento e retaliação, tendo supostamente separado a cabeça e parte dos membros do corpo e removido tecidos das regiões palmares e plantares, bem como órgãos internos e vísceras.

Em seguida, o acusado teria procedido à limpeza do local e ao acondicionamento do cadáver em sacos próprios para lixo, colocando-os no porta-malas de seu automóvel.

Considerando o contexto acima descrito, o modus operandi da eventual prática delituosa empreendida, em tese, pelo paciente obsta a revogação da segregação cautelar para a garantia da ordem pública.

Frise-se o disposto no decreto prisional e no acórdão a respeito:

‘Os crimes noticiados são de extrema gravidade, inclusive o de homicídio considerado hediondo e, por essa razão, merecem resposta firme da Justiça, demonstrando, assim, a garantia da ordem pública, diante da brutalidade e violência a que foram cometidos, circunstâncias que a Sociedade Paulistana já não suporta conviver.’ (fl. 55 – g.n.).

‘Naturalmente, em boa técnica processual, nesta fase do processo prevalece, para todos os efeitos, a classificação do crime de acordo com os exatos termos da pronúncia, feita provisoriamente, posto que poderá ser modificada (ou, até, ser rejeitada integralmente) no julgamento final a cargo do Tribunal do Júri, pelo que, por ora, no curso do devido processo legal, é inafastável a referência ao fato de que o paciente responde pela prática desse crime hediondo marcado por uma conduta delituosa tão violenta quanto repugnante, a exigir maior rigor na aplicação da lei penal. Esse tema não pode ser objeto de reexame nesta via estreita do remédio heróico, onde não se admite a valoração do quadro probatório para formação de um juízo de valor a respeito da procedência ou improcedência desse tipo de acusação.’ (fls. 318/319).

É certo que a jurisprudência atual desta Corte e do Supremo Tribunal Federal ressaltam que a fundamentação restrita à gravidade genérica do delito, ao clamor público, à comoção social ou à natureza hedionda do ilícito, sem a descrição de circunstâncias concretas distintas da própria empreitada criminosa, enseja a revogação da prisão preventiva.

Todavia, em casos como o dos autos, em que o modus operandi se sobressalta pela forma fria, cruel e insidiosa como supostamente foi cometido o crime pelo agente, cujo modo de proceder em muito se distancia de outros comportamentos capazes de atingir o mesmo fim, a jurisprudência tem entendido pela manutenção da custódia cautelar.

A corroborar tal entendimento, os seguintes julgados deste Superior Tribunal de Justiça e da Suprema Corte:

‘Penal. Processual Penal. Prisão Preventiva: garantia da ordem pública. CPP, art. 312.

I. – Intensa participação do paciente nas atividades delitivas havidas no âmbito do COFEN, numa organização criminosa de que era o mentor.

Continuidade das atividades criminosas mesmo após a instauração do inquérito policial. Decreto de prisão preventiva que não se baseia apenas na gravidade dos delitos, mas amparado no modus operandi das condutas e na necessidade de coibir a reiteração dos delitos que vêm sendo praticados há mais de dez anos.


II. – HC indeferido.’(HC 86973/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 10-03-2006).

Outrossim, a manutenção da custódia cautelar constitui efeito natural da pronúncia, se continuam presentes os motivos ensejadores do decreto, como verificado no caso.

(…)

Não se verifica, portanto, deficiência na fundamentação da custódia imposta ao paciente” (fls. 351-360).

Em 28 de janeiro de 2003, o Juiz da 2ª Vara do Júri da Comarca da Capital/SP, Marco Antonio Martin Vargas, adotou os seguintes fundamentos no decreto de prisão preventiva (fls. 55/56):

“Com efeito, pese o silêncio do indiciado, é certo que o corpo da vítima foi encontrado no interior do porta malas do veículo pertencente ao indiciado.

Outrossim, existem os relatos apresentados pelas testemunhas Tânia Maria Homsi (fls. 05) e João Augusto de Lima (fls. 08), apontando elementos no sentido de que o indiciado teria sido o autor do homicídio, demonstrando, assim, os indícios necessários de autoria e materialidade e noticiando fatos de extrema gravidade.

Os crimes noticiados são de extrema gravidade, inclusive o de homicídio considerado hediondo e, por essa razão, merecem resposta firme da Justiça, demonstrando, assim, a garantia da ordem pública, diante da brutalidade e violência a que foram cometidos, circunstâncias que a Sociedade Paulistana já não suporta conviver.

O indiciado, se condenado, poderá receber pena privativa de liberdade incompatível com a liberdade e, por este motivo, poderá furtar-se da futura aplicação da Lei Penal.

A conveniência da instrução criminal deve, também, ser preservada, porquanto a liberdade do indiciado, na fase cognitiva, poderá influir de sobremaneira no processo crime que irá ser realizado.

Presentes, portanto, os requisitos previstos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal, DECRETO a PRISÃO PREVENTIVA do indiciado FARAH JORGE FARAH, com dados identificadores constantes dos autos” – (fls. 55/56).

Posteriormente, em 2 de junho de 2003, o juiz da 2ª Vara do Júri da Comarca da Capital/SP, ao prolatar a decisão que indeferiu o pedido de revogação da custódia, trouxe os seguintes elementos adicionais:

“No que se refere à pretensão de revogação da prisão preventiva por falta de seus requisitos, também, não há como ser deferida.

A prisão preventiva foi decretada em desfavor do requerente, conforme decisão de fls. 29/30 do apenso de cópia do auto de prisão em flagrante, tendo como fundamento a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal e para assegurar a futura aplicação da Lei Penal.

Os requisitos destacados naquela decisão não foram alterados até o momento.

Os crimes são gravíssimos e o homicídio é considerado hediondo. A periculosidade do agente nesta hipótese é presumida e a sociedade reclama solução efetiva porque houve forte comoção social com o ocorrido, muito embora a Douta Defesa destaque aspectos positivos em favor do requerente.

Estes argumentos demonstram a garantia da ordem pública e, por via de conseqüência, recomendam a prisão cautelar do acusado, não obstante a presunção de inocência existente que acaba sendo sopesada pelo destaque dos interesses da sociedade.

A conveniência da instrução criminal deve ser preservada porque a situação que o acusado possui no meio social é circunstância de grande relevância para que possa tentar alterar o ânimo das pessoas que ainda, eventualmente, poderão ser ouvidas, caso seja ele eventualmente submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri. O temor mencionado é fundamento necessário a justificar que se deve assegurar a tranqüilidade do estado de espírito de determinadas pessoas que possam ser ouvidas no processo em detrimento do interesse do acusado, ainda que feita menção pela Defesa no sentido de que algumas testemunhas ouvidas em Juízo destacaram favoravelmente a personalidade do requerente, uma vez que, de outro modo, também existem testemunhas que se sentem constrangidas a prestarem seus depoimentos, como até então verificada na prova oral.

Por fim, caso o requerente venha a ser submetido a julgamento e, eventualmente, condenado poderá receber pena privativa de liberdade incompatível com a pretensão por ele formulada, de modo que a futura aplicação da Lei penal deve ser assegurada, na medida em que poderá furtar-se deste risco processual e, no momento próprio, insurgir-se com eventual condenação, risco que deve ser suportado pelo requerente.

A prisão cautelar preventiva deve ser aferida diante de certa previsibilidade da ocorrência dos riscos como os mencionados e essa aferição não demanda a comprovação inconteste destes fatos para justificar sua decretação, caso contrário estaríamos exigindo requisitos diversos da cautela processual.

Verifica-se, ainda, que eventual demora no encerramento da instrução processual não pode ser creditada à Justiça, porquanto a prova ainda não se encerrou por necessidade de ouvida de testemunhas arroladas pela Douta Defesa que, inclusive, requereu novas datas para oitiva de testemunhas que não compareceram anteriormente. Destaca-se, também, que o recebimento do aditamento da denúncia não foi causa de demora no término da instrução, pois mesmo com este ato processual não havia dado prazo excessivo para o mencionado encerramento da prova.


Ainda que assim não fosse, as peculiaridades do processo e os crimes que se submetem à análise são circunstâncias justificadoras a uma maior dilação do prazo para término da instrução, na medida em que não existe regra fixa para esse fim, se justificada a maior dilação de prazo nesse sentido e isto se verifica com o elevado número de testemunhas a serem ouvidas pelas partes, bem como a dificuldade na realização dessa prova oral.

Por estas razões, indefiro os pedidos de relaxamento da prisão em flagrante e revogação da prisão preventiva formulados por FARAH JORGE FARAH, qualificado nos autos” – (fls. 96/97).

Em 23 de abril de 2004, ao pronunciar o paciente, o juízo originário manteve a prisão. Confira-se o trecho do decisum a esse respeito:

“Ante o exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido inicial, PRONUNCIANDO FARAH JORGE FARAH, R.G. nº 3.878.567, qualificado a fls. 42, para ser submetido a julgamento por seus pares em plenário do Júri desta Comarca, julgando incurso o acusado nos termos do artigo 121, § 2º, incisos I (motivo torpe), IV (recurso que impossibilitou a defesa da vítima), e artigos 211; 212 e 347, parágrafo único, todos do Código Penal.

Presentes, ainda, os requisitos da prisão preventiva, conforme destacados a fls. 29/30 do apenso de cópia do auto de prisão em flagrante e reiterados a fls. 1468/1469, principalmente para assegurar a futura aplicação da Lei Penal e conveniência da instrução criminal como já mencionado anteriormente, bem como porque o crime de homicídio é considerado hediondo, não faculto ao acusado a possibilidade de aguardar o julgamento em liberdade, por incompatíveis com os requisitos previstos pelo artigo 408, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, não obstante a primariedade e os bons antecedentes, assim como as ponderações feitas pela Douta Defesa” – (fls. 148/149).

Nesse contexto, observo que, à primeira vista, o decreto de custódia provisória atendeu ao disposto nos arts. 41 e 43, do CPP. É dizer, do relato acima transcrito, é possível inferir indícios de autoria e materialidade.

Ademais, de um modo geral, a prisão preventiva também indicou, de modo expresso, os seguintes fundamentos para a decretação da prisão cautelar, nos termos do art. 312 do CPP: i) garantia da ordem pública; ii) garantia da aplicação da lei penal; e iii) conveniência da instrução criminal.

Na linha da jurisprudência deste Tribunal, porém, não basta, a mera explicitação textual dos requisitos previstos pelo art. 312 do CPP.

A tarefa de interpretação constitucional para a análise de uma excepcional situação jurídica de constrição da liberdade dos cidadãos exige que a alusão a esses aspectos estejam lastreados em elementos concretos.

No caso concreto, o paciente já foi pronunciado. Daí a impossibilidade de invocar o requisito da garantia da instrução criminal.

Ademais, ainda que fosse possível a custódia cautelar com base nesse fundamento, seria necessário que as razões do juízo de origem fossem plausíveis. Nesse particular, transcrevo o seguinte trecho:

“A conveniência da instrução criminal deve, também, ser preservada, porquanto a liberdade do indiciado, na fase cognitiva, poderá influir de sobremaneira no processo crime que irá ser realizado” (fls. 55/56).

Da leitura dos argumentos expendidos pelo juízo de origem, constato que não há, em qualquer momento, a indicação de fatos concretos que levantem suspeita ou ensejem considerável possibilidade de interferência da atuação do paciente para retardar, influenciar ou obstar a instrução criminal.

Em conseqüência, entendo como insubsistente o requisito da decretação para a conveniência da instrução criminal.

Com referência ao tema da aplicação da lei penal, o argumento básico do decreto de prisão preventiva é a circunstância de que, ao menos em tese, o crime imputado seria hediondo e que, por conseguinte, tratar-se-ia de modalidade delitiva que não admite liberdade provisória.

No entanto, o entendimento do juízo de origem diverge do firmado por esta Corte no julgamento do HC nº 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio (DJ 1º.9.2006).

Nessa assentada, ocorrida na sessão de 23.2.2006, esta Corte, reconheceu a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/1990 (“Lei dos Crimes Hediondos”), que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos.

Ocorre que a Primeira Turma já vinha concedendo medida cautelar de ofício para permitir ao paciente a progressão de regime até julgamento final da matéria pelo Plenário (HC nº 84.122/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, unânime, DJ 27.8.2004; HC nº 83.988, Rel. Min.

Joaquim Barbosa, 1ª Turma, unânime, DJ 15.6.2004).

Assim, a rigor, na linha desses precedentes, constato que o simples fato de o crime imputado ser considerado hediondo não inviabiliza, de plano, a possibilidade de deferimento de liberdade provisória.


Por conseguinte, entendo ser igualmente insubsistente o fundamento de garantia da aplicação da lei penal.

Com relação ao tema da garantia da ordem pública, faço menção à manifestação já conhecida desta Segunda Turma em meu voto proferido no HC nº 88.537/BA e recentemente sistematizado nos HC’s 89.090/GO e 89.525/GO acerca da conformação jurisprudencial do requisito dessa garantia. Nesses julgados, pude asseverar que o referido requisito legal envolve, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades normativas de sua aplicação judicial, as seguintes circunstâncias principais:

i) a necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do paciente ou de terceiros;

ii) o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e

iii) para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do poder judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal.

A jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de que a liberdade de um indivíduo suspeito da prática de crime somente pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, ou na gravidade do crime. Nesse sentido arrolo os seguintes julgados:

“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E PRIVILEGIADO. CONDENAÇÃO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI EM SEDE DE APELAÇÃO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR FUNDADA NO CLAMOR SOCIAL E NA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES. EXCESSO DE PRAZO.

1. O clamor social e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal do Júri.

2. A prisão processual, pela excepcionalidade que a caracteriza, pressupõe inequívoca demonstração da base empírica que justifique a sua necessidade, não bastando apenas aludir-se a qualquer das previsões do art. 312 do Código de Processo Penal.

3. Hipótese, ademais, em que se configura o constrangimento ilegal pelo excesso de prazo da instrução criminal, que não pode ser atribuído à defesa. Ordem concedida” – (HC nº 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 22.10.2004). “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.

NECESSIDADE.

1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade do crime. Remanesce, sob tal fundamento, a necessidade da medida excepcional da constrição cautelar da liberdade face à demonstração da possibilidade de reiteração criminosa.

2. Prisão cautelar por conveniência da instrução criminal. A retirada de documentos do Juízo pelo paciente e a destruição deles na residência de sua exesposa, sem a oitiva do Ministério Público, autorizam a conclusão de que sua liberdade traduz ameaça ao andamento regular da ação penal. Merece relevo ainda a assertiva do Procurador-Geral da República de que ‘dentre outros fundamentos, foi considerado o fato relevantíssimo de o Paciente ser um dos mentores da organização criminosa, dispor de vários colaboradores, com fácil trânsito nos mais diversos meios, o que poderia facilitar a corrupção de agentes, funcionários, testemunhas, tudo com o objetivo de prejudicar o regular andamento do processo criminal’. Ordem denegada” – (HC nº 86.175/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 10.11.2006). “1. PRISÃO PREVENTIVA. Medida cautelar.

Natureza instrumental. Sacrifício da liberdade individual. Excepcionalidade.

Necessidade de se ater às hipóteses legais.

Sentido do art. 312 do CPP. Medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, a prisão preventiva deve ordenar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua função meramente instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de eventual provimento definitivo de caráter condenatório, bem como perante a garantia constitucional da proibição de juízo precário de culpabilidade, devendo fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a autorizem.

2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito, a título de garantia da ordem pública.

Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que, a título de necessidade de garantir a ordem pública, se funda na gravidade do delito.

3. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na necessidade de restabelecimento da ordem pública, abalada pela gravidade do crime. Exigência do clamor público. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar.

Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado no clamor público para restabelecimento da ordem social abalada pela gravidade do fato.

4. AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Júri. Prisão preventiva. Decreto destituído de fundamento legal. Pronúncia. Silêncio a respeito. Contaminação pela nulidade.

Precedentes. Quando a sentença de pronúncia se reporta aos fundamentos do decreto de prisão preventiva, fica contaminada por eventual nulidade desse e, a fortiori, quando silencie a respeito, de modo que, neste caso, é nula, se o decreto da preventiva é destituído de fundamento legal.

5. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Motivação ilegal e insuficiente. Suprimento da motivação pelas instâncias superiores em HC. Acréscimo de fundamentos.

Inadmissibilidade. Precedentes. HC concedido. Não é lícito às instâncias superiores suprir, em habeas corpus ou recurso da defesa, com novas razões, a falta ou deficiência de fundamentação da decisão penal impugnada” – (HC nº 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, maioria, DJ 24.11.2006).

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. (i) GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA: GRAVIDADE DO DELITO E ACAUTELAMENTO DO MEIO SOCIAL. (ii) RISCO À INSTRUÇÃO CRIMINAL. EXAURIMENTO. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS.

1. A prisão preventiva para garantia da ordem pública, fundada na gravidade do delito e na necessidade de acautelar o meio social, não encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

2. Exaurida a instrução criminal, a prisão cautelar sob esse fundamento tornase desnecessária.

Ordem concedida” – (HC nº 88.448/RJ, de minha relatoria, 2ª Turma, por empate na votação, DJ 9.3.2007).

Da simples leitura do decreto prisional, as únicas afirmações ou adjetivações apresentadas pelo juízo de origem são ilações de que a constrição pautar-se-ia no “modus operandi” da prática criminosa imputada ao paciente (fl. 55) e na “comoção social que a gravidade do delito causou na sociedade paulistana” (fl. 96).

Entendo, portanto, que não há razões bastantes para a manutenção da custódia preventiva, seja tanto pela garantia da ordem pública, seja pela aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal, as quais se revelam, no caso concreto, intimamente vinculadas.

Vislumbro, assim, patente situação de constrangimento ilegal apta a ensejar o deferimento da ordem.

Nestes termos, meu voto é pelo deferimento deste habeas corpus para invalidar a decisão que decretou a prisão preventiva nos autos do Processo Crime nº 003.03.001450-9.

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