Ação da Justiça

Voluntariado no Poder Judiciário já é uma realidade

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

22 de maio de 2007, 0h02

Quando se fala em voluntariado, vêm-nos à mente serviços prestados por bondosas senhoras, em hospitais, creches e asilos. Esta é a tradição brasileira, na maioria das vezes ligada a movimentos católicos, espiritualistas, religiosos enfim. Mais recentemente expande-se este tipo de ação através de empresas, ONGs, colégios e até mesmo clubes. Mas ainda está longe do ideal. Muito longe.

A visão que nós brasileiros ainda temos de nós mesmos, é a do historiador Pedro Calmon, para quem o brasileiro devia ser considerado igualitário, fraterno generoso, resignado, misericordioso, acolhedor (José Carlos Reis, As Identidades do Brasil 2, FGV Ed., p.41). Mas estas qualidades exteriorizam-se mais em ações individuais do que coletivas. Em outras palavras, a solidariedade revela-se mais na ajuda eventual e direta a um terceiro do que propriamente a uma classe de pessoas.

Não é comum, por exemplo, pessoas dedicarem algumas horas por semana a auxiliar doentes (mesmo que só conversando), a cuidar de museus ou a zelar por espaços públicos. Mesmo a adoção é pouco utilizada e, na maioria das vezes, por pessoas de classes sociais mais desfavorecidas (o que faz presumir serem mais solidárias) ou por casais que têm dificuldades em ter filhos (o que faz presumir a busca de solução para um problema próprio, e não do adotado). Bem ao inverso, nos Estados Unidos da América, entre setembro/2005 e setembro/ 2006, segundo pesquisa publicada no site www.bls.gov, 61.2 milhões de pessoas trabalharam como voluntárias. Não é por acaso que a ONU tem o seu Programa dos Voluntários das Nações Unidas, administrado pelo PNUD, tendo sido 2001 o Ano Internacional do Voluntariado.

É certo que a participação comunitária, na área privada e pública, pode fazer grande diferença no tecido social. Ela pode ser fator de mais solidariedade, diminuição da distância social (no Brasil, grave), consolo no sofrimento, mais eficiência aos serviços e, acima de tudo, elevação da auto-estima dos que ajudam. Aliás, afirmam os especialistas que, neste tipo de atividade, o que presta serviço voluntário alcança nível de felicidade tão elevado quanto o destinatário.

Serviço público

Agora, vejamos a prestação de trabalho voluntário no serviço público brasileiro. A simples menção ao fato fará com que muitos digam: não pode. A negativa é a reação natural. O medo inconsciente do desconhecido. Aqui se passa algo semelhante ao trabalho dos presos. Todos concordam que é uma necessidade, que é bom para o detento e para a sociedade. Mas ninguém implementa tal medida. Imediatamente surgirá alguém a apresentar os mais variados obstáculos, como risco de reconhecimento de relação de emprego, pagamento do INSS, PIS, FGTS e outros riscos e obrigações.

E o administrador, evidentemente, não quer se envolver em problemas. Mas se na área particular o serviço voluntário não faz parte da rotina de nossa população (basta pensar quantas pessoas conhecemos que o pratique), na área pública ele é quase inexistente.

Nos Estados Unidos da América, voluntários prestam serviços em centros culturais públicos, Polícia, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e outros órgãos. No site http://jobsearch.usajobs.opm.gov, é possível encontrar, por exemplo, vagas para estudantes voluntários no Departamento de Combate às Drogas, do Ministério da Justiça, e, inclusive, nos Tribunais.

Em nosso país, a Lei 9.608/98, que já é antiga, regula a matéria. Além dela, existe a Lei 10.029/2000, prevendo serviços voluntários na área administrativa, de saúde, de defesa civil, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros. Portanto, base legal existe. Mas a implementação ainda é tímida.

Poder Judiciário

No Poder Judiciário, há décadas, informalmente, estudantes de Direito trabalham em Cartórios ou Secretarias sem nada receber, seguramente. Aplicam na prática os ensinamentos teóricos recebidos nas Faculdades de Direito. Só recentemente é que passaram a existir estágios regulares e remunerados, o que é ótimo. Mas continuam a existir estágios não remunerados. Que nada mais são – e sempre foram — serviço voluntário. Só que sem receber esse nome.

No entanto, com coragem, administradores judiciários vêm assumindo o voluntariado na Justiça. Na Justiça dos Estados, isto vem sendo feito no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com base na Lei 11.732/2002, no Tribunal de Justiça do Paraná, que tem estágio voluntário sem bolsa, no Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde há uma coordenadoria de serviço voluntário, no Tribunal de Justiça de Sergipe, onde o Provimento 9/01 cria Agentes Voluntários de Proteção à Infância e Juventude. No Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme Resolução 208/2006, DJE 11.10.2006. No Judiciário Federal há programas no Tribunal Regional Eleitoral do RS, criado pela Resolução 130/03, no Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (RS), no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal Regional Federal da 3ª. Região (SP).

Mas é o TRF-4 que tem a experiência mais rica e intensa de voluntariado. No único estudo existente no Brasil sobre o tema, Rosana Mayer dos Santos relata que segundo os dados colhidos em contato com as Seções Judiciárias e o TRF da 4ª. Região, no período de junho de 2005 existiam, aproximadamente, 205 pessoas auxiliando os serviços judiciário na Região em regime de serviço voluntário. Considerando o mínimo de comparecimentos que é de 2 dias por semana, com o trabalho efetivo de 4 horas diárias, obtém-se o valor mínimo de 1.640 horas trabalhadas por mês, e na média um incremento de 2.050 horas trabalhadas/mês (Direito e Administração da Justiça. Juruá Ed., 2006, p. 101).

Atualmente, com certeza mais pessoas trabalham 4 horas, de 2 a 5 dias por semana, a favor do interesse público. São petições juntadas, ofícios feitos, carga de processos, medidas enfim que impulsionam as ações. E mais. Tais serviços não são prestados apenas na área do Direito, ainda que esta seja a preponderante. Há psicólogas assessorando magistrados nas conciliações, estudantes de jornalismo na área de comunicação social, de biblioteconomia, história e outros setores. Não há remuneração, evidentemente, e isto é dito explicitamente em um contrato minucioso e formal. Mas o Judiciário arca com um seguro por acidente do trabalho, prevenindo um infortúnio. O prazo máximo é de 1 ano, pois é objetivo é dar um aprendizado e não prolongar uma relação que, pela própria natureza, deve ser provisória. É possível afirmar que hoje o Judiciário Federal teria flagrante queda de sua produção se cessassem os serviços voluntários.

Conclusão

O voluntariado na administração pública já é uma realidade e no Poder Judiciário, especificamente, também. Todos ganham com o serviço prestado. O voluntário, porque adquire experiência prática e enriquece seu currículo. O serviço judiciário, porque recebe mão-de-obra gratuita e qualificada. As partes, porque têm andamento mais célere aos processos do seu interesse. No entanto, é preciso avançar. É necessário que outros Tribunais adotem tal prática. E que ela, em um passo seguinte, se estenda a outros órgãos da administração pública, como o INSS, IBAMA, Polícia Civil e Militar dos estados, e outros importantes e carentes de pessoal. Receber voluntários não será a solução para os seus problemas. Mas, sem dúvida, será uma fonte de auxílio. E sem onerar o Poder Público.

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