Mea maxima culpa

A imprensa às vezes aumenta, mas nem sempre inventa

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28 de maio de 2007, 14h23

Um ilustre advogado, ao solidarizar-se com um juiz cujo nome foi indevidamente citado em noticiário sobre corrupção, disse que “uma das grandes culpadas por todo barulho desnecessário das operações da Polícia Federal é a imprensa”. E disse também que “Quem elabora a lei não é o juiz. Então ele não pode ser criticado”.

Essas operações da Polícia Federal, que trazem codinomes ridículos e totalmente desnecessários, inspirados na mitologia greco-romana ou extraídos da tola imaginação dos marqueteiros de plantão, nada mais representam do que o cumprimento de obrigações pelas quais os policiais federais são pagos.

Quem cumpre seu dever não precisa de “rótulo” ou “marca”, pois não é produto ou mercadoria que está à venda. Policiais, tanto quanto os juizes, são pagos pelo povo e estão sujeitos às normas da lei, como qualquer cidadão. A Constituição, no artigo 144 diz qual é a função da polícia e no artigo 37 diz como qualquer funcionário deve agir.

Um ex-presidente do STJ já disse:

“…o dinheiro que paga o salário do Presidente da República e dos seus Ministros, dos Deputados e dos Senadores, dos Ministros dos Tribunais é o mesmo que paga o salário de todos os outros servidores, do porteiro ao assessor mais graduado, do cabo ao general. Esse dinheiro vem de um único patrão para o qual trabalhamos, do qual somos empregados. Esse patrão é o contribuinte que paga impostos. Somos empregados do Povo brasileiro” (EDSON VIDIGAL, in www. serpro. gov. notícias, 13.04.2004)

Há evidentes exageros em algumas ações da polícia. Alguns policiais talvez assistam filmes americanos em demasia e se imaginam elegantes “agentes secretos” , destemidos “super-heróis” ou mesmo invencíveis “ninjas”.

Mas a coisa nem sempre é tão bonita como no cinema ou nas séries de televisão. Nem todos podem ser James Bond, Baretta ou Sherlock.

Recentemente um delegado fez apreensão num escritório de advocacia em São Paulo sem exibir mandado válido. Trazia uma simples cópia reprográfica de uma parte de um despacho muito vago, muito genérico, assinado por um juiz, que não dizia o que ou para que apreender.

O policial se fez de “engraçadinho” e na companhia de vários agentes fortemente armados constrangeu e humilhou pessoas que não sabiam do que estavam sendo acusadas ou porque estavam sendo investigadas. Fez comentários irônicos, fuçou as agendas da secretária, impediu que o escritório funcionasse, violou arquivos, etc.

O pedaço de papel que ele tinha não era nem se parecia com um mandado válido. Claro que qualquer mandado poderia ter sido feito alhures, antes ou depois daquela diligência. Mas naquele momento não se cumpria mandado. Abusava-se de um direito. Descumpria-se a lei. Afinal, tudo é possível com uma arma na mão.

Dizer que “Quem elabora a lei não é o juiz. Então ele não pode ser criticado” é um raciocínio simplista, especialmente quando o juiz expede mandado genérico, impreciso, incompleto. Ele pode e deve ser criticado, sim, pois agiu de forma injusta e ao arrepio da lei.

Nenhum juiz pode autorizar violação de privacidade sem provas razoáveis de presença de ilícito. Ao submeter uma pessoa ao constrangimento de ter seu domicílio, casa ou escritório, “fuçado” por policiais, ao permitir esses espetáculos circenses em que se transformam algumas operações policiais, o juiz desonra a toga, desobedece à Constituição, envergonha a Nação.

O juiz precisa agir com muito cuidado em seu trabalho. Caso contrário, teríamos que dar razão a Calamandrei quando disse: “Os juízes, como os médicos, apenas vêem em seu redor chagas e lepra. Os juízes, como os médicos, respiram durante toda a sua vida um ar viciado, naqueles sombrios hospitais de toda a corrupção humana, que são os tribunais.”

Se nós perdermos confiança no Judiciário, estaremos perdidos. A Justiça brasileira é a melhor de todas as nossas instituições. Não podemos admitir que o erro de alguns poucos possa macular a imagem de todos.

Em quase todas essas mirabolantes operações supostas escutas telefônicas foram divulgadas, mesmo quando o inquérito está em “segredo de justiça”. E o mais estranho é que os relatórios policiais “interpretam” os diálogos e transformam suposições em bombásticas revelações.

Outro dia um cliente mandou entregar exatamente 10 documentos em meu escritório e depois me telefonou, pedindo que eu os enviasse a um fiscal. Textualmente, afirmou na ligação: “Aqueles dez documentos você entrega ao fiscal fulano…”

Se o tal fiscal for preso no aeroporto com 10 mil dólares na cueca e se o meu telefone estiver grampeado, qualquer policial metido a “intérprete” de escutas alheias poderá colocar no seu relatório: “A mando do seu cliente , o advogado entregou propina ao fiscal. Na ligação do dia tal, a tantas horas, o cliente usou “documentos” para referir-se a mil dólares…”

Assim como qualquer cantor de tango ou como qualquer ator dramático, o “intérprete” transmite o que quer, como quiser, a qualquer pessoa disposta a desconfiar de todos e a acreditar em qualquer besteira. O “milongueiro” argentino ou o ator de novela podem e devem “interpretar”. Mas servidor público não. Os atos administrativos devem ter presunção de legitimidade.

Quando um policial vaza informações em matéria que deveria estar em sigilo, deve ser punido. E pior: está fazendo um desserviço ao país, pois pode tornar ilícita a prova e assim por a perder todo o seu trabalho e o de seus colegas.

Mas dizer que nós, jornalistas, somos culpados pelo “barulho desnecessário” produzido nas operações policiais, é um grande equívoco, se não for uma enorme besteira. A função do jornalista é dar a notícia. Se tiver que fazer “barulho” para isso, tudo bem.

O Código de Ética dos jornalistas brasileiros, aprovado pela FENAJ, diz em seu artigo 9º que “ é dever do jornalista divulgar todos os fatos que sejam de interesse público.”

Não é a imprensa que faz “barulho”. Se uma enorme quantidade de policiais fortemente armados entram, ingressam, adentram ou “invadem” um tribunal, um “shopping” ou a casa de alguém, tudo indica que nesses locais estejam ocorrendo “fatos que sejam de interesse público”. Assim, o dever do jornalista é apenas divulgar o que está acontecendo.

Foi a imprensa que montou o “circo”? Foi a imprensa que sugeriu ao policial que algemasse aquele senhor de mais de 70 anos, desarmado, fraco e doente, que talvez queira enfrentar o aparato bélico com suas mortíferas e perigosas unhadas ou mordidas ???

Não podemos perder nem o foco nem a razão. A questão é simples: existem fortes indícios de corrupção nas matérias noticiadas. Há pessoas que estão presas por isso. A imprensa não pode apenas noticiar o gol do Romário, o novo livro do Tognoli ou o concurso de miss. Imprensa é imprensa. Não pode nem deve se calar.

Advogado que reclama de notícia esqueceu-se do que estudou na escola. A imprensa é culpada quando dá notícia falsa ou quando distorce a matéria. Fora disso, apenas cumpre o seu papel.

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