Respeito à dignidade

Ação arbitrária do poder público não pode ser tolerada

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30 de maio de 2007, 17h06

Uma nação civilizada tem como farol para iluminar seus caminhos um pacto fundamental que a ciência política denomina de constituição. Essa deve refletir os sentimentos e as aspirações de todos os segmentos que compõem a comunidade nacional. A constituição brasileira, moldurada sob o impulso dos ventos de uma abertura política sem precedentes, contém um precioso elenco de garantias individuais e define como um dos fundamentos da república o dogma que coloca em pedestal a dignidade da pessoa humana.

Para a compreensão do tema, é interessante voltar ao princípio de tudo, quando Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e o colocou no centro de tudo: “que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre a terra…” (Ex, 1, 26). Com o tempo, houve graves desvios e os homens entraram em conflito: disputas, intrigas, guerras e dominações confundiram o plano divino.

Na Idade Antiga, instalou-se o terrível regime da escravatura, em que seres humanos eram considerados como bens de propriedade privada, cujos donos tinham sobre eles poder de vida e de morte. O Cristianismo, afirmativo do ideal de fraternidade, buscou difundir a idéia original que colocava o homem como o valor maior. Mesmo assim, sobreviveu o modelo escravocrata, que perdurou até o final do século XIX, inclusive no Brasil, um dos últimos países a abolir o desumano regime.

Com os gritos do Iluminismo, movimento filosófico nascido no século XVII, que afirmava ser todo indivíduo titular dos direitos naturais à vida, a liberdade e à posse de bens materiais, o dogma que sobreleva a dignidade da pessoa humana tomou espaço no mundo civilizado. No século XX, a partir da Declaração Universal dos Direitos dos Direitos Humanos de 1948, as constituições da Europa adotaram o princípio, expresso de forma lapidar na Lei Fundamental de Bonn, de l949: “A dignidade do homem é intangível. Os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”. Embora de formulação um tanto abstrata, o princípio tem profunda repercussão no campo da sua atuação objetiva.

Entre nós, o preceito deverá ser o norte de toda a atuação do Poder Público. Sendo um dos fundamentos da república a dignidade da pessoa humana, ela é o valor supremo da democracia. Nenhuma ação do Estado que lhe seja ofensiva, arbitrária ou humilhante pode ser tolerada. Todo o sistema normativo deve ser concebido à luz desse princípio, em especial o sistema penal, que é o mais vigoroso instrumento de controle das liberdades públicas.

Por isso, o capítulo das garantias constitucionais é composto de vários preceitos que se situam na mesma linha de dignificação do ser humano, merecendo destaque os seguintes: ninguém pode ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; ninguém pode ser julgado sem defesa; provas ilícitas não servem de fundamento para condenação; somente a lei pode definir o que é crime; ao preso deve ser assegurada a sua integridade física e moral; são vedadas penas de morte, de prisão perpétua, de trabalhos forçados, de banimento ou penas cruéis; e, seja destacado, ninguém será considerado culpado antes de uma condenação definitiva.

Essas reflexões são oportunas nesses tempos de combate à criminalidade, quando o Estado, por seus órgãos competentes, tem efetuado sucessivas ações no combate ao crime organizado, submetendo os indiciados ao devido processo. Tais medidas merecem todo o apoio da nação, que já não suporta a proliferação de ações deletérias em detrimento do patrimônio comum. Todavia, é necessário que nessa atuação não se violem as garantias republicanas, repudiando-se os excessos que afrontam o princípio da dignidade da pessoa humana.

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