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Advogados protestam contra prisões da PF aceitas pela Justiça

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23 de maio de 2007, 21h08

Doze advogados criminalistas entregaram carta ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, manifestando preocupação com “a forma açodada e descriteriosa com que o Judiciário tem deferido medidas de força” nas recentes operações realizadas pela Polícia Federal e com as dificuldades criadas para o exercício da defesa de seus clientes.

Um dos signatários, o secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB, Alberto Zacharias Toron, considera “inaceitável que, em pleno período democrático, se utilizem práticas que lembram o período da ditadura militar: a invasão de escritórios de advocacia, não porque haja cocaína nesses locais, mas para facilitar a obtenção de provas”.

O advogado condena “a decretação de prisões temporárias a granel, sem qualquer parcimônia. Decreta-se a prisão temporária, a Polícia Federal exibe o preso como um troféu, algema-o desnecessariamente e o exibe em horário nacional. É um escracho”.

Segundo Toron, o que se fazia antes contra preto, pobre e puta é feito com outros presos. “Pior é ver a polícia dar informações à imprensa, que as divulga em horário nobre, e os advogados não têm acesso aos autos.” Estão previstos encontros semelhantes nos próximos dias com a presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, com o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e com o ministro da Justiça, Tarso Genro.

Também assinam o documento os advogados Aloísio Lacerda Medeiros, Adriano Salles Vanni, Celso Sanchez Vilardi, Arnaldo Malheiros Filho, Eduardo Pizarro Carnelós, Dora Cavalcante Cordani, José Luís de Oliveira Lima, Theodomiro Dias Neto e Roberto Podval.

Íntegra da carta

Ao Excelentíssimo Senhor

Ministro Raphael de Barros Monteiro Filho

Digníssimo Presidente do Superior Tribunal de Justiça

A corrupção, fator impeditivo do desenvolvimento econômico e político da Nação, deve ser combatida com o apoio de todos os segmentos da sociedade, mas eliminá-la não pode ser um fim que justifica meios ilegais.

É isso o que temos vivenciado no dia a dia: graves desrespeitos aos direitos instituídos pela Constituição, sem que algumas autoridades, parte da mídia e setores da sociedade percebam que ultrapassar os limites da legalidade é tão grave para a cidadania quanto a impunidade, pois traz o risco do desrespeito generalizado à ordem jurídica. Quer sejam políticas ou ideológicas as motivações, quer sejam ligadas à segurança nacional ou à luta contra a corrupção, como se alega, toda e qualquer ação oficial empreendida ao arrepio da lei representa a negação do Estado de Direito e a adoção de um regime de exceção.

Da Constituição do Império (1824) à atual, sempre se garantiu ao preso o direito de saber os motivos de sua prisão. Esse direito está sendo reiteradamente descumprido: em todas as operações da Polícia Federal, autorizadas por Juizes federais de todo o país, é preciso, em média, mais de dois dias para ter conhecimento da decisão (os mandados sempre dizem “conforme decisão em anexo”, sem que exista anexo) e dos elementos de investigação em que ela se apoiou. Isso, quando não se é obrigado a recorrer aos Tribunais, o que torna a demora é ainda maior.

Preocupa-nos, sobremodo, a forma açodada e descriteriosa com que o Judiciário tem deferido medidas de força – busca e apreensão e prisão – sem a observância dos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da eficácia, e sem o apoio de fatos concretos e devidamente provados, justificadores de tais providências. É imprescindível denunciar que muitas dessas medidas são requeridas e deferidas com exclusivo apoio em relatórios de interceptações telefônicas, impregnados do perigoso subjetivismo de um agente anônimo que interpreta o que as vítimas do grampo quereriam dizer, levando a injustiças irreparáveis.

Métodos meramente simbólicos, de duvidosa eficácia para combater a corrupção, muitos flagrantemente ilegais, têm como conseqüência exclusiva criar a ilusão de uma atuação eficiente contra a chamada criminalidade das elites.

Ser investigado hoje, no Brasil, significa ter enormes dificuldades para verificar o inquérito policial, ter sua vida privada devassada e correr o risco de ter decretada uma busca e apreensão, acompanhada de prisão processual antes mesmo de ter sido intimado para qualquer esclarecimento. Por outro lado, a execução de tais medidas não necessita da parafernália bélica utilizada contra homens e mulheres, moços e velhos, ao raiar do dia dentro de suas casas. Basta que se observe serem raros ou até inexistentes os casos de resistência ao cumprimento dos mandados de busca ou de prisão. A utilização desse método constitui outra prova cabal do caráter cinematográfico das ações.

Nós, contudo, que vivenciamos o processo criminal até seu fim, podemos afirmar que o caráter ilusório das providências adotadas reside na verificação de que muitas delas, tomadas de chofre e sem o exigido rigor legal, são mais tarde anuladas pelos tribunais. Ademais, passada a fase inicial, marcada por intensa pirotecnia midiática, caem no esquecimento, pouco importando o resultado do processo, tal a humilhação suportada pela busca e pela prisão, diante da exposição das diligências à mídia, com efeitos permanentes e indeléveis.

É nosso dever alertar a sociedade de que não se combate o crime sem o estrito cumprimento da Leis, até porque só é possível a condenação de um criminoso se o inquérito e o processo transcorrerem na legalidade. Há quatro anos, no entanto, temos visto ações que impressionam a sociedade, mas que são objeto de intermináveis discussões judiciais, tantos são os abusos e ilicitudes.

Muitos se encantam com o estrépito das diligências, sem atentar para a absoluta dificuldade – ou até impossibilidade – de fazer valer direitos e garantias fundamentais do cidadão no curso delas. Não importa saber se isso ocorre por um motivo nobre – o combate à criminalidade – até porque nunca se viu regime totalitário que não se apoiasse em motivos “nobres”.

Daí o nosso alerta à sociedade e à mídia e nosso apelo ao Judiciário, para que medidas de força somente sejam determinadas quando indispensáveis e executadas com moderação e respeito à pessoa. De nada nos valerá viver num Estado sem corrupção nem direitos individuais!

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