Direito ao silêncio

Leia o voto que deu liberdade aos sobrinhos de Jackson Lago

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25 de maio de 2007, 11h52

O direito ao silêncio, que assegura a não-produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana. Foi com esse entendimento que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liberdade para Francisco de Paula Lima Júnior e Alexandre Maia Lago, sobrinhos do governador do Maranhão, Jackson Lago. Eles foram presos durante a Operação Navalha, da Polícia Federal.

A liminar foi concedida, na quinta-feira (24/5). A defesa questionou ato da ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, que os manteve na prisão porque ficaram em silêncio nos interrogatórios marcados para os dias 21, 22 e 23 de maio.

De acordo com a defesa, todos ouvidos no inquérito policial foram colocados em liberdade pela ministra. Os sobrinhos de Jackson Lago, que optaram por ficar em silêncio, não conseguiram o mesmo benefício. A ministra os informou que permaneceriam presos até que seus pedidos de Habeas Corpus fossem apreciados pelo STF, “o que, data vênia, caracterizou modo de agir totalmente divergente daquele adotado em relação aos demais acusados”, segundo a defesa.

O ministro Gilmar Mendes reafirmou a validade do direito ao silêncio. “Este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações”, disse.

Também considerou que o constituinte reconheceu que “os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, parágrafos 4º)”.

“A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais”, concluiu o ministro.

A operação

A Operação Navalha foi deflagrada pela Polícia Federal na quinta-feira (17/5), contra acusados de fraudes em licitações públicas federais, prendendo 47 pessoas. Segundo a PF, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais. De acordo com a acusação, o esquema garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da Gautama e então conseguia licitações para empresas por ela patrocinadas.

O ministro Gilmar Mendes concedeu o primeiro Habeas Corpus, em benefício ao ex-procurador-geral do Estado do Maranhão Ulisses César Martins de Sousa. No domingo (20/5), o ministro mandou soltar o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares e o presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), Roberto Figueiredo Guimarães. Na terça-feira (22/5), foi a vez do empresário José Édson Vasconcellos Fontenelle; do prefeito de Camaçari (BA), Luiz Carlos Caetano; do deputado distrital Pedro Passos e do secretário de Infra-estrutura de Alagoas, Marcio Fidelson Menezes Gomes, que obtiveram a suspensão de suas prisões preventivas.

Na quinta-feira, também foi solto Rosevaldo Pereira Melo, engenheiro civil empregado da Construtora Gautama, ex-servidor da Companhia de Água e Saneamento de Alagoas.

Leia os votos

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.478-1 BAHIA

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): ALEXANDRE MAIA LAGO

IMPETRANTE(S): INÁCIO BENTO DE LOYOLA ALENCASTRO

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO INQ Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por INÁCIO BENTO DE LOYOLA ALENCASTRO, em favor de ALEXANDRE DE MAIA LAGO, em face de manutenção, após a inquirição do paciente, de prisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA pela Min. Rel. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (fls. 57-125).

Com relação à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a defesa, com base em uma série de precedentes deste Supremo Tribunal Federal, sustenta que:


“Como se não fosse o bastante as ilegalidades apontadas é importante trazer ao conhecimento desta corte, como é publico e notório, que TODOS os acusados que tiveram contra si decretada a prisão preventiva tiveram interrogatórios marcados para os dias 21, 22 e 23 de maio do corrente como, aliás, consta do próprio decreto prisional.

Consoante noticia o sítio do colendo Superior Tribunal de Justiça todos os acusados ouvidos até o momento tiveram a prisão preventiva revogada e estão soltos.

Sem pretender ser redundante, TODOS AQUELES QUE FORAM OUVIDOS NOS AUTOS DO INQUÉRITO POLICIAL foram postos em liberdade, exceto o paciente.

O paciente teve a sua oitiva designada para o dia 23 de maio de 2007 e, na audiência, na presença da eminente Ministra ELIANA CALMON informou do seu interesse em permanecer em silêncio, nos exatos termos do que lhe garante o art. 5°, inciso LXIII da Constituição Federal, a saber:

‘Art. 5°.

LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (grifo nosso).’

Em razão de tal circunstância, e somente por isso, já que não há qualquer outra explicação plausível, a Ministra informou-lhe que permaneceria preso até que fosse apreciado o seu pedido de revogação de prisão, o qual foi apresentado em 18 de maio de 2007, somente após a manifestação do Ministério Público – o qual opinou contrariamente, nos termos da ata de audiência em anexo –, o que, data venia, caracteriza modo de agir totalmente divergente daquele adotado em relação aos demais acusados.

Por entender o requerente que não estão e nunca estiveram presentes às hipóteses para a decretação da medida extrema, sem quebra da reverência devida, permitem-se aviar o pedido de ORDEM DE HABEAS CORPUS, revogando-se a prisão do Paciente” – (fls. 10/11).

[…]

Não quer crer o impetrante que seu constituinte permanece sofrendo os odiosos efeitos da prisão preventiva por fazer uso de direito inalienável – o não se auto-incriminar – nos termos da Carta Magna” – (fls. 18).

Quanto à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a inicial assevera os riscos decorrentes da permanência de constrangimento ilegal em razão da manutenção da prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Para uma melhor compreensão da matéria submetida à apreciação deste STF nest writ, é pertinente transcrever trechos do termo de audiência (fls. 32-34) por meio do qual se registram as razões do indeferimento do pedido de revogação da prisão preventiva em relação ao ora paciente em sessão de inquirição realizada ontem, dia 23 de maio de 2007, às 18:20h, verbis:


Pela MM. Juíza foi dada a palavra ao Sr. Advogado para o seu requerimento: requeiro a V. Exa. que seja apreciado o pedido de revogação da prisão o qual foi avisado no dia 18, sob protocolo n. 85408/2007, bem como invocando o princípio da isonomia, considerando que todos os outras depoentes foram liberados; que ao ora depoente, invocando seu direito constitucional de permanecer calado, seja dado tratamento igual. Pelo deferimento do pedido de revogação. Pela MM. Juíza foi dito que o pleito de relaxamento da prisão preventiva deixou de ser apreciado no dia seguinte ao do seu protocolo, em razão da designação de audiência a qual realizada hoje, não pôde se avaliada em situação da particularização da implicação do indiciado a que se refere esta ata por força do seu silêncio, sendo impossível, desta forma, materializar documentalmente a prova em áudio que consta no processo que lhe diz respeito; que desta forma, abre vista na oportunidade para que o Ministério Público Federal se manifeste sobre o pedido de relaxamento, em caráter de urgência para apreciação imediata na data de amanhã, dia 24 de maio do corrente ano. Quer esclarecer a MM Juíza que o processo encontra-se à disposição dos senhores advogados devidamente digitalizado nas peças mais importantes dos autos e que dizem respeito às imputações que pesam sobre os indiciados” – (fl. 33).

Por fim, o impetrante requer:

“Ante o exposto, estando presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, destacando-se que o requerente é primário e possui bons antecedentes e é flagrante que o paciente tem contra si decretada prisão preventiva manifestamente ilegal, de modo que se faz imperioso a concessão de sua liberdade, com amparo nos artigos 647 e 648, I, todos do Código de Processo Penal especialmente, considerando ainda a ofensa ao disposto nos artigos 186 e 312 do, também do Código de Processo Penal e, nos arts. 5o, LXIII e 93, IX, ambos da Constituição Federal, nos termos da argumentação acima expendida.

[…]

Assim, diante dos fatos e fundamentos aqui articulados, requer, LIMINARMENTE, seja revogada a prisão do paciente ALEXANDRE MAIA LAGO, DETERMINANDO-SE A IMEDIATA EXPEDIÇÃO DE CONTRA-MANDADO DE PRISÃO (ALVARÁ DE SOLTURA) EM SEU e, no mérito, requer seja confirmada a ilegalidade do decreto de prisão preventiva tirado contra o paciente […]” – (fls. 30/31).

Nesse contexto, permanecendo a prisão preventiva decretada em face do ora paciente, passo a apreciar tão-somente o pedido de medida liminar.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido que, nos depoimentos prestados perante órgãos do Poder Judiciário, é assegurado o direito de o investigado não se incriminar (CF, art. 5o, LXIII – “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (…)”).

Essa orientação, amplamente consolidada na jurisprudência da Corte (dentre outros: HC no 83.357-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 26.03.2004; HC no 79.244-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24.03.2000), tem sido objeto de críticas da sociedade e dos meios de comunicação, no sentido de se conferir um bill of indemnity ao depoente para que ele se exima de fornecer informações imprescindíveis à regular instrução.

Caso se pretenda atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das normas meramente programáticas, então devem–se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito. Em outras palavras, é necessário definir a exata conformação do seu âmbito de proteção. Tal colocação já seria suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador, tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições.

Evidentemente, não só o legislador, mas também os demais órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos cumprem uma importante tarefa na realização dos direitos fundamentais.


A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e sete incisos e quatro parágrafos (CF, art. 5º), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.

O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º). A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.

O direito ao silêncio, que assegura a não-produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana.

Como se sabe, na sua acepção originária conferida por nossa prática institucional, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações.

A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, Günther Dürig afirma que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [“Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck, 1990, 1I 18).

Em tese, a premissa acima seria suficiente para fazer incidir, automaticamente, a essência dos direitos argüidos na impetração. E, se há justo receio de que eles estejam sendo infringidos, deve-se deferir ao paciente a necessária proteção jurídica de modo a evitar possível constrangimento.

Na espécie, tomo por decisiva a circunstância de que, com relação a todos os demais investigados, a autoridade apontada como coatora, após a inquirição de cada uma das pessoas envolvidas, revogou a prisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA.

Além dessa premissa de efetivação do princípio constitucional da isonomia, afigurar-se-ia inequívoco, pelo menos nesta sede de juízo cautelar, que a manutenção da custódia cautelar em razão do não reconhecimento do direito de o paciente isentar-se de responder às perguntas, cujas respostas possam vir a incriminá-lo, acarreta graves e irreversíveis prejuízos a direito fundamental do paciente.

De outro lado, deve-se ter em mente que não é possível esvaziar o conteúdo constitucional da importante função institucional atribuída às investigações criminais na ordem constitucional pátria. Nesse ponto, entendo que a Eminente Relatora do INQ no 544/BA possui amplos poderes para convocar sempre que necessário o ora paciente.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar para que, até a decisão de mérito deste writ, sejam suspensos os efeitos do decreto de prisão preventiva exarado em face do ora paciente.


Expeça-se alvará de soltura em favor do ora paciente.

Comunique-se, com urgência.

Após, abra-se vista dos autos, com urgência, ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 24 de maio de 2007.

Leia o voto que concedeu liberdade para Francisco Lima Júnior

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.477-2 BAHIA

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): FRANCISCO DE PAULA LIMA JÚNIOR OU FRANCISCO DE PAULO LIMA JÚNIOR

IMPETRANTE(S): INÁCIO BENTO DE LOYOLA ALENCASTRO

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO INQ Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por INÁCIO BENTO DE LOYOLA ALENCASTRO, em favor de FRANCISCO DE PAULA LIMA JÚNIOR OU FRANCISCO DE PAULO LIMA JÚNIOR, em face de manutenção, após a inquirição do paciente, de prisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA pela Min. Rel. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (fls. 57-125).

Com relação à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a defesa, com base em uma série de precedentes deste Supremo Tribunal Federal, sustenta que:

“Como se não fosse o bastante as ilegalidades apontadas é importante trazer ao conhecimento desta corte, como é publico e notório, que TODOS os acusados que tiveram contra si decretada a prisão preventiva tiveram interrogatórios marcados para os dias 21, 22 e 23 de maio do corrente como, aliás, consta do próprio decreto prisional. 0 paciente teve sua oitiva adiada para o dia 24 de Maio de 2007, no período da manhã.

Consoante noticia o sítio do colendo Superior Tribunal de Justiça todos os acusados ouvidos até o momento tiveram a prisão preventiva revogada e estão soltos.

Sem pretender ser redundante, TODOS AQUELES QUE FORAM OUVIDOS NOS AUTOS DO INQUÉRITO POLICIAL foram postos em liberdade, exceto o paciente.

O paciente teve a sua oitiva designada para o dia 23 de maio de 2007 e, na audiência, na presença da eminente Ministra ELIANA CALMON informou do seu interesse em permanecer em silêncio, nos exatos termos do que lhe garante o art. 5°, inciso LXIII da Constituição Federal, a saber:

‘Art. 5°.

LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado" (grifo nosso).’

Em razão de tal circunstância, e somente por isso, já que não há qualquer outra explicação plausível, a Ministra informou-lhe que permaneceria preso até que fosse apreciado o seu pedido de revogação de prisão, o qual foi apresentado em 18 de maio de 2007, somente após a manifestação do Ministério Público – o qual opinou contrariamente, nos termos da ata de audiência em anexo –, o que, data venia, caracteriza modo de agir totalmente divergente daquele adotado em relação aos demais acusados.


A MM. Ministra Eliana Calmon, ainda na ata de audiência mediante os fundamentos abaixo transcritos, não revogou a prisão preventiva.

[…]

Não quer crer o impetrante que seu constituinte permanece sofrendo os odiosos efeitos da prisão preventiva por fazer uso de direito inalienável – o não se auto-incriminar – nos termos da Carta Magna, notadamente, quando a autoridade coatora fundamentou o indeferimento da revogação do decreto prisional no argumento de ‘que a investigação presente significa uma quebra de paradigmas na colheita de provas do processo brasileiro’.

Data máxima venia, em um Estado Democrático de Direito, onde não pode haver ‘quebra de paradigmas’ afrontando-se a Constituição Federal e o Código de Processo Penal, concessa vênia.

Por entender o requerente que não estão e nunca estiveram presentes às hipóteses para a decretação da medida extrema, sem quebra da reverência devida, permitem-se aviar o pedido de ORDEM DE HABEAS CORPUS, revogando-se a prisão do Paciente” – (fls. 10-13).

Quanto à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a inicial assevera os riscos decorrentes da permanência de constrangimento ilegal em razão da manutenção da prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Para uma melhor compreensão da matéria submetida à apreciação deste STF nest writ, é pertinente transcrever trechos do termo de audiência (fls. 34-37) por meio do qual se registram as razões do indeferimento do pedido de revogação da prisão preventiva em relação ao ora paciente em sessão de inquirição realizada hoje, dia 24 de maio de 2007, às 9:20h, verbis:

Cientificado dos fatos descritos nos referidos autos, e bem assim da observação do artigo 186 do Código de Processo Penal, às perguntas da Excelentíssima Senhora Ministra Relatora disse o depoente: que, com todo respeito, pretende exercer o seu direito constitucional de permanecer calado, atitude que toma por orientação de seu advogado. Dada a palavra às representantes do Ministério Público Federal, foi dito qu e reconhece o direito constitucional do investigado em permanecer em silêncio e que em relação ao pedido de revogação da prisão preventiva, reporta-se às razões expostas no parecer exarado na data de ontem em relação a Alexandre Maia Lago, tendo em vista que os fatos delituosos que atingem a ambos os investigados são da mesma natureza e possuem conexão probatória. Dada a palava ao advogado de defesa, presente neste ato, ‘Requeiro a V. Exa. Que seja apreciado o pedido de revogação da prisão preventiva o qual foi aviado no dia 18/05/, sobr o n. De protocolo 85408 de 2007. Requeiro, ainda, que seja dado tratamento isonômico ao ora depoente, considerando que todos os réus que prestaram depoimento tiveram sua prisão relaxada. Que o direito constitucional de permanecer calado não pode ser utilizado como fundamento para manutenção de sua prisão, e, por fim, considerada a dignidade da pessoa humana, requeiro que seja determinado o desbloqueio da conta bancária do ora depoente, notadamente em relação aos seus proventos, pois sua família precisa pagar contas ordinárias, como escola, luz e alimentar. Sem mais.’ Pela MM. Juíza foi dito que acolhe inteiramente do depoente quanto ao execício do seu direito constitucional de silêncio; que, em relação ao pedido de liberação, sobre o qual já se manifestou o Ministério Público Federal nessa assentada, reportando-se à promoção escrita constante do pleito do indiciado Alexandre Maia Lago, diante da fundamentação do requerimento, pautado no princípio da isonomia, no momento é o mesmo indeferido pelas razões seguintes: a) as situações individuais de envolvimento dos fatos apurados de cada um dos indiciados é absolutamente pessoal, aliás, este foi o fundamento básico para que o Egrégio Supremo Tribunal Federal, pela respeitável decisão do Ministro Gilmar Mendes indeferisse o pedido de extensão do Habeas Corpus que foi dirigido à Suprema Corte; b) que a finalidade precípua da ouvida de cada investigado é formalizar na justiça a prova colhida pela autoridade policial e que se encontra quase toda realizada por meio magnético, via áudios e filmagens, sendo de importância fundamental para a avaliação do envolvimento de cada investigado a análise que a justiça faz nesse momento em que houve os envolvidos; c)que as razões indicadas do decreto prisional indicam que o cuidado maior da Justiça em relação à presente investigação, que trata da específica modalidade de organização criminosa tem um perfil que enseja o tratamento diferenciado em razão dos fundamentos da prisão preventiva como consta do art. 312 do CPP; que, inclusive, nas informações de diversos Hábeas Corpus, endereçados ao Supremo Tribunal Federal, a relatora esclareceu exatamente a questão aqui enfocada, afirmando que a investigação presente significa uma quebra de paradigmas na colheita de provas do processo brasileiro; que, diante de todas essas razões, fará uma análise detidamente em relação ao envolvimento de cada um dos acusados Alexandre Maia Lago e do atual depoente, Francisco de Paula Lima Júnior, esclarecendo de logo que o silêncio não significa em absoluto, motivo de agravamento da sua situação processual; …” – (fls. 35/36).


Por fim, o impetrante requer:

“Ante o exposto, estando presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, destacando-se que o requerente é primário e possui bons antecedentes e é flagrante que o paciente tem contra si decretada prisão preventiva manifestamente ilegal, de modo que se faz imperioso a concessão de sua liberdade, com amparo nos artigos 647 e 648, I, todos do Código de Processo Penal especialmente, considerando ainda a ofensa ao disposto nos artigos 186 e 312 do, também do Código de Processo Penal e, nos arts. 5o, LXIII e 93, IX, ambos da Constituição Federal, nos termos da argumentação acima expendida.

[…]

Assim, diante dos fatos e fundamentos aqui articulados, requer, LIMINARMENTE, seja revogada a prisão do paciente FRANCISCO DE PAULA LIMA JÚNIOR, DETERMINANDO-SE A IMEDIATA EXPEDIÇÃO DE CONTRA-MANDADO DE PRISÃO (ALVARÁ DE SOLTURA) EM SEU e, no mérito, requer seja confirmada a ilegalidade do decreto de prisão preventiva tirado contra o paciente […]” – (fls. 32/33).

Nesse contexto, permanecendo a prisão preventiva decretada em face do ora paciente, passo a apreciar tão-somente o pedido de medida liminar.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido que, nos depoimentos prestados perante órgãos do Poder Judiciário, é assegurado o direito de o investigado não se incriminar (CF, art. 5o, LXIII – “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (…)”).

Essa orientação, amplamente consolidada na jurisprudência da Corte (dentre outros: HC no 83.357-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 26.03.2004; HC no 79.244-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24.03.2000), tem sido objeto de críticas da sociedade e dos meios de comunicação, no sentido de se conferir um bill of indemnity ao depoente para que ele se exima de fornecer informações imprescindíveis à regular instrução.

Caso se pretenda atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das normas meramente programáticas, então devem–se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito. Em outras palavras, é necessário definir a exata conformação do seu âmbito de proteção. Tal colocação já seria suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador, tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições.

Evidentemente, não só o legislador, mas também os demais órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos cumprem uma importante tarefa na realização dos direitos fundamentais.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e sete incisos e quatro parágrafos (CF, art. 5º), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.

O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (CF, art. 60, § 4o). A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.

O direito ao silêncio, que assegura a não-produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana.


Como se sabe, na sua acepção originária conferida por nossa prática institucional, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações.

A propósito, em comentários ao art. 1o da Constituição alemã, Günther Dürig afirma que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [“Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck, 1990, 1I 18).

Em tese, a premissa acima seria suficiente para fazer incidir, automaticamente, a essência dos direitos argüidos na impetração. E, se há justo receio de que eles estejam sendo infringidos, deve-se deferir ao paciente a necessária proteção jurídica de modo a evitar possível constrangimento.

Na espécie, tomo por decisiva a circunstância de que, com relação a todos os demais investigados, a autoridade apontada como coatora, após a inquirição de cada uma das pessoas envolvidas, revogou a prisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA.

Além dessa premissa de efetivação do princípio constitucional da isonomia, afigurar-se-ia inequívoco, pelo menos nesta sede de juízo cautelar, que a manutenção da custódia cautelar em razão do não reconhecimento do direito de o paciente isentar-se de responder às perguntas, cujas respostas possam vir a incriminá-lo, acarreta graves e irreversíveis prejuízos a direito fundamental do paciente.

De outro lado, deve-se ter em mente que não é possível esvaziar o conteúdo constitucional da importante função institucional atribuída às investigações criminais na ordem constitucional pátria. Nesse ponto, entendo que a Eminente Relatora do INQ no 544/BA possui amplos poderes para convocar sempre que necessário o ora paciente.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar para que, até a decisão de mérito deste writ, sejam suspensos os efeitos do decreto de prisão preventiva exarado em face do ora paciente.

Expeça-se alvará de soltura em favor do ora paciente.

Comunique-se, com urgência.

Após, abra-se vista dos autos, com urgência, ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 24 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

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