Prisão sem fundamento

Leia o voto que libertou engenheiro preso na Operação Navalha

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27 de maio de 2007, 0h00

Não é possível conceber como compatível com a garantia constitucional da presunção de inocência qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada. A consideração é do ministro Gilmar Mendes, no pedido de Habeas Corpus de Rosevaldo Pereira Melo, engenheiro civil empregado da Construtora Gautama, ex-servidor da Companhia de Água e Saneamento de Alagoas.

Os pedidos de liberdade concedidos pelo Supremo aos acusados na Operação Navalha, da Polícia Federal, chegam a dez. Na maioria, Gilmar Mendes afirmou que não há no decreto de prisão qualquer argumento que fundamente a reclusão dos acusados.

Rosevaldo é acusado de negociar, como empregado da Gautama no estado de Alagoas, a liberação de recursos públicos para a suposta organização criminosa que fraudava licitações.

Segundo Gilmar Mendes, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão é necessário que o juízo competente indique e especifique, minuciosamente, os elementos concretos que legitimem e fundamentem “essa medida excepcional de constrição da liberdade.”

“É dizer, em relação ao caso específico que o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente e a iminente atuação da suposta ‘organização criminosa’ a partir das interceptações de diálogos”, afirmou Gilmar Mendes.

“Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao paciente diz respeito ao elemento de que não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático-jurídica entre os fatos imputados e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa”, concluiu.

A operação

A Operação Navalha foi deflagrada pela Polícia Federal, na quinta-feira (17/5), contra acusados de fraudes em licitações públicas federais, prendendo 47 pessoas. Segundo a PF, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais. De acordo com a acusação, o esquema garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da Gautama e então conseguia licitações para empresas por ela patrocinadas.

O ministro Gilmar Mendes concedeu o primeiro Habeas Corpus, em benefício ao ex-procurador-geral do Estado do Maranhão Ulisses César Martins de Sousa. No domingo (20/5), o ministro mandou soltar o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares e o presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), Roberto Figueiredo Guimarães. Na terça-feira (22/5), foi a vez do empresário José Édson Vasconcellos Fontenelle; do prefeito de Camaçari (BA), Luiz Carlos Caetano; do deputado distrital Pedro Passos e do secretário de Infra-estrutura de Alagoas, Marcio Fidelson Menezes Gomes, que obtiveram a suspensão de suas prisões preventivas.

Na quinta-feira, também foram soltos Francisco de Pula Lima Júnior e Alexandre Maia Lago, sobrinhos do governador do Maranhão, Jackson Lago.

Leia o voto


MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.426-8 BAHIA

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): ROSEVALDO PEREIRA DE MELO OU ROSEVALDO PEREIRA MELO

IMPETRANTE(S): JOSÉ FRAGOSO CAVALCANTI E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO INQ Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado em favor de ROSEVALDO PEREIRA DE MELO, em que se impugna prisão preventiva decretada pela Min. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do Inquérito no 544/BA.

O paciente é engenheiro civil e, nos termos da decisão impugnada, é investigado na condição de empregado da Construtora GAUTAMA. Ademais, o paciente é ex-servidor do Estado de Alagoas, lotado na Companhia de Água e Saneamento do Estado, órgão vinculado à Secretaria de Infra-Estrutura. A prisão preventiva foi decretada pelo suposto envolvimento do investigado com a “associação criminosa” em apuração nos autos do referido inquérito, sob a acusação de que, na condição de empregado da Gautama no Estado de Alagoas, teria atuado conjuntamente com BOLÍVAR RIBEIRO SABACK, negociando a liberação de recursos públicos para a suposta organização criminosa, quase sempre para o suposto pagamento de mediações irregulares.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese:

“No caso em tela, a prisão do paciente é fenômeno absolutamente hediondo, conquanto não se observa quaisquer dos requisitos necessários à sua decretação. Como suficientemente demonstrado, não há, nos autos do inquérito policial, qualquer fato concreto que autorize presumir que o paciente possa de qualquer forma, caso permaneça em liberdade, prejudicar a ordem pública ou econômica. Tampouco restou demonstrado, que o mesmo irá prejudicar a instrução processual, seja coagindo testemunhas ou ocultando ou destruindo as provas que se pretendem angariar.

No caso do Paciente, ROSEVALDO PEREIRA MELO, no que se refere à garantia da ordem pública ou econômica, é impossível para o mesmo, atentar contra ela, vez que já está afastado da empresa GAUTAMA, desde dezembro de 2006, razão pela qual inexiste nos autos do inquérito nº 544, qualquer ligação telefônica interceptada cujo telefone que originou ou recebeu chamada seja de sua propriedade.

Para além disso, o Paciente, conforme a própria Autoridade Coatora afirma em seu despacho, era apenas um subordinado do proprietário da empresa GAUTAMA, recebendo ordens deste, ou seja, em razão de ter se afastado da empresa, não tem mais qualquer relação de mando ou desmando capaz de fazer supor que o mesmo possa atentar contra a ordem pública ou econômica.

[…]


O fumus boni iuris resta configurado na comprovada inexistência de requisitos para o decreto da prisão preventiva e na absoluta falta de fundamentação, que na melhor das hipóteses poderia ser considerada como ‘genérica’, sem qualquer especificidade” – (fls. 7-9).

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa argumenta que:

“o periculum in mora reside na circunstância inexorável do tempo. Cada minuto que passa, aumenta o constrangimento e a execração pública consistente em uma prisão que se verifica ilegal desde o início. Em suma, não se concedendo a liminar postulada, a lesão ao sagrado direito da liberdade do paciente se efetivará plenamente, razão pela qual pleiteia o impetrante a concessão da medida liminar” – (fl. 9).

Com base nessa argumentação, postula-se “a concessão da medida liminar para o fim de restituir-se imediatamente a liberdade do paciente, fazendo cessar os efeitos do decreto de prisão provisória” – (fl. 10).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Neste habeas corpus, impugna-se, em síntese, a validade da fundamentação do decreto de prisão preventiva expedido em face do ora Paciente (ROSEVALDO PEREIRA DE MELO ou ROSEVALDO PEREIRA MELO).

Seguem-se trechos da decisão que decretou a prisão preventiva relativos ao paciente, verbis:

No primeiro nível estão os funcionários da GAUTAMA, com atuação em diversos Estados, os quais mantêm relação de subordinação com ZULEIDO VERAS, acatando suas ordens e determinações, beneficiando-se diretamente dos lucros auferidos pela atividade delitiva, seja pelo recebimento de salários, seja pelo recebimento de pagamentos realizados pela empresa em operação conhecida na organização como ‘folha B’. Nesse rol estão as seguintes pessoas:

[…]

6) ROSEVALDO PEREIRA MELO;” – (fl. 2 da decisão do STJ; fl. 12 dos autos).

“BOLIVAR RIBEIRO SABACK e ROSEVALDO PEREIRA MELO são empregados da GAUTAMA no Estado de Alagoas e trabalham como ‘lobistas’, negociando a liberação de recursos públicos para a organização criminosa, geralmente em razão de medições irregulares. ROSEVALDO, antes de trabalhar para a GAUTAMA, era servidor do Estado de Alagoas, lotado na Companhia de Água e Saneamento do Estado, órgão vinculado à Secretaria de Infra-estrutura, o que lhe deu trânsito suficiente para obter aprovação de medições ilegais, mediante oferta de vantagem indevida” – (fl. 4 da decisão do STJ e fl. 14 dos autos).

“Segundo expõe o MPF, os fatos passados no Estado de Alagoas são muito semelhantes aos ocorridos no Estado do Maranhão.


Aqui, a organização criminosa vinha executando obra pública e para obter a liberação de recursos relativos às medições irregulares corromperam servidores públicos lotados na Secretaria de Infra-Estrutura do Estado, envolvendo-se nas negociações por parte da GAUTAMA ZULEIDO VERAS, e seus empregados BOLÍVAR RIBEIRO SABACK, ABELARDO LOPES FILHO, ROSEVALDO PEREIRA MELO e MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA, enquanto figuram do lado do Estado DENISSON DE LUNA TENÓRIO, à época Diretor de Obras da Secretaria de Infra-Estrutura do Estado de Alagoas, e MÁRCIO FIDELSON MENEZES GOMES, Secretário de Infra-Estrutura do Estado, com o auxílio do servidor ERNANI SOARES GOMES FILHO, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, atualmente cedido à Câmara dos Deputados” – (fl. 20 da decisão do STJ e fl. 30 dos autos).

No primeiro nível estão os funcionários da GAUTAMA que atuam nos diversos Estados em que a organização criminosa exerce as suas atividades. Mantêm relação direta de subordinação com ZULEIDO VERAS, acatando as suas ordens e determinações, conscientes do caráter ilícito de suas condutas. Beneficiam-se diretamente dos lucros havidos da atividade delituosa, seja através de salários, seja por meio de pagamentos feitos com recursos não contabilizados pela empresa, referidos por eles próprios como ‘folha B’.

Compõem o primeiro nível dezesseis integrantes. São eles:

[…]

6) ROSEVALDO PEREIRA MELO, empregado da GAUTAMA no Estado de Alagoas, trabalha como ‘lobista’, juntamente com BOLÍVAR RIBEIRO SABACK, negociando a liberação de recursos públicos para a organização criminosa, quase sempre em pagamento de medições irregulares.

Antes de trabalhar para a GAUTAMA, foi servidor do Estado de Alagoas, lotado na Companhia de Água e Saneamento do Estado, órgão vinculado à Secretaria de Infra-estrutura. Valeu-se, por diversas vezes, da sua influência junto aos servidores da referida Secretaria para obter a aprovação de medições, oferecendo, como compensação, vantagem indevida.” – (fls. 53/55 da decisão do STJ; fls. 63/65 dos autos).

“Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

7) ROSEVALDO PEREIRA MELO;” – (fl. 63 da decisão do STJ; fl. 73 dos autos).

Da leitura do ato decisório, observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato de que o investigado, na condição de empregado da Gautama no Estado de Alagoas, teria atuado conjuntamente com BOLÍVAR RIBEIRO SABACK, negociando a liberação de recursos públicos para a suposta organização criminosa, quase sempre em pagamento de mediações irregulares.


Além dessas referências na decisão que decretou a prisão preventiva, há um único registro de diálogo telefônico no qual o ora paciente (ROSEVALDO PEREIRA MELO) é mencionado por outros investigados. Nesse sentido, destaco a íntegra do diálogo de nº 27, ocorrido em algumas oportunidades durante o mês de julho de 2006, verbis:

“DIÁLOGO 27:

BOLÍVAR diz a FÁTIMA que estava com ROSEVALDO na sala quando entrou o amigo do mesmo, que assina a OB (MARCIO), e entregou a ROSE um papel com ‘a quantidade de XEROX que tem que repassar no processo’, lembrando-o de que não podia haver furo; diz que, de fato, o cara fez tudo o que tinha sido combinado; diz que atrasou um pouco por causa da viagem de DENISSON, mas foi feito; diz que ele colocou ‘a referência’ no papel e disse: ‘ROSE, isso aqui não pode deixar de acontecer’; BOLIVAR diz que ficou acertado de que seria o pedido "seria enviado pelo correio no prazo de dez a quinze dias, para não ficar muito apertado". (05/07/2006 15:17:40)

ROSE diz que quando foi com BOLIVAR pegar a OB (ORDEM BANCÁRIA), MÁRCIO passou o papel da quantidade de ‘XEROX’ e perguntou quando poderiam entregar isso e como fazem. ROSE diz que disse ao MÁRCIO que isso era como ‘fio de bigode’ – entre dez a quinze dias poderia repassar. (05/07/2006 15:26:47)– (fl. 21 da decisão do STJ; fl. 31 dos autos).

Da leitura das transcrições acima, observa-se que somente no diálogo referido (27) o ora paciente é mencionado por outros investigados em contextos que indicam, ao menos em tese, participação em atividades supostamente ilícitas.

Após essas indicações, é válido apresentar a fundamentação e a parte dispositiva do ato decisório ora impugnado no que concerne especificamente ao ora paciente (ROSEVALDO PEREIRA DE MELO), verbis:

“Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com os episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e 9.296/96.

Como ressaltou o MPF, temos apenas o início das provas que foram colhidas com grande esforço, diante das técnicas de atuação próprias das organizações criminosas. Infiltradas no aparelho estatal e atuando na penumbra, facilmente apagam os vestígios da atuação delitiva, destruindo documentos, apagando arquivos eletrônicos, coagindo e comprando testemunhas.

O que aqui se apresenta são, portanto, resultados parciais das diligências que serão ampliadas pela autoridade policial, mas, no meu entender, já são suficientes para adoção de algumas providências judiciais, tornando ostensiva a colheita de prova que vinha sendo feita em sigilo.


Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República.

Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização, diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita.

Considero presentes, diante do que foi apurado e aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP, seja para garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa, dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.

Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

7) ROSEVALDO PEREIRA DE MELO;” – (fl. 63 da decisão do STJ; e fl. 73 dos autos).

Da leitura dos termos da fundamentação da prisão preventiva, denota-se que a premissa maior para a indicação da necessidade da decretação da custódia cautelar é a de que: “segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República” – (fl. 63 da decisão do STJ; fls. 72/73 dos autos).

Conforme destacado acima, o ora paciente (ROSEVALDO PEREIRA DE MELO) é indicado e mencionado unicamente no diálogo interceptado no mês de julho de 2006.

A jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal entende que o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).


A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com a garantia constitucional da presunção de inocência qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Entretanto, tenho indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese, porém, parece-me distinta.

Salvo melhor juízo quanto ao mérito, ressalto que o paciente ROSEVALDO PEREIRA DE MELO teve contra si ato judicial que não indica fatos concretos que, ao menos em tese, justificariam a prisão preventiva prevista nos termos do art. 312 do CPP.

No caso concreto ora em apreço, um dos elementos utilizados pela prisão preventiva é o de que seria necessário “paralisar a atuação da organização criminosa […] que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC” – (fl. 122).

É dizer, em relação ao caso específico do ora paciente (ROSEVALDO PEREIRA DE MELO), o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente e a iminente atuação da suposta “organização criminosa” a partir das interceptações de diálogos ocorridas a partir do mês de fevereiro de 2007.

Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao paciente (ROSEVALDO PEREIRA DE MELO) diz respeito ao elemento de que não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático-jurídica entre os fatos imputados ao paciente no período de julho de 2006 e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Expeça-se alvará de soltura em favor do ora paciente.

Comunique-se, com urgência.

Após, abra-se vista dos autos, com urgência, ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Publique-se.

Brasília, 24 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

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