Rastros da Anaconda

Ali Mazloum processa procuradoras e delegados por acusação

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21 de maio de 2007, 21h36

O juiz federal Ali Mazloum entrou com ação penal privada contra as procuradoras da República Janice Agostinho Barreto Ascari e Ana Lúcia Amaral e os delegados federais Emmanuel Henrique Balduino de Oliveira e Elzio Vicente da Silva. Eles são acusados de denunciação caluniosa, crime que prevê pena de até oito anos de reclusão. O magistrado pede que os quatro sejam, temporariamente, afastados de suas funções.

Ali Mazloum também apresentou denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A ação penal foi proposta ao Superior Tribunal de Justiça e o ministro Ari Pargendler, relator do caso, já mandou notificar os acusados. A denúncia é assinada pelo advogado Álvaro Bernardino.

O juiz acusa as procuradoras e os delegados de “formular teses e inventar fatos” sem base para acusá-lo. Aponta que os acusados agiram com inépcia, erro, esquecimento, malícia e dolo, pois sabiam que ele não teve qualquer participação nos crimes de que era acusado. “O caso é grave. A conduta dos réus consubstancia crime de lesa-justiça. O dolo revela uma total falta de lealdade às instituições democráticas deste país”, afirma o juiz.

Procurados pela revista Consultor Jurídico por meio da assessoria de imprensa da Polícia Federal, os delegados não se manifestaram sobre o caso. A procuradora Janice Ascari afirmou que se manifestará depois de notificada. Já a procuradora Ana Lúcia Amaral afirmou que, “como cidadão, ele pode entrar com quantas ações quiser. Como juiz, deveria saber o que pode e o que não pode fazer. A cada ação, a situação dele complica. Ele tem de arcar com as conseqüências de seus atos”.

Mazloum alega que, em abril, encaminhou representação criminal ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, mas que passado o prazo legal o chefe do Ministério Público Federal não tomou as providências necessárias. Sustenta que a Constituição Federal admite a ação penal privada nos crimes de ação pública quando esta, mediante inércia e demora, não é apresentada no prazo legal. Na opinião do juiz, que ficou por quase três anos afastado de suas funções na 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, os agentes públicos acusaram por acusar, movidos pela vontade pessoal, o que caracterizaria grave violação ao princípio da dignidade humana.

Em outubro de 2003, Ali Mazloum foi denunciado pelo Ministério Público Federal pelos crimes de formação de quadrilha, ameaça e abuso de poder. A denúncia tornou-se pública depois da Operação Anaconda, em 30 de outubro, quando a Polícia Federal anunciou um esquema de venda de sentenças judiciais.

“Esse foi o dia inaugural de um novo estilo de deflagração de espetaculares operações policiais. A investida estatal foi televisionada e exibida em tempo real, acompanhada passo a passo por toda a imprensa. Desde então, documentos do processo protegidos pelo sigilo legal e judicial foram, pródiga e criminosamente, divulgados pelas mídias escrita, falada, televisiva e internet”, afirma o juiz, na ação apresentada ao STJ.

Em dezembro de 2004, o Supremo Tribunal Federal determinou o trancamento da ação penal em que Ali Mazloum era acusado de formação de quadrilha. O relator, ministro Carlos Veloso (hoje aposentado), apontou que a denúncia do Ministério Público Federal não era apenas inepta, mas também cruel. “Ela foi formulada contra um magistrado que não tinha contra ele qualquer acusação. É formulada com essa vagueza, que se viu, submeteu o magistrado – como dito hoje nos jornais pelo seu advogado – a um calvário”, afirmou.

Anaconda

Em outubro de 2003, a Polícia Federal fez diversas diligências durante a Operação Anaconda. Com autorização da Justiça, a PF realizou busca e apreensão em diversos lugares. Mas não foi autorizada busca na casa de Mazloum. Na época, o juiz ocupava a 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo. As ordens de busca e apreensão foram autorizadas pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a pedido das procuradoras.

Segundo a defesa de Mazloum, as procuradoras ofereceram denúncia contra o juiz com base em interceptações telefônicas de supostos envolvidos, feitas durante um ano e oito meses. As interceptações não atingiram os telefones do juiz. Também de acordo com a defesa, a denúncia se embasou em relatório “apócrifo” de uma suposta reunião com o juiz. Esse relatório foi apresentado como fosse uma representação, feita por um policial rodoviário, por suposto abuso de poder.

Em dezembro de 2003, a denúncia foi recebida pelo Órgão Especial do TRF-3, que também decidiu pelo afastamento do juiz do cargo. Em dezembro de 2004, um ano depois, a denúncia foi trancada, por decisão do Supremo Tribunal Federal, que atendeu pedido de Habeas Corpus impetrado pela defesa de Ali Mazloum.

O então ministro Carlos Velloso entendeu que a denúncia era, além de inepta, cruel. “Ela (denúncia) foi formulada contra um magistrado que não tinha contra ele qualquer acusação. É formulada com essa vagueza, que se viu, submeteu o magistrado — como dito hoje pelos jornais pelo seu ilustre advogado — a um calvário”, afirmou o então ministro.


A 2ª Turma do STF extinguiu ação penal que o acusava de abuso de poder. Segundo o ministro Gilmar Mendes, a denúncia limitou-se "a reportar, de maneira pouco precisa, os termos da representação formulada pelos policiais rodoviários federais envolvidos. Em outras palavras, a denúncia não narra em qualquer instante o ato concreto do paciente que configure ameaça ou abuso de autoridade".

Leia a íntegra da ação penal

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

ALI MAZLOUM, brasileiro, casado, juiz federal titular da 7ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo, portador do RG nº xxxxxxxxx e do CPF xxxxxxxx, domiciliado na xxxxxxxxx, São Paulo, SP, por seus advogados infra-assinados (DOC. 1), vem promover perante Vossa Excelência a presente AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA, nos termos dos artigos 1º, inciso III (dignidade), , incisos X (honra), XXXIV, alínea “a” (direito de petição), XXXV (acesso ao Judiciário), LIX (direito de ação), e § 2º (tratados internacionais), todos da Constituição Federal, e artigos 29 e 41, ambos do Código de Processo Penal, sob o rito da Lei 8.038/90 e legislação processual aplicável, em face de

a) JANICE AGOSTINHO BARRETO ASCARI, brasileira, casada, procuradora regional da República, em exercício na xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, São Paulo, SP;

b) ANA LÚCIA AMARAL, brasileira, solteira, procuradora regional da República, em exercício na xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, São Paulo, SP;

c) EMMANUEL HENRIQUE BALDUINO DE OLIVEIRA, brasileiro, casado, delegado de Polícia Federal, lotado no DIP/DPF, xxxxxxxxxxxxxxx, Brasília/DF; e

d) ELZIO VICENTE DA SILVA, brasileiro, casado, delegado de Polícia Federal, lotado no DIP/DPF, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, Brasília/DF.

I – LEGITIMIDADE ATIVA

Nos termos do artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal, e do artigo 39, § 2º, do Código de Processo Penal, o autor desta ação penal, vítima de crime, dirigiu ao Excelentíssimo Procurador-Geral da República, em 26 de abril de 2007, REPRESENTAÇÃO CRIMINAL pela qual noticiou fato delituoso, com todas as suas circunstâncias, relativo ao crime descrito no artigo 339, caput, c.c. o artigo 29, ambos do Código Penal, praticado pelos supracitados réus (DOC. 2).

Segundo Julio Fabbrini Mirabe, sujeito passivo do crime de denunciação caluniosa, além do próprio Estado, “é também aquele que se vê falsamente acusado” (in “Código Penal Interpretado”, São Paulo: Atlas, 1999, p. 1.835). Preleciona Damásio Evangelista de Jesus, sobre o delito, que “há uma objetividade jurídica mediata, consistente na honra da pessoa atingida” (in “Direito Penal – Parte especial – v. 4”, São Paulo:Saraiva, 1986-1988, p. 225).


A repressão à prática do referido crime ou a persecutio criminis in juditio depende de iniciativa do Ministério Público Federal, por meio de ação penal pública incondicionada. E, embora constassem da aludida representação todas as informações necessárias à deflagração de denúncia, porquanto atendidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, o chefe do Parquet Federal não observou o prazo de 15 dias previsto no § 5º do artigo 39 do Código de Processo Penal, quedando-se silente até esta data. A inércia do dominus litis confere ao autor o direito constitucional de intentar a presente ação penal.

Ao estabelecer na Carta Magna que “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal (inciso LIX do artigo 5º), o constituinte originário quis conferir ao ofendido o direito de submeter ao Poder Judiciário denúncia subsidiária, cabendo ao órgão judiciário competente decidir pela abertura ou não de processo criminal. Portanto, independentemente do motivo (inércia, pedido de diligências ou de arquivamento), em não oferecendo o Parquet a denúncia, abre-se caminho para que o ofendido o faça.

Ademais, tendo sido o autor gravemente atacado em sua honra e dignidade com a prática do delito em tela, evidencia-se o seu direito público subjetivo de promover a competente ação penal, sendo-lhe assegurado, não apenas na Constituição Federal, mas também em tratados internacionais, especialmente na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, artigo 25, recurso simples e rápido perante juízes ou tribunais competentes, que o protejam de atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela própria Convenção, ainda que praticados por pessoas que estejam no exercício de função pública.

Assim, a inércia, a demora, pedidos procrastinatórios de diligências, afrontam o referido dispositivo da aludida Convenção Internacional, da qual o Brasil é signatário (Decreto 678 de 06.11.1992), que garante ao ofendido o direito a esta ação subsidiária, compreendida na expressão genérica “recurso simples e rápido” utilizada pela Convenção Americana ora invocada. O acesso ao Poder Judiciário, sem intermediação ou tutela de órgão estatal (recurso simples e rápido), em casos que tais, é direito fundamental garantido pelo invocado Pacto de San José da Costa Rica. O § 2º do artigo 5º da Constituição Federal estabelece obediência aos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

II – FATOS

No dia 19 de dezembro de 2003, no edifício sede do Tribunal Regional Federal da 3ª Região – TRF/3, situado na Avenida Paulista, 1.842, Capital/SP, os réus ANA, JANICE, EMMANUEL e ELZIO, qualificados nos autos, previamente ajustados e movidos pelo mesmo propósito, deram causa à instauração de processo criminal contra o autor desta ação, imputando-lhe o crime de quadrilha ou bando (artigo 288 do Código Penal), de que o sabiam inocente.

Esclareça-se, inicialmente, que as rés, procuradoras regionais da República, subscreveram e ofertaram, em 13 de outubro de 2003, duas denúncias contra o ora autor: a) autos nº 2003.03.00065344-4 (DOC. 3); e, b) autos nº 2003.03.00065347-0 (DOC. 4).


Na primeira denúncia (a), imputaram-lhe o crime de quadrilha ou bando (artigo 288, c.c. os artigos 61, II, alínea “g”, e 29, todos do Código Penal).

Na segunda denúncia (b), acusaram-no de ameaça e abuso de poder (artigo 147, c.c. art. 61, II, alínea “a”, do Código Penal, e artigo 3º, alínea “j”, c.c. art. 6º, § 4º, da Lei 4.898/65).

Não custa lembrar: em 30 de outubro de 2003, referidas denúncias tornaram-se públicas em razão da ampla e irrestrita cobertura jornalística que se deu à chamada “operação anaconda”.

Esse foi o dia inaugural de um novo estilo de deflagração de espetaculares operações policiais. A investida estatal foi televisionada e exibida em tempo real, acompanhada passo a passo por toda a imprensa. Desde então, documentos do processo protegidos pelo sigilo legal e judicial foram, pródiga e criminosamente divulgados pelas mídias escrita, falada, televisiva e internet.

O órgão especial do TRF/3ª Região reuniu-se no dia dos fatos (19.12.2003) para deliberar sobre o recebimento ou não das duas denúncias criminais (a e b). Na sessão de julgamento, por votação unânime, foi a denúncia pelo crime de quadrilha ou bando efetivamente recebida, a despeito de suas invencionices, instaurando-se o processo judicial. Determinou-se na ocasião o afastamento do autor do cargo de Juiz Federal (DOC. 5- certidão do TRF/3ª).

Na mesma aludida sessão, decidiu-se postergar a análise da outra denúncia (b), relativa à suposta ameaça e abuso de poder praticado, segundo as rés, contra policial rodoviário. Esta, quase um ano depois (16.09.2004), veio a ser recebida por deliberação da maioria daquele colegiado (doc. 4, in fine-certidão da sessão extraordinária do Órgão Especial do TRF/3ª ).

III – DA CRONOLOGIA DA IMPUTAÇÃO CRIMINAL

Em junho de 2003, os réus EMMANUEL e ELZIO, delegados de polícia federal, apresentaram ao TRF/3ª Região relatório, no qual apontavam suposta participação de magistrados federais de São Paulo em investigações que faziam desde maio de 2002, tendo em vista conversas telefônicas interceptadas com autorização do Juizo Federal de Alagoas.

Distribuído o feito, a juíza do tribunal, relatora, autorizou a realização de novas interceptações telefônicas e decretou buscas e prisões. Ressalte-se que, nenhuma destas medidas foi determinada contra o autor em face da absoluta falta de elementos que pudessem ampará-las. Frise-se, ainda, que nos quase dois anos de interceptação telefônica, não havia uma única conversa do autor com nenhum dos investigados, de forma que nada o vinculava à alegada quadrilha, conforme reconheceu mais tarde o Colendo Supremo Tribunal Federal.


Mas os réus estavam decididos a incriminar o autor e, em colaboração mútua, os réus ANA, JANICE, EMMANUEL e ELZIO, já na fase do inquérito policial, passaram a formular teses, inventar fatos, sem base empírica, para inseri-lo na sinistra quadrilha. Os réus, conluiados, ora faziam lançar em infindáveis relatórios policiais parciais extravagâncias do tipo “nem todos os integrantes de uma organização se conhecem ou se relacionam”, ora entoavam que o autor tinha “função peculiar na quadrilha”, ora transformavam-na em “função periférica”, chegando-se ao extremo de afirmarem que o autor tinha uma “atuação à margem da própria organização criminosa” !!! (sic – págs. 7, 12 e 13 – DOC. 6).

Tais manobras foram engendradas com vistas a justificar a absoluta ausência de fato típico ou conduta típica do autor, e a sua futura inclusão em denúncia pelo crime de quadrilha. O relatório policial final apresentado pelos réus EMMANUEL e ELZIO expressa essa indisfarçável colaboração mútua entre todos os réus, cujas frases e elucubrações exóticas consignadas em relatório policial foram depois transportadas para a denúncia criminal confeccionada pelas rés ANA e JANICE.

A convergência de vontades para um fim comum, qual seja incriminar o autor, sem nenhuma base empírica, e a colaboração entre eles (réus) para alcançar o resultado pretendido, é expresso, ainda, pela atribuição vaga no relatório policial, sem conduta humana, do suposto fato típico que mais tarde daria vida à denúncia pelo crime de quadrilha, amplamente percutido na imprensa em face do forte apelo de sua redação (“…ocupam funções peculiares na quadrilha, pois têm jurisdição em processos de interesse dos mentores da ORCRIM, bem como utilizam ‘serviços’ prestados pela quadrilha para obter vantagens e/ou favores ilícitos. Aproveitam-se da função jurisdicional para proteger os interesses da quadrilha armada”)- Doc. 6, p.7.

Ainda na fase inquisitiva, por ocasião da formal confecção da acusação de quadrilha, impende dizer que as rés ANA e JANICE, em 13.10.2003, elaboraram denúncia de 62 laudas, imputando ao autor e outros o crime do artigo 288 do Código Penal, agravado por ter o suposto delito de quadrilha sido praticado com abuso de poder (art. 61, II, “g”, do CP).

Com relação ao crime de quadrilha, a denúncia assim descreveu a “conduta” do autor, de forma arbitrária e segundo a vontade pessoal dos acusadores (conforme reconheceu mais tarde o E. STF):

“Os magistrados CASEM MAZLOUM e ALI MAZLOUM ocupam funções peculiares na quadrilha, pois têm jurisdição em processos de interesse dos mentores daquela, bem como utilizam-se de ‘serviços’ prestados pela quadrilha para obter vantagens e/ou favores ilícitos. Aproveitam-se da função jurisdicional para proteger os interesses ilícitos da quadrilha”.( doc.3, p. 4 da denúncia)

Com relação à agravante genérica do crime de quadrilha, a denúncia transcreve os mesmos fatos objeto da segunda denúncia acima mencionada (suposta ameaça e abuso de poder contra policial rodoviário), cuja análise havia sido postergada pelo órgão especial.(doc. 4, fl. 655 dos autos originais)

Estes, pois, os fatos descritos na denúncia pelas rés ANA e JANICE para sustentar a imputação de crime de quadrilha contra o autor. E, como pode ser observado, as rés não conseguiram sequer descrever alguma conduta humana do ora autor, configuradora do núcleo do tipo consistente em “associar-se com mais três pessoas para o fim de cometer crimes”, mesmo que fosse a reunião para um mero jantar ou uma única conversa telefônica com qualquer dos co-réus. E não o fizeram não apenas por inépcia, erro ou esquecimento, mas porque sabiam que o autor não teve qualquer participação no crime de quadrilha que lhe imputavam falsamente.


No dia 17.12.2004, um ano após a instauração do processo judicial a que deram causa os réus, depois de percorrido todo o iter procedimental, teve início a sessão de julgamento da ação penal em questão (quadrilha). Portanto, esgotada a instrução criminal e realizadas as várias diligências e oitivas de testemunhas a pedido da acusação, os autos estavam prontos para o desfecho final pelo órgão especial do TRF/3ª Região.

Em suas alegações finais, as rés ANA e JANICE pediram a condenação do autor ante a “comprovada” participação no crime de quadrilha, muito embora tivessem feito considerações apenas sobre a agravante, omitindo-se ardilosamente quanto ao crime de quadrilha propriamente dito, ou seja, a “associação com mais de três pessoas” e as imputadas “vantagens”, “serviços” e “favores” recebidos (DOC. 7- fl. 21273/21279 dos autos originais).

Nesse mesmo dia, porém, o Egrégio Supremo Tribunal Federal encerrava o julgamento do habeas corpus 84.409-0/SP, impetrado em favor do autor, pelo qual determinou aquela alta Corte de Justiça o trancamento da malfadada ação penal, então tachada de cruel, inepta, vaga, indeterminada, no dizer dos juízes da Suprema Corte de nosso País (DOC. 8).

O Eminente Ministro GILMAR MENDES consignou em seu respeitável e brilhante voto (doc. 8-p.19):

“Leio do destacado ponto da denúncia, também referido pelo Ministro Joaquim Barbosa, que o Sr. Ali Mazloum teria uma ‘participação peculiar na quadrilha’. E a justificativa seria porque teria jurisdição em processo de interesse dos mentores daquela e estaria a utilizar de serviços prestados pela quadrilha para obter vantagens ou favores.

E não se diz mais nada na denúncia sobre essa peculiar participação!

Parece que estamos no campo da vagueza absoluta, da indeterminação ilimitada, da acusação pela acusação.

Sobre a agravante genérica do crime de quadrilha, acentuou o ilustre ministro relator para o acórdão:

“Não fosse a discussão que tramita em outro processo sobre eventual abuso de poder ou ameaça, não haveria nenhuma linha em torno da participação do Sr. Ali Mazloum no presente processo”.

O Eminente Ministro CARLOS VELLOSO, no mesmo habeas corpus, registrou a respeito (doc. 8-p.41):

“A denúncia, no caso sob exame, bem anotou o Ministro Gilmar Mendes, é inepta. A ameaça e o abuso de poder estão sendo investigados em sede própria, por isso que ficou esclarecido que contra o paciente foi instaurada ação penal. O que não é possível é a inclusão do paciente numa denúncia por formação de quadrilha sem que sejam apontados os fatos, como linhas atrás tentamos demonstrar, que indicariam a participação do paciente nessa quadrilha…”


Foi além o reconhecido jurista e ministro que tanto engrandeceu o Poder Judiciário Brasileiro, de modo a espancar até mesmo a imputada agravante genérica (doc.8 –p.35):

“Pergunta-se: ao juiz perante o qual foi oferecida a denúncia era lícito reclamar o conhecimento de todos os fatos apurados em interceptações telefônicas, fatos em que se embasava a denúncia, denúncia que ao referido juiz cumpria receber ou rejeitar? Penso que qualquer operador do direito responderá afirmativamente. Era mesmo dever do juiz reclamar essa prova.”

Portanto, um ato jurisdicional isolado e legítimo, maliciosamente inserido pelos réus, primeiramente no relatório policial, e depois na denúncia, como agravante genérica, foi utilizado por eles para preencher e emplacar a vazia acusação do virtual crime de quadrilha (posteriormente, a ardilosa denúncia de abuso e ameaça foi igualmente trancada – DOC. 09).

Sobre a descrição da denúncia do fato relativa à quadrilha, o ilustre Ministro Carlos Velloso destacou e esmiuçou a questão (doc. 8 –p.35/36) :

“A denúncia afirma que o paciente ALI ocupa posição peculiar na quadrilha. Mas que posição é essa? A denúncia não esclarece.

Ali teria se utilizado de ‘serviços’ prestados pela quadrilha, está na denúncia. Que ‘serviços’ são esses? A denúncia também não esclarece.

Os ‘serviços’ prestados pela quadrilha seriam ‘para obter vantagens e/ou favores ilícitos’. Que vantagens e/ou favores ilícitos foram obtidos? A denúncia também silencia no ponto.

Ali aproveita-se ‘da função jurisdicional para proteger os interesses ilícitos da quadrilha’, está na denúncia. Que interesses ilícitos foram protegidos por Ali? De que forma Ali aproveita-se ou aproveitou-se da função jurisdicional? A denúncia também não esclarece”.

Diante de tamanho descalabro, assim encerrou seu respeitável e brilhante voto o Ministro Velloso (doc. 8 –p.43):

“Sr. Presidente, quero dizer que a denúncia não é somente inepta, ela é cruel. Ela foi formulada contra um magistrado que não tinha contra ele qualquer acusação. É formulada com essa vagueza, que se viu, submeteu o magistrado – como dito hoje nos jornais pelo seu ilustre advogado – a um calvário…Essa denúncia não é só inepta; é, também, cruel.”

O Eminente Ministro CELSO DE MELLO, por sua vez, com a argúcia que lhe é peculiar, sentenciou (doc.8 –p.46):

“É preciso proclamar que a imputação penal não pode ser o resultado da vontade pessoal e arbitrária do acusador…deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que a acusação não se transforme…em pura criação mental do acusador


Meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal” (doc. 8- p.54).

Pois bem.

A questão, entretanto, não era apenas de inépcia formal. A crueldade da acusação não se encerrava na flagrante afronta ao artigo 41 do Código de Processo Penal praticada pelas rés ANA e JANICE. As rés valeram-se de criação mental para impor a vontade pessoal e arbitrária de acusar. Era a acusação pela acusação, sem base empírica, já que sabiam inocente o autor.

IV – DA FALSA ACUSAÇÃO

As rés ANA e JANICE, acolitadas pelos réus, formularam falsa acusação. Sabiam da inocência do ora autor, ALI MAZLOUM, o qual nunca participara da sinistra quadrilha de que o acusaram. Agiram com dolo intenso, auxiliadas pelos réus EMMANUEL e ELZIO desde a fase inquisitiva. Mancomunados, criaram teses para astutamente vincular o autor a uma suposta quadrilha, mesmo sem a existência de qualquer fato concreto ou prática de algum ato típico pelo autor. Conjecturaram com o fim de acomodar a falsa acusação a uma criação mental arbitrária, sem base empírica, conforme reconheceu o E. STF.

O autor foi vítima de acusação falsa promovida diante dos holofotes da mídia. O intenso dolo dos réus na formulação de acusação criminal revela-se claro e cristalino em razão da absoluta falta de suporte em uma necessária base empírica. Através de generalizações e criação mental, procuraram anuviar a indigente e capenga denúncia, na qual nem conduta humana foi descrita, pois sabiam inocente o autor.

As rés deveriam especificar na denúncia, ao menos minimamente, eventual conduta típica do autor( como e qual interesse foi satisfeito, como e qual vantagem foi auferida, etc). Crime é conduta – ação ou omissão – humana!!! Não se tratou, como dito antes, de mera omissão da denúncia, mas de absoluta inexistência de fato que pudesse autorizar a imputação por crime de quadrilha, da qual os réus tinham plena ciência.

A vontade dos réus de provocar a instauração de processo criminal, mesmo sabendo inocente o autor, evidencia-se pela formulação de fato genérico, fruto de criação mental, mas deveras impactante e altamente execrável, lançado à exaustão à imprensa. Com efeito, magistrado que utiliza serviços prestados por quadrilha, que obtém vantagens e/ou favores ilícitos, se comprovados, merece, à evidência, a mais veemente repulsa. Com retórica sedutora, porém falsa, os réus obtiveram com a cruel denúncia a execração pública do autor, conseguindo projeção e promoção pessoal, impressionar e emplacar acusação inepta.

O dolo e a malícia dos réus são patentes. A aludida “participação peculiar” do autor em crime de quadrilha, fórmula vaga e genérica na qual, aliás, qualquer magistrado poderia ser inserido, era, pois, absolutamente destituída de conteúdo. Não continha elemento fático que pudesse dar suporte à grave acusação. Basta conferir:

1) Utilizar-se de serviços prestados pela quadrilha. Que serviços? Sabiam os réus que inexistiram.

2) Obter vantagens ilícitas. Que vantagens foram estas? Sabiam os réus que o autor nunca recebeu qualquer vantagem, tanto que não mencionaram o recebimento de uma agulha sequer.


3) Obter favores ilícitos. Que favores recebeu? Os réus tinham pleno conhecimento de que não houve favor algum ao autor.

4) Proteger interesses ilícitos. Que interesses ilícitos e de que forma teriam sido protegidos pelo autor? Os réus tinham ciência de sua inexistência.

5) Aproveitava-se da função jurisdicional. Que proveitos o autor tirou de sua função jurisdicional? Os réus tinham conhecimento pleno de que nunca houve proveito algum.

A imputada “participação peculiar” do autor na suposta quadrilha estava mesmo muito à margem da organização!!! Tão à margem que, para sua inserção na denúncia foi necessário o emprego de boa dose de criação mental, muita vontade pessoal e arbitrária, indeterminação ilimitada, conforme reconheceu o C. Supremo Tribunal Federal. Era mesmo acusação pela acusação.

A despeito do momento consumativo do crime de denunciação caluniosa perpetrado pelos réus (artigo 339 do CP), que se deu com o recebimento da denúncia do imputado crime de quadrilha (art. 288 do CP), não custa repetir que toda a instrução do mencionado processo criminal instaurado contra o autor foi realizada. As rés ANA e JANICE pediram em suas derradeiras alegações a condenação do ora autor.

Impende registrar, por isso, o seguinte fato insólito, um espanto, que bem demonstra o dolo com que sempre agiram as rés ANA e JANICE, acolitadas pelos réus EMMANUEL e ELZIO: mesmo sem base empírica para acusar, conforme reconheceu o E. STF, insistiram as rés em levar adiante sua vontade pessoal e elucubrações arbitrárias. As rés ANA e JANICE sustentaram pedido de condenação do autor pelo crime de quadrilha, com base em alegada “comprovação” da agravante genérica de abuso de poder contra policial rodoviário, objeto de outra denúncia (outro processo!).

Silenciaram, por completo, sobre aquela fórmula genérica, fruto de criação mental, que deu vida à “peculiar participação em quadrilha” (recebimento de favores, vantagens, serviços, etc.). Depois de toda a instrução, as rés quiseram acobertar o principal falando apenas do acessório! Propuseram as rés ANA e JANICE, em coroação à ingente injustiça, buscando exaurir o crime de denunciação caluniosa que haviam adredemente planejado e consumado com a colaboração dos réus EMMANUEL e ELZIO, a condenação de um inocente!

O caso é grave. A conduta dos réus consubstancia crime de lesa-justiça. O dolo revela uma total falta de lealdade às instituições democráticas deste País. Ofertaram três denúncias ineptas e indevidas contra o autor (DOC. 8, 9 e 10)!!! Somente no affair anaconda, com relação aos vários acusados, chega-se ao impressionante número de quase uma dezena de denúncias ineptas! Tais fatos demonstram o total desprezo dos réus para com a verdade e a justiça, além de constituírem grave atentado à dignidade da pessoa humana – a despeito dos relevantes cargos que exercem como integrantes da Policia Federal e do Ministério Público Federal.

A conduta de agentes do estado-acusação que acusam por acusar, com base em vontade pessoal, arbitrária e sem base empírica, caracteriza, conforme já decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal, grave e frontal violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CF, como fundamento do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil.


Cumpre registrar que, depois de ter ficado afastado por quase três anos de suas funções, por força do atentado praticado pelos réus, o autor reassumiu o seu cargo e está no exercício pleno da judicatura.

VI – CONCLUSÃO

Pelo exposto, restando clara e certa a prática do crime do artigo 339 do Código Penal, c.c. os artigos 29 e 61, II, “a” e “f”, da mesma lei, pelos réus ANA, JANICE, ELZIO e EMMANUEL, cuja pena varia de 02 a 08 anos de reclusão, além de multa, requer-se:

a) Notificação dos acusados para o oferecimento de resposta no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 4º da Lei 8.038/1990, observando-se o disposto no subseqüente artigo 5º;

b) Designação de data para a deliberação desse Colendo Tribunal, recebimento dessa ação penal subsidiária, procedendo-se à citação e designação de data para os interrogatórios, prosseguindo-se até final condenação, sob o rito previsto na Lei n. 8.038/90, decretada a perda dos cargos públicos que ocupam, nos termos do artigo 92, I do Código Penal;

c) o afastamento cautelar dos réus de suas funções, considerando a gravidade dos fatos, providência que encontra guarida na jurisprudência desse C. Sodalício (ação penal nº 244-DF, ação penal nº 306-DF)

d) Oitiva das testemunhas do rol anexo, cuja qualificação e endereço completos,em relação a alguns, protesta pela ulterior juntada.

e) Requisição da representação e peças que a instruíram em poder de Sua Excelência o Procurador-Geral da República, apensando-a à presente ação penal e intimando-se-o para acompanhá-la em todos os seus termos.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.

São Paulo, 14 de maio de 2007.

Álvaro Bernardino

Advogado OAB/SP

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