Fim da brincadeira

Escola deve indenizar aluno assaltado durante gincana

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24 de maio de 2007, 0h01

A escola é responsável pela segurança do aluno em atividade extracurricular. O entendimento é do 3° Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou um colégio de Porto Alegre a indenizar um aluno, representado por sua mãe, em R$ 5 mil por danos morais e R$ 329,00 por materiais. O estudante foi assaltado após arrecadar dinheiro para gincana da escola.

Para o relator, desembargador Léo Lima, “ainda que se aceite a tese de que não havia aula no dia do roubo, não há como desconsiderar o dever de guarda da escola, a partir do momento em que condiciona benefício no aproveitamento curricular dos alunos à participação das atividades extracurriculares, estimulando a participação no evento, ainda que esta não seja obrigatória”.

Segundo o relato do menino, pediu dinheiro em um sinal de trânsito para cumprir uma das tarefas da gincana, que consistia em conseguir leite. Depois da arrecadação, enquanto ia a um mercado para comprar o produto, teve o dinheiro, o celular e o relógio roubado. Apavorado, correu para o colégio e foi acalmado por um funcionário.

A instituição contestou, afirmando que a participação na gincana foi um ato livre do aluno e que a versão era inverídica, por não haver registro de ocorrência policial. Alegou que no dia do fato os alunos foram dispensados para realização de conselho de classe e que a arrecadação de dinheiro foi voluntária, sem qualquer incentivo por parte do colégio.

Em primeira instância, foi julgado parcialmente procedente o pedido do aluno. A escola recorreu e, por maioria de votos, a 5ª Câmara Cível acolheu o recurso. O estudante, então, entrou com recurso no 3º Grupo Cível e teve o seu argumento aceito. Ainda cabe recurso.

Leia íntegra da decisão

EMBARGOS INFRINGENTES

TERCEIRO GRUPO CÍVEL

70018765503

COMARCA DE PORTO ALEGRE

EMBARGANTE: LUCAS RIBEIRO DEITOS,

EMBARGADO: AEFRAN – PCC – COLÉGIO NOSSA SENHORA DO BOM CONSELHO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes do Terceiro Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, acolher os embargos infringentes, vencidos os Desembargadores Paulo Sérgio Scarparo e Osvaldo Stefanello (Presidente).

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desembargadores OSVALDO STEFANELLO (PRESIDENTE), ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA, ARTUR ARNILDO LUDWIG, UMBERTO GUASPARI SUDBRACK, UBIRAJARA MACH DE OLIVEIRA E PAULO SÉRGIO SCARPARO.

Porto Alegre, 04 de maio de 2007.

DES. LEO LIMA,

Relator.

RELATÓRIO

DES. LEO LIMA (RELATOR)

LUCAS RIBEIRO DEITOS, menor, representado por sua mãe, LUCIANA RIBEIRO, ajuizou ação dita de indenização por dano moral e material contra o COLÉGIO NOSSA SENHORA DO BOM CONSELHO. Alega que, em 2003, cursou a 5ª série do ensino fundamental no Colégio Bom Conselho, sendo o horário das aulas das 13h30min às 17h45min. Diz que, no período de 02 a 05 de setembro de 2003, o colégio promoveu uma gincana, da qual participou. Salienta que uma das tarefas da gincana era angariar leite. Aponta que, para cumprir tal tarefa, no dia 04.09.2003, durante o horário das aulas, juntamente com um colega, chamado Laerte, foi pedir dinheiro aos motoristas dos veículos que paravam na sinaleira da Rua 24 de Outubro, esquina com a Rua Ramiro Barcelos. Argumenta que, por volta das 17 horas, após angariados os recursos necessários, dirigiram-se a um minimercado situado na esquina das mesmas ruas, para comprar o leite e entregá-lo no colégio. Observa que, em tal momento, um sujeito se aproximou e lhe apontou uma arma, ordenando que entregasse o dinheiro, bem como o relógio e o telefone celular. Registra que, desesperado, entregou os bens e correu para o colégio. Refere que, ao chegar no colégio, foi parcialmente acalmado por um empregado, passando do estado de choque para o de desespero. Alega ter telefonado para a sua mãe, a qual, desnorteada, entrou no colégio, perguntando quem era o responsável pela gincana. Afirma que a sua mãe foi atendida pela diretora do colégio, a qual mesmo sabendo do ocorrido, não a comunicou, nem mesmo emprestou o telefone para que pudesse ligar para a sua mãe. Menciona que, enquanto está no período de aula, o aluno fica sob a guarda e vigilância do estabelecimento de ensino, o qual é responsável por qualquer lesão causada por terceiro. Acrescenta que a responsabilidade da instituição de ensino é objetiva. Pede a condenação do demandado ao pagamento de indenização a título de dano material, no valor de R$ 579,00, bem como a condenação do demandado ao pagamento de indenização a título de dano moral, em quantia equivalente a 150 salários mínimos. Por fim, pugna pela gratuidade de justiça.

A gratuidade restou deferida.


Na contestação, a ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO FRANCISCANA DA PENITÊNCIA E CARIDADE CRISTÃ – AEFRAN-PCC – COLÉGIO NOSSA SENHORA DO BOM CONSELHO sustenta que a participação na gincana foi um ato livre do aluno, manifestado mediante inscrição coletiva perante a comissão coordenadora da gincana. Observa ser inverídica a versão do autor, porquanto não houve o registro do roubo perante a autoridade policial. Destaca que o fato ocorreu no dia 03.09.2003, após as 18 horas e não no dia 04.09.2003, por volta das 17 horas. Salienta que no dia 03.09.2003 não houve aulas, sendo que Lucas e seus colegas de equipe estiveram no colégio após as 17h45min e, quando abertos os portões de saída, os alunos devem ter se deslocado para a esquina das ruas Ramiro Barcelos e 24 de Outubro, antes de o roubo ocorrer. Argumenta que a presença do autor foi voluntária, em dia que sua presença estava dispensada. Esclarece que a tarefa nº 31, de responsabilidade da equipe da qual fazia parte o autor, consistia na arrecadação de leite e fraldas geriátricas. Destaca que o fato de os alunos pedirem dinheiro aos motoristas se deu voluntariamente, sem qualquer incentivo por parte do colégio. Registra que, quando o caráter da atividade pressupõe a saída do colégio, normalmente há solicitação aos órgãos públicos para atuarem na segurança, sendo que os alunos também são acompanhados por professores e monitores do colégio. Diz que, quando chegou ao colégio, Lucas foi atendido pelo monitor de nome Hélio, avisando-o de que já havia ligado para a sua mãe, comunicando-a acerca do ocorrido. Aponta que as alegações descritas na inicial, quanto ao descaso diante da gravidade do fato, são inverídicas. Salienta que aos alunos é facultada a permanência nas dependências do colégio após o término das aulas, sendo que alguns desempenham atividades extracurriculares e outros ficam aguardando a chegada dos pais ou o transporte escolar. Argumenta que o roubo ocorrido se enquadra no conceito de caso fortuito, excluindo o dever de indenizar. Pede que, em caso de procedência do pedido de indenização a título de dano material, devem ser compensados os valores das mensalidades em atraso, de R$ 384,19.

O autor se manifestou sobre a contestação.

Designada audiência preliminar, a conciliação restou inexitosa.

Realizada a instrução, foi tomado o depoimento pessoal das partes, bem como foram ouvidas testemunhas.

As partes apresentaram memoriais.

O Ministério Público opinou pela procedência, em parte, da ação.

Lançada a sentença, a ação acabou julgada procedente, em parte, para condenar a ré ao pagamento, a título de indenização por dano material, de R$ 329,00, corrigidos monetariamente, pelo IGP-M e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação e ao pagamento, a título de indenização por dano moral, da quantia correspondente a R$ 8.000,00, atualizada pelo IGP-M, a contar da sentença e acrescida de juros de mora a contar da citação. Outrossim, em face da sucumbência parcial, o autor foi condenado ao pagamento de 20% das custas processuais e honorários advocatícios de R$ 300,00 e a ré foi condenada ao pagamento do restante das custas processuais e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação. Contudo, em relação ao autor, a exigibilidade restou suspensa, porquanto litiga ao abrigo da gratuidade de justiça.

Irresignada, a demandada apelou, reforçando anteriores argumentos para requerer a improcedência da ação ou a redução do valor da reparação.

O autor, por sua vez, interpôs recurso adesivo, requerendo a condenação da ré como litigante de má-fé e a majoração do valor da reparação.

Com as respostas, os autos vieram à apreciação desta Corte, sendo, após parecer da Procuradora de Justiça, pelo provimento, em parte, do apelo e desprovimento do recurso adesivo, apreciados pela colenda 6ª Câmara Cível, na sessão do dia 19.10.2006, que, por maioria, deu provimento ao apelo da ré e julgou prejudicado o recurso adesivo do autor, restando vencido o revisor.

Calcado no douto voto vencido, o autor interpôs embargos infringentes, postulando a procedência parcial da ação.

Com a resposta e após a admissibilidade dos embargos infringentes, os autos me vieram redistribuídos.

O Procurador de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório, que foi submetido à douta revisão.

VOTOS

DES. LEO LIMA (RELATOR) –

Merecem prosperar os presentes embargos.

Com a mais respeitosa vênia do ilustre Desembargador Osvaldo Stefanello e do ilustre doutor Ney Wiedemann Neto, prolatores dos votos vencedores, estou em acompanhar o voto vencido, da lavra do eminente Desembargador Artur Arnildo Ludwig que deu provimento, em parte, ao apelo da demandada e negou provimento ao recurso adesivo interposto pelo autor.


Para tal conclusão e a fim de evitar inútil tautologia, adoto, como razões bastantes de decidir, os fundamentos externados no próprio voto proferido pelo eminente Desembargador Artur Arnildo Ludwig, na parte em que assim se pronuncia:

“Observo que é fato incontroverso nos autos o assalto ocorrido fora das dependências da escola e que este resultou em prejuízos ao autor.

“A discussão central versa sobre a responsabilidade da Instituição quanto ao fato, e se esta teria o dever de indenizar o demandante pelos prejuízos que sofreu, tanto de ordem material quanto moral.

“Inicialmente extraio dos autos que a gincana a qual participou o autor ocorreu no período de 02 a 05 de setembro de 2003 e a que este teria sofrido o assalto em 04.09.03, quando saiu das dependências da escola para arrecadar dinheiro a fim de cumprir uma das tarefas estabelecidas na gincana.

“As alegações das partes são conflitantes no que se refere às datas e horários. No entanto, repita-se, o roubo é incontroverso.

“Ocorre que ainda que haja discrepâncias nas afirmações, não destoam quanto ao período, o que leva a crer, que de fato o evento danoso ocorreu quando a gincana acontecia.

“Bem observou a ilustre Procuradora de Justiça ao afirmar não ser fator determinante o fato de estarem sendo ministradas aulas ou não naquele dia.

“A gincana realizada pela escola é atividade extracurricular que envolve a participação dos alunos e é promovida pela instituição, de tal sorte que o dever de segurança não pode ser afastado.

“Se o demandante saiu das dependências da escola a fim de arrecadar dinheiro com o objetivo de cumprir tarefas estabelecidas no evento promovido pela escola, por certo está presente a responsabilidade da entidade educacional em dar segurança aos participantes.

“Ademais, o demandante contava com parca idade à época dos fatos, de modo que era dever da escola, com mais razão ainda, zelar pela sua integridade física, não permitindo a exposição do aluno à insegurança das ruas.

“Para isso, deveria ter realizado o controle de entrada e saída dos alunos, o que parece, não ocorreu.

“De outro norte, Lucas afirma em seu depoimento (fl. 166) que “Era gincana, mas contava como aula e tu ganhavas ponto na média”.

“Como se vê, ainda que se aceite a tese de que não havia aula no dia do roubo, não há como desconsiderar o dever de guarda da escola, a partir do momento em que condiciona benefício no aproveitamento curricular dos alunos à participação das atividades extracurriculares, estimulando a participação no evento, ainda que esta não seja obrigatória.

“Dessa feita, presente está a responsabilidade da escola, gerando o dever de indenizar tanto pelo prejuízo material quanto moral.

“No que toca ao dano moral postulado, demonstrada a sua ocorrência.

“Quanto à prova do dano, imperativo ressaltar, após o advento da Constituição Federal de 1988, o dano moral passou a ser olhado sob uma nova ótica, mais ampla, até mesmo porque a dignidade da pessoa humana foi elencada como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Dessa maneira, o direito à honra, à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade ou a qualquer outro direito da personalidade, estão inseridos no direito à dignidade, base essencial de cada preceito constitucional referente aos direitos fundamentais.

“Entendo que o dano moral está inserido em toda prática que atinja os direitos fundamentais da personalidade, trazida no sentimento de sofrimento íntimo da pessoa ofendida, suficiente para produzir alterações psíquicas ou prejuízos tanto na parte social e afetiva de seu patrimônio moral e, dependendo da situação prescinde a sua demonstração em juízo (in re ipsa).

“Assim, a prova do dano moral nestes casos torna-se muitas vezes impossível, razão pela qual a orientação desta Câmara tem sido no sentido de considerar estar o dano moral in re ipsa, sendo dispensada a sua demonstração em Juízo.

“Salienta-se que não é, nem será qualquer angústia ou constrangimento que acarretará a indenização, mas àquele sofrimento que fuja a normalidade.

“Dessa maneira, o direito à honra, à imagem, ao nome, á intimidade, à privacidade ou a qualquer outro direito da personalidade, estão inseridos no rol dos direitos à dignidade, que constitui base essencial de cada preceito constitucional referente aos direitos fundamentais.

“Na hipótese, o abalo sofrido pelo demandante, que com 12 anos de idade vivenciou a situação de deparar-se com uma arma apontada para si, tendo que entregar seus pertences pessoais, restou evidenciado, porquanto facilmente perceptível.

“Assim, tendo a sentença analisado pormenorizadamente os fatos e de forma acertada, não merece qualquer reparo quanto ao dever de indenizar.


“Somente quanto ao valor arbitrado é que entendo deva ser minorado.

“Nessa senda, tenho que o apelo do réu merece ser parcialmente provido.

“A reparação do dano moral não se restringe apenas à idéia de compensação, mas deve assumir o caráter punitivo àquele que provocou o ato lesivo.

“Assim, considerando o abalo sofrido pelo e que a indenização deve ser suficiente para reparar o dano, não ser fonte de lucro entendo justo reduzir o valor da indenização arbitrada para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

“Ainda, imperativo registrar que o valor da indenização requerida é simplesmente estimativa, devendo, a parte ré arcar, na integralidade, com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

“É o entendimento desta Câmara, cito:

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A indenização por dano moral requerida é meramente estimativa, pois arbitrada pelo Juiz na sentença. O quantum indenizatório deve ser fixado de forma a proporcionar à vítima uma compensação pelos danos sofridos, sem ensejar enriquecimento ilícito, e a desestimular a prática de novos atos ilícitos pelos réus, razão pela qual deve ser reduzido. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.

(APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003432606, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CACILDO DE ANDRADE XAVIER, JULGADO EM 17/09/2003).

“Por derradeiro, afasto a má-fé aduzida no recurso adesivo interposto pelo autor, porquanto não vislumbro tenha a instituição incorrido em quaisquer dos pressupostos para sua constituição, restando prejudicadas as demais alegações trazidas com as razões do recurso, tendo em vista o resultado da apelação proposta pela demandada” (fls. 257, verso a 259).

Cabe acrescentar que as considerações da embargada, conquanto respeitáveis, não chegam a desmerecer os sólidos fundamentos do Douto voto vencido, diante dos elementos de convicção colhidos nos autos.

Ante o exposto, acolho os presentes embargos infringentes, nos termos do douto voto vencido.

DES. ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA – Estou de acordo com o Relator.

DES. ARTUR ARNILDO LUDWIG – Estou de acordo com o Relator.

DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK

Voto no sentido de acolher integralmente os embargos infringentes interpostos, nos termos do voto vencido na Câmara.

DES. UBIRAJARA MACH DE OLIVEIRA – De acordo com o Relator.

DES. PAULO SÉRGIO SCARPARO

Estou votando pela manutenção do voto vencedor na câmara, proferido pelo ilustre Dr. Ney Wiedemann Neto, porque entendo que inviável condenar a escola por um assalto ocorrido fora de suas dependências, fatalidade pela qual não pode ser responsabilizada.

DES. OSVALDO STEFANELLO (PRESIDENTE)

Vênia, desacolho os embargos, mantendo posição adotada quando apreciada a apelação.

Embargos Infringentes nº 70018765503, de Porto Alegre – “POR MAIORIA, ACOLHERAM OS EMBARGOS INFRINGENTES, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES PAULO SÉRGIO SCARPARO E OSVALDO STEFANELLO (PRESIDENTE).”

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