Desvio de foco

Juiz acusa PF de vazar informações na Operação Navalha

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25 de maio de 2007, 19h21

O juiz federal substituto da 2ª Vara Criminal da Bahia, Durval Carneiro Neto, responsável pelo início das investigações que culminaram na Operação Navalha, defendeu-se das acusações da Polícia Federal de vazamento de informações sigilosas. Um relatório apontava o juiz como responsável por vazar informações e, assim, inviabilizar as investigações sobre corrupção de delegados em postos estratégicos. Ele emitiu nota à Associação dos Juízes Federais (Ajufe) para rebater a acusação.

O juiz Durval Carneiro descreveu toda sua atuação junto ao Ministério Público e à Polícia Federal nas diligências da operação. Ele explicou o passo a passo da investigação até chegar à situação que é divulgada pela imprensa hoje.

Ele afirmou ter provas de que “todos os vazamentos de informações ocorridos na ‘Operação Navalha’, e que frustraram o seu propósito inicial, ocorreram no âmbito da própria Polícia Federal”. Ele alegou ter em seu poder cópia de ofício enviado pela Divisão de Inteligência da Polícia Federal, em junho de 2006, informando “a existência de vazamentos internos que prejudicaram substancialmente a investigação contra os policiais federais”.

Segundo o juiz, tudo começou quando foi constatado “suposto envolvimento de policiais federais com empresários investigados em procedimento que tramitou na 2ª Vara Federal da Bahia”, em janeiro de 2006. Ele diz ter encaminhado o material probatório apurado à Divisão de Contra-Inteligência da Polícia Federal, em Brasília. Assim, nasceu a Operação Navalha, diz.

Até então, as investigações corriam no âmbito da própria PF contra seus membros. Ele deu a entender que pode ter havido um movimento corporativo para desviar o foco das investigações e proteger os alvos internos. “Ficava claro que todos os policiais investigados, inclusive os Superintendentes, já tinham conhecimento da Operação por meio de manobras mal-sucedidas da própria Divisão de Contra-Inteligência e de contatos com altos dirigentes do Departamento de Polícia Federal”, salientou.

Em maio de 2006, alegou Durval, “por estrita opção da Divisão de Contra-Inteligência, órgão responsável pela direção das investigações, todas as investigações posteriores voltaram-se para alvos externos aos quadros da Polícia Federal, envolvidos no esquema que ora é mencionado na imprensa, mas que também vinham sendo regularmente investigados a partir de ligações com policiais”.

O juiz finalizou defendendo sua atuação. “A minha conduta durante o procedimento é manifestamente incompatível com qualquer intenção de vazamento ou prejuízo de investigações”, concluiu.

A operação

A Operação Navalha foi deflagrada pela Polícia Federal na quinta-feira (17/5), contra acusados de fraudes em licitações públicas federais, prendendo 47 pessoas. O ministro Gilmar Mendes concedeu o primeiro Habeas Corpus, em benefício ao ex-procurador-geral do Estado do Maranhão Ulisses César Martins de Sousa. No domingo (20/5), o ministro mandou soltar o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares e o presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), Roberto Figueiredo Guimarães. Na terça-feira (22/5), foi a vez do empresário José Édson Vasconcellos Fontenelle; do prefeito de Camaçari (BA), Luiz Carlos Caetano; do deputado distrital Pedro Passos e do secretário de Infra-estrutura de Alagoas, Marcio Fidelson Menezes Gomes, que obtiveram a suspensão de suas prisões preventivas.

Na quinta-feira, também foram soltos Rosevaldo Pereira Melo, engenheiro civil empregado da Construtora Gautama e ex-servidor da Companhia de Água e Saneamento de Alagoas e Francisco de Paula Lima Júnior e Alexandre Maia Lago, sobrinhos do governador do Maranhão, Jackson Lago.

Leia a íntegra da nota do juiz:

Sr. Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil.

Considerando a “acusação” irresponsavelmente lançada por delegados federais da Divisão de Contra-Inteligência da Polícia Federal, citando o meu nome como suposto responsável por “vazamento” de informações em benefício do ex-Superintendente e atual Secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia, Sr. Paulo Bezerra, gostaria de exercitar o meu direito de defesa, prestando esclarecimentos à opinião pública e em respeito à confiança com que me distinguem os meus familiares, amigos, colegas, professores e alunos.

Para tanto, apresento as seguintes considerações a V. Exª., a fim de que delibere, juntamente com a Diretoria da AJUFE, sobre as medidas institucionais a serem tomadas.

1 – Sendo juiz da única vara federal da Bahia competente para processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro, é natural que eu mantenha contatos freqüentes com o Superintendente Regional da Polícia Federal, seja lá quem for que esteja ocupando este cargo.


2 – É da exclusiva responsabilidade da Direção do Departamento de Polícia Federal, em Brasília, designar pessoas competentes e honestas para os cargos de Superintendentes dos Estados, e acredito que tenha sido esta a razão da designação do Sr. Paulo Bezerra para este importante cargo, bem como a sua permanência até a nomeação para uma das pastas do governo estadual.

3 – Para um juiz federal que atua em vara criminal, difícil tem sido dispor da necessária segurança ao lidar com os ocupantes de altos cargos da Polícia Federal, inclusive os vinculados ao seu órgão central em Brasília, sem saber ao certo em quem confiar integralmente. Somente o convívio e os fatos revelados pelo tempo permitem observar com quem se está lidando e que intuitos tem.

4 – Diante do suposto envolvimento de policiais federais com empresários investigados em procedimento que tramitou na 2ª Vara Federal da Bahia, por mim presidido, cuidei de encaminhar, por decisão assinada em janeiro/2006, todo o material probatório apurado à Divisão de Contra-Inteligência da Polícia Federal, em Brasília, que até então nada sabia sobre o que estaria ocorrendo na Bahia. Nasceu assim a “Operação Navalha”, que permaneceu sob o meu crivo no tocante a todas as medidas que, conforme determina a Constituição Federal, dependeriam de prévia ordem judicial.

5 – Durante os oito meses em que oficiei no feito, mantive extensas reuniões semanais com Delegados da Divisão de Contra-Inteligência e com o Ministério Público Federal, procurando sempre colaborar, dentro da legalidade, com uma prestação jurisdicional eficiente no que concerne às medidas investigativas que me foram submetidas a exame e prontamente analisadas. Após as reuniões, eu passava horas examinando, sozinho, o grande número de provas apresentadas, passando em seguida à elaboração de decisões devidamente fundamentas e lastreadas nos elementos colhidos na investigação. Tamanha era a minha dedicação ao trabalho que, atendendo sugestão do Ministério Público e da polícia, oficiei ao Presidente do Tribunal solicitando a suspensão de minhas férias que haviam sido designadas para aquele período.

6 – Todos os requerimentos da Divisão de Contra-Inteligência e do Ministério Público foram por mim apreciados no mesmo dia em que formulados. E no caso de deferimento, sempre de forma fundamentada, eram imediatamente expedidos os ofícios competentes e entregues em mãos dos delegados, juntamente com os autos, observados, por parte do Juízo, todos os cuidados necessários ao sigilo da apuração. Todas as cópias de provas disponibilizadas ao Juízo foram guardadas no cofre da 2ª Vara e o manuseio dos autos, no âmbito da Justiça Federal, ficou restrito ao gabinete do Juiz e ao Diretor da Secretaria.

7 – Todos os policiais federais suspeitos de envolvimento ilícitos com empresários investigados, inclusive Superintendentes da Polícia Federal, foram, sem exceção, alvos de medidas por mim decretadas e renovadas no prazo legal. No período de janeiro até abril/2006, a pedido do Ministério Público e da Divisão de Contra-Inteligência, deferi medidas de monitoramento contra o Sr. Paulo Bezerra, que foram devidamente implementadas e os relatórios apresentados.

8 – Todos os vazamentos de informações ocorridos na “Operação Navalha”, e que frustraram o seu propósito inicial, ocorreram no âmbito da própria Polícia Federal, inclusive dentro do prédio onde funciona a sua Direção Geral, em Brasília. Como prova disto, tenho em meu poder cópia de ofício que me foi enviado pela Divisão de Inteligência da Polícia Federal, em junho/2006, informando textualmente a existência de vazamentos internos que prejudicaram substancialmente a investigação contra os policiais federais.

9 – A notícia da investigação se espalhou ainda mais na Polícia Federal da Bahia quando, numa operação desastrosa ocorrida em abril/2006, agentes da Divisão de Contra-Inteligência foram presos pela Polícia Federal local no Aeroporto de Salvador, ao requisitarem da Infraero cópias dos registros de imagens do aeroporto. Sem saber oficialmente da medida, a Infraero contatou a Superintendência da Bahia, gerando um lastimável desencontro de informações que acabou gerando muitas especulações. Registre-se que o procedimento correto, como já era de praxe nesse tipo de investigação, seria representar ao Juízo para que este requisitasse reservadamente o envio dos registros pela Infraero. Não se sabe porque, ao invés disso, a polícia resolveu adotar aquele tipo de medida sem informar ao Ministério Público ou ao Juiz.

10 – Ficava claro que todos os policiais investigados, inclusive os Superintendentes, já tinham conhecimento da Operação por meio de manobras mal-sucedidas da própria Divisão de Contra-Inteligência e de contatos com altos dirigentes do Departamento de Polícia Federal, os quais, inclusive, apressaram-se em tomar medidas administrativas para afastar os policiais envolvidos do cenário das investigações, apesar de o caso estar sob ação controlada por mim decretada. Inexplicavelmente e mais uma vez sem informar ao Juízo, um dos Superintendentes monitorados foi exonerado pela Administração, enquanto o outro teria pedido espontaneamente a sua exoneração poucos meses depois de assumir o cargo.


11 – Diante desse absurdo e flagrante desrespeito ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, oficiei ao Diretor-Geral da Polícia Federal cobrando explicações imediatas sobre os vazamentos e as medidas administrativas indevidamente tomadas, alertando que o feito criminal estava sob sigilo e ação controlada. Ao que consta, a minha atitude desagradou a Direção da Polícia, tendo a resposta sido demorada e evasiva, sem nada justificar devidamente. Em reunião que tive com o Procurador da República, cogitou-se até mesmo de acionar o Ministro da Justiça, difícil que estava se tornando confiar, com segurança, nas autoridades de qualquer setor do Departamento de Polícia Federal, já que entre elas mesmos havia constantes conflitos internos de informações.

12 – Maior surpresa ocorreu quando, ainda em abril/2006, os delegados da Divisão de Contra-Inteligência representaram formalmente pela suspensão do monitoramento de um dos Superintendentes até então investigados. A pedido do Procurador da República, indeferi o requerimento e determinei a continuidade do monitoramento do Superintendente. Todavia, nos relatórios que se seguiram, nada mais foi colhido pela polícia em relação a eles, tendo os delegados alegado “problemas técnicos” que nunca foram devidamente esclarecidos.

13 – Ante a absoluta falta de relatórios adicionais que cabia à polícia legalmente apresentar, a partir de maio/2006 não houve mais requerimentos de medida investigativa contra os policiais federais suspeitos de atividades ilícitas. Por estrita opção da Divisão de Contra-Inteligência, órgão responsável pela direção das investigações, todas as investigações posteriores voltaram-se para alvos externos aos quadros da Polícia Federal, envolvidos no esquema que ora é mencionado na imprensa, mas que também vinham sendo regularmente investigados a partir de ligações com policiais.

14 – Dando então seguimento às deliberações que me cabiam, continuei deferindo dezenas de medidas contra o restante dos investigados, muitos dos quais, saliente-se, vieram agora a ser presos na “Operação Navalha” por conta das provas que foram colhidas sob minha determinação.

15 – Em agosto/2006, todavia, percebendo a ausência de um relatório circunstanciado que cabia à polícia ter apresentado e não o fez, adverti textualmente os delegados da Divisão de Contra-Inteligência que não seriam deferidas as pretendidas medidas de investigação desprovidas dos necessários indícios para a sua decretação e que era dever da polícia apresentar ao juiz todos os elementos probatórios colhidos por sua ordem. No Estado de Direito não se pode admitir “sigilo” de informação policial em relação ao juiz e ao membro do Ministério Público que oficiam no caso. Diante desta advertência, a polícia, mais uma vez desagradada, viu-se então obrigada a apresentar um “relatório complementar” indicando elementos de prova que, “por equívoco”, haviam sido omitidos no relatório anterior.

16 – Com a concordância e a presença do Procurador da República responsável pelo caso, foi efetivamente realizada uma reunião no meu gabinete, no início de setembro/2006, à qual compareceu o então Superintendente da Polícia Federal na Bahia, Sr. Paulo Bezerra. Nessa reunião, ocorrida em horário de expediente, foram tratados assuntos que, segundo alegou Paulo Bezerra já no início da conversa, haviam sido a ele informados no âmbito da própria Polícia Federal, razão pela qual há muito solicitava aquela audiência comigo, a fim de me informar fatos da política interna do Departamento de Polícia Federal e relacionados à forma como vinham sendo direcionadas as investigações.

17 – Como juiz responsável por todas as medidas invasivas que já haviam sido decretadas até então, senti-me no dever de ouvir o Superintendente, que naquele momento não era mais alvo de qualquer investigação, porquanto a “Operação Navalha” já havia desviado de foco. Para tanto, tomei o cuidado de requerer a presença do Procurador da República. Eventuais detalhes adicionais tratados na reunião e relativos à pessoa do então Superintendente em nada afetaram as apurações em curso nem as posteriores, já que, como dito, todos os vazamentos já haviam ocorrido no âmbito da própria Polícia Federal e todas as medidas de investigação contra policiais haviam sido suspensas quatro meses antes, por exclusiva opção da Divisão de Contra-Inteligência.

18 – Nenhum vazamento ocorreu por conta da referida reunião, daí porque todas as prisões que vieram a ser decretadas puderam ser executadas, segundo consta, com o prévio e oficial conhecimento do Sr. Paulo Bezerra, agora na condição de Secretário de Segurança Pública na Bahia. Segundo consta na imprensa, a Divisão de Contra-Inteligência também teria avisado ao atual Superintendente, César Nunes, sobre as prisões que seriam efetuadas.

19 – Por fim, cumprindo o disposto na Constituição Federal, tendo a polícia apresentado indícios de suposto envolvimento de autoridades detentoras de prerrogativa de foro, determinei, em setembro/2006, o envio dos autos ao Superior Tribunal de Justiça, juntamente com toda a grande quantidade de provas já colhidas na “Operação Navalha”, fundamentando as razões do declínio da competência. Ao que consta, o feito foi distribuído, dando-se prosseguimento às investigações em novembro do mesmo ano.

20 – Registro que os fatos e datas aqui referidas conferem exatamente com as decisões por mim proferidas ao longo de todo o procedimento, em sua grande parte acolhendo as representações policiais e os pareceres apresentados pelo Ministério Público Federal, tudo devidamente juntado aos autos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça e em cópias que tomei o cuidado de providenciar e que se encontram na Justiça Federal. A minha conduta durante o procedimento é manifestamente incompatível com qualquer intenção de vazamento ou prejuízo de investigações. Se tentativa de vazamento houvesse, de minha parte, certamente não seria após já haver tomado uma série de medidas contra o investigado, nem muito menos em meu gabinete, em horário de expediente e na presença do Procurador da República responsável pelo caso.

O sigilo do inquérito me impede de revelar mais detalhes ou citar outros nomes, mas a verdade facilmente virá à tona e os meus acusadores serão responsabilizados em todas as esferas de Direito.

Durval Carneiro Neto

Juiz Federal Substituto da 2ª Vara Criminal da Bahia.

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