Negócios à parte

Acordo da Telebrás trouxe economia, diz parecer do TCU

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25 de maio de 2007, 21h39

O acordo extra-judicial fechado entre a Telebrás, estatal ligada ao Ministério das Comunicações, e a VT Um Produções e Empreendimentos resultou em economia de recursos, e não em prejuízos aos cofres públicos. Essa é a conclusão do procurador-geral do Ministério Público, Lucas Rocha Furtado, em parecer apresentado ao Tribunal de Contas da União. O valor do acordo é de R$ 254 milhões.

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, pode ser alvo de um inquérito criminal por conta dessa negociação. Ele é amigo do proprietário da VT Um, Uajdi Moreira. O procurador-geral da República, Antonio Fernandes de Souza, apresentou o pedido de abertura de inquérito ao Supremo Tribunal Federal.

A desconfiança sobre a integridade do ministro se baseou em reportagem publicada pela revista IstoÉ: Exclusivo: R$ 254 Milhões sob suspeita: Antes de esgotar os recursos jurídicos, Telebrás faz acordo que deixa milionário amigo do ministro Helio Costa, das Comunicações. A notícia foi veiculada em agosto de 2006.

Para saber se as concessões feitas à VT Um para que ela desistisse do processo estavam dentro dos limites legais ou se envolveram alguma compensação inconfessável, o procurador-geral Lucas Furtado pediu documentos do processo e do acordo ao presidente da Telebrás, Jorge da Motta.

A estatal apresentou a sentença da 11ª Vara Cível de Brasília em que foi condenada a pagar R$ 500 milhões por quebra de contrato. Além do resultado dos recursos apresentados pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, em que também saiu vencida.

A documentação também veio acompanhada de uma troca de comunicados entre o advogado da VT UM e o Departamento Jurídico da estatal. Neles, as partes concordaram que não havia possibilidade de recorrer da decisão do STJ, uma vez que a questão não envolvia matéria constitucional.

A VT Um entrou com ação de execução no valor de R$ 506,2 milhões. De acordo com o parecer de Lucas Furtado, “considerando que a estatal não teria dinheiro em caixa para cumprir a decisão judicial, o que poderia, inclusive, levá-la à falência, em 9 de junho do corrente ano foi assinado o ‘Termo de Transação e Outras Avenças’ entre a Telebrás e a VT Um, por meio do qual esta empresa desistiria da ação de execução para receber em troca”.

O acordo foi fechado assim: R$ 95,5 milhões em dinheiro (R$ 59,5 no ato e o restante em 40 parcelas mensais de R$ 900 mil); cessão dos direitos sobre créditos tributários no valor de R$ 107,9 milhões; e cessão dos direitos referentes à ação que tramita na Justiça de São Paulo contra a Telesp, no valor de R$ 50,5 milhões.

Diante dessas explicações, o procurador-geral Lucas Furtado concluiu que a Telebrás agiu “dentro dos princípios da oportunidade, da economicidade e da ética pública”. O parecer é de setembro de 2006.

Histórico

Em 2006, o Ministério Público Federal já havia solicitado ao STF um pedido de Diligências contra Hélio Costa, mas o Supremo não acolheu a solicitação. O ministro Ricardo Lewandowski, relator, considerou que o procedimento não era adequado porque não havia sequer a abertura de um inquérito para a apuração dos fatos.

Agora, o chefe do Ministério Público Federal, além de solicitar ao ministro-relator a instauração de Inquérito, pediu também a baixa dos autos ao Departamento de Polícia Federal para cumprimento de diligências.

De acordo com o MPF, se os fatos noticiados pela IstoÉ forem verdadeiro, o crime está configurado no artigo 321 do Código Penal (“patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário dá pena de detenção de um a três meses, ou multa”).

Leia o parecer:

DESPACHO

Foi encaminhada ao gabinete deste Procurador-Geral denúncia versando sobre possíveis irregularidades perpetradas no desenrolar de ação judicial movida pela empresa VT Um Produções e Empreendimentos Ltda. — doravante denominada VT Um — contra a Telecomunicações Brasileiras S/A — doravante denominada Telebras. São elencadas, a seguir, as supostas irregularidades suscitadas pelo denunciante:

1ª) pelo fato de gestores da Telebras não terem agido com a diligência e o zelo necessários à efetiva defesa dos interesses da estatal na sobredita demanda judicial, a Telebras teria sido condenada ao pagamento de vultosas quantias: R$ 460.186.979,87 a título de indenização em favor da VT Um, e R$ 46.018.697,99 a título de honorários advocatícios; e

2ª) no curso da execução daquela condenação, a Telebras e a empresa VT Um teriam formalizado transação, homologada judicialmente, por meio da qual a VT Um desistia da execução para, em troca, receber da Telebras, a título de compensação:


a) pagamento de quantias em dinheiro, no valor total de R$ 95.500.000,00 (R$ 59.500.000,00 no ato da transação e o restante em 40 parcelas mensais de R$ 900.000,00);

b) cessão dos direitos sobre créditos tributários que se encontram em discussão em diversas ações que tramitam na Justiça Federal, no valor total de R$ 107.900.000,00; e

c) cessão dos direitos referentes à ação que tramita na Justiça do Estado de São Paulo contra a Telecomunicações de São Paulo S/A – Telesp, no valor de R$ 50.542.990,05.

Consoante a denúncia que me fora endereçada, a aludida transação teria sido feita de maneira açodada, podendo estar, inclusive, ocultando algum acerto irregular e prejudicial à Telebras. Segundo o denunciante, não se revelaria crível que a empresa VT Um tivesse optado por abrir mão, sem compensações adicionais, de uma execução de mais de R$ 506 milhões em troca de uma transação envolvendo direitos duvidosos, ainda em discussão no Judiciário, e que poderá render-lhe, no máximo, apenas a metade daquele valor.

Diante de tais questionamentos, encaminhei ofício ao Presidente da Telebras, Sr. Jorge da Motta e Silva por meio do qual solicitei que fossem encaminhados ao meu gabinete os seguintes elementos:

a) esclarecimentos acerca da ação judicial ora em questão, com apresentação de documentos e de relato circunstanciado em que se expusessem o trâmite do processo, as decisões judiciais de mérito nele havidas e as medidas adotadas pela Telebras diante de cada uma daquelas decisões; e

b) justificativas, acompanhadas da devida documentação, para a celebração de transação com a empresa VT Um no curso da execução judicial da condenação imposta à Telebras, esclarecendo-se se as concessões feitas pela estatal àquela empresa privada em troca de sua desistência na execução de fato se limitaram ao que se dispôs nos termos da transação ou se, de outro modo, envolveram outras compensações.

Em atendimento à minha solicitação, a Telebras apresentou prontamente as seguintes informações, acompanhadas de farta documentação:

1ª) em dezembro de 2001, o Juízo da 11ª Vara Cível de Brasília prolatou sentença condenando a Telebras a pagar à empresa VT Um, a título de indenização por “quebra de contrato”, o montante de mais de 500 milhões de reais, sentença essa confirmada, em sede de recurso, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e, posteriormente, pelo próprio Superior Tribunal de Justiça;

2ª) após a confirmação da condenação da Telebras na ação ajuizada pela VT Um, teria havido troca de comunicados entre o advogado Sérgio Roncador e o Departamento Jurídico da Telebras, tendo aquele advogado enviado e-mail, em 25/04/2006, discorrendo sobre a impossibilidade de oposição de embargos declaratórios para fim de prequestionamento de matéria constitucional nos autos, sabidamente inexistente, fato reconhecido por ele mesmo nos seguintes termos: “(…) em principio, smj, não há matéria constitucional sendo discutida no presente caso(…)”, o que tornaria inócua a oposição de embargos;

3ª) não seria mais possível, portanto, questionar o valor da dívida (condenação) imputada à Telebras, haja vista a severa postura do Poder Judiciário em casos análogos, frente a recursos manifestamente protelatórios, o que, no caso, poderia até resultar em multa da ordem de mais de R$ 50.000.000,00;

4ª) diante da decisão unânime da Terceira Turma do STJ em negar provimento ao Agravo Regimental interposto na referida ação de indenização, e na ausência de violação direta à Constituição da República, a Diretoria da Telebras decidiu pela não-interposição de Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, encerrando-se, assim, a fase de conhecimento do processo, com o trânsito em julgado do respectivo acórdão;

5ª) como conseqüência, a empresa VT Um ajuizou ação de execução de título judicial por quantia certa contra a Telebras, no valor de R$ 506.205.677,85;

6ª) considerando que a estatal não teria dinheiro em caixa para cumprir a decisão judicial, o que poderia, inclusive, levá-la à falência, em 9 de junho do corrente ano foi assinado o “Termo de Transação e Outras Avenças” entre a Telebras e a VT Um, por meio do qual esta empresa desistiria da ação de execução para receber em troca:

a) importância em dinheiro, no valor total de R$ 95.500.000,00 (R$ 59.500.000,00 no ato da transação e o restante em 40 parcelas mensais de R$ 900.000,00);

b) cessão dos direitos sobre créditos tributários que se encontram em discussão em diversas ações que tramitam na Justiça Federal, no valor total de R$ 107.900.000,00; e

c) cessão dos direitos referentes à ação que tramita na Justiça do Estado de São Paulo contra a Telecomunicações de São Paulo S/A – Telesp, no valor de R$ 50.542.990,05;


7ª) ante o resultado obtido no acordo (transação) celebrado, a Diretoria da Telebras, encerrando a demanda, teria agido dentro dos princípios da oportunidade, da economicidade e da ética pública.

Após analisar detidamente as informações apresentadas pelo Presidente da Telebras e confrontá-las com os documentos encaminhados a este gabinete para subsidiar os seus esclarecimentos, a Telebras conseguiu demonstrar, de forma mais que satisfatória, a impossibilidade da interposição de recurso que pudesse modificar a decisão judicial condenatória na ação ajuizada pela empresa VT Um. Nesse sentido, é uníssona e remansosa a jurisprudência do eg. Supremo Tribunal Federal no sentido de não admitir o recurso extraordinário para discutir violação de contrato.

A razão para o não-cabimento deste recurso decorre da Constituição Federal, que em seu art. 102, III, admite esta modalidade recursal somente para as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Partindo dessa premissa e constatando estarem corretos os cálculos efetuados para se chegar ao quantum da condenação, qualquer acordo – celebrado sob o manto da legalidade e observados os procedimentos impostos, conforme se demonstrou — que viesse a reduzir o valor final a ser pago deveria, sim, ser levado em consideração, ainda diante da perspectiva de o patrimônio da Telebras não ser suficiente para cobrir o valor total da dívida.

A celebração de acordo com credor em virtude de condenação judicial é possível para todas as pessoas jurídicas, haja vista se tratar de ato inserido na órbita da capacidade de auto-administração desses entes, corolário da sua personalidade jurídica. Nesse sentido, a Lei nº 9.469/97, em seu art. 1º, § 1º, respeitando a autonomia da empresa pública, incumbiu à sua autoridade máxima a autorização para celebração de acordo ou transação. De igual forma, deverá ser respeitada a autonomia das sociedades de economia mista (caso da Telebras), incumbindo a esta, por intermédio da autoridade competente, a assinatura de acordos ou transações.

Ademais, o contencioso judicial envolvendo a Telebras em exame é uma das heranças deixadas pelo modelo de privatização do setor de telecomunicações, e a conduta da atual Diretoria da Telebras – que não deu causa à violação do contrato com a empresa VT Um – deve ser tida, em razão dos robustos elementos apresentados, como legal e econômica.

Destarte, estando devidamente esclarecidos os questionamentos levantados na denúncia endereçada a este representante do Ministério Público junto ao TCU, e constatado que (1) o acordo celebrado pela Telebras durante o curso da ação de execução em tela não resultou em prejuízo aos cofres da entidade, mas em economia de recursos, e que (2) foram esgotados todos os recursos judiciais apropriados para reverter a decisão judicial contrária à Telebras proferida pelo Juízo da 11ª Vara Cível de Brasília, determino o arquivamento do presente feito.

Ministério Público, em 13 de setembro de 2006.

Lucas Rocha Furtado

Procurador-Geral

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