Livre da navalha

Operação Navalha: Supremo confirma liberdade de ex-procurador

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22 de maio de 2007, 22h50

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal referendou a decisão do ministro Gilmar Mendes que impediu a prisão do ex-procurador-geral do Estado do Maranhão Ulisses César Martins de Sousa. A decisão foi confirmada nesta terça-feira (18/5).

Gilmar Mendes fundamentou seu voto com a própria liminar que havia dado no dia 18 de maio. Para ele, o decreto de prisão expedido pela ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, não indica expressamente quais motivos existem para a prisão cautelar de Sousa. De acordo com o ministro, Sousa deixou de ser procurador-geral do Maranhão há sete meses. Portanto, não há, aparentemente, risco de “continuidade delitiva pela suposta organização criminosa”.

Para o ministro, o decreto de prisão contra Ulisses “não individualizou quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta ‘organização criminosa’ à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo paciente”.

A Polícia Federal deflagrou na manhã de quinta-feira (17/5) a Operação Navalha contra acusados de fraudes em licitações públicas federais. A PF prendeu 47 pessoas. Entre elas, o assessor do Ministério de Minas e Energia Ivo Almeida Costa, o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares, o deputado distrital Pedro Passos (PMDB), o prefeito de Sinop (MT) Nilson Leitão (PSDB e o prefeito de Camaçari (ES) Luiz Carlos Caetano, coordenador da campanha de Geraldo Alckmin à Presidência em 2006.

Dos 47 presos pela PF, 23 já foram soltos. Sete deles foram beneficiados por Habeas Corpus concedidos pelo Supremo. Os outros foram liberados após prestarem depoimento à ministra Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça, relatora do inquérito que apura os fatos apontados na operação.

Já estão soltos o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares; o presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), Roberto Figueiredo Guimarães; o empresário José Édson Vasconcellos Fontenelle; o prefeito de Camaçari (BA), Luiz Carlos Caetano; o deputado distrital Pedro Passos; o secretário de Infra-estrutura de Alagoas, Marcio Fidelson Menezes Gomes.

A operação

Segundo Polícia Federal, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais. De acordo com a acusação, o esquema garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da Gautama e então conseguia licitações para empresas por ela patrocinadas.

Ainda segundo a PF, as obras eram superfaturadas, irregulares ou mesmo inexistentes. A Polícia acusa a suposta quadrilha de desviar recursos do Ministério de Minas e Energia, da Integração Nacional, das Cidades, do Planejamento, e do DNIT. Cerca de 400 policiais federais foram mobilizados para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão em Alagoas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, São Paulo, Sergipe e no Distrito Federal. As investigações começaram em novembro de 2006.

Foi o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, quem pediu ao Superior Tribunal de Justiça que ordenasse as prisões. A ministra do STJ Eliana Calmon determinou à PF o cumprimento de mandados. A ministra determinou também o bloqueio de contas e de imóveis dos integrantes do esquema.

Antonio Fernando chegou a pedir a prisão do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT). Pedido negado pela ministra Eliana Calmon. Em nota, a Procuradoria-Geral da República disse que irá designar dois subprocuradores-gerais para atuar no caso.

Veja a lista dos libertados

— Adão Pirajara Amador Farias (ex-chefe de gabinete da Secretaria de Agricultura do DF)

— Adeilson Teixeira (secretário de Infra-estrutura de Alagoas);

— Denisson de Luna Tenório (subsecretário de Infra-estrutura de Alagoas);

— Enéas de Alencastro Neto (representante do governo de Alagoas em Brasília

— Ernani Soares Gomes Filho (servidor do Ministério do Planejamento cedido à Câmara dos Deputados);

— Flávio José Pin (superintendente de Produtos de Repasses da Caixa)

— Flávio Conceição de Oliveira Neto (conselheiro do Tribunal de Contas de Sergipe)

— Geraldo Magela Fernandes da Rocha (ex-assessor do governo do Maranhão)

— Ivan Paixão (ex-deputado federal de Sergipe)

— Jair Pessine (ex-secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente de Sinop – MT);

— João Alves Neto (filho do ex-governador de Sergipe João Alves);

— José de Ribamar Ribeiro Hortegal (servidor da secretaria de infra-estrutura do Maranhão)

— José Édson Vasconcellos Fontenelle (empresário);

— José Reinaldo Tavares (ex-governador do Maranhão);


— José Vieira Crispin (diretor de Obras da Secretaria de Infra-Estrutura),

— Luiz Carlos Caetano (prefeito de Camaçari – BA);

— Marcio Fidelson Menezes Gomes (secretário de Infra-estrutura de Alagoas)

— Ney Barros Bello (secretário de Infra-estrutura do Maranhão)

— Nilson Aparecido Leitão (prefeito de Sinop – MT);

— Pedro Passos (deputado distrital)

— Roberto Figueiredo Guimarães (presidente do Banco Regional de Brasília – BRB)

— Ulisses César Martins de Sousa (ex-procurador-geral do Estado do Maranhão)

— Zaqueu de Oliveira Filho (servidor público de Camaçari)

Leia o voto de Gilmar Mendes

HABEAS CORPUS 91.386-5 BAHIA

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA

IMPETRANTE(S): ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

ADVOGADO(A/S): ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO INQUÉRITO Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator): Trata-se de agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão monocrática de minha lavra que deferiu o pedido de medida liminar para revogar a prisão preventiva decretada pela Min. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Inquérito no 544/BA, em face do paciente ULISSES CESAR MARTINS DE SOUZA.

Na Petição nº 74.952/2007, o Parquet Federal sustenta que:

“2. Através da decisão de fls., Vossa Excelência concedeu a liminar pedida pelo impetrante para revogar a prisão preventiva decretada contra o Paciente, nos autos do Inquérito nº 544, que tramita no Superior Tribunal de Justiça.

3. O fundamento foi de que a decisão não contém fundamentação que autorize a prisão cautelar do Paciente, sendo que ‘não é possível conceber como compatível com o princípio constitucional da não-culpabilidade qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada’.

4. No entanto, ao contrário do que fora afirmado, a decisão que decretou a prisão cautelar do Paciente está fundamentada, sendo certo o seu envolvimento nos fatos delituosos apurados nos autos do referido Inquérito nº 544.

[…]

9. Relativamente à conduta apurada do Paciente, foi descrito, em evento específico – Evento Maranhão – todos os fatos apurados, inclusive com a transcrição dos diálogos interceptados, que comprovaram a efetiva atuação do Paciente, então no cargo de Procurador-Geral do Estado, para beneficiar a Construtora GAUTAMA, com o pagamento de milhões de reais por medições irregulares, existindo fortes indícios de que o Paciente solicitou vantagem indevida para praticar os atos do seu ofício.

10. Assim, ao contrário do que afirmou o Impetrante, o Paciente não está sendo investigado porque proferiu pareceres na condição de Procurador-Geral do Estado do Maranhão. Ele está sendo investigado porque associou-se ao grupo criminoso para, valendo-se do cargo que exercia, patrocinar os interesses da organização criminosa perante a administração do Estado e, também, proferir pareceres favoráveis às fraudes perpetradas, consciente de que, com a sua conduta, estava viabilizando o desvio de verbas públicas.

11. É incontestável que o Paciente conhecia o esquema delituoso implantado pela organização criminosa na estrutura da Secretaria de Infra-Estrutura do Maranhão e em outros órgãos do Governo Estadual, e agiu para que a empreitada criminosa se desenvolvesse de acordo com as pretensões do grupo.

12. Muito embora não se tenha colhido diálogo direto do Paciente com os integrantes da organização, foram registrados diversos diálogos entre GERALDO MAGELA – assessor especial do então Governador JOSÉ REINALDO TAVARES – e ZULEIDO VERAS – sócio proprietário da GAUTAMA -, onde foi expressamente referida a atuação do Paciente em favor da organização criminosa.

13. Segundo apurou-se, foi o Paciente quem instruiu o processo relativo à 6ª medição das obras de construção das pontes, no Estado do Maranhão, medição essa que continha fraudes que inviabilizavam o seu pagamento. Para permitir que a GAUTAMA recebesse os valores da medição, calculado em mais de um milhão de reais, o Paciente retirou do processo documentos em que a GAUTAMA pedia a formalização de um aditivo.


14. E assim agiu porque, àquela altura, não interessava mais aos dirigentes da GAUTAMA a formalização de aditivo, que implicaria em demora na liberação do pagamento.

[…]

20. E mesmo com as investigações em curso, o grupo não se intimidou, continuou a agir livremente, protegidos pela ação nefasta de servidores públicos que, como o Paciente, se propuseram a negociações de conchavos com o proprietário da GAUTAMA, ZULEIDO VERAS, e seus empregados, para permitir a dilapidação do patrimônio público.

21. Certamente, o conhecimento da prova colhida no curso da investigação e de tudo o que se contém nos autos do referido Inquérito 544, propiciará a noção exata da magnitude dos crimes praticados pelo Paciente em benefício da organização criminosa que integra, e de quão correta foi a decisão que determinou a sua custódia cautelar.

22. Ante o exposto, requer o Ministério Público Federal que Vossa Excelência reconsidere a decisão liminar, que revogou a prisão preventiva do Paciente ou, se assim não for, que receba esta petição como agravo regimental e o submeta à Egrégia Turma, para que seja conhecido e provido, restabelecendo-se a decisão que determinou a prisão cautelar do paciente” – (Petição nº 74.952/2007).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator): Eis o inteiro teor da decisão que deferiu o pedido de medida liminar formulado pelo paciente ULISSES CESAR MARTINS DE SOUZA:

“Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (Advogados: ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS), em favor de ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, em que se impugna decreto de prisão preventiva proferido pela Rel. Min. Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Inquérito no 544/BA.

Conforme consta da inicial, o paciente teve sua prisão preventiva decretada pelo suposto envolvimento com a ‘associação criminosa’ investigada pelo Inquérito no 544/BA, em trâmite perante o STJ.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese, a generalidade e a abstração do decreto prisional, em argumentação sistematizada nos seguintes termos:

1.Paciente que há 07 meses não é mais Procurador Geral do Estado e nem ocupa qualquer cargo público no Estado do Maranhão, sendo Conselheiro Federal da OAB, pelo segundo mandato consecutivo.

2. Decreto de prisão que, contraditoriamente, aponta com relação ao paciente um único fato anterior a 14 de julho de 2006 e, diferentemente dos demais, não aponta qualquer conversa sua incriminatória, mas afirma para justificar a prisão que esta serve como mecanismo para <paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade>.

3.Prisão preventiva decretada a granel contra 47 pessoas apontando-se, com base em supostas conversas gravadas em fevereiro de 2.007, o fato de que a <associação criminosa> tem os olhos postos nas futuras verbas do PAC, o que demonstraria a perpetuação das atividades da organização criminosa. Ausência absoluta de relação deste fato com o paciente que nunca participou de conversas relacionadas ao tema e, como explicita a própria decisão tem sua conduta investigada centrada em fornecimento de parecer como Procurador Geral do Estado anterior a 14 de julho de 2.006.


4.Independentemente do acerto ou desacerto da asserção da il. Autoridade coatora sobre os fatos investigados, há manifesta confusão entre a suposta autoria de fato supostamente criminoso e a necessidade da cautela processual, máxime quando o fato teria ocorrido em período distante. A se validar o raciocínio da autoridade coatora todo denunciado deveria ser preso numA inadmissível reedição da prisão preventiva obrigatória.

5.Ilegalidade do decreto prisional que faz referência genérica à garantia da ordem pública, econômica e conveniência da instrução processual, sem indicar um elemento concreto sequer para justificar a necessidade da prisão cautelar.

[…]

Não é preciso dizer que a prisão preventiva é medida excepcional e, como tem reiteradamente advertido o egrégio Superior Tribunal de Justiça e esta Suprema Corte, só deve ser destinada a causas em que se demonstre a manifesta necessidade da constrição cautelar e mais: fundada em elementos concretos. A lição do eminente Min. Felix Fischer que deixou de prender diversas autoridades judiciárias em razão da Operação Themis é exemplo disso (Inq. n.° 547).

Também é desnecessário comentar que para afirmar a violação da ordem pública e ordem econômica para justificar o decreto de prisão cautelar, devem-se apontar dados concretos e reais que vinculem a pessoa que se pretende prender ao perigo às ordens que se entendem violadas.

Embora, essa lição seja corrente, a decisão da ilustre autoridade coatora, em que pese a sua qualidade, prescindiu completamente de demonstrar a necessidade da custódia cautelar do paciente, insista-se, medida excepcionalíssima.

Como destacado na r. decisão, embora haja <apenas o início das provas que foram colhidas> e <resultados parciais das diligências>, entendeu S. Exa., a ilustre Ministra, a adoção de providência judicial, qual seja a decretação da prisão preventiva, medida extrema, que deveria ser manejada como última alternativa e não como primeira, tal como realizado.

É bom dizer que no longo despacho, com relação ao paciente, em relação ao qual não se indicou um documento sequer ou conversa gravada em interceptação telefônica que confirmasse a sua participação, destacou-se apenas o seguinte:


<Ulisses César Martins de Sousa, Procurador-Geral do Estado do Maranhão, após pressionar Procuradora do Estado, deu parecer favorável para permitir o pagamento das medições com erros graves, sem que houvesse termo aditivo ao contrato, o que resultou no recebimento pela GAUTAMA de R$ 1.639.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) em 14 de julho de 2.006>.

Nada, nem uma linha sequer, relacionada os co-investigados é citado com relação ao paciente.

Em primeiro lugar, deve-se advertir para o fato de que o paciente foi Procurador-Geral do Estado do Maranhão tendo deixado, o cargo em outubro do ano passado (doc. 3). Portanto, há mais de 07 meses. Hoje, como há mais de dez anos, o paciente é advogado de uma das bancas de advocacia mais respeitadas no Estado do Maranhão e pelo voto direto de seus pares, pela segunda vez, foi eleito Conselheiro Federal da OAB.

Em segundo lugar, não se compreende, porque não está dito, de qual elemento concreto dos autos se extraiu a afirmação de que em meados de 2.006, portanto há quase um ano, o paciente pressionou a Procuradora do Estado.

Aliás, pressionou para quê, se como se lê da r. decisão o paciente era Procurador Geral do Estado e <deu parecer favorável para permitir o pagamento…>?

Ademais, de qual elemento concreto e técnico se extrai que as medições apresentadas continham <erros graves>. perícia a este respeito? Se as medições são realizadas por agentes públicos e encaminhadas para a Procuradoria, cabe a esta apenas em seu parecer examinar os aspectos jurídicos e não refazer as medições realizadas por técnicos, portanto, tal afirmação constitui manifesto abuso.

Ademais, qual elemento demonstra que o parecer não deveria ser favorável? O que demonstra que o termo aditivo ao contrato neste caso era obrigatório? Qual a relação do paciente com o efetivo pagamento do valor devido ou indevido à empresa? E ainda que houvesse e, não há, no que isto demonstra a necessidade da prisão cautelar do paciente?


Eminentes Ministros, na r. decisão foi decretada a prisão preventiva de 47 pessoas, descreve-se ao longo de dezenas de folhas a conduta de diversos investigados, nenhuma referência ao paciente, a não ser o trecho acima destacado que não se relaciona em absolutamente nada com a conduta descrita com relação aos demais investigados.

Tal digressão é necessária, não só para demonstrar o absurdo da inclusão do paciente entre os investigados, mas para espancar a falta de justa causa e ilegalidade do decreto de prisão contra si decretado.

Mas, abstraindo questões de mérito, é evidente que há uma flagrante confusão entre a suposta prática de um crime e a necessidade da cautela processual. A persistir tal critério, todo denunciado deveria ser preso e, assim, a malsinada prisão preventiva obrigatória seria reeditada em plena democracia.

Logo de início, observa-se que os fatos a ele relacionados foram anteriores a 14 de julho de 2.006, quando teria sido feito o pagamento à empresa. Portanto, de lá até hoje não se identificou qualquer conduta, conversa ou indício que revele qualquer suspeita sobre o paciente.

Mais do que isso, na <fundamentação> externada para justificar a prisão imposta, a d. coatora é categórica em afirmar que esta medida extrema é tomada para <paralisar a atuação da organização criminosa> (…) <que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC>.

O que, eminentes Ministros, têm o paciente a ver com isto? Se a suposta conduta criminosa a ele atribuída teria ocorrido antes de 14 de julho de 2.006, como se pode incluí-lo no argumento de que a prisão visa paralisar a atuação da organização criminosa? E as conversas de fevereiro de 2.007 relacionadas ao PAC, no que se referem ao paciente?

Nada, absolutamente nada.

Com a devida e maxima venia, a ilustre coatora jogou 47 pessoas em uma vala comum e com base em uma fundamentação absolutamente genérica e desprendida da realidade, que valeria para qualquer caso, decretou a prisão preventiva do paciente. Dizer que se visa preservar a credibilidade e moralidade das instituições estatais é, com todo o respeito, pura retórica que não equivale à fundamentação.


O paciente, homem de bem que nunca se envolveu com qualquer fato criminoso, é casado, advogado, pai e arrimo de família. Embora não tenha sido preso, porque não se encontrava presente no momento do cumprimento do mandado de busca e apreensão, se encontra inteiramente à disposição desta e. Corte Especial, das autoridades policiais para prestar todos os esclarecimentos necessários.

O que não pode admitir o paciente é submeter-se a uma ordem que se reputa manifestamente ilegal, desfundamentada e baseada em presunções.

Insista-se, não há com relação ao paciente a indicação de um elemento concreto sequer que demonstre a necessidade de sua prisão preventiva, seja no que concerne à garantia da ordem pública, seja à garantia da ordem econômica, seja por conveniência da instrução criminal, da onde decorre a manifesta ilegalidade da r. decisão atacada’ – (fls. 04/05; e 07-11).

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa argumenta que:

o periculum in mora é patente pelo fato de o paciente ter contra si decretada prisão preventiva manifestamente ilegal.

Como já decidiu o eminente Min. CELSO DE MELLO:

<A medida liminar, no processo penal de habeas corpus, tem o caráter de providência cautelar. Desempenha importante função instrumental, pois destina-se a garantir – pela preservação cautelar da liberdade de locomoção fisica do indivíduoa eficácia da decisão a ser ulteriormente proferida quando do julgamento definitivo do writ constitucional> (RTJ 147/962).

Insista-se, o paciente se compromete, caso seja determinado, colocar seu passaporte à disposição do Juízo, bem como permanecer à disposição do Juízo para o que for necessário’ – (fl. 15)


Por fim, o impetrante requer, liminarmente, ‘seja revogada a prisão imposta ao paciente, determinando-se a imediata expedição de contra-mandado de prisão em seu favor e, no mérito, aguarda-se seja reconhecida a ilegalidade do decreto de prisão preventiva, como medida de JUSTIÇA!’ – (fl. 17).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Neste writ, a inicial impugna a validade da fundamentação de decreto de prisão preventiva expedido em face do ora paciente (ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA).

Nesse particular, é válido transcrever as oportunidades nas quais o decreto cautelar fez menção específica e direta à atuação do referido paciente na condição de investigado perante o STJ nos autos do INQ no 544/BA. Consideradas essas balizas, eis o teor da decretação da custódia cautelar tão somente no que concerne ao ora paciente, verbis:

‘No terceiro nível da organização criminosa estão agentes públicos municipais, estaduais e federais, os quais agem como intermediários, removendo obstáculos que possam se antepor aos propósitos do grupo, mediante o recebimento de vantagens indevidas.

A participação desses integrantes apresenta-se mais ou menos intensa a depender dos interesse do momento, como exposto no relatório policial às fls. 5 e 6. São eles:

[…]

17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA” – (fl. 27/28).

[…]

Os diálogos captados nas interceptações ocorridas entre maio e junho de 2006 mostram a existência e um esquema para viabilizar o pagamento das medições fraudulentas das pontes em construção, participando do grupo o então Secretário de Infra-Estrutura do Estado ou mesmo em relação a obras não realizadas NEY DE BARROS BELLO, do Procurador-Geral do Estado, ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA (referido por ‘GORDINHO’), do Consultor Financeiro do Estado à época, ROBERTO FIQUEIREDO GUIMARÃES e do Assessor do Governador, GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA, todos envolvidos com o chefe da organização, ZULEIDO VERAS’ – (fl. 31).

[…]

‘A medição foi aprovada, ao final, com o parecer favorável do Procurador-Geral do Estado ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA e do Secretário NEY DE BARROS BELLO, com a determinação de pagamento no valor de R$1.639.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) na data de 14 de julho de 2006’ – (fl. 36).

[…]

‘A partir daí, o grupo passou a se articular com servidores do Estado com o objetivo de fraudar o processo licitatório, através do qual seria escolhida a empresa que executaria as obras. Os principais articuladores foram: ZULEIDO VERAS, VICENTE CONI, GERALDO MAGELA, MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA e JOÃO MANOEL SOARES, os quais já contavam com a promessa do Procurador-Geral do Estado, ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA, de que a obra seria executada pela GAUTAMA. Entretanto, às vésperas da celebração do convênio, o Procurador-Geral de Justiça comunicou a VICENTE CONI que pretendia direcionar a licitação para outra empresa, a Construtora SUTELPA, alteração devida ao não-cumprimento dos compromissos por parte da organização criminosa (pagamento de propinas)’ – (fl. 42).

[…]

‘No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamentos dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de mediações fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São caracterizados como intermediários.


Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório fl. 05/066):

<… a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro da própria organização), ou pela quantidade de contatos pagamentos, dados repassados ou outros indicadores de permanência do servidor com o grupo criminoso>.

Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:’ – (fl. 116/117).

[…]

‘17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, Procurador-Geral do Estado do Maranhão, após pressionar Procuradores do Estado, deu parecer favorável para permitir o pagamento das medições com erros graves, sem que houvesse termo aditivo ao contrário, o que resultou no recebimento pela GAUTAMA de R$ 1.639.000,00(um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) em 14 de julho de 2006’ – (fl. 116/117-121).

[…]

‘Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e Lei 9.296/96’ – (fl. 122).

[…]

‘Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

46) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA;’ – (fl. 123/124).

Da leitura do ato decisório exarado pela autoridade apontada como coatora (Rel. Min. Eliana Calmon), observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato do investigado ter emitido parecer na condição de Procurador-Geral do Estado do Maranhão.

A rigor, dos documentos acostados aos autos pela impetração, não é possível identificar demais elementos que, de modo concreto, teriam contribuído para balizar a fundamentação de decreto cautelar sob os requisitos da garantia da ordem pública, assim como para assegurar a instrução criminal.

Segundo consolidada jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentada, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com o princípio constitucional da não-culpabilidade qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).


O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Nesse contexto, tenho, inclusive, indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta.

No caso concreto ora em apreço, um dos elementos utilizados pela prisão preventiva é o de que seria necessário ‘paralisar a atuação da organização criminosa […] que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC’ – (fl. 122).

É dizer, em relação ao caso específico do ora paciente (ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA), o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta ‘organização criminosa’ à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente.

Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao referido paciente diz respeito aos fatos de que: i) o referido paciente há mais de 7 meses não mais ostenta a condição de Procurador-Geral do Estado do Maranhão e nem ocupa qualquer cargo público na referida Unidade da Federação; e ii) não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático jurídica entre a emissão de parecer jurídico pelo investigado (ocorrida em 14 de julho de 2006) e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente. Caso ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA já se encontre preso em decorrência da prisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA, deverá ser posto, imediatamente, em liberdade, nos termos e na extensão acima especificados.

Expeça-se contra-mandado de prisão em favor do ora paciente, de cujo teor deverá constar a parte dispositiva mencionada no parágrafo anterior.

Comunique-se, com urgência.

Solicite-se ao Superior Tribunal de Justiça o inteiro teor da decisão proferida pela Min. Relatora do INQ no 544/BA.


Após, abra-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192)” – (HC nº 91.386/BA, de minha relatoria, decisão monocrática, pendente de publicação).

Da simples leitura do ato decisório agravado, observa-se que, em nenhum momento, afirmou-se a ausência de elementos de autoria e materialidade que, ao menos em tese, configurar-se-iam como indicativos de supostos ilícitos penais.

A rigor, o objeto da presente impetração correspondeu tão-somente à ausência de indicação expressa de elementos concretos que vinculassem a necessidade da custódia cautelar especificamente com relação ao caso do ora paciente (ULISSES CESAR MARTINS DE SOUZA).

Desse modo, é possível sistematizar o deferimento da medida liminar a partir dos seguintes aspectos:

a) o paciente há mais de 7 meses não mais ostentava a condição de Procurador-Geral do Estado do Maranhão e nem ocupava qualquer cargo público na referida Unidade da Federação;

b) o decreto cautelar não individualizou quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta “organização criminosa” à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo paciente.

c) não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático-jurídica entre a emissão de parecer jurídico pelo investigado (ocorrida em 14 de julho de 2006) e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa a partir de fevereiro de 2007.

Foi exatamente com base nessas premissas específicas que deferi a medida liminar pleiteada e que, posteriormente, indeferi nove pedidos de extensão que me foram apresentados nos dias 18 e 19 de maio de 2007.

A decisão ora agravada, portanto, ateve-se às circunstâncias do caso e apontou que, na espécie, a autoridade mencionada como coatora não apresentou elementos concretos indicativos da necessidade da decretação da preventiva nos termos do art. 312 do CPP.

Diante da fundamentação da decisão liminar ora agravada em consonância com o disposto no art. 93, IX, da CF, proponho o não-conhecimento do presente agravo regimental interpostos, nos termos da jurisprudência firmada por esta Segunda Turma no julgamento do Agravo Regimental no Habeas Corpus no 89.837/DF, Rel. Min. Celso de Mello (DJ 16.2.2007). Eis o teor da ementa desse julgado:

“E M E N T A: "HABEAS CORPUS" – CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA A DELEGADO DE POLÍCIA – CRIME DE TORTURA – SUPOSTA ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA – INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO – INADMISSIBILIDADE – AGRAVO NÃO CONHECIDO. – Não se revela suscetível de conhecimento, por incabível, recurso de agravo contra decisão do Relator, que, motivadamente, defere ou indefere pedido de medida liminar formulado em sede de ‘habeas corpus’ originariamente impetrado perante o Supremo Tribunal Federal. Precedentes” – [HC(AgRg) no 89.837/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, unânime, julg. em 21.11.2006, DJ 16.2.2007].

Ante o exposto, por aplicação da orientação acima apresentada, voto pelo não conhecimento deste agravo regimental interposto pelo Parquet por constatar que, na espécie, a decisão monocrática impugnada encontra-se devidamente fundamentada nos termos do art. 93, IX, da CF.

É como voto.

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