Retaliação remediada

Liminar devolve cargo a juiz do TIT afastado por criticar Fazenda

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30 de maio de 2007, 20h08

O juiz administrativo Adermir Ramos da Silva, afastado do cargo de titular da 7ª Câmara do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo sem motivo justificado, foi reconduzido ao cargo por força de liminar. O afastamento teria sido provocado por um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em que Adermir critica a Secretaria da Fazenda estadual.

O artigo foi publicado no dia 9 de abril. Nele, o juiz revela que no estado proliferam-se ações abusivas contra o contribuinte, “praticadas por funcionários ou burocratas movidos a ideologismo canhestro, segundo o qual o Estado arrecadador é o supremo ideal e o contribuinte, um ser dotado de tetas ordenháveis até a exaustão, enquanto é tachado de sonegador, criminoso, nocivo”.

Segundo ele, esse tipo de posicionamento de integrantes da Fazenda reflete a certeza de que a prepotência se sobrepõe às normas. Adermir conta que recente decreto determinou que o Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte se subordina à Secretaria da Fazenda. Para o juiz, esse fato “gera situação paradoxal em que o órgão que deve proteger o contribuinte contra excessos fiscalizatórios ou erros passa a ser hierarquizado no âmbito do organismo fiscalizador”.

Quinze dias após a publicação, o Diário Oficial do estado trouxe uma resolução e uma portaria da Fazenda. Os atos alteravam a composição das Câmaras do TIT, órgão de julgamento da segunda instância administrativa. O integrante titular da 7ª Câmara aparecia agora no 54ª lugar na relação de juízes suplentes.

Como a substituição se deu sem motivação aparente ou respeito ao período do mandato, que termina em dezembro de 2007, ele recorreu ao Judiciário. O juiz do TIT argumentou que o ato do coordenador da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda foi arbitrário e ilegal, já que o destituía do cargo antes do prazo estabelecido por lei. Ele atribuiu o afastamento à publicação do artigo.

O juiz da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo concedeu a liminar, por concordar com a alegação de que a Coordenadoria da Administração Tributária não conseguiu explicar o motivo para a exclusão do juiz da 7ª Câmara do TIT. Além disso, diz que a Secretaria da Fazenda não informou os critérios em que se baseou para a elaboração da lista de juízes suplentes.

De acordo com a sentença, a tese de que o afastamento tem relação com a publicação do artigo deve ser considerada. O juiz foi defendido pelo advogado Nelson Kojranski. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria da Fazenda de São Paulo, procurada pela revista Consultor Jurídico, informou que não se pronunciaria nesta quarta-feira (31/5).

Leia o artigo publicado em O Estado de S. Paulo e em seguida a decisão

Aqui é pior

Adermir Ramos da Silva

Editorial no jornal O Estado de S. Paulo (28/3, A3), sob o título Ditadura Fiscal, tange o tema do conflito entre o Fisco e o contribuinte, instigando vigilância. Toca, outrossim, a ingerência administrativa no procedimento de constituição do crédito tributário, instalando subserviência, cabendo aos conselhos referendar interpretações e despachos das autoridades superiores.

Nos Estados e nos municípios a situação talvez seja mais nefasta que nas áreas afetas à União.

No Estado de São Paulo têm proliferado ações abusivas em relação ao contribuinte, praticadas por funcionários ou burocratas movidos a ideologismo canhestro, segundo o qual o Estado arrecadador é o supremo ideal e o contribuinte, um ser dotado de tetas ordenháveis até a exaustão, enquanto é tachado de sonegador, criminoso, nocivo. Esse cenário se deve à ignorância sobre os fundamentos da administração pública e à certeza de que a prepotência se sobrepõe às normas.

Esses personagens agem em descompasso com a administração superior.

Recentemente, fixou-se por decreto que o Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte (Codecon) se subordina à Secretaria da Fazenda. Isso gera situação paradoxal em que o órgão que deve proteger o contribuinte contra excessos fiscalizatórios ou erros passa a ser hierarquizado no âmbito do organismo fiscalizador.

Tentou-se, recentemente, alavancar um projeto de lei que disciplinaria o contencioso administrativo tributário, de modo que o decidido por juízes do Tribunal de Impostos e Taxas, órgão paritário, colegiado, poderia ser reformado pelo coordenador da Administração Tributária, cuja formação não o qualifica, necessariamente, para a prestação jurisdicional.

Esse projeto não vingou, mas grassa notícia de que outro está em fase de gestação, com diretrizes hauridas no Município de São Paulo, cujas lides não têm a complexidade que caracteriza os litígios na esfera estadual.

Nesse projeto, ao que se diz, o procedimento e seu escopo mal disfarçado é impedir o exercício da defesa ampla, mediante exigência de depósito para recorrer. Daí a exaltação do que denomino “cultura falsamente fiscalista”, porque fincada em antessupostos anéticos, que causam prejuízo ao Estado, à população e ao Fisco, por conseqüência.

O apego a rigorismos e patrulhamentos para a mantença de qualquer auto de infração desconsidera que o pretendido não atinge seu fim no âmbito administrativo.

A conduta descrita, meramente homologatória, não impede o socorro ao Judiciário, com implicação de sucumbimento, ônus suportado indiretamente pelo contribuinte – povo – que, desse modo, suporta sanção política nascida do querer da administração efêmera e mutável, enquanto o interesse público é perene.

Atualmente, a Representação Fiscal, órgão da Secretaria da Fazenda que deveria zelar pelo fiel cumprimento da legislação, não cumpre seu mister por desqualificação de sua verdadeira missão e por abstruso entendimento, segundo o qual seu dever é recorrer contra todas as decisões que contrariem as autuações.

Nesse cenário, alguns juízes se sentem poderosos e, ainda que não autorizados por seus superiores, cerceiam o livre convencimento dos decididores com ameaças de retaliações. Há boatos que atingem a honra pessoal de pessoas que se não engajam nessa cultura “ideologizada”.

Acontece que o contencioso administrativo tributário se insere no campo do Direito Administrativo, devendo observar, além da matéria processual peculiar, a regência advinda desse ramo do Direito Público.

O Processo Administrativo Tributário não existe para satisfação de idiossincrasias ocasionais. Sua existência decorre da necessidade de exercer a administração pública, a autotutela, que consiste na correção, por ela própria, de atos dela emanados.

Para alcançar justiça, é preciso aperfeiçoar o crédito tributário em formação com o que se evita a sucumbência no Judiciário. Além dessa função, há outra tão ou mais relevante, que é a correção de atos nascidos da administração que contrariem a legislação de regência. A administração, formada por seres humanos, pode errar por elevar suas crenças acima da segurança jurídica, dos direitos do contribuinte e do interesse público.

Não faz sentido a mantença de procedimento administrativo meramente homologatório, contexto que trai sua finalidade.

Ninguém pretende albergar práticas sonegatórias. Ao contrário, todos os meios legais devem ser postos no impedimento à evasão de receitas. Porém, da administração pública se espera comportamento ético, e nunca artifícios e ardis para envolver e punir contribuintes sem garantia de defesa ampla e de julgamento correto.

Hely Lopes Meirelles, a propósito da moralidade administrativa, assentou, citando Antonio José Brandão: “Tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos, como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções ou procura obter mera vantagem para o patrimônio confiado à sua guarda. Em ambos os casos, os seus atos são infiéis à idéia que tinha de servir, pois violam o equilíbrio que deve existir entre todas as funções, ou, embora mantendo ou aumentando o patrimônio gerido, desviam-no do fim institucional que é o de concorrer para a criação do bem comum” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, pág. 84).

O cenário de que nos ocupamos decorre, pelo meu sentir, da inércia das entidades representativas dos contribuintes e dos operadores do direito passivos diante das táticas que os prejudicam. É intolerável a ameaça à livre disposição dos bens, à propriedade, ao exercício do direito de defesa.

Acreditamos que os governantes e representantes do povo, assim como as entidades representativas dos contribuintes e os operadores do direito, podem e devem movimentar-se como parte do povo, para fazer estancar a cultura falsamente fiscalista, permitindo que se finde a ditadura fiscal que a alimenta.

*Adermir Ramos da Silva, advogado, agente fiscal de Rendas aposentado, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas, cumpre mandato como juiz servidor público.

Leia a decisão

Despacho Proferido

Vistos.

A documentação apresentada com a peça inicial comprova, em cognição sumária, que o impetrante, ADERMIR RAMOS DA SILVA, foi nomeado juiz (na classe servidor público), para nessa condição integrar os quadros do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, com mandato que findará em 31 de dezembro de 2007 (cf. folha 29).

Comprova ainda que o impetrante integrava, como membro efetivo, a sétima câmara efetiva desse mesmo Tribunal (folha 32), da qual foi desligado por força de ato administrativo praticado pela Coordenadoria da Administração Tributária em 25 de abril de 2007, que apontada na Resolução de número 24, de 24 de abril de 2007, emanada da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, alterou a composição daquela sétima câmara, dela retirando o impetrante e o inserindo em lista de juízes suplentes (cf. folhas 20 e 22), contra o que se insurge o impetrante, pleiteando a concessão de medida liminar que obste a eficácia desses atos administrativos. Medida liminar que é de conceder-se.

Com efeito, não explicitou a Coordenadoria da Administração Tributária as razões que deram azo à exclusão do impetrante da composição da sétima câmara do TIT, até então seu membro efetivo. A Secretaria da Fazenda, por sua vez, não informa quais os critérios de que se valeu para a elaboração da lista de juízes suplentes, nem identificou em que câmaras temporárias atuarão, se criadas.

O que, em cognição sumária, atribui relevância ao fundamento em que esteada esta impetração, nomeadamente porque é de considerar-se, ao menos como plausível, a correlação que o impetrante desenvolve entre seu desligamento e artigo que fez publicar em conhecido periódico paulista.

E a compasso com a relevância, caracteriza-se também uma situação concreta de risco, considerando-se que a exclusão do impetrante da condição de membro efetivo da sétima câmara está já a produzir efeitos concretos sobre sua esfera jurídica, causando-lhe evidentes prejuízos funcionais, se não que outros.

CONCEDO, pois, a medida liminar para em relação à esfera jurídica do impetrante, obsta a eficácia dos atos administrativos em questão, de modo que se lhe assegura a imediata reassunção no cargo de juiz efetivo da sétima câmara do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, intimando-se as Autoridades impetradas, com urgência, a fim de que dêem cumprimento a esta medida liminar, sob as penas da Lei.

Sejam ainda notificadas, observando-se o disposto no artigo 3º. da Lei Federal de número 4348/1964. Oportunamente, ao MINISTÉRIO PÚBLICO.

Int.

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