Ventos do furacão

Desembargador volta atrás e cassa decisão sobre caça-níqueis

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21 de maio de 2007, 15h32

Doze dias após ver seus colegas desembargadores José Eduardo Carreira Alvim e José Ricardo de Siqueira Regueira serem presos, acusados de beneficiar a máfia dos jogos no Rio de Janeiro, o desembargador Rogério de Vieira Carvalho, também do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), reviu uma decisão. Ele tinha liberado, há 52 dias, a importação de máquinas de jogos. Mas voltou atrás.

Em março, ele fez parte da chapa de Carreira Alvim à diretoria do TRF-2. Concorreu à corregedoria enquanto Carreira Alvim disputava a presidência. Ambos perderam para Joaquim Antônio Castro Aguiar, eleito presidente, e Sérgio Feltrin Corrêa, o novo corregedor.

Na sessão de 25 de abril, ao voltar atrás no que havia decidido em fevereiro, o desembargador Rogério de Carvalho ainda teve a preocupação de comentar a Operação Furacão, ocorrida menos de duas semanas antes. Na operação, o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Medina, e seus colegas são acusados de venda de sentenças para beneficiar a máfia dos jogos.

O desembargador afirmou no voto: “Penso que a Constituição Federal e a LOMAN – ainda em vigor – asseguram aos magistrados prerrogativas institucionais a fim de que não sejam punidos pelo seu convencimento jurídico acerca de qualquer matéria. Nunca é demais repetir que tais prerrogativas rendem homenagem ao Estado Democrático de Direito e são garantias que preservam a independência do Poder Judiciário, afastando o magistrado de um odioso comportamento servil. Em várias ocasiões nesta Corte – no seio mesmo da E. 6a Turma Especializada – foi lembrado e repudiado o preconceito com que a matéria ora em foco tem sido tratada”.

Feita a ressalva, ele atendeu pedido do Ministério Público Federal e reviu a decisão favorável à empresa gaúcha Tecno Turfe Jogos Eletrônicos.

A batalha

A disputa jurídica da Tecno Turfe teve início em 2001, com uma ação cível na 6ª Vara Federal para evitar a apreensão de máquinas de jogos eletrônicos. A Receita Federal, respaldada na Instrução Normativa 93/2000, pretendia impedir a importação assim como recolher as máquinas que já estavam no país. Ela optou pela Justiça Federal do Rio sob a alegação de que as máquinas chegariam no Aeroporto Internacional Tom Jobim, Galeão.

Como o juiz do caso, Humberto de Vasconcelos Sampaio, não concedeu a antecipação de tutela, a empresa gaúcha bateu nas portas do TRF-2. Entrou com um Agravo de Instrumento e uma Medida Cautelar, distribuídos à 3ª Turma. Obteve, em dezembro de 2001, liminar das mãos do desembargador Francisco Pizzolante, hoje afastado do cargo e respondendo a processo no Superior Tribunal de Justiça.

Assim, ela pode continuar as atividades, até março de 2003, quando a liminar caiu diante da sentença de primeira instância, que rejeitou o pedido inicial. Para o juiz, com a revogação da Lei n° 9.615/98 (Lei Pelé), a atividade em questão passou a ser ilegal. E ainda: a atividade vai contra a “moral predominante”.

Juntamente com a Apelação Cível para recorrer da decisão, a empresa impetrou, no TRF-2, nova Medida Cautelar. Pediu a suspensão dos efeitos da sentença. Por dependência, foram para a 3ª Turma. A empresa reivindicou “o direito de exercer as suas atividades regulares de importação, locação e exploração, em todos os Estados da Federação, dos equipamentos sorteadores de resultados e prognósticos em questão, bem como de peças de reposição para os mesmos, até o julgamento da apelação, para que a requerente não venha a sofrer danos irreparáveis e para que não se frustre o resultado útil do recurso de apelação a que se vincula esta cautelar”. Obteve a nova liminar em abril de 2003, ainda das mãos de Pizzolante.

A Apelação Cível ainda teve um incidente de conflito negativo de competência entre a 3ª Turma, onde estava Pizzolante, e a 6ª Turma, de Carvalho, para a qual foi redistribuída. O incidente foi sanado em 26 de outubro de 2005 pelo Pleno do Tribunal atribuindo o caso à 6ªTurma – à relatoria de Carvalho. No mesmo mês, saiu a primeira decisão na Apelação, quando a Turma composta pelos juízes convocados Valéria Medeiros de Albuquerque e José Antônio Lisboa Neiva, por unanimidade, acolheu o voto do relator e negou o pedido.

No voto, Carvalho julgou improcedente o pedido lembrando que “não se constituem nem o art. 195, III, da Constituição Federal, nem o artigo 26 da Lei 8.212/91 (que prevê parte da renda dos jogos para a Seguridade Social) amparo legal ao pedido postulado, vez que o Excelso Supremo Tribunal Federal assentou, na ADI 2847, que, na forma do art. 22, XX, da Constituição Federal, a legislação sobre loterias é da competência privativa da União”.

A Tecno Turfe não desistiu e ingressou com Embargos de Declaração. Entre outros argumentos, alegou que “o acórdão, ao limitar-se acerca da competência para legislar da União, omitiu-se sobre o real alcance do art. 56, II, da Lei 9.615/98 (Lei Pelé), que ampara a atividade dos jogos”. Sustentou, ainda, que “no que pese a alegada revogação dos artigos 59 a 81 da ‘Lei Pelé’, tal diploma continua recepcionando, em seu art. 56, II, as receitas dos concursos de prognósticos para fomentar a prática do desporto, fato que por si só autoriza o exercício da atividade em questão”.


Houve contestação tanto da União, através da Procuradoria da Fazenda, como da Procuradoria Regional da República. No dia 28 de fevereiro deste ano, 16 meses depois de negada a Apelação, o relator resolveu mudar sua decisão. Ele foi seguido pelos dois desembargadores que compunham a turma. No caso, Ricardo Regueira – reconduzido ao Tribunal por decisão do STF depois de um período de afastamento imposto pelo STJ, e Fernando Marques, eleito vice-presidente em março.

O desembargador Carvalho modificou o acórdão. Segundo ele, “a atividade de bingo resulta alcançada pelo conceito de concurso de prognósticos constante do §1º do artigo 26 da Lei 8.212/91, combinado com o respectivo regulamento, ora em vigor – vez que os anteriores foram revogados – constante do Decreto 3.659, de 14 de novembro de 2000”. Assim, acatou o recurso, modificou a sentença e beneficiou a Tecno Turfe.

Em novos três Embargos de Declaração, da própria empresa, a União e a Procuradoria da República recorreram. A Tecno Turfe pretendeu corrigir erros materiais – como a questão da numeração das páginas. Mas a União e a Procuradoria da República alegaram omissões.

O desembargador, depois de admitir um erro material (referente à numeração das páginas), rejeitou as alegações da União. Ele considerou que elas “reproduzem integralmente razões de fundo da lide, não oferecendo qualquer omissão, obscuridade ou contradição a serem sanadas e que foram albergadas pelo acórdão embargado. As razões recursais sequer se debruçam sobre o conteúdo do acórdão recorrido, não tecendo quaisquer considerações sobre o que ali posto, limitando-se a rediscutir a causa originária”.

Com relação às alegações da Procuradoria da República, deu outro tratamento. Antes de debruçar-se sobre elas, comentou a operação da Polícia Federal que culminou com a prisão de dois de seus colegas. “Deflagrada a ‘Operação Furacão’, ou ainda ‘Operação Hurricane’, a matéria jurídica passou a ter tratamento excepcional, como se todo e qualquer processo envolvendo a controvérsia em questão estivesse contaminado por condutas desonrosas e desabonadoras, o que apontaria inexoravelmente para o vício, na hipótese de conclusão em sentido favorável à tese autoral”.

Ele aplaudiu o combate à corrupção, ressalvando, porém, a necessidade de não confundi-la com o respeito às opiniões independentes dos juízes. “À toda evidência, é de se louvar os esforços – a começar pelo próprio Poder Judiciário – no sentido de expungir de seu seio as teias da corrupção, coibir espúrias conexões com o crime organizado e punir com firmeza e rigor as condutas ilícitas, o que é bem diverso de punir o magistrado por suas opiniões”.

Para modificar a decisão anterior liberando a importação de máquinas eletrônicas, o desembargador acatou o argumento dos procuradores regionais. Segundo eles, apesar de uma Medida Provisória (MP 2.216-37) editada em 31 de agosto de 2001 ter modificado o teor do artigo 59 da Lei Pelé, este mesmo artigo foi revogado, em 31 de dezembro de 2001, pela Lei 9.981 de 2000. A modificação do texto, segundo o MPF, valeu apenas enquanto o artigo não foi revogado, ou seja, até dezembro daquele mesmo ano.

Para a Procuradoria Regional da República, “ao contrário do que tenta fazer parecer a Empresa-Apelante-Embargante, resta induvidoso que atualmente se encontra claramente proibida toda e qualquer prática relacionada ao ‘jogo de bingo’, em especial e com maior razão, proibida a exploração das denominadas máquinas de ‘videobingo’, ‘videopôquer’ e demais verdadeiras máquinas caça-níqueis”.

Para aceitar que a Lei 9.981 revogou a autorização ao jogo do bingo, o desembargador, ainda criticou os textos legais. “Impede, desde logo, admitir que a pletora de diplomas legais a regular a matéria, padecendo, inclusive, de qualidade técnica, não auxiliam na solução da controvérsia jurídica. Neste particular, é de se destacar que se, no bojo da Medida Provisória 2.216-37, houvesse expressa menção ao fato de que a alteração do artigo 59 não importava na derrogação do contido na Lei 9.981/2000, que lhe antecedeu, não haveria espaço para interpretação em sentido contrário. Admito ainda que, num primeiro exame, me pareceu razoável entender que um diploma legal posterior não poderia estar revogado por um diploma que lhe antecedeu”, afirmou.

A partir de tal interpretação, só lhe restou concluir “que a improcedência do pedido autoral é de rigor, devendo seu recurso ser improvido, mantida no mais a r. sentença de primeiro grau”. A decisão também foi tomada por unanimidade. Da sessão, participaram o desembargador Frederico Gueiros (ex-presidente da Corte) e o juiz convocado José Antonio Neiva. A Tecno Turfe não se deu por vencida: impugnou o embargo no mesmo dia e, dois dias depois, apresentou suas contra-razões questionando-o.


Processo número 2001.51.01.016373-8

Agravo de Instrumento 2001.02.01.045602-8

Medida Cautelar 2003.02.01.004036-2

Leia as decisões do desembargador

APELAÇÃO CIVEL

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGERIO CARVALHO

APELANTE: TECNO TURFE JOGOS ELETRONICOS LTDA

ADVOGADO: JORGE BARATA DE LACERDA

APELADO: UNIAO FEDERAL / FAZENDA NACIONAL

ORIGEM: SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200151010163738)

RELATÓRIO

Trata-se de decidir a sorte de uma apelação cível e de uma medida cautelar, entre as mesmas partes, objeto de relatório, voto e dispositivo distintos, do seguinte modo:

I – RELATÓRIO DO PROCESSO 2001.51.01.016373-8 :

Apelação cível de TECNO TURFE JOGOS ELETRÔNICOS LTDA. (fls. 293/319) sustentando, em suma, o seguinte:

“A sentença apelada, ao julgar improcedente a ação sob o entendimento, em suma, de que com a revogação da Lei n° 9.615/98 (Lei Pelé) a atividade em questão passou a ser ilegal e que, de qualquer forma dita atividade vai contra a “moral predominante”, sem atentar para os verdadeiros dispositivos constitucionais e legais que embasam o direito da autora (art. 195, III, da CF e art. 26 da Lei 8.212/91), merece ser reformada (…) Instado o Dr. Juiz “a quo”, através de embargos declaratórios, a suprir as omissões da sentença no que respeita aos citados artigos 195, III, da CF e 26, § 1°, da Lei 8.212/91, teve por bem negar provimento aos embargos, repetindo o argumento de que “a sentença ateve-se à natureza moralmente negativa dos jogos (…), o que leva à conseqüência de não permitir a importação das máquinas de jogo, pouco importa que os artigos 195, III, da CF/88 e 26, §1° da Lei 8.212/91, contenham a previsão abstrata da existência dos concursos de prognósticos (…)” (…) Igualmente sem razão o decisum quando diz que diplomas administrativos impedem a importação de tais equipamentos.

Ora, no que tange à pretensa legalidade da IN 93/2000, que decorreria em face do disposto no art. 105, XIX, do Dec. — Lei 37/1966 (que dispõe que se aplica a pena de perdimento da mercadoria estrangeira se “atentatória à moral, aos bons costumes, à saúde ou ordem pública”), desde logo revela-se descabida, até porque dito decreto, de 1966, sequer foi recepcionado pela Constituição de 1988, justamente por ferir as regras básicas dos direitos e garantias fundamentais de que trata o art. 5°, XXV, LIV, da CF, bem como o próprio art. 195, III, também da Carta, regulado que foi pela Lei 8.212/91, que prevê, expressamente, a exploração do concurso de prognóstico, espécie em que se enquadram os equipamentos de bingo eletrônico da autora, como exaustivamente demonstrado na inicial. Ainda que não fosse inconstitucional o referido Dec – lei 37/66, o que se admite só para argumentar, resta evidente que os aludidos equipamentos não se enquadram nas hipóteses previstas no seu art. 105, XIX, até porque não se pode conceber atividade atentatória à moral ou bons costumes quando expressamente amparada em lei e na própria Constituição Federal, como é o caso dos autos.

Assim, a Instrução Normativa 93/2000 da SRF, editada com base no Decreto – lei n° 37/66, além de ilegal, é inconstitucional. É que a determinação constante da instrução normativa, ou seja, a apreensão, para fins de aplicação da pena de perdimento, de máquinas eletrônicas programadas, igualmente viola garantia fundamental consagrada na Constituição Federal: o devido processo legal. (…) Da mesma forma, não encontra guarida o argumento de que os artigos 96 e 100, I, do CTN, amparam a IN 93/2000 e a Portaria 7/2000 do SECEX.

Não se nega que autoridades administrativas podem expedir normas complementares, mas apenas e tão somente quando houve lacunas no ordenamento jurídico pátrio, o que não é a hipótese dos autos, e desde que tais normas não firam dispositivos legais e constitucionais. No caso, como largamente demonstrado na inicial, tanto a IN 93/2000 da SRF, quanto a Portaria 7/2000 da SECEX, ofendem, desenganadamente, além dos demais diplomas referidos na inicial, o artigo 195, III, da CF, e o art. 26, §1°, da Lei 8.212/91. (…)

Saliente-se que a Lei de Contravenções Penais, Decreto — Lei 3.688, de 3.10.1941, no art. 50, tão alardeado pela ré como justificativa para a apreensão de equipamentos como os da recorrente, tem como contravenção penal, relativa à “política de costumes”, “estabelecer ou explorar jogos de azar em lugar público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”. Como visto, tanto a Constituição de 1988, quanto a Lei Federal 8.212/91, revogaram pelo menos em parte o art. 50 da Lei das Contravenções Penais, na medida em que “descriminalizaram”, ou “despenalizaram” um passatempo lícito a que denominaram “concurso de prognósticos”, retirando-lhe o pretenso caráter de “jogo” contravencional. (…) Nestas condições, claro está que a Constituição Federal de 1988, no artigo 195, inciso III, ao considerar os “concursos de prognósticos” uma das contribuições para financiamento da “seguridade social”, afastou,evidentemente, revogando-a, qualquer sanção, qualquer pretensão punitiva contra essa atividade.


Já o parágrafo segundo do citado artigo 26, além de conceituar renda líquida, prevê destinação de parte dela às entidades desportivas, ou seja, ao desporto nacional, que também mereceu especial atenção dos Constituintes no art. 217 da Carta Magna. (…) Na esteira do § 2° da Lei 8.212/91 e com o intuito de fomentar o desporto nacional, como determinado no art. 217 da Constituição Federal, foi editada a Lei n° 8.672, de 06 de julho de 1993 (“Lei Zico”) a qual posteriormente foi revogada pela Lei n° 9.615, de 25 de março de 1988, também conhecida como “Lei Pelé”, que foi regulamentada pelo Decreto n° 2.574, de 29 de abril de 1998, que explicita melhor a forma de operação do bingo em seus artigos 74 e seguintes.

Saliente-se que embora revogados alguns dispositivos da “Lei Pelé” que tratavam da atividade de bingo, foi mantido o seu art. 56, II (…) Como visto, as máquinas voltadas aos concursos de prognósticos, como as utilizadas nos bingos e demais jogos e apostas eletrônicas de sorteios de números, estão expressamente autorizados pela Constituição Federal e pela Lei n° 8.212/91, pelo que qualquer restrição à compra ou funcionamento de tais equipamentos afigura-se ilegal e inconstitucional. (…)

Com efeito, dita Instrução Normativa, baseada no Decreto 3.214/99, pretende, na verdade, de forma inacreditável, revogar o art. 195, III, da CF e o §2° do art. 26 da Lei 8.212/91. Estamos diante de uma incrível inversão de hierarquia legal, pois é óbvio que um Decreto e uma Instrução Normativa, meros atos administrativos que são, não têm o condão de revogar dispositivos legais e constitucionais. (…) Por outro lado, os atos administrativos (IN SRF n° 93/2000 e Portaria SECEX 7/2000) estão a cercear o direito constitucional do livre exercício do trabalho da apelante, expressamente previsto nos artigos 5°, inciso XIII, e 170, parágrafo único, ambos da Carta Magna, além de causar-lhes evidente prejuízo irreparável. (…)

Como se tudo isto não bastasse, vários estados e municípios brasileiros já regulamentaram o concurso de prognóstico, como é o caso dos Estados do Rio de Janeiro, Goiás, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, Minas Gerais, Alagoas, Rondônia e Mato Grosso. (…)” E pleiteia: “EM FACE DO EXPOSTO, confia a apelante no provimento deste recurso, com a conseqüente reforma da sentença, a fim de que seja declarado o direito da apelante de importar as máquinas eletrônicas de sorteio de números e prognósticos, bem como o de locar, comercializar e operar, em todo o território nacional, os referidos equipamentos que já se encontram na posse da autora e aqueles que vierem a ser por ela utilizadas, bem como direito de importar as respectivas peças de reposição, conforme requerido na inicial e respectivo aditamento (…)”.

Ofício n° 485/03 – DP – 3ª Turma, datado de 15 de abril de 2003, na qual o Exmo. Sr. Desembargador Federal FRANCISCO PIZZOLANTE comunica ao MM. Juízo a quo que “nos autos da MEDIDA CAUTELAR n° 2003.02.01.004036-2 (orig: 2001.51.01.016373-8), requerida por TECNO TURFE JOGOS ELETRÔNICOS LTDA., o Exmo. Relator DEFERIU a medida liminar, bem como ANTECIPOU a tutela, nos termos da decisão cuja cópia segue anexa”, assim como encaminhando cópia das seguintes peças: a) – decisão proferida na medida cautelar n° 2003.02.01.004036-2/RJ; b) – decisão proferida no agravo de instrumento 2001.02.01.045602-8/RJ, dando por prejudicado o referido recurso, bem como o agravo interno, ante a superveniência de sentença de mérito, julgando improcedente o pedido; c) – cópia da petição inicial da medida cautelar (fls. 326/344)

Resposta da Apelada, às fls. 352/357, rebatendo os argumentos do apelo, com dizeres do seguinte teor: “(…) Tenta a Apelante ingenuamente convencer que o bingo eletrônico sobre o qual se refere a presente demanda está incluído no processo de extração isento de contato humano contido no conceito do dispositivo legal supra citado. Ora, qualquer um que interpretasse descuidadamente tal lei veria claramente que a intenção do legislador no aludido dispositivo, era tratar tão somente do bingo tradicional, referindo-se, ao falar do processo de extração isento de contato humano, não às máquinas eletrônicas, mas, ao contrário, do processo comum nos sorteios de bingo que se faz, como se sabe, realmente sem qualquer contato humano. (…).

É mister esclarecer, ainda, que, inicialmente a Lei n° 9.615/98 foi regulamentada pelo Decreto n° 2.574/98, que, extrapolando os limites da regulamentação, permitiu a instalação de máquinas eletrônicas em salas próprias. Sobreveio então o Decreto n° 3.214/99 que revogou o dispositivo do §2° do art. 74 do Decreto n° 2.574/98, afastando a permissão ilegalmente introduzida para a operação de máquinas eletrônicas, vedando a instalação e operação desses equipamentos nos únicos locais até então permitidos, quais eram, salas próprias para a exploração do jogo de bingo. Além disso, o Decreto –Lei n° 3.688/41, em seu artigo 50, estatui o estabelecimento ou a exploração de jogo de azar, em local público ou acessível ao público como sendo uma contravenção relativa à polícia de costumes. Nesse aspecto, insiste a Apelante que a revogação do §2° do art. 74 do Decreto n° 2574/98 pelo Decreto n° 3214/99 só teria suprimido a exigência das salas próprias para instalação e operação de máquinas eletrônicas programadas, sendo possível, a partir de tal revogação, instalar-se tais equipamentos em qualquer local.


No entanto, lógico é o efeito exatamente contrário da citada revogação, tendo em vista que, a partir desta, não se permite mais a instalação de tais aparelhos nem mesmo nas aludidas salas próprias de bingo. Para que verídico fosse o argumento da Apelante, razoável seria a revogação apenas da expressão salas próprias e não do dispositivo inteiro. Ademais, o Secretário da Receita Federal, tendo a competência para editar normas tendentes a apreender mercadorias quando flagrantemente atentatórias aos bons costumes, consoante o art. 105, XIX, do Decreto – Lei n° 37/66 e do art. 23,IV e parágrafo único do Decreto- Lei n° 1.455/76, viu-se obrigado a editar a guerreada Instrução Normativa 93/2000, em prol do bem comum, como autoridade pública que é, de acordo com a legislação penal brasileira, que define o que é jogo de azar – aquele em que a extração e a premiação dependente exclusivamente da sorte. (…)

Outro adendo faz necessário para dizer que apenas a partir da edição da Instrução Normativa SRF n° 126/99, de 26 de outubro de 1999, a qual determinava a apreensão das citadas máquinas para fins de aplicação da pena de perdimento, é que passou a estar proibida a importação dos referidos equipamentos, muito embora já existisse previsão legal para tal. A IN SRF 126/99 foi aprimorada pela IN SRF n° 172/99, de 30 de dezembro de 1999 e o mesmo ocorreu com a edição da ora atacada IN SRF n° 93/00. Importante, porém, é salientar que as IN 126/99 e 172/99 tratam não só das máquinas de vídeo bingo, mas também das de videopôquer e de caça-níqueis. E mais, não foram editadas somente com suporte no Decreto 3.214/99, que trata somente de vídeo bingo, mas, isto sim, com supedâneo no Decreto –Lei 3.688/41, no Decreto – Lei 37/66 e no Decreto –Lei 1455/76, que tratam da proibição dos jogos de azar e dos impedimentos para importação de mercadorias que atentem contra a moral e os bons costumes, de forma geral. Da mesma forma, a Portaria SECEX n° 7/2000 está em perfeita consonância com o ordenamento jurídico pátrio, sendo claro que cabe a este órgão regulamentar a emissão de licenças de importação, impedindo a expedição de licenças de importação para equipamentos cuja utilização seja proibida em território nacional. (…)

A correta interpretação da Lei 6.259/44 evidencia que emanará sempre da União a derrogação da norma penal relativa aos jogos de azar, restando claro que o Decreto 96.993/88, que regulamenta a Lei 7.291/84 (“Lei do Turfe”) não autoriza a utilização de máquinas de sorteio eletrônico, e, menos ainda, delega a autoridades administrativas da Secretaria de Direito Econômico o poder de derrogar a Lei de Contravenções Penais, autorizando a utilização de máquinas de sorteio eletrônico em todo o território nacional. Por fim, é importante ressaltar que quando se trata de Direito Penal aplica-se o princípio in dúbio pro réu, mas quando se trata de Direito Administrativo, como no caso, (legalidade das importações, autorização para funcionamento de equipamentos disponibilizados ao público em geral, competência legislativa), tal princípio é inteiramente descabido.

Não se trata nem mesmo de discutir a exigibilidade de tributos, mas tão somente a ação fiscal da Receita Federal, em consonância com a legislação federal vigente, para impedir a importação e aplicar a pena de perdimento sobre mercadorias que colocam em risco a moral e os bons costumes. Ad argumentandum, óbvio é que os princípios constitucionais expressos nos artigos 5°, XIII (liberdade de exercício profissional) e 170, parágrafo único (livre exercício de atividade econômica), ambos da Carta Magna, em hipótese alguma poderiam albergar as pretensões da Apelante, pois não se prestam a garantir o direito de exercer atividades ilícitas”.

Autos recebidos nesta Egrégia Corte Regional de Justiça, em 26/08/2003 (fls. 259v), o Ministério Público Federal (fls. 364/382) opinou pelo não provimento do recurso.

Autos redistribuídos à Egrégia Sexta Turma Especializada, em 26 de janeiro de 2005 (fls. 383v.), veio aos autos manifestação do Ministério Público Federal (fls. 384/391) insistindo no desprovimento do recurso, “com conseqüente cassação da liminar (…) que atribuiu efeito suspensivo ativo ao recurso”.

Autos conclusos (fls. 392), determinada a inclusão do feito na pauta do dia 04 de maio de 2005, a Egrégia Sexta Turma Especializada, na referida sessão, houve por bem declinar de sua competência, com retificação da classificação na TUA para o código “03.13.02”, em favor da Egrégia Terceira Turma Especializada (fls. 393).

Petição da Apelante – dirigida à Egrégia Terceira Seção Especializada – argüindo a exceção de incompetência absoluta, pleiteando o retorno do recurso à competência da Egrégia Sexta Turma Especializada (fls. 408/412).


Suscitado conflito negativo de competência pela Egrégia Terceira Seção Especializada (fls. 414/473).

Decisão do Colendo Órgão Especial do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região conhecendo do conflito e declarando competente para o julgamento do recurso a Egrégia Sexta Turma Especializada (fls. 487).

Autos conclusos, foi determinada a inclusão do feito na pauta de hoje (fls. 495).

II – RELATÓRIO DO PROCESSO 2003.02.01.004036-2 :

TECNO TURFE JOGOS ELETRÔNICOS LTDA, qualificado às fls. 2, ajuíza, em face da UNIÃO FEDERAL, medida cautelar inominada, de caráter incidental, postulando a “suspensão dos efeitos da sentença exarada na ação ordinária 2001.51.01.016373-8, da 6ª Vara Federal –RJ, de modo a assegurar à autora o direito de exercer as suas atividades regulares de importação, locação e exploração, em todos os Estados da Federação, dos equipamentos sorteadores de resultados e prognósticos em questão, bem como de peças de reposição para os mesmos, até o julgamento da apelação, para que a requerente não venha a sofrer danos irreparáveis e para que não se frustre o resultado útil do recurso de apelação a que se vincula esta cautelar” e, a final, a procedência da medida cautelar, “tornando definitiva a liminar, ora pleiteada, bem como em razão da extrema urgência, seja mantida a eficácia da decisão que concedeu o efeito suspensivo ativo ao agravo de instrumento 2001.02.01.045602-8, a fim de que fiquem suspensos os efeitos da sentença em tela, pelo menos até o julgamento do referido recurso de apelação”. (fls. 2/16)

Inicial instruída com procuração, documentos e comprovante do recolhimento de custas (fls. 17/128).

Medida liminar deferida, na decisão de fls. 139/140.

Agravo interno da UNIÃO FEDERAL (fls. 155/167), protocolizado em 23 de maio de 2003, seguido de contestação da Requerida (fls. 168/178) sustentando a improcedência do pedido.

Após os fatos processuais de fls. 180/198, foi determinada a inclusão da medida cautelar na pauta de hoje, para julgamento (fls. 199).

É o relatório

RIO DE JANEIRO, 26 DE OUTUBRO DE 2005.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

VOTO

I – VOTO DO PROCESSO N° 2001.51.01.016373-8 :

De início, cumpre reconhecer que o Excelso Supremo Tribunal Federal, na ADI 2847/DF, Relator Min. CARLOS VELLOSO, julgada na sessão do dia 26/11/2004, registrou na ementa respectiva – publicada no dia 26 de novembro de 2004 – o seguinte: “CONSTITUCIONAL. LOTERIAS. LEIS 1.176/96, 2.793/2001, 3.130/2003 e 232/92, DO DISTRITO FEDERAL. C. F., ARTIGO 22, I e XX. I – A legislação sobre loterias é da competência da União: C.F., art. 22, I e XX. II – Inconstitucionalidade das leis distritais 1.176/96, 2.793/2001, 3.130/2003 e 232/92. III – ADI julgada procedente”. O argumento, aduzido no apelo, de que “vários estados e municípios brasileiros já regulamentaram o concurso de prognóstico”, em nada aproveita à Autora, vez que, como dito, o Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assentou que a competência para legislar sobre loterias é da UNIÃO FEDERAL, em razão do que disposto no art. 22, I e XX da Constituição Federal.

O inciso III do art. 195 da Constituição Federal (“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (…) III – sobre a receita de concurso de prognósticos”) não é suscetível de ser entendido, com abstração dos dizeres do art. 22, XX da Constituição (“Art. 22- Compete privativamente à União legislar sobre: XX – sistemas de consórcios e sorteios”). Na medida em que o Excelso Pretório assenta que o inciso XX do art. 22 da Constituição Federal assegura à União Federal competência privativa para legislar sobre loterias, o que daí se segue é que o disposto no art. 195, III, da mesma C.F., por si só, não é, de direito, premissa do pedido autoral.

Nem tampouco o disposto no § 1º do art. 26 da Lei nº 8.212 de 24 de julho de 1991, nem, por igual, o disposto no inciso II do art. 56 da Lei nº 9.615, de 25 de março de 1998 dão respaldo ao pedido autoral, posto que, repita-se, o Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL diz que o art. 22, XX, da Constituição Federal confere à União Federal competência privativa para legislar sobre loterias. A propósito, na Medida Cautelar nº 8.315-PR, Relator o Eminente Ministro FRANCISCO FALCÃO, a Egrégia Primeira Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, concebeu a ementa do julgado ocorrido em 14 de dezembro de 2004, do seguinte modo: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. JOGO DE BINGO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. INOCORRÊNCIA. I – O artigo 22, XX, da Constituição Federal determina ser da competência privativa da União legislar sobre sorteios, tendo sido, por isso, editadas as Leis Federais nº 9.615/1998 e 9.981/2000, bem como o Decreto nº 3.569/2000, que estabelece ser o bingo um serviço público de competência da União, executado, direta ou indiretamente, pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, em todo o território nacional. II –Neste panorama, as leis estaduais criadas para regular a atividade estariam a invadir a competência constitucionalmente deferida à UNIÃO; III – Recentemente, a matéria sofreu apreciação do Supremo Tribunal Federal através da ADIN nº 2.847/DF, onde ficou assentado que a legislação sobre loterias é da competência da União; IV – Medida cautelar improcedente”. Ademais, reconhecendo, expressamente, o apelo que o art. 59 da Lei nº 9.615, de 25 de março de 1998 foi revogado pela Lei nº 9.981/2000, a partir de 31/12/2000, evidentemente o art. 56, II, da Lei nº 9.615/98 não é suscetível de se constituir em premissa de onde inferir o pedido inaugural. A circunstância do referido art. 56, II, da Lei 9.615/98 conter previsão de que os recursos necessários ao fomento de práticas desportivas formais e não formais a que se refere o art. 217 da Constituição Federal são assegurados, dentre outros, com “receitas oriundas de concursos de prognósticos” não tem o condão de permitir a confusão com quaisquer receitas oriundas de quaisquer concursos de quaisquer prognósticos…


Pertinem, no caso, os dizeres do Parquet, às fls. 376/378: “Sustenta a Apelante, dessa forma, que os equipamentos eletrônicos de videobingo estariam inclusos no conceito de prognósticos, os quais seriam autorizados pela CRFB e cujas rendas líquidas seriam tributadas a fim de contribuírem para a Seguridade Social. Entretanto, se analisarmos detidamente o § 2º do art. 26 da Lei nº 8.212/91, acima transcrito, que nos traz o conceito de concursos de prognósticos, veremos que a intenção do legislador foi a de tributar, obviamente, todas as modalidades de sorteios, loterias e apostas que se realizem de maneira lícita, autorizada pelo Governo. (…) Dessa forma, completamente incabível a interpretação defendida pela Apelante, de tal norma constitucional. Partindo-se do pressuposto por esta defendido, ou seja, de que as máquinas de videobingo estariam incluídas no conceito de concursos de prognósticos (CRFB, art. 195, III), concluir-se-ia, absurdamente, que tal norma instituiu tributação sobre jogos cuja ofensa à moral e aos bons costumes são latentes, sendo, inclusive, objeto de imputação penal como contravenção (art. 50 do Decreto – Lei 3.688/41)”

II – VOTO DO PROCESSO Nº 2003.02.01.004036-2 :

Na dicção do art. 808 do CPC, “cessa a eficácia da medida cautelar: III – se o juiz declarar extinto o processo principal, com ou sem julgamento do mérito”. Por tal razão e sempre atento à circunstância de que, de conformidade com o disposto no art. 796 do CPC, “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente”, despiciendas maiores considerações, além daquelas que animam a fundamentação da apelação, interposta na ação principal.

ISTO POSTO

I – Nego provimento à apelação cível nº 2001.51.01.016373-8, condenando a Autora nas custas e em honorários advocatícios de 20% do valor da causa;

II – Julgo improcedente o pedido cautelar, objeto do processo nº 2003.02.01.004036-2, revogada a medida liminar, assim como a tutela antecipada recursal, assim como prejudicado o agravo interno, condenada a Requerente nas custas e em honorários advocatícios de 20% do valor da causa.

É COMO VOTO.

RIO DE JANEIRO, 26 DE OUTUBRO DE 2005.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR. BINGO. Não se constituem nem o art. 195, III, da CF, nem o art. 26 da Lei nº 8.212/97 amparo legal ao pedido postulado, vez que o Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assentou, na ADI 2847, que, na forma do art. 22, XX, da Constituição Federal, a legislação sobre loterias é da competência privativa da União. “O artigo 22, XX, da Constituição Federal determina ser da competência privativa da União legislar sobre sorteios, tendo sido, por isso, editadas as Leis Federais nº 9.615/1998 e 9.981/2000, bem como o Decreto nº 3.569/2000, que estabelece ser o bingo um serviço público de competência da União, executado direta ou indiretamente, pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, em todo o território nacional”. A improcedência do apelo conduz, necessariamente, à cessação da eficácia da medida cautelar incidental, com conseqüente revogação da medida liminar, assim como da antecipação da tutela recursal (art. 808, III, do CPC). Apelo a que se nega provimento e medida cautelar julgada improcedente, revogada a medida liminar, assim como a antecipação da tutela recursal, prejudicado o agravo interno, condenada a Apelante – Requerente nas custas, quer da ação ordinária, quer da medida cautelar, bem como na verba honorária de 20% do valor da causa, devidamente atualizado, quer na ação ordinária, quer na medida cautelar.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Membros da Sexta Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região, à unanimidade, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Eminente Desembargador Federal DR. BENEDITO GONÇALVES e pela Eminente Juíza Federal Convocada DRA. VALÉRIA MEDEIROS DE ALBUQUERQUE, em negar provimento ao apelo, julgar improcedente o pedido cautelar, revogada a medida liminar, assim como a antecipação de tutela recursal, prejudicado o agravo interno, condenada a Apelante – Requerente nas custas, quer da ação ordinária, quer da medida cautelar, bem como na verba honorária de 20% do valor da causa, devidamente atualizado, quer na ação ordinária, quer na medida cautelar.

RIO DE JANEIRO, 26 DE OUTUBRO DE 2005.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGERIO CARVALHO

APTE/EMBGTE: TECNO TURFE JOGOS ELETRONICOS LTDA

ADVOGADO: JORGE BARATA DE LACERDA


APDO/EMBGDO: UNIAO FEDERAL / FAZENDA NACIONAL

ORIGEM: SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200151010163738)

RELATÓRIO

Embargos de declaração (fls. 515/521) de TECNO TURFE JOGOS ELETRÔNICOS LTDA, expondo e requerendo: “(…) o r. acórdão omitiu-se de analisar, inicialmente, o argumento de que o art. 195, III, da Constituição Federal, e o art. 26, § 1º, da Lei nº 8.212/91, por tratarem de concurso de prognóstico, modalidade em que se enquadra a atividade em tela, amparam a de bingo eletrônico (…)

Uma vez admitidos institucionalmente na Constituição os concursos de prognósticos – exatamente, como ocorre nos bingos em todas as suas modalidades – sem que a Lei Fundamental em qualquer tópico, passagem ou expressão determine que só os órgãos oficiais do Estado poderão explorá-los – resulta óbvio que tal exploração está coberta pelo dispõe o artigo 5º, XIII, da CF, também não apreciado pelo acórdão, no sentido de que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício, ou profissão; e, mais, no sentido do que dispõe o seu capítulo relativo à ordem econômica, que, no art. 170, parágrafo único, a respeito do qual o r. acórdão igualmente silenciou, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade ou profissão, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Igualmente o acórdão, ao limitar-se acerca da competência para legislar da União, e não é disso que trata o recurso, omitiu-se sobre o real alcance do art. 56, II, da Lei nº 9.615/98, que, também, ampara a atividade em tela (…) Ou seja, em que pese a alegada revogação dos artigos 59 a 81 da “Lei Pelé”, pela demandada, a ora embargante sustentou que tal diploma continua recepcionando, em seu art. 56, II, as receitas dos concursos de prognósticos para fomentar a prática do desporto, fato que por si só autoriza o exercício da atividade em questão. Tanto é verdade que se trata de atividade lícita, que o Governo Federal, visando, por questões políticas, como é público e notório, proibi-la, viu-se forçado a editar a MP 168 / 04, evidenciando, assim, que o próprio Governo reconhece que não estava revogado o aludido art. 59 da Lei Pelé e que não havia legislação alguma impedindo o exercício da aludida atividade. Com efeito, dispõe o art. 8º da MP 168 / 04 (…) Como visto, o dispositivo acima pretendeu revogar expressamente tanto o art. 59 da Lei nº 9.615/98, logicamente que com a nova redação dada pelo art. 17 da MP 2.216 – 37, quanto esta MP, ou pretendeu em vão a revogação da legislação que autoriza a atividade de bingo.

Ora, como não se pode revogar aquilo que já estava revogado, é óbvio que o próprio Governo Federal, ao editar a MP 168/ 04, admitiu, expressamente, que se encontra em plena vigência a legislação autorizadora do jogo de bingo. Posteriormente, como se sabe, no início do mês de maio de 2004, o Senado Nacional rejeitou a aludida Medida Provisória nº 168 / 04, não mais havendo, portanto, qualquer impedimento legal para o exercício da atividade em questão. Sobre este fato superveniente à interposição do recurso, mas aduzido da tribuna e em memoriais, o r. acórdão também omitiu-se de apreciar. Da mesma forma, o r. acórdão embargado não se manifestou acerca de outra norma superveniente também trazido da tribuna e em memoriais, a saber, a Lei Complementar Federal nº 116, de 31 de julho de 2003, a qual, na esteira dos preceitos constitucionais e atenta ao filão que representam as atividades de jogos eletrônicos, mais precisamente bingos e caças – níqueis, permitiu a incidência de ISSQN (item 19), de competência dos Municípios, sobre “bingos”, o que corrobora e pontifica que se trata de atividade lícita, rentável e tributável, sendo certo, como se sabe, que não se pode tributar atividade ilícita. Por fim, há de se corrigir erro material, que poderá levar à nulidade do acórdão, eis que constou como integrante do julgamento do Des. Federal Dr. Benedito Gonçalves, quando, em realidade, o mesmo não estava compondo essa eg. Turma por ocasião do julgamento da apelação”. E pleiteia o provimento do recurso, sanando as omissões apontadas, e corrigindo a inexatidão material constante do v. acórdão recorrido.

Resposta da Apelada – Embargada, às fls. 530/545, pugnando pelo improvimento do recurso interposto.

Certidão de juntada da transcrição fonográfica (fls. 547), do julgamento, que culminou na formação do v. acórdão recorrido (fls. 548/568).

Após os fatos processuais de fls. 570/578, vindo-me conclusos os autos (fls. 579), na forma regimental, trago o feito em mesa, para julgamento.

É o relatório

RIO DE JANEIRO, 28 DE FEVEREIRO DE 2007.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

VOTO


Por primeiro, cumpre reconhecer existir razão à alegação da Embargante de ocorrência de inexatidão material do v. acórdão recorrido, na parte em que diz, às fls. 505, que “acordam os Membros da Sexta Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região, à unanimidade, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Eminente Desembargador Federal DR. BENEDITO GONÇALVES e pela Eminente Juíza Federal Convocada DRA. VALÉRIA MEDEIROS DE ALBUQUERQUE …”, posto que: a) – a certidão de julgamento, às fls. 496, torna certo que compuseram o Colégio votante, além do Relator, os Juízes Federais Convocados VALÉRIA MEDEIROS DE ALBUQUERQUE e JOSÉ ANTONIO LISBOA NEIVA ; b) a transcrição fonográfica de fls. 548 / 568 retrata que apenas os julgadores antes mencionados integraram o Colégio votante. Ao menos, para esse fim – corrigir a inexatidão material, ora reconhecida – merece provido o recurso, pois, despiciendo dizer, a construção pretoriana é no sentido de que os embargos de declaração são recurso hábil à correção de inexatidão material, constante do v. acórdão embargado.

Como um plus aos fundamentos retro, registro que a resposta da Apelada – Embargada silencia ante a alegação, posta no recurso, ora em exame, como dito no relatório, de inexatidão material, quanto à composição do Colégio votante. Assim, sano a inexatidão material declarando que os Membros da Sexta Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região, decidiram a sorte da apelações cíveis na ação ordinária, de medida cautelar e de agravo interno, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelos Eminentes Juízes Federais Convocados DRS. VALÉRIA MEDEIROS DE ALBUQUERQUE e JOSÉ ANTONIO LISBOA NEIVA.

Como visto no relatório, pretende o recurso, ora em exame, que o v. acórdão recorrido incidiu em omissão quanto à circunstância de que os concursos de prognósticos, previstos no art. 195, III, da Constituição Federal, tal como conceituados no §1º do art. 26 da Lei 8.212, de 24.07.1991 – independentemente da intermediação de outra qualquer norma – alcançam a atividade de bingo. Contudo, penso que houve manifesto pronunciamento – no voto condutor do v. acórdão recorrido – quanto ao tópico, como se depreende dos seguintes dizeres: “ (…) O inciso III do art. 195 da Constituição Federal (“ Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (…) III – sobre a receita de concurso de prognósticos”) não é suscetível de ser entendido, com abstração dos dizeres do art. 22, XX da Constituição (“Art. 22- Compete privativamente à União legislar sobre: XX – sistemas de consórcios e sorteios”). Na medida em que o Excelso Pretório assenta que o inciso XX do art. 22 da Constituição Federal assegura à União Federal competência privativa para legislar sobre loterias, o que daí se segue é que o disposto no art. 195, III, da mesma C.F., por si só, não é, de direito, premissa do pedido autoral. Nem tampouco o disposto no §1º do art. 26 da Lei 8.212 de 24 de julho de 1991, nem, por igual, o disposto no inciso II do art. 56 da Lei nº 9.615, de 25 de março de 1998 dão respaldo ao pedido autoral, posto que, repita-se, o Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL diz que o art. 22, X, da Constituição Federal confere à União Federal competência privativa para legislar sobre loterias.

A propósito, na Medida Cautelar nº 8.315-PR, Relator o Eminente Ministro FRANCISCO FALCÃO, a Egrégia Primeira Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, concebeu a ementa do julgado ocorrido em 14 de dezembro de 2004, do seguinte modo: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. JOGO DE BINGO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. INOCORRÊNCIA. I – O artigo 22, XX, da Constituição Federal determina ser da competência privativa da União legislar sobre sorteios, tendo sido, por isso, editadas as Leis Federais nº 9.615/1998 e 9.981/2000, bem como o Decreto nº 3.569/2000, que estabelece ser o bingo um serviço público de competência da União, executado, direta ou indiretamente, pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, em todo o território nacional. II –Neste panorama, as leis estaduais criadas para regular a atividade estariam a invadir a competência constitucionalmente deferida à UNIÃO; III – Recentemente, a matéria sofreu apreciação do Supremo Tribunal Federal através da ADIN nº 2.847/DF, onde ficou assentado que a legislação sobre loterias é da competência da União; IV – Medida cautelar improcedente”. Ademais, reconhecendo, expressamente, o apelo que o art. 59 da Lei nº 9.615, de 25 de março de 1998 foi revogado pela Lei nº 9.981/2000, a partir de 31/12/2000, evidentemente o art. 56, II, da Lei nº 9.615/98 é suscetível de se constituir em premissa de onde inferir o pedido inaugural. A circunstância do referido art. 56, II, da Lei 9.615/98 conter previsão de que os recursos necessários ao fomento de práticas desportivas formais e não formais a que se refere o art. 217 da Constituição Federal são assegurados dentre outros, com “receitas oriundas de concursos de prognósticos” não tem o condão de permitir a confusão com quaisquer receitas oriundas de quaisquer concursos de quaisquer prognósticos…”.


Em momento algum, supôs ou afirmou o d. voto condutor do v. acórdão recorrido que o pedido inaugural estivesse apoiado em lei estadual. O que salta dos dizeres, postos na fundamentação do d. voto condutor do v. acórdão embargado, é que o inciso III do art. 195 da Constituição Federal, por si só, não é suficiente a amparar o pedido, vez que do mesmo não se segue – independentemente de quaisquer outras normas – autorização para o exercício da atividade de bingo, porquanto, na dicção do art. 22, XX, da Constituição Federal, é da competência da União legislar sobre sorteios. A competência instituída no inciso XX do art. 22 da Constituição Federal não pode, por certo, ser exercida de modo a tornar um nada o que disposto no inciso III do art. 195 da mesma Constituição Federal.

Pretende a Embargante albergado o pedido inaugural no que disposto no § 1º do art. 26 da Lei nº 8.212/91. Em primeiro lugar, cumpre ter em mente que a Constituição Federal não reservou à lei complementar a matéria de que trata o inciso XX do art. 22 da Carta da República. Assim, cumpre fazer cognição quanto a ter sobrevivido, no ordenamento jurídico, o só conceito de concurso de prognósticos, constante do § 1º do art. 26 da Lei nº 8.212/91 . Na fundamentação do voto condutor do v. acórdão recorrido, resultou registrado : “(…) Ademais, reconhecendo, expressamente, o apelo que o art. 59 da Lei nº 9.615, de 25 de março de 1998 foi revogado pela Lei nº 9.981/2000, a partir de 31/12/2000, evidentemente o art. 56, II, da Lei nº 9.615/98 é suscetível de se constituir em premissa de onde inferir o pedido inaugural. A circunstância do referido art. 56, II, da Lei 9.615/98 conter previsão de que os recursos necessários ao fomento de práticas desportivas formais e não formais a que se refere o art. 217 da Constituição Federal são assegurados dentre outros, com “receitas oriundas de concursos de prognósticos” não tem o condão de permitir a confusão com quaisquer receitas oriundas de quaisquer concursos de quaisquer prognósticos.” Como se vê, houve expresso pronunciamento, no julgamento da apelação cível, quanto ao que contido no art. 217 da Constituição Federal, como sendo insuscetível, por si só, a servir de premissa de onde inferir o pedido inaugural. A solução da controvérsia, entre as partes, não advém diretamente de preceitos constitucionais, mas, sim, de leis infra-constitucionais, e, apenas, indiretamente, de preceitos constitucionais.

Rejeitada a Medida Provisória nº 168/04, pelo Senado Federal – como reconhecido no recurso, em exame, às fls. 520 – concorda a Embargante com a parte Embargada quanto a permanecer vigendo, no ordenamento jurídico positivo brasileiro, o que disposto na Lei nº 9.615 / 1998. A Embargada pretende que os artigos 60 a 70 da referida Lei permaneçam em vigor, o que não é suscetível de reconhecimento, vez que expressamente revogados pela Lei nº 9.981/2000. Fato, contudo, merecedor de pronunciamento, expresso, no v. acórdão recorrido, é, sim, o que disposto no art. 17 da Medida Provisória nº 2.216 – 37, de 31 de agosto de 2001 : “ O art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento” . O regulamento, que está vigendo, é o constante do Decreto nº 3.659, de 14 de novembro de 2000. Assim, incabível introduzir, no ordenamento jurídico positivo, exigências outras que não as da Lei nº 9.615/1998, combinado com o regulamento constante do Decreto nº 3.659, de 14 de novembro de 2000.

ISTO POSTO

Dou parcial provimento ao recurso, para, reconhecendo omissão do v. acórdão recorrido, no que tange à inexatidão material, quanto aos integrantes do colégio votante, no julgamento do apelo, fique registrado que o compuseram, além do Relator, os eminentes Juízes Federais Convocados DRS. VALÉRIA MEDEIROS DE ALBUQUERQUE e JOSÉ ANTÔNIO LISBOA NEIVA, bem como reconhecendo omissão do v. acórdão recorrido, quanto ao que disposto no art. 17 da Medida Provisória nº 2.216 –37, de 31 de agosto de 2001, saná-la declarando que a atividade de bingo resulta alcançado pelo conceito de concurso de prognósticos constante do §1º do art. 26 da Lei 8.212/91, combinado com o respectivo regulamento, ora em vigor – vez que os anteriores foram revogados – consante do Decreto nº 3.659, de 14 de novembro de 2000, e, em conseqüência, atribuir efeitos modificativos ao v. acórdão embargado, para, reformada a r. sentença de fls., dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do pedido de nº 18 de fls. 718/719, condenada a Apelada a ressarcir as custas adiantadas e a pagar honorários advocatícios de 10% do valor da causa.


É COMO VOTO.

RIO DE JANEIRO, 28 DE FEVEREIRO DE 2007.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÕES. Inexistência quanto ao pronunciamento de dispositivos constitucionais – que, ademais, não servem de premissa de onde inferir o pedido inaugural. Omissão reconhecida no que concerne à inexatidão material do v. acórdão quanto aos componentes do Colégio Votante, por ocasião do julgamento do apelo, nos termos da certidão e transcrição fonográficas acostadas dos autos. Omissão, igualmente, reconhecida quanto ao que disposto no art. 17 da Medida Provisória nº 2.216 – 37, de 31 de agosto de 2001, que finda sanada com a declaração de que a atividade de bingo resulta alcançada pelo conceito de concurso de prognósticos constante do §1º do art. 26 da Lei 8.212/91, combinado com o respectivo regulamento, ora em vigor – vez que os anteriores foram revogados – consoante do Decreto nº 3.659, de 14 de novembro de 2000. Efeitos modificativos do v. acórdão embargado advindos da sanação da omissão para, reformada a r. sentença de fls., dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do pedido de nº 18 de fls. 718/719, condenada a Apelada a ressarcir as custas adiantadas e a pagar honorários advocatícios de 10% do valor da causa. Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Membros da Sexta Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região, à unanimidade, nos termos do voto do Relator, em dar parcial provimento ao recurso para, reconhecendo omissão do v. acórdão recorrido, no que tange à inexatidão material, quanto aos integrantes do colégio votante, no julgamento do apelo, para que fique registrado que o compuseram, além do Relator, os eminentes Juízes Federais Convocados DRS. VALÉRIA MEDEIROS DE ALBUQUERQUE e JOSÉ ANTÔNIO LISBOA NEIVA, bem como quanto ao que disposto no art. 17 da Medida Provisória nº 2.216 –37, de 31 de agosto de 2001, saná-la declarando que a atividade de bingo resulta alcançado pelo conceito de concurso de prognósticos constante do § 1º do art. 26 da Lei 8.212/91, combinado com o respectivo regulamento, ora em vigor – vez que os anteriores foram revogados – consoante do Decreto nº 3.659, de 14 de novembro de 2000, e, em conseqüência, atribuir efeitos modificativos ao v. acórdão embargado, para, reformada a r. sentença de fls., dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do pedido de nº 18 de fls. 718/719, condenada a Apelada a ressarcir as custas adiantadas e a pagar honorários advocatícios de 10% do valor da causa.

RIO DE JANEIRO, 28 DE FEVEREIRO DE 2007.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGERIO CARVALHO

APELANTE: TECNO TURFE JOGOS ELETRONICOS LTDA

ADVOGADO: JORGE BARATA DE LACERDA

APELADO: UNIAO FEDERAL / FAZENDA NACIONAL

ORIGEM: SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200151010163738)

RELATÓRIO

Embargos de declaração (fls. 592/593) de TECNO TURFE JOGOS ELETRÔNICOS LTDA, expondo e requerendo a correção de inexatidão material constante do v. acórdão recorrido (fls. 587), proferido por ocasião do julgamento de embargos declaratórios por ela interpostos, concernente à composição do colégio votante, bem como quanto ao número de folhas dos autos em que consta o pedido formulado no recurso de apelação (item 18) e, por fim, pretendendo que seja transcrito no acórdão o teor do pedido em questão.

Embargos de declaração (fls. 597/612) da UNIÃO FEDERAL, com o afirmado propósito de prequestionamento a fim de viabilizar a interposição de recursos às instâncias superiores, expondo e requerendo que:

“(…)

Inicialmente cumpre fazer um breve análise da evolução legislativa sobre a matéria constante nos autos.

O Art. 195, inciso III, da Constituição Federal determina, in verbis:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

III – sobre a receita de concursos de prognósticos;

Com objetivo de regulamentar o referido mandamento constitucional, foi editada a lei nº 8.212, de 24/07/1991 que em seu art. 26, § 1º, dispõe:

§ 1º Consideram-se concursos de prognósticos todos e quaisquer concursos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal.

Tais normas delinearam os aspectos gerais atinentes aos concursos de prognósticos, não afirmando em momento algum, tratar-se os jogos eletrônicos de bingo uma de suas modalidades.

O que deu ensejo a tal entendimento foram as Leis nº 8.671 de 1993, conhecida como “Lei Zico”, posteriormente revogada pela Lei nº 9.615, de 1998, a chamada “Lei Pelé”.

A Lei 9.615, atualmente em vigor, trata especificamente dos jogos de bingo em seu art. 59 e seguintes, o que segundo entendimento autoral, permitiria sua exploração irrestrita. Para corroborar com sua tese, cita de maneira desconexa inúmeros artigos. Ocorre que, como é cediço na melhor doutrina, as regras jurídicas não devem ser analisadas pelo intérprete de forma isolada, mas de modo a serem compreendidas dentro de um sistema jurídico maior. É o que se reputa interpretação sistemática das leis.

A autora parece esquecer que a referida lei cria diversos requisitos para a exploração desta atividade. Dentre os quais podemos citar: a necessidade de credenciamento das entidades de prática desportiva (que são as autorizadas para a exploração da atividade em comento) junto a União (Art. 60); a necessidade de submeter as máquinas a fiscalização do poder público (60 § 3); requisitos para a concessão da autorização de exploração dos bingos para a entidade desportiva (art. 62), dentre outros.

Importante frisar o teor do art. 64, que manda o poder público, negar a autorização se não provados quaisquer dos requisitos anteriores.

Também os artigos 65, 68 e 70 delimitam a prática da atividade, já o art. 73 proíbe a instalação de qualquer tipo de máquinas de jogo de azar ou de diversões eletrônicas nas salas de bingo, penalizando tal prática no art. 81, com detenção de seis meses a dois anos, e multa.

Ressalte-se que a exploração desta atividade é feita por meio de uma autorização, que se configura como consentimento do poder público a prática de determinado ato. Ato administrativo unilateral, discricionário e precário, sujeito ao poder de polícia do Estado.

Portanto, clara a intenção do legislador em condicionar a exploração da atividade em questão ao cumprimento de diversos requisitos, os quais somam-se a outros previstos pelo Decreto nº 3.659, de 14 de novembro de 2000.

Cumpre ainda esclarecer que a Lei nº 9.615 não explícita claramente o conceito de bingo, o que viria a ser definido por normas posteriores, conforme iremos demonstrar adiante.

Frise-se autorização concedida pela Lei nº 9.615 é genérica, refere-se apenas a atividade “jogos de bingo” sem definir seu conceito, enumerando várias requisitos a serem preenchidos para a prática da atividade, e proibindo o uso de máquinas eletrônicas que possam vir a configurar jogo de azar, o que é expressamente vedado no Brasil, por força do Decreto – Lei nº 3.688/41.

Com ensejo de regulamentar as normas gerais contidas na Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, no uso das atribuições conferidas ao Presidente da República pelo art. 84, incisos IV e VI, da Constituição Federal foi instituído em 29 de abril de 1998 o Decreto nº 2.574, agindo assim, dentro de seu poder regulamentar, porquanto, a própria lei determina a necessidade de regulamentação.

É para explicitar o conteúdo da lei, para interpretar ou para explicá-la, ou ainda para desenvolver ou pormenorizar o texto regulamentado, quando suas formulações são vagas e imprecisas, que é editada a norma regulamentar, conferindo maior nível de precisão e densidade, especificando com maior minudência a regência de situações cuja previsão e disciplina já tenha antecipadamente traçadas na lei, mas sem pormenores.


Art. 105 – Aplica-se a pena de perda da mercadoria:

XIX – estrangeira, atentatória à moral, aos bons costumes, à saúde ou ordem públicas.

Decreto Lei 1.455/76

Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:

IV – enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b” do parágrafo único do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei número 37, de 18 de novembro de 1966.

Parágrafo único. O dano ao Erário decorrente das infrações previstas no “caput” deste artigo, será punido com a pena de perdimento das mercadorias.

E, principalmente, Decreto nº 3.214/99

Art. 1º Fica revogado o § 2º do art. 74 do Decreto nº 2.574, de 29 de abril de 1998.

É impossível não observar que a alínea “a” do § 3º do Decreto Lei nº 3.688/41, deixa cristalino o conceito de jogo de azar aquele que o resultado dependa exclusivamente ou PRINCIPALMENTE da sorte. Ora, é isto que a autora esta adquirindo no exterior, qual seja, máquinas de sorteio. Portanto, a desqualificação dos equipamentos que estão sendo adquiridos como jogos de azar não procede.

Admitir a comercialização e a exploração de máquinas de azar é afrontar uma série de princípios, consagrados na Magna Carta ou extraídos da ciência jurídica, cujo objetivo é o resguardo da família, do desenvolvimento econômico-social e da dignidade da pessoa humana.

(…)

Com este intuito, o Decreto nº 2.574 de 1998, definiu quais as atividades que se enquadrariam no conceito de bingo. Quanto às máquinas de bingo eletrônico, definiu o § 2º do art. 74, in verbis:

§ 2º Somente serão permitidas a instalação e a operação, em salas próprias, de máquinas eletrônicas programadas, única e exclusivamente, para a exploração do jogo de bingo, nos termos do disposto no parágrafo anterior.

Entende a autora, ter sido o art. 74, § 2º, do Decreto 2574/98, norma autorizativa da operação de máquinas de azar eletrônicas, ocorre que tal possibilidade foi extirpada do ordenamento jurídico pátrio com a edição do Decreto 3214/99. Ora, como a autorização foi concedida por meio de um Decreto Regulamentar e sua revogação também se deu por Decreto, não há que se falar em quebra de hierarquia legal.

Ademais, mesmo se recorremos somente à letra fria da legislação infraconstitucional, verificamos que o art. 72 da Lei 9615/98 apenas admite o bingo se gerenciado por entidades desportivas regularmente autorizadas e explorado por meios mecânicos, e nunca eletrônicos, o que foi reiterado pelo Decreto 2574/98.

Não bastasse afirmar que as máquinas em comento não se tratam de jogos de azar, o que é um flagrantemente falacioso, o mais curioso é a interpretação caótica que a impetrante faz da legislação que regulamenta os bingos no Brasil.

Este ponto merece especial atenção. Afirma a autora que a Lei Federal nº 8.672/93, de 6 de julho de 1993, popularmente conhecida de Lei Zico, revogada pela conhecida Lei Pelé, Lei nº 9.615/98, de 24 de março de 1998, normatizou o denominado jogo de bingo ou similar, com a finalidade de angariar recursos para o desporto, permitindo às entidades esportivas explorarem e utilizarem os recursos deles para promoverem seus atletas, lei esta regulamentada pelo Decreto nº 2.574/98, de 29 de abril de 1998.

O § 2º do art. 74 deste Decreto permitiu a instalação e operação de máquinas eletrônicas programadas – MEP, somente em salas próprias e única e exclusivamente para a exploração de jogo de bingo. Pois bem, o Decreto nº 3.214/99 em seu art. 1º, revogou a permissão do § 2º do art. 74 do Decreto nº 2.574/98, fazendo com isso revogar a única possibilidade e permissão de instalação dos referidos equipamentos. Estava então proibida a instalação de máquinas eletrônicas de jogos em todo e qualquer local, embora ainda permitindo o jogo de bingo tradicional.

Corrobora este entendimento o fato de atualmente a regulamentação de bingos estar sendo realizada pelo Decreto nº 3.659/00, de 14 de novembro de 2000, o qual para sanar a questão revogou por completo o art. 74 do Decreto nº 2.574/99. Assim, claro está que nem mesmo em salas próprias podem ser instaladas as máquinas em questão.

Portanto, com base no Decreto 3214/99 foi editada a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 172, de 30/12/1999, que dispõe sobre a apreensão de máquinas eletrônicas programadas para a exploração de jogos de azar, importadas do exterior, obriga a apreensão, para fins de aplicação da pena de perdimento de todas as máquinas desta espécie importadas e ainda não desembaraçadas. Tal Resolução é fulcrada no art. 50, do DL nº 3.688/41, no art. 105, XIX, do DL nº 37/66, no art. 23, IV e parágrafo único, do DL nº 1.455/76, e no art. 1º do Decreto nº 3.214/99, todos em vigor e que tipificam a exploração de máquinas “caça-níqueis” como contravenção penal, os quais passamos a transcrever:

(…)

Neste momento, cabe ressaltar que a Secretaria da Receita federal pode proibir a importação de determinados bens, pois é o órgão competente do Ministério da Fazenda para exercer o estabelecido no art. 237 da carta Magna, in verbis:


“Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.”

Não restando qualquer dúvida quanto à legalidade do ato ora atacado, e que a IN SRF nº 172, não tem nada de ilegal, fica clara a impossibilidade de deferimento do pedido autoral.

Portanto, com fulcro do Decreto nº 3.214/99, os jogos de bingo eletrônicos podem ser considerados jogos de azar, por determinação legal, conforme os artigos retro citados, assim a Instrução Normativa nº 172/99 e atualmente a IN nº 93/2000, não extrapolaram sua competência.

(…)

Pela tese acima exposta, podemos tecer as seguintes conclusões:

a) a IN/SRF º 172, de 30/12/1999, que dispõe sobre a apreensão de máquinas eletrônicas programadas para a exploração de jogos de azar, importadas do exterior, obriga a apreensão para fins de aplicação da pena de perdimento de todos as máquinas desta espécie importadas e ainda não desembaraçadas. Tal Resolução é fulcrada no art. 50, do DL nº 3.688/41, no art. 105, XIX, do DL nº 37/66, no art. 23, IV e parágrafo único, do DL nº 1.455/76, e no art. 1º, do Decreto nº 3.214/99, todos em vigor e que tipificam a exploração de máquinas “caça-níqueis” como contravenção penal;

b) constitui prática contravencional a exploração e funcionamento das máquinas “caça-níqueis, em qualquer uma de suas espécies;

c) cumpre aos órgãos de fiscalização da Receita desempenharem suas funções institucionais, sendo lídima a ação para obstaculizar a importação das máquinas “caça-níqueis”.

Ante o exposto, requer a União seja dado provimento aos presentes Embargos, a fim de que sejam supridas as omissões apontadas.”

Embargos de declaração (fls. 619/658) do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, expondo e requerendo que: “

“(…)

I – PRELIMINARMENTE

A – DA ADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROPOSTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, FUNDAMENTADOS NA CONTRADIÇÃO QUE EXSURGE DO CONFRONTO ENTRE O VOTO, A EMENTA E A CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO RELATIVOS AOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO INTERPOSTOS PELA EMPRESA / APELANTE / EMBARGANTE DO ACÓRDÃO DA APELAÇÃO.

Inicialmente, considerando a relevância e a gravidade da matéria discutida nos autos, bem como sua especial importância para o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, conforme demonstrado pelas suas intervenções anteriores, vem esse órgão apresentar seu recurso antes do julgamento dos dois Embargos de Declaração – o segundo interposto pela União Federal/Fazenda Nacional (fls. 597/612) – que se encontram pendentes.

O Código de Processo Civil dispõe sobre a admissibilidade dos Embargos de Declaração, nos seguintes termos:

“Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:

I – houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição;

II – for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal”. (grifado).

Conforme será destacado a seguir, subsistem contradições expressas nos Votos e Acórdão do julgamento dos Embargos de Declaração (fl. 587). O provimento parcial dos referidos Embargos de Declaração resultou na MODIFICAÇÃO do conteúdo do Acórdão proferido por ocasião do julgamento da Apelação Cível.

Cumpre ressaltar que o fundamento da peça recursal interposta pela Empresa / Apelante / Embargante era a existência de omissão em relação ao tratamento da matéria dos autos, qual seja, exploração do jogo de bingo, perante determinados dispositivos de natureza constitucional e legal.

O pedido contido nos Embargos de Declaração se encerra nos seguintes termos (fls. 520/521):

“(…) 8. – Em suma, requer sejam supridas as omissões no que tange ao amparo que a atividade em tela encontra nos arts. 195, III, 5º, XIII, 170, § único, e 217, todas da Constituição Federal, no § 1º, do art. 26, da Lei 8.212/91, no art. 56, II, da Lei 9.615/98, além de apreciar os fatos supervenientes ao recurso acima referidos, quais sejam a promulgação da Lei Complementar Federal n. 116, de 31 de julho de 2003, que tributa os bingos, em todas as suas modalidades, bom como no fato de haver sido derrubada pela Congresso Nacional a MP 168, de dezembro de 2004, que tentou proibir expressamente dita atividade. Ora, como já dito, se o Governo necessitou editar um MP para proibi-la, é porque era e continua sendo lícita.

(…)”. (grifado).

A fundamentação do Acórdão e da Ementa dos Embargos de Declaração (fls. 583/586) se reporta às omissões reclamadas pela Autora / Apelante / Embargante. Destaca-se que o próprio Relator se vale do expediente da transcrição do conteúdo do Acórdão da Apelante Cível para demonstrar a INEXISTÊNCIA das omissões argüidas:

(…)

É importante ressaltar que foi iniciativa do próprio Desembargador Relator, no seu voto (fls. 583/586), anotar e fundamentar a INEXISTÊNCIA de omissão em relação aos dispositivos constitucionais e legais apontados nos Embargos de Declaração.


Entretanto, em seguida, tanto na Ementa, quanto no Acórdão (fl. 587), referentes ao pedido contido nos Embargos de Declaração, esse mesmo Relator reconhece “omissão do v. acórdão recorrido, quanto ao que disposto no art. 17 da medida provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, saná-la declarando que a atividade de bingo resulta alcançado pelo conceito de concurso de prognósticos constante do § 1º do art. 26 da Lei 8.212/91, combinado com o respectivo regulamento, ora em vigor – vez que os anteriores foram revogados – consante o Decreto nº 3.659, de 14 de novembro de 2000, e, em conseqüência, atribuir efeitos modificativos ao v. acórdão embargado, para, reformada a r. sentença de fls., dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do pedido de nº 18 de fls. 718/719”.

É essa gritante contradição, reforçada pelo reconhecimento de um omissão – atinente ao 17 da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001 – que sequer foi argüida pela Autora / Apelante / Embargante, que autoriza a interposição dos presentes Embargos de Declaração pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 535, I, do CPC.

(…)

Constata-se que o pedido contido no recurso da Autora/Apelante/Embargante, em relação à suposta omissão no que tange ao amparo que a atividade em tela encontra nos artigo 195, III e no artigo 217, ambos da Constituição Federal, bem como no §1º, do artigo 26, da Lei nº 8.212/91 e no artigo 56, II, da Lei nº 9.615/98, padece de veracidade quando em confronto com os documentos constantes dos autos, manifestamente, quando em confronte com as decisões proferidas nos julgamentos da Apelação Cível e dos próprios Embargos de Declaração da Apelação Cível.

Há que se frisar, veementemente, que o dispositivo legal – qual seja, artigo 17, da MP nº 2.216-37/2001, de 31 de agosto de 2001 – que fundamenta a Ementa e o Acórdão proferidos por ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração da Apelação não foi suscitado, tampouco discutido pela Autora / Apelante / Embargante, tanto por ocasião da Apelação Cível (fls. 293/319), quanto por ocasião da interposição de suas razões de Embargos de Declaração da Apelação (fls. 515/525).

(…)

Por todo o exposto, os primeiros Embargos de Declaração interpostos pela Autora / Apelante / Embargante sequer deveriam ter sido admitidos, posto que ausentes os pressupostos de admissibilidade impostos pelo artigo 535 do CPC – qual seja, NÃO EXISTA QUALQUER OMISSÃO NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO.

II – DA QUESTÃO DE FUNDO

A – DA LEI Nº 9.615/98 (LEI PELÉ) E SUAS MODIFICAÇÕES E DA EDIÇÃO DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DA SRF QUE APLICA PENA DE PERDIMENTO A MÁQUINAS DE VIDEOBINGO IMPORTADAS.

Primeiramente, convém analisar a Lei nº 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, a qual dispõe sobre normas gerais do desporto e trazia, em seus artigo 59 a 81, atualmente revogados, a disciplina dos jogos de bingo. Segue o texto da Lei nº 9.6415/98, conforme publicado no sítio oficial da Presidência da República, com os destaques relativos à sua alteração pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001, e sua definitiva revogação a partir de 31/12/2001 por força da Lei nº 9.981, de 2000:

(…)

A Lei nº 9.981, de 14/07/2000 (DOU de 17/07/2000), que expressamente revogou, a partir de 31/12/2001, os arts. 59 a 81 da Lei nº 9.615/98, assim dispôs sobre a matéria:

“Art. 2º Ficam revogados, a partir de 31 de dezembro de 2001, os arts. 59 a 81 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração.

(…)

Por seu turno, a referida Medida Provisória nº 2.216-37, de 31/08/2001 (DOU de 1º/09/2001), alterou a redação, do então vigente, art. 59 da Lei no 9.615/98 (pois, como antes destacado, este art. 59 somente estaria revogado a partir de 31/12/2001, por força do disposto na Lei nº 9.981, de 2000) nos seguintes termos:

Art. 17. O art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento.” (NR)

Vale aduzir também à Medida Provisória nº 168, de 20 de Fevereiro de 2004 (DOU de 20.02.2004), que acabou sendo rejeitada pelo Senado Federal em sessão realizada no dia 5 de maio de 2004:

(…)

Ante o exposto, ao contrário do que tenta fazer parecer a Empresa-Apelante-Embargante, resta induvidoso que atualmente se encontra claramente proibida toda e qualquer prática relacionada ao “jogo de bingo”, em especial e com maior razão, proibida a exploração das denominadas máquinas de “videobingo”, “videopôquer” e demais verdadeiras máquinas caça níqueis.


Importa ressaltar, resumidamente, a evolução legislativa sobre a matéria:

1º – A Lei nº 9.615/98, em seus art. 59 a 81, dispunha sobre a autorização do jogo de bingo (apesar de, em momento algum, ter autorizado o uso de máquinas caça níqueis denominadas de “videobingo”, “videopôquer” etc);

2º – A Lei nº 9.981/00, em seu art. 2º, revogou, somente a partir de 31/12/2001, os arts. 59 a 81 da lei nº 9.615/98, que davam a autorização para a prática do jogo de bingo, “respeitadas as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração”;

3º – A Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001, apenas alterou a redação do então vigente art. 59 da Lei nº 9.615/98, nada dispondo e, portanto, sem afetar a determinação do art. 2º da Lei nº 9.981/00, que dispunha sobre a revogação deste art. 59 a partir de 31/12/2001.

4º – A Medida Provisória nº 168/04 reiterou a proibição, em tido território nacional, da exploração de todas as modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas, denominadas “caça-níqueis”, independentemente dos nomes de fantasia, estabeleceu multas para o descumprimento dessa proibição, bem como dispôs sobre a revogação dos arts. 2º, 3º e 4º da Lei nº 9.981, de 14 de julho de 2000, o art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, e o art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001;

5º – Em 5 de maio de 2004, o Senado federal rejeitou a Medida Provisória nº 168/04;

6º – Considerando os efeitos da rejeição dessa medida provisória, volta-se ao statu quo ante, qual seja, o de que a partir de 31/12/2001, encontra-se terminantemente proibida a prática do jogo de bingo, em qualquer de suas modalidades, bem como proibidos os demais jogos eletrônicos de máquinas caça níqueis (“videobingo”, “videopôquer” etc)

Insta destacar que nem a Lei nº 8.212/91, nem a Lei Complementar nº 116/03, servem de fundamento para a pretensão da Empresa-Apelante-Embargante, pois as mesmas tratam de aspectos tributários (respectivamente, contribuição social sobre concurso de prognósticos e imposto sobre serviço), que têm como pressuposto a legalidade da atividade. Assim, a medida que o jogo de bingo é proibido não há como se cogitar de tributação sobre tal atividade.

(…)

III – DO PEDIDO

Ante o exposto, verificada a gravidade da contradição entre os fundamentos e o resultado final do Acórdão dos Embargos de Declaração, que inclusive promoveu a alteração do resultado final do julgamento da Apelação, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL que seja corrigida a contradição apontada, atribuindo aos presentes Embargos de Declaração efeitos infringentes, emitindo essa Colenda 6ª Turma do Tribunal o correto juízo, declarando explicitamente como conclusão a improcedência do Apelo que, no caso em apreço, conduz necessariamente à manutenção da cessação da eficácia da medida cautelar incidental, com a conseqüente revogação da medida liminar, bem como da antecipação de tutela recursal (artigo 808, III, do CPC), permanecendo proibida toda e qualquer prática de atividade vinculada ao jogo de bingo, bem como qualquer atividade relacionada à exploração de máquinas caça níqueis (máquinas de “videobingo”, “videopôquer” etc.).

Outrossim, com vistas a eventual necessidade de propositura de Recursos Especial ou Extraordinário, preenche o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o requisito de admissibilidade, deixando expressamente prequestionados os artigos 195, III, 5º, XIII, 170, § único e 217, todos da CRFB, bem como o § 1º, do artigo 26, da Lei nº 8.212/91, o artigo 56, II, e os arts. 59 a 81 da Lei nº 9.615/98, o artigo 2º a 7º, da Lei º 9.981/2000, o artigo 17 da MP nº 2.216-37/2001, a Lei Complementar nº 116/2003 e arts. 1º a 8º da Medida Provisória nº 168, de 20 de Fevereiro de 2004.”

Sem resposta da Embargada-Apelante, a despeito de regular intimação.(fls. 660)

Conclusos os autos (fls.663), na forma regimental, trago o feito em mesa, para julgamento.

É o relatório.

RIO DE JANEIRO, 25 DE ABRIL DE 2007.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

VOTO

Cumpre reconhecer, inicialmente, não assistir razão à alegação da Autora/Apelante de ocorrência de inexatidão material no v. acórdão recorrido, quanto à composição dos membros integrantes da E. 6a Turma Especializada, por ocasião do julgamento dos embargos declaratórios anteriores. De fato, a parte em que se diz, às fls. 587, que “acordam os Membros da Sexta Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região, à unanimidade, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelos Eminentes Juízes Federais Convocados DRA. VALÉRIA MEDEIROS DE ALBUQUERQUE e DR. JOSÉ ANTÔNIO LISBOA NEIVA…”, diz respeito ao julgamento do apelo – o que foi objeto dos anteriores embargos declaratórios. O v. acórdão de fls. 587 não registra os integrantes do colégio votante, embora a certidão de julgamento, às fls. 582, torna certo que compuseram o Colégio Votante, além do Relator, os Desembargadores Federais DR. FERNANDO MARQUES e DR. RICARDO REGUEIRA; – a transcrição fonográfica, cuja juntada ora determino, retrata que apenas os julgadores antes mencionados integraram o Colégio Votante.


No entanto, impõe dar razão ao recurso da Autora/Apelante no que concerne ao equívoco relativo ao número de fls. em que consta o pedido recursal, objeto da declaração feita pelo v. acórdão recorrido. Com efeito, a numeração correta das folhas em que está posto o item 18 é a fls. 318/319, devendo ser reconhecida, a existência de erro material tão-somente sob este aspecto que, de resto, não influi na compreensão do v. acórdão. Desnecessária a menção expressa ao conteúdo do item 18 nos termos do v. acórdão dada a sua clareza. Portanto, com a finalidade estrita de corrigir inexatidão material, ora admitida, merece ser parcialmente provido o recurso apenas com relação ao aspecto aludido. Não é demais repetir ser uníssona a construção pretoriana no sentido de serem os embargos de declaração recurso hábil à correção de equívoco meramente material, constante do v. acórdão embargado.

Melhor sorte não assiste ao recurso da União Federal. É que os embargos de declaração de fls. 597/612, à guisa de pré-questionamento, reproduzem integralmente razões de fundo da lide, não oferecendo qualquer omissão, obscuridade ou contradição a serem sanadas e que foram albergadas pelo v. acórdão embargado. As razões recursais sequer se debruçam sobre o conteúdo do v. acórdão recorrido, não tecendo quaisquer considerações sobre o que ali posto, limitando-se a rediscutir a causa originária, reproduzindo tão-só argumentos relativos à demanda. Nesse sentido, as razões de recurso não atendem aos pressupostos de admissibilidade constantes do art. 535 do CPC, uma vez que não indicam onde residem os vícios ali nominados. Nessa linha, escorreita é a jurisprudência dos Tribunais, mencionada por THEOTÔNIO NEGRÃO, em sua obra “Código de Processo Civil e legislação processual em vigor”, ed. Saraiva, 39a ed., 2007: “Efeitos modificativos. Os embargos de declaração não são palco para a parte simplesmente se insurgir contra o julgado e requerer sua alteração. Por isso, ‘não se admite embargos de declaração com efeitos modificativos quando ausente qualquer dos requisitos do art. 535 do Código de Processo Civil’ (STJ-Corte Especial, ED no Resp 437.380, rel.: Min. Menezes Direito, j. 20.4.05, não conheceram, v.u., DJU 23.5.05, p.119)”

Tais máculas, entretanto, não contaminam o recurso do d. Ministério Público Federal que, minuciosamente, vasculha todo o conteúdo do v. acórdão, buscando demonstrar, a princípio, contradição entre as proposições do julgado e, em seguida, omissões quanto a dispositivos legais que culminariam por inverter o resultado do julgamento dos embargos de declaração que, conferindo efeitos infringentes, concluiu por lhe dar parcial provimento.

Antes de tecer quaisquer considerações quanto ao contido nos embargos declaratórios do douto Ministério Público Federal, faço um registro dada a grande repercussão que a matéria vem encontrando nos dias de hoje, seja nos meios especializados, seja na mídia em geral. Deflagrada a “Operação Furacão”, ou ainda “Operação Hurricane”, a matéria jurídica passou a ter tratamento excepcional, como se todo e qualquer processo envolvendo a controvérsia em questão estivesse contaminado por condutas desonrosas e desabonadoras, o que apontaria inexoravelmente para o vício, na hipótese de conclusão em sentido favorável à tese autoral. Penso que a Constituição Federal e a LOMAN – ainda em vigor – asseguram aos magistrados prerrogativas institucionais a fim de que não sejam punidos pelo seu convencimento jurídico acerca de qualquer matéria. Nunca é demais repetir que tais prerrogativas rendem homenagem ao Estado Democrático de Direito e são garantias que preservam a independência do Poder Judiciário, afastando o magistrado de um odioso comportamento servil. Em várias ocasiões nesta Corte – no seio mesmo da E. 6a Turma Especializada – foi lembrado e repudiado o preconceito com que a matéria ora em foco tem sido tratada. À toda evidência, é de se louvar os esforços – a começar pelo próprio Poder Judiciário – no sentido de expungir de seu seio as teias da corrupção, coibir espúrias conexões com o crime organizado e punir com firmeza e rigor as condutas ilícitas, o que é bem diverso de punir o magistrado por suas opiniões…

Feita a pequena digressão, debruço-me sobre o alentado recurso do douto “Parquet” Federal. Por primeiro, insiste o Recorrente ter incorrido o v. acórdão embargado em “gritante contradição, reforçada pelo reconhecimento de uma omissão – atinente ao 17 da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001 – que sequer foi argüida pela Autora/Apelante/Embargante, que autoriza a interposição dos presentes Embargos de Declaração.” Alega o Embargante que a matéria não fora ventilada pela parte autora/apelante/embargante, nem em seu apelo, tampouco nos primeiros embargos declaratórios, o que evidenciaria a inexistência de qualquer omissão quanto ao dispositivo em questão, de modo a autorizar a interposição daquele recurso.


Rejeito, de pronto, a afirmativa de que o art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, não fora objeto de debate nos embargos de declaração da parte autora. Às fls. 514 dos autos – transcrita no relatório dos embargos de declaração – consta a consideração, cujo conteúdo não é demais reproduzir “in verbis”: “Com efeito, dispõe o art. 8º da MP 168/04: (…) Como visto, o dispositivo acima pretendeu revogar expressamente tanto o art. 59 da Lei nº 9.615/98, logicamente que com a nova redação que lhe foi dada pelo art. 17 da MP 2.216-37, quanto esta MP, ou seja, pretendeu em vão a revogação da legislação que autoriza a atividade de bingo. Ora, como não de pode revogar aquilo que já estava revogado, é óbvio que o próprio Governo Federal, ao editar a MP 168/04, admitiu expressamente que se encontra em plena vigência a legislação autorizadora do jogo de bingo. (…)”

A simples leitura dos embargos declaratórios da parte autora – cujas razões, em sua grande parte, foram reproduzidas pelo relatório dos embargos de declaração – não deixam dúvida quanto ao fato de o aludido dispositivo legal ter sido abrangido pelo escopo do recurso deflagrado.

Rechaço, da mesma forma, a alegação de que o v. acórdão consubstanciaria contradição, na medida em que afastou as omissões aventadas pela parte autora quanto a dispositivos constitucionais e, na análise dos dispositivos infra-constitucionais pertinentes, concluiu pela existência de omissão quanto ao que disposto no art. 17 da MP 2.216-37. Ora, registra o voto condutor do julgamento dos embargos declaratórios, às fls. 585, que: “…A solução da controvérsia, entre as partes, não advém diretamente de preceitos constitucionais, mas, sim, de leis infra-constitucionais, e, apenas, indiretamente, de preceitos constitucionais.” Inequívoco o entendimento da unanimidade dos componentes da E. Sexta Turma no sentido de que a matéria ventilada se resolveria no âmbito infra-constitucional e da interpretação conferida a dispositivos legais vigentes. Não se segue da ausência de omissão quanto a preceitos constitucionais que nenhuma omissão se poderia vislumbrar no v. acórdão então recorrido quanto à legislação infra-constitucional. Nenhuma contradição, portanto, aí reside. Ao revés, o raciocínio é lógico, levando às conclusões nos moldes das considerações feitas no voto condutor.

Com efeito, o advento da Medida Provisória nº 2.216-37/2001 é relevante e imprescindível para o deslinde da presente controvérsia. É, em verdade, de sua exaustiva exegese, agrilhoada aos demais e inúmeros diplomas legais regentes da matéria, que se poderá concluir ao não pela procedência ou improcedência do pedido formulado pela Autora.

De fato, a omissão que se deve imputar ao v. acórdão recorrido, a qual, agora sim, reconheço, diz respeito ao revigoramento ou não do art. 59 da Lei nº 9.615/98 – na redação conferida pelo art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37/2001. Como sabido, a Medida Provisória em questão, em seu art. 17, alterou a redação primitiva do art. 59 da Lei nº 9.615/98. O referido artigo, com a redação dada em agosto de 2001, estaria revogado a partir de dezembro de 2001, por força do contido na Lei nº 9.981/2000, em seu art. 2º ? (Art. 2º – Ficam revogados, a partir de 31 de dezembro de 2001, os arts. 59 a 81 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração.”) Ou por outra, seria possível que posterior Medida Provisória (MP nº 2.216-37), editada em 31 de agosto de 2001, viesse a ser revogada por diploma expedido antes mesmo de sua edição (Lei nº 9.981/2000)? Ou terá a Lei nº 9.981/2000 alcance tão-somente com relação à redação primitiva do art. 59 da Lei nº 9.615/98 ? Tais questões, forçoso reconhecer, não foram contempladas no julgamento dos primeiros embargos declaratórios.

Impende, desde logo, admitir que a pletora de diplomas legais a regular a matéria, padecendo, inclusive, de qualidade técnica, não auxiliam na solução da controvérsia jurídica. Neste particular, é de se destacar que se, no bojo da Medida Provisória nº 2.216-37, houvesse expressa menção ao fato de que a alteração do artigo 59 não importava na derrogação do contido na Lei nº 9.981/2000, que lhe antecedeu, não haveria espaço para interpretação em sentido contrário. Admito ainda que, num primeiro exame, me pareceu razoável entender que um diploma legal posterior não poderia estar revogado por um diploma que lhe antecedeu.

Não obstante, refletindo detidamente sob uma perspectiva sistemática dos diplomas legais envolvidos, penso que tal interpretação – embora razoável – não deva ser a melhor a agasalhar. É que a Lei nº 9.981/2000 ao revogar os artigos 59 a 81 da Lei nº 9.651 preservou, de toda sorte, as autorizações já concedidas. Ademais, é de se considerar, também, que – embora destinada a viger por um curtíssimo período de tempo – a alteração introduzida, pela Medida Provisória nº 2.216-37, o fez tão-somente com referência à redação do art. 59, não dispondo sobre os demais artigos, cuja revogação já estava prevista pela Lei nº 9.981/2000. É de se destacar, por oportuno, que a MP aludida não explicitou a revogação do contido na Lei nº 9.981/2000. Assim sendo, penso que a MP em comento não teve o condão de alterar a sistemática já prevista para todo um capítulo da Lei nº 9.615/98, cuja vigência permaneceu delimitada no tempo, nos termos da Lei nº 9.981/2000 (art. 2º).


Desse modo, albergando o entendimento de que a Lei nº 9.981/2000 promoveu a revogação da autorização ao jogo do bingo, a partir de dezembro de 2001, resta-me concluir que a improcedência do pedido autoral é de rigor, devendo seu recurso ser improvido, mantida no mais a r. sentença de primeiro grau.

Por fim, é bom sublinhar que não foram interpostos embargos declaratórios no âmbito da medida cautelar vinculada ao presente feito (Proc. nº 2003.02.01.004036-2) – cujo trânsito em julgado já ocorreu. Destarte, em nenhum momento, houve manutenção de medida liminar, concessão de tutela cautelar ou mesmo antecipação de tutela recursal em vigor, a partir do julgamento havido na sessão de 26 de outubro de 2005, que pudesse de qualquer modo assegurar liberação de equipamentos e/ou máquinas vinculados ao presente feito. Pelo contrário, resultou cristalino do v. acórdão constante da medida cautelar o seguinte “in verbis”: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR. BINGO. Não se constituem nem o art. 195, III, da CF, nem o art. 26 da Lei nº 8.212/97 amparo legal ao pedido postulado, vez que o Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assentou, na ADI 2847, que, na forma do art. 22, XX, da Constituição Federal, a legislação sobre loterias é da competência privativa da União. “O artigo 22, XX, da Constituição Federal determina ser da competência privativa da União legislar sobre sorteios, tendo sido, por isso, editadas as Leis Federais 9.615/1998 e 9.981/2000, bem como o Decreto nº 3.569/2000, que estabelece ser o bingo um serviço público de competência da União, executado direta ou indiretamente, pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, em todo o território nacional”.

A improcedência do apelo conduz, necessariamente, à cessação da eficácia da medida cautelar incidental, com conseqüente revogação da medida liminar, assim como da antecipação da tutela recursal (art. 808, III, do CPC). Apelo a que se nega provimento e medida cautelar julgada improcedente, revogada a medida liminar, assim como a antecipação da tutela recursal, prejudicado o agravo interno, condenada a Apelante – Requerente nas custas, quer da ação ordinária, quer da medida cautelar, bem como na verba honorária de 20% do valor da causa, devidamente atualizado, quer na ação ordinária, quer na medida cautelar.”

ISTO POSTO :

Dou parcial provimento ao recurso de TECNO TURFE JOGOS ELETRÔNICOS, para, reconhecendo omissão do v. acórdão recorrido, tão-somente no que tange à inexatidão material, relativa à numeração correta das folhas em que está posto o item 18, devendo constar a de fls. 318/319, não conheço do recurso da UNIÃO FEDERAL e, ainda, dou parcial provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para, reconhecendo omissão do v. acórdão recorrido, quanto ao fato de que o disposto no art. 2º da Lei nº 9.981/2000 não ter sido derrogado pelo conteúdo do art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37/2001, atribuir efeitos modificativos ao v. acórdão embargado, negando provimento ao apelo do autor, mantida no mais a r. sentença.

É COMO VOTO.

RIO DE JANEIRO, 25 DE ABRIL DE 2007.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXATIDÃO MATERIAL. CONTRADIÇÃO E OMISSÕES.

1. Forçoso reconhecer a existência de inexatidão material tão somente no que pertine ao número das folhas em que constava o item18 do pedido recursal. Recurso da parte autora parcialmente providos.

2. Os Embargos de Declaração, referentes ao v. acórdão havido em sede de embargos de declaração, devem se debruçar sobre o contido no julgamento deste último recurso. Recurso que não aponta quaisquer dos vícios descritos no art. 535 do Estatuto Processual, limitando-se a rediscutir os pontos relativos à lide. Ausência de pressupostos de admissibilidade. Recurso da União Federal não conhecido.

3. Inexistência de contradição entre as proposições do v. acórdão embargado pela só circunstância de o mesmo ter afastado omissões quanto a questões constitucionais e admitido omissão quanto à matéria infra-constitucional.

4. Omissão reconhecida no que tange à discussão quanto ao revigoramento do art. 59 da Lei nº 9.615/98 – na redação conferida pelo art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37/2001. Admitido que a Lei nº 9.981/2000, em seu artigo 2º, não foi revogada pelo contido no art. 17 da MP nº 2.216-37/2001, relativamente ao artigo 59 da Lei nº 9.615/98, impõe-se reconhecer a improcedência do pedido autoral, imprimindo efeitos infringentes aos embargos de declaração. Recurso do Ministério Público Federal parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Membros da Sexta Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região, à unanimidade, nos termos do voto do Relator, em dar parcial provimento ao recurso de TECNO TURFE JOGOS ELETRÔNICOS, para, reconhecendo omissão do v. acórdão recorrido, tão-somente no que tange à inexatidão material relativa à numeração correta das folhas em que está posto o item 18, devendo constar a de fls. 318/319, não conhecer do recurso da UNIÃO FEDERAL e, ainda, dar parcial provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para, reconhecendo omissão do v. acórdão recorrido, quanto ao fato de que o disposto no art. 2º da Lei nº 9.981/2000 não foi derrogado pelo conteúdo do art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37/2001, atribuir efeitos modificativos ao v. acórdão embargado, negando provimento ao apelo do autor, mantida no mais a r. sentença.

RIO DE JANEIRO, 25 DE ABRIL DE 2007.

ROGÉRIO VIEIRA DE CARVALHO

Desembargador Federal – Relator

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