Navalha sem corte

Pedido de prisão de ex-procurador se baseou em erro da PF

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25 de maio de 2007, 22h15

O pedido de prisão preventiva do ex-procurador-geral do Estado do Maranhão, Ulisses Cesar Martins de Sousa, feito pela Polícia Federal, foi baseado em um erro. É o que aponta a defesa do investigado pela Operação Navalha.

Uma das provas que motivou o pedido de prisão é um parecer que teria permitido o pagamento de R$ 1,64 milhão para Gautama em uma obra no estado. O detalhe é que o parecer não é assinado pelo ex-procurador-geral. O documento (veja abaixo) sequer foi anexado ao inquérito.

O parecer é assinado pelo procurador do Estado Miguel Ribeiro Pereira e aprovado pelo procurador-geral adjunto Oswaldo Santo Cardoso. Pereira opinou favoravelmente pelo pagamento da sexta medição no valor de R$ 1,64 milhão, mas solicitou também abertura de procedimento para que fossem apuradas possíveis irregularidades no processo de aditivo.

A data do parecer apontada pela Polícia Federal também estava errada. O parecer é do dia 5 de julho de 2006, mas, para a PF, o documento teria sido assinado no dia 14 de julho. O ex-procurador-geral não foi ao menos citado nos diálogos telefônicos captados.

A Gautama pediu um adicional na construção de quatro pontes na rodovia MA-402. A estrada foi transformada em federal, o que exigia o aumento da largura de 10 metros para 12,8 metros. No entanto, para a PF, “a medição foi aprovada, ao final, com o parecer favorável do Procurador-Geral do Estado Ulisses César Martins de Souza e do Secretário Ney de Barros Bello, com a determinação de pagamento no valor de R$1.639.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) na data de 14 de julho de 2006”.

Ainda segundo a Polícia, depois do parecer “o grupo passou a se articular com servidores do Estado com o objetivo de fraudar o processo licitatório, através do qual seria escolhida a empresa que executaria as obras. Os principais articuladores foram: Zuleido Veras, Vicente Coni, Geraldo Magela, Maria de Fátima Palmeira e João Manuel Soares, os quais já contavam com a promessa do Procurador-Geral do Estado, Ulisses César Martins de Souza, de que a obra seria executada pela Gautama”.

No final, a obra não ficou nem nas mãos da construtora, como mostra Diário da União do dia 22 de março de 2007. “Às vésperas da celebração do convênio, o Procurador-Geral de Justiça comunicou a Vicente Coni que pretendia direcionar a licitação para outra empresa, a Construtora Sutelpa, alteração devida ao não-cumprimento dos compromissos por parte da organização criminosa (pagamento de propinas)”, diz pedido da PF.

“Houve uma confusão entre a suposta prática do ilícito e os requisitos da prisão preventiva. O parecer estava rigorosamente correto ao pedir para se apurar os fatos. Foi um absurdo da polícia”, diz Alberto Zacharias Toron, um dos advogados de Sousa.

Livre antes da prisão

O ex-procurador-geral não chegou a nem ser preso pela PF. No dia da Operação Navalha (17/5), o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar que garantiu a liberdade a Sousa. Para o ministro, o decreto de prisão expedido pela ministra Eliana Calmon não indicava expressamente quais motivos existem para a prisão cautelar. De acordo com o ministro, Sousa deixou de ser procurador-geral do Maranhão há sete meses. Portanto, não há, aparentemente, risco de “continuidade delitiva pela suposta organização criminosa”.

Ainda segundo a decisão de Gilmar Mendes, o decreto de prisão “não individualizou quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta ‘organização criminosa’ à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo paciente”.

A Operação Navalha foi deflagrada pela Polícia Federal na quinta-feira (17/5) para deter acusados de fraudes em licitações públicas federais, prendendo 47 pessoas. Segundo a PF, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais.

Leia o parecer

Interessado: Secretaria de Estado de Infra-Estrutura

Processo 1745/2006/SINFRA

Assunto: Solicitação de pagamento da sexta medição referente à execução dos serviços de restauração e implantação de obras de artes do programa de perenização de travessias

Parecer 600/2006/ASS/PGE/MA

Trata-se de processo oriundo da Secretaria de Estado da Infra-Estrutura iniciado pela Construtora Gautama LTDA que requer o pagamento da sexta medição, alertado para o fato de que as pontes inicialmente previstas para dez metros de largura passaram para doze vírgula oitenta metros devido a mudança na classe da rodovia e no projeto executivo das pontes rodoviárias da MA 402. Anexou a construtora planilha de cálculos com os acréscimos requeridos.


Foi emitido primeiro parecer no âmbito da Assessoria Jurídica da SINFRA indicando que houve divergência nos quantitativos de medições, opinando pela notificação à empresa para que exerça o direito à ampla defesa e ao contraditório.

A construtora apresentou justificativa após o que o processo retornou à Assessoria Jurídica cujas preciosas observações encontram-se a seguir:

“Pelo método construtivo a superestrutura das 112 (cento e doze) pontes deveria ter sido construída utilizando-se o método e a tecnologia de pré-moldados.

Ocorre, todavia, que as pontes sobre os riachos Barro Duro, Coqueiro, Carrapato e Formiga tiveram o projeto construtivo (superestrutura) modificado, com sua construção in loco, o que gerou toda a divergência nos valores apresentados. Além desta modificação as pontes inicialmente contratadas com largura de 10 metros, tiveram que ser aumentadas para 12,80 metros em exigência ao DNIT, conseqüência da categoria da modificação da categoria da rodovia.

Pelas informações obtidas nos autos, observa-se que os serviços foram prestados, ainda que sem cobertura contratual, pois, não houve qualquer aditivo ao contrato, nem para a modificação do método construtivo, tampouco para adequação dos itens acrescidos, decorrentes da modificação da largura das pontes.”

Conclui a Assessoria Jurídica pela regularidade do pagamento inclusive com a inclusão do acréscimo da largura das pontes para evitar o locupletamento ilícito da administração, mantendo o preço unitário apresentado pela Superintendência de Obras Rodoviárias.

Em síntese, o relatório.

Passa-se a opinar.

Verifica-se no bojo do processo que foram realizadas alterações qualitativas e quantitativas do projeto requerendo a construtora, pagamento de medição e acréscimos.

Os contrato firmados pela administração pública poderão ser alterados quando de sua execução por vários motivos , entre os quais: modificação no objeto contratado, aumento ou decréscimo nos quantitativos, melhor adequação técnica inviabilidade da técnica contratada, mudança na forma de pagamento ou para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro da avença. Nos termos da lei as alterações dos contratos firmados pelo Poder Público poderão ocorrer de forma unilateral, pela Administração ou por acordo entre as partes, conforme estabelecido no art. 65 da Lei nº 8.666/93 abaixo transcrito.

Art. 65 Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados com as devidas justificativas nos seguintes casos:

I—unilateralmente pela Administração:

a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;

b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;

II—por acordo das partes:

a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;

b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;

c) quando necessária modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstância superveniente , mantido o valor inicial atualizado , vedada a antecipação do pagamento , com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contrato e retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato , na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis , ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato príncipe, configurando área econômica extraordinária extracontratual.


Portanto, a alteração contratual é prevista desde que devidamente justificada nos termos do art. 65 acima transcrito.

Entretanto, como observado pela Assessoria jurídica da SINFRA os serviços relacionados às alterações não tiveram cobertura contratual, pois, não houve qualquer aditivo ao contrato, nem para a modificação do método construtivo, tampouco para adequação dos itens acrescidos, decorrentes da modificação da largura das pontes.

Por outro lado, o próprio setor técnico da SINFRA (fls. 70/71) não discorda das alterações nos serviços incidindo, na espécie, o art. 59 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, taxativo em definir que mesmo em contratos nulos haverá indenizado uma vez constatando-se que os serviços foram efetivamente realizados inclusive quanto àqueles decorrentes da modificação de largura das pontes, devendo-se apurar a responsabilidade quanto às irregularidades antes citadas.

Por fim, quanto ao valor do m² observa-se discordância entre os setores técnicos da SINFRA (fls. 39/70) visto que o engenheiro Sebastião José Pinheiro Franco (Superintendente de Obras Rodoviárias) conclui que devem ser pagos os valores apresentados pela construtora, posto que disposto no contrato enquanto o Secretário Adjunto das Obras Rodoviárias discorda, defendendo valor diverso.

De fato, na hipótese deve vigorar o valor constante na proposta apresentada pela construtora (fls. 52) por força da própria Constituição Federal, que e matéria de licitações é expressa em determinar que as condições apresentadas pela empresa.

Na proposta devem ser obedecidas ao longo da execução contratual verbis:

Art. 37 – (…)

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Em virtude do exposto, opina-se pelo pagamento da sexta medição com os acréscimos decorrentes da alteração no projeto original o que evitará o locupletamento ilícito da Administração, devendo-se adotar o valor inicialmente cotado por m² (fls. 52) em obediência ao art. 37, XXI da Constituição Federal. Por fim, recomenda-se a abertura de procedimento administrativo para apuração da responsabilidade pelas irregularidades relacionadas à ausência de aditivo contratual e pela inadequação entre o projeto original e o realmente necessário para a concretização das pontes.

É o parecer, s.m. juízo,

São Luís (MA), 05 de julho de 2006.

Miguel Ribeiro Pereira

Procurador do Estado

Aprovo o parecer

Osvaldo Santo Cardoso

Procurador Geral em exercício

Procurador Geral Adjunto

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