Caso Carandiru

Juíza responderá por críticas a julgamento do coronel Ubiratan

Autor

23 de maio de 2007, 19h16

Por 16 votos a 6, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça paulista decidiu abrir investigação contra a juíza Maria Cristina Cotrofe Biasi. Ela é acusada de atitude incompatível com o exercício do cargo, por criticar em entrevista a decisão da Turma que absolveu o coronel da reserva Ubiratan Guimarães pelo massacre do Carandiru.

A juíza vai responder a processo administrativo disciplinar por entrevista publicada no jornal Folha de S. Paulo, em fevereiro de 2006. No texto, ela sustentou que a absolvição do coronel Ubiratan foi política e sem justificativa. “O julgamento dos desembargadores foi esdrúxulo, uma vergonha. Envergonhou o Poder Judiciário. Fiquei perplexa”, afirmou ao jornal. As críticas não agradaram a cúpula do Judiciário paulista.

Para o corregedor-geral da Justiça e relator do processo, desembargador Gilberto Passos de Freitas, a conduta da juíza feriu a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

A lei diz que é proibido ao juiz “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistrado”.

O relator entendeu que a posição, apoiada na lei, não configura censura, mas norma de conduta ética que deve ser seguida por aqueles que ocupam o cargo. Segundo ele, ao se manifestar com críticas aos membros do Órgão Especial, em entrevista a um jornal de grande circulação nacional, a juíza afrontou os rígidos deveres do cargo.

Na defesa prévia, o advogado da juíza Maria Cristina Cotrofe Biasi sustentou a tese de que sua cliente falou sob a garantia constitucional da livre expressão do pensamento, o que sobrepõe à norma que dispõe sobre a organização da magistratura. Alegou, ainda, que a maioria dos membros do Órgão Especial tinha interesse na matéria em julgamento e que deveria se dar por impedido. Pediu, ainda, que o julgamento fosse deslocado para o Conselho Nacional de Justiça. O pedido não foi acatado.

Antes da decisão pela instalação de processo administrativo, Maria Cristina já havia reconhecido o erro e pedido perdão. Na sessão do Órgão Especial, os desembargadores José Renato Nalini e José Luís Palma Bisson votaram contra a punição. Para Bisson, a juíza foi vítima da “arapuca de um jornalista”.

Inteligência subestimada

A juíza Maria Cristina Cotrofe Biasi foi procurada pelo jornal Folha de S. Paulo porque presidiu, em 2001, o júri que condenou o coronel da reserva Ubiratan Guimarães a 632 anos de prisão pelo massacre do Carandiru.

De férias, afirmou por e-mail e telefone que os 20 desembargadores que votaram pela inocência do coronel subestimaram a inteligência dos jurados.

“Os jurados responderam, por quatro a três, que o réu agiu com excesso doloso. Não há que falar em contradição ou ‘erro da juíza’ para justificar uma absolvição de cunho político ou para justificar o injustificável”, afirmou ela. “É difícil para um magistrado que tem ideal de justiça constatar o curso das águas de um rio…do rio da justiça”, desabafou.

O trabalho da juíza na condução dos jurados foi questionado pelos desembargadores. O desembargador Walter Guilherme, que abriu divergência do relator, afirmou na época que houve contradição na condução dos quesitos votados pelos jurados.

Para ele, os jurados aceitaram a tese de estrito cumprimento do dever e, mesmo assim, a juíza continuou a votação com o item que avaliava se houve excesso doloso, argumento também aceito pela maioria. Segundo o desembargador, o primeiro item excluía o segundo.

Na entrevista, a juíza atacou Walter Guilherme. “Apesar da complexidade do processo, 20 desembargadores inovaram no ordenamento jurídico brasileiro, em apenas cinco horas”, disse. “O desembargador Walter Guilherme disse que o julgamento pelo júri foi político. Julgamento político foi o dele. E por que não anularam o júri e fizeram outro julgamento? Foi o caminho mais curto, sem precisar estudar o processo”, completou a juíza.

Walter Guilherme votou pela instalação de processo disciplinar contra sua desafeta.

O caso

Ubiratan Guimarães foi assassinado com um tiro, em 10 de setembro do ano passado, no seu apartamento, em São Paulo. A advogada Carla Prinzivalli Cepollina, namorada do coronel, é a principal suspeita.

Em 2001, ele foi condenado a 632 anos de prisão por ter comandado a chacina do Carandiru, onde morreram 111 presos. Em 15 de fevereiro deste ano, conseguiu absolvição no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. A alegação principal foi a de que houve erro no voto dos jurados.

Ubiratan Guimarães estava em seu segundo mandato de deputado estadual. Ele foi eleito com 56 mil votos e sua volta à Assembléia Legislativa já era dada como certa, principalmente depois da onda de ataques da facção criminosa PCC.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!