Operação Navalha

Ministro nega liberdade a cinco acusados na Operação Navalha

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20 de maio de 2007, 0h51

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou cinco pedidos de extensão de liberdade na Operação Navalha. Ele não concedeu liberdade para José Reinaldo Carneiro Tavares, ex-governador do Maranhão, Ernani Soares Gomes Filho, Flávio José Pin, ex-superintendente da Caixa Econômica, Roberto Figueiredo Guimarães, presidente do BRB, e Ney de Barros Bello.

Na quinta-feira (17/5), o ministro concedeu a primeira liminar em favor de um dos investigados. A decisão do ministro Gilmar Mendes garantiu a liberdade ao ex-procurador-geral do Estado do Maranhão, Ulisses Cesar Martins de Sousa.

O clima emocional sintonizado com o espírito de mata-e-esfola inspirado pelas operações cinematográficas da PF, como em casos anteriores, confundiu espectadores na repercussão da soltura do ex-procurador maranhense.

A existência de indícios para a responsabilização de Martins de Souza foi lida como motivadora de sua prisão provisória. Na vida real, ele foi libertado pela simples razão de que, já fora do cargo em que teria prevaricado, o acusado já não poderia interferir nas investigações.

Essa confusão, pelo visto, não acometeu apenas leigos. Ao pedir a “extensão” do benefício para réus que não se encontravam na mesma situação do beneficiado, mostrou isso. A resposta do STF foi óbvia.

O ministro analisará, ainda, os pedidos de liberdade do prefeito de Camaçari, Luiz Carlos Caetano, do empresário José Edson Vasconcelos Fontenelle, do ex-assessor do Ministério do Meio Ambiente Ivo Almeida Costa, do funcionário da Gautama Flávio Henrique Abdelnur Candelot, do assessor do ex-governador do Maranhão Geraldo Magela Fernandes da Rocha, e do servidor do Ministério de Minas e Energia Sérgio Luiz Pompeu Sá.

Histórico

A Operação Navalha foi deflagrada pela Polícia Federal na manhã de quinta-feira (17/5) contra acusados de fraudes em licitações públicas federais. A PF prendeu 47 pessoas. Entre elas, o assessor do Ministério de Minas e Energia Ivo Almeida Costa, o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares, o deputado distrital Pedro Passos (PMDB), o prefeito de Sinop (MT) Nilson Leitão (PSDB) e o prefeito de Camaçari (ES) Luiz Carlos Caetano, coordenador da campanha de Geraldo Alckmin à Presidência em 2006.

Também foram presos o superintendente de produtos de repasse da Caixa Econômica Federal, Flávio José Pin; o filho do ex-governador de Sergipe João Alves Filho, João Alves Neto; e o presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), Roberto Figueiredo.

Segundo Polícia Federal, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais.

De acordo com a acusação, o esquema garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da Gautama que então conseguia licitações para empresas por ela patrocinadas.

Leia a íntegra da decisão:

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.411-0 BAHIA

RELATOR:MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S):GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA

IMPETRANTE(S): BRUNO RODRIGUES

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO INQUÉRITO Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado em favor de GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA, em que se impugna decreto de prisão preventiva proferido pela Rel. Min. Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Inquérito no 544/BA.

O paciente é servidor público do Estado do Maranhão e teve sua prisão preventiva decretada pelo suposto envolvimento com a “associação criminosa” investigada pelo Inquérito no 544/BA, em trâmite perante o STJ.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese, a generalidade e a abstração do decreto prisional, em argumentação sistematizada nos seguintes termos:

“O paciente é servidor público do Estado do Maranhão, primário e de bons antecedentes, com residência fixa e local de trabalho definido. No dia 17/05/2007, foi surpreendido em sua residência com a chegada de Delegados e agentes da Polícia Federal, os quais, de posse de mandados de busca e apreensão e de prisão, fizeram a apreensão de materiais, além de efetuar a prisão do suplicante. Conforme será demonstrado, o decreto de prisão é nulo, por falta de fundamentação válida, por absoluta ausência de indicação de fatos concretos que pudessem justificar a medida cautelar extrema de privação da liberdade. Ainda, padece a ordem de prisão de vício insanável, faltando à decisão impugnada a demonstração do requisito principal: A NECESSIDADE CONCRETA DA PRISÃO. Por todos esses motivos, resta evidente a desnecessidade da prisão, havendo por isso que se deferir a ordem de hábeas corpus. (…)


No caso em apreço, se algum motivo houve para a adoção de medida cautelar de privação de liberdade, que poderia ter se efetivado com uma simples prisão temporária, razões já não existem para a manutenção da prisão.

A polícia federal, mediante o cumprimento de diversos mandados de busca e apreensão, inclusive em desfavor do paciente, efetivou ampla arrecadação de material.

Já a autoridade coatora, ordenou várias outras providências para melhor efetividade do processo penal, decretando a indisponibilidade dos bens dos indiciados, além de autorizar o ‘IMEDIATO ACESSO AOS DADOS CONTIDOS NO MATERIAL QUE VIER A SER APREENDIDO…’.

Portanto, se algum em momento houve justificativa para a prisão – o paciente entende que não houve – atualmente, nenhum motivo perdura para a manutenção do encarceramento cautelar.

Em sua decisão, afirma a autoridade coatora que a prisão seria necessária ‘por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação…’.

Data venia, a fundamentação lançada pela autoridade coatora é totalmente constituída de ilações, de presunções, de possibilidades, decorrentes do temor pessoal do magistrado.(…)”

Assim, o impetrante requer “a concessão de liminar, em caráter precário, determinando a imediata liberdade do paciente GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA, até o julgamento final do presente habeas corpus” (fl. 14).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Neste writ, a inicial impugna a validade da fundamentação de decreto de prisão preventiva expedido em face do ora paciente (GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA).

Nesse sentido, é válido transcrever os trechos do decreto de prisão preventiva que fazem menção específica e direta à atuação do referido paciente na condição de investigado perante o STJ nos autos do INQ no 544/BA. Consideradas essas balizas, eis o teor da decretação da custódia cautelar tão-somente no que concerne ao ora paciente, verbis:

“No segundo nível da organização estão os auxiliares e intermediários que, mediante recebimento de vantagem indevida, utilizam-se de influência pessoal para convencer agentes públicos na prática de atos que ajudam a organização criminosa a alcançar seus objetivos ilícitos, contactando-os com vista à prática de atos de ofício ou para intermediação de pagamento de propina. (…)

GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA e Roberto Figueiredo Magalhães, como servidores do Estado do Maranhão (o primeiro era Assessor do então Governador José Reynaldo Tavares e o segundo Consultor Financeiro do Estado), contribuíram para que o grupo obtivesse sucesso no recebimento de valores em pagamento por medições irregulares de obras apresentadas à Secretaria de Infra-estrutura, mediante recebimento de indevidas vantagens. (…)

Integrando o segundo nível da organização criminosa apresentou o MPF onze membros, os quais estão agrupados entre si por identidade participativa: são auxiliares e intermediários que mediante o recebimento de vantagem indevida, valem-se da influência que possuem para convencer os agentes públicos à prática dos atos necessários a que a organização criminosa alcance os seus objetivos ilícitos. São os empresários e agentes públicos que se interpõem, quando necessário, no contato com os agentes públicos, seja para obter a prática do ato de ofício, seja para intermediar o pagamento de propinas. São eles:

1) GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA, servidor público do Estado do Maranhão, assessorou o Governador José Reinaldo Tavares, tendo como principal tarefa interferir na liberação das medições das obras ocorridas naquele Estado, tendo elaborado, ainda, juntamente com Carlos Oliveira (representante da Construtora Galvão), minuta do Convênio 564440, firmado entre o Estado do Maranhão e o DNIT. Há indícios de que recebeu vantagem indevida da organização em diversas oportunidades. Primeiro, a quantia de R$ 56.300,00 (cinqüenta e seis mil e trezentos reais), paga em 20 de junho de 2006; depois, em 26 de junho de 2006, registra-se o pagamento de nova propina, acobertada pela emissão de nota fiscal emitida por empresa associada ao grupo; em 13 de julho de 2006, voltou a solicitar vantagem indevida a ZULEIDO VERAS, em razão de medições irregulares. (…)”

Da leitura do ato decisório exarado pela autoridade apontada como coatora (Rel. Min. Eliana Calmon), observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato do investigado, na qualidade de servidor do Estado do Maranhão (Assessor do então Governador José Reynaldo Tavares), contribuiu para que o grupo obtivesse sucesso no recebimento de valores em pagamento por medições irregulares de obras apresentadas à Secretaria de Infra-estrutura, mediante recebimento de indevidas vantagens.


Ressalto, desde logo, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal entende que o ato judicial que decreta a custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que não é possível conceber como compatível com a garantia constitucional da presunção de inocência qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade. Por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Nesse contexto, ressalto que tenho indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

No caso em análise, verifico que o ato da autoridade coatora baseou-se, entre outros, nos seguintes fundamentos, dos quais cito alguns trechos representativos:

“(…) Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República. Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização, com exceção de José Ribamar Ribeiro Hortegal, diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita. Considero presentes, diante do que foi apurado a aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP, seja para a garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa, dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.”

Assim, entendo que, no caso do paciente, persistem os fundamentos determinantes para a decretação da prisão preventiva (necessidade de se garantir a ordem pública e a eficácia da instrução criminal), ou seja, a necessidade de se paralisar a atuação da organização criminosa, além de se evitar que os investigados, infiltrados nos organismos estatais, destruam ou camuflem provas.

Isso porque o paciente, como demonstram os documentos presentes nos autos e o próprio relato da petição inicial, ainda é servidor público do Estado do Maranhão. Verifico, ainda, que o paciente é um dos interlocutores dos diálogos objeto de interceptações telefônicas realizadas em fevereiro deste ano, tendo sido nelas citado várias vezes, o que pode indicar que o paciente ainda possui influência dentro da organização criminosa. Ademais, cito o seguinte trecho da decisão impugnada: “Verificou-se que, com a mudança de Governo, a organização criminosa não perdeu espaço no Estado do Maranhão, graças ao trabalho de GERALDO MAGELA, que deixou a função de Assessor do Governador e foi imediatamente contratado pela organização, articulando-se com o Governador por intermédio de seus sobrinhos” (fl. 99).

Nesses termos, indefiro o pedido de medida liminar.

Abra-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 19 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

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