Meio de trabalho

Compra de insumo não caracteriza relação de consumo, diz juíza

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20 de maio de 2007, 0h00

Como os defensivos agrícolas fazem parte da cadeia produtiva, a relação entre produtor e fornecedor do insumo é intermediária, e não de consumo. Por isso, não cabe o benefício da inversão do ônus da prova. Quem tem de provar que o defensivo é ineficaz para combater pragas na lavoura deve ser quem o adquiriu, e não o fabricante. O entendimento é da 9ª Vara Cível de Cuiabá, que negou o pedido de danos materiais, morais e lucros cessantes a agricultores que perderam parte da safra de soja. Cabe recurso.

Segundo os agricultores de Mato Grosso, 30% da safra foi perdida devido à ineficácia dos fungicidas da Bayer Crospscience, o Stratego e o Folicur, utilizados para combater a “ferrugem asiática”. Eles alegaram um prejuízo de mais de R$ 10 milhões com a perda da soja e outros R$ 10 milhões pelo que deixaram de ganhar com o produto. Além disso, pediram R$ 20 milhões por danos morais.

Para a juíza da 9ª Vara Cível de Cuiabá, Gleide Bispo Santos, a questão passa pela existência ou não de relação de consumo entre produtor e fornecedor. Ela explicou que há dois tipos de definição do consumidor: maximalista e finalista. Na primeiro, não há ligação entre o produto comprado e a utilização deste em outra atividade econômica. Na aquisição do produto já está implícita uma relação de consumo. Já o subjetivo leva em consideração a finalidade de determinado produto comprado, se ele terá um fim pessoal ou será usado na profissão de quem o adquiriu.

“Defensivos agrícolas guardam nítida relação de pertinência com a atividade agrícola direcionada ao plantio da soja, pois entram na cadeia de produção desta e contribuem diretamente para o sucesso ou insucesso da colheita como verdadeiros insumos”, afirmou.

Uma vez que não há relação de consumo, os agricultores é quem deveriam provar a ineficiência dos produtos. Mas eles não conseguiram. Não foram apresentados depoimentos e laudos periciais que comprovassem a ineficácia dos fungicidas da Bayer, a utilização correta dos produtos e, nem mesmo, os danos materiais e morais. Segundo a juíza, não é possível constatar o prejuízo da safra se não foram apresentados livros que demonstrem a produção anterior.

Por outro lado, ela entendeu que ficou comprovado que os fungicidas foram utilizados de maneira incorreta. O Stratego deveria ter sido aplicado antes do aparecimento da doença, de modo a prevenir que ela surgisse. Já o Folicur teria de ser usado logo que os primeiros sintomas surgiram na plantação. Entretanto, um dos agricultores admitiu que “ninguém sai aplicando produto sem necessidade”, só se aplica um produto contra a doença, uma vez que ela já tenha sido constatada.

Já que a plantação de soja é um negócio milionário, para a juíza, os agricultores deveriam ter cuidado melhor da safra, sobretudo, porque se sabia da gravidade da “ferrugem asiática”, recente no Brasil e cujos defensivos não apresentavam eficácia de 100%. Pesquisas da Embrapa Soja Londrina demonstraram que, na safra em questão — 2003/2004, a eficiência do Stratego ficava entre 60 e 79% e do Folicur, maior que 86%. Portanto, se os produtos fossem utilizados de modo correto, a perda de 30% podia ser considerada previsível.

“Não tenho dúvida de que a culpa pelo fracasso da lavoura dos autores não pode ser atribuída à ineficácia dos produtos fabricados pela requerida, mas a própria desídia dos autores, que ficaram inertes no momento de grande perigo para sua safra, e preferiram sair à caça de culpados pelo seu infortúnio”, concluiu a juíza. Ela considerou que, no agronegócio, existe o risco de perder parte da safra. Assim, “não há que se falar em dano moral e à imagem”.

Para o especialista em Direito do Consumidor, Francisco Antonio Fragata Junior, a tese de que não há relação de consumo entre fornecedor de adubo e agricultor é interessante. Segundo ele, a diferença está entre consumo e insumo. No caso, os fungicidas seriam produtos adquiridos pelo agricultor a fim de obter lucro. Portanto, não haveria relação de consumo. Mas o entendimento não está pacificado nos tribunais.

A advogada Karina Gangana também considera a questão controversa. Segundo ela, o Superior Tribunal de Justiça tem adotado a tese do consumidor finalista atenuado. “Na corrente finalista, o destinatário final é o que utiliza o produto para o consumo próprio. Se a pessoa jurídica comprovar que o produto não foi utilizado como investimento, o tribunal pode entender que há relação de consumo.”

Leia a decisão

Comarca : Cuiabá Cível – Lotação : NONA VARA CÍVEL DA CAPITAL

Juiz : Gleide Bispo Santos

Requerente: LAURO DIAVAN NETO E OUTROS

Requerido: BAYER CROSPSCIENCE

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS E INDENIZAÇÃO POR INEFICÁCIA DO PRODUTO

SENTENÇA


LAURO DIAVAN, DANIELA CAROLINA DIAVAN, ECLAIR DIAVAN e MARTA CAETANO DIAVAN, qualificados nos autos, ingressaram com a presente Ação de Reparação de Danos e Indenização por Ineficácia do Produto em face de BAYER CROSPSCIENCE, também qualificada, alegando em síntese que são proprietários e arrendatários de 11.439,04 has de terras destinadas a produção agrícola de soja e como tais, adquiriram da requerida dentre outros produtos os fungicidas Stratego e Folicur que foram aplicados de forma correta e nos termos indicados pela vendedora no combate a fungos, mais especificamente a praga conhecida como “ferrugem asiática” na safra de 2003/2004, porém tais produtos foram ineficazes, ocasionando a perda parcial da safra em todas as fazendas, tendo o montante do prejuízo totalizado em 186.740 sacas de soja, o que corresponde a 29,746% da área plantada e estimando o preço médio da saca de soja em R$54,00 o prejuízo material total experimentado foi de R$10.083.960,00, valor este que pleiteiam a titulo de indenização por danos materiais.

Além disso, alegam os autores que deixaram de ganhar com a venda da soja perdida o montante de R$10.083.960,00, sendo devidos na espécie os lucros cessantes, além da indenização pelo dano moral/imagem sofrido cujo valor da reparação sugere seja de R$20.167.920,00, razão pela qual pedem a procedência da ação para que seja a ré condenada a indenizá-los no valor total de R$40.335,840, 00, correspondente a soma de todas as indenizações supra mencionadas e que sejam as faturas correspondentes a compra dos produtos no valor de R$ 1.950.523,66 anuladas. Pedem a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a conseqüente inversão do ônus da prova, por entenderem ser tratar de relação de consumo.

Requerem ainda a título de antecipação de tutela seja a requerida compelida a caucionar a importância da indenização pleiteada R$ 40.335.840,00, por haver sério risco desta não ter lastro no final da demanda para suportar a condenação e, ainda que a ré se abstenha de constituí-los em mora e apontar seus nomes nos registros dos órgãos de proteção ao crédito com relação ao débito das faturas correspondentes a aquisição dos produtos.

Ao receber a inicial foi concedida a antecipação da tutela no sentido de suspender o vencimento e consequentemente o pagamento das faturas correspondentes a aquisição dos produtos questionados, além de vedar o registro dos devedores no cadastro dos órgãos de proteção ao crédito, dessa decisão houve recurso de agravo de instrumento, sendo a decisão anulada na parte que suspendeu a exigibilidade dos valores devidos, permanecendo, somente, a vedação de registro no cadastro de inadimplentes até decisão final da demanda.

A requerida foi devidamente citada e apresentou contestação às fls. 391/435, acompanhada de diversos documentos, alegando em preliminar a ilegitimidade ativa dos autores Lauro Diavan e Daniela Carolina Diavan, posto que estes não constam nas Notas Fiscais como adquirentes dos produtos. No mérito, sustenta a inexistência de relação de consumo, posto que os produtos foram adquiridos pelos autores como agricultores para serem utilizados ou integrados ao seu processo produtivo em conseqüência, aduz não ser possível a inversão do ônus da prova e, que os fungicidas Stratego e Folicur são eficazes, recomendados pela Embrapa, sendo os autores grandes agricultores, têm estes a responsabilidade pelo monitoramento da lavoura e aplicação correta dos fungicidas o que segundo alega não ocorreu, pois os referidos fungicidas foram aplicados tardiamente. Contesta os pedidos de danos emergentes e lucros cessantes por terem sido pedidos de forma equivocada e incorreta, além de negar a ocorrência do dano moral e impugnar o valor da indenização pleiteada a este título, pedindo ao final, a total improcedência da ação.

Às fls. 635/671 os autores apresentaram impugnação à contestação reafirmando seus argumentos expendidos na inicial.

Realizada audiência preliminar, fls. 692/693 as partes não se compuseram. Saneado o feito, fls. 702 foi deferida a produção de prova oral, coleta do depoimento pessoal das partes e a produção de prova pericial contábil requerida pela ré, sendo nomeado o perito judicial e fixada a data do início dos trabalhos, sendo que esta não se realizou, posto que a ré desistiu da produção de tal prova, conforme se vê às fls. 1970/1972, tendo sido o pedido homologado às fls. 1975.

Durante o plantão judicial, foi requerida e deferida tutela acautelatória em favor dos autores, determinando que a requerida efetuasse o depósito no prazo de 24 horas do valor de R$ 24.167.970,00, sob pena de multa diária. Tal decisão foi reformada pelo Egrégio Tribunal de Justiça em sede de apreciação de recurso de agravo de instrumento cujo acórdão se encontra às fls. 2200/2219. Da mesma forma, foi deferida liminar em favor dos autores no recurso de Agravo de Instrumento determinando que a ré efetuasse o depósito do valor de mais R$1.000.000,00, sob pena de multa diária, sendo tal liminar revogada, encontrando-se o v. acórdão acostado às fls. 2222/2227.


Realizada Audiência de Instrução e Julgamento, fls. 2106/2123 foram colhidos os depoimentos pessoais dos autores Éclair Diavan e Lauro Diavan Neto e do preposto da ré Paulo Renato Calegalo e homologado o pedido de desistência da coleta do depoimento das autoras Daniela Carolina Diavan e Martha Caetano Diavan, assim como homologado o pedido de desistência da oitiva das testemunhas arroladas pela parte autora e pela parte ré. O feito foi baixado em diligência e oportunizado as partes a formulação de quesitos, estes foram apresentados, assim como formulados, também pelo Juízo e o laudo da Embrapa foi juntado aos autos às fls. 2183/2191, tendo as partes se manifestado sobre ele às fls. 2268/2276 e 2277/2286.

Às fls. 2302/2331 a requerida juntou aos autos cópia do parecer técnico do Engenheiro Agrônomo Daniel Cassetari Neto, professor e pesquisador do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso, sendo que a parte autora teve vista desse novo documento e sobre ele se manifestou às fls. 2336/2337.

Às fls. 2343/2411 e 2413/2438 vieram as alegações finais tendo as partes reafirmado seus argumentos anteriores.

É o relato do necessário.

Decido.

Trata-se de Ação de Reparação de Danos Materiais, Lucros Cessantes e Indenização por dano Moral e a Imagem onde os autores alegam que são proprietários e arrendatários de 11.439,04 hás de terras destinadas a produção agrícola de soja e como tais, adquiriram da requerida dentre outros produtos os fungicidas Stratego e Folicur que foram aplicados de forma correta e nos termos indicados pela vendedora no combate a fungos, mais especificamente a praga conhecida como “ferrugem asiática” na safra de 2003/2004, porém, tais produtos não foram eficazes, ocasionando a perda parcial da safra em todas as fazendas, tendo o montante do prejuízo totalizado 186.740 sacas de soja o que corresponde a 29,746% da área plantada, causando-lhes prejuízos materiais da ordem de R$ 10.083.960,00, além de danos morais/imagem e lucros cessantes pelo que deixaram de ganhar com a venda da soja.

Em combate aos argumentos da parte autora a requerida, alega que seus produtos são eficazes, recomendados pela Embrapa, os autores são grandes agricultores, tendo a responsabilidade pelo monitoramento da lavoura e aplicação correta dos fungicidas, o que segundo alega não ocorreu, pois os referidos fungicidas foram aplicados tardiamente contrariando as recomendações de uso do produto.

Preliminar

Ilegitimidade Ativa (Lauro Diavan Neto e Daniela Carolina Diavan)

Antes de adentrar no mérito da questão posta em juízo, analiso a preliminar levantada pela requerida de ilegitimidade ativa dos autores Lauro Diavan Neto e Daniela Carolina Diavan, ao argumento de que os fungicidas foram adquiridos somente por Éclair Diavan, sendo este o nome que figura nas Notas Fiscais como adquirente dos produtos.

Razões assistem à requerida, a relação comercial foi estabelecida somente com o autor Éclair Diavan, sendo este o nome que figura nas Notas Fiscais de fls.278/303, concluí-se dessa forma, que foi ele Éclair, quem adquiriu os produtos fabricados pela requerida.

A análise da legitimidade ativa é de fundamental importância, pois influenciará significativamente na parte dispositiva da sentença. O pedido total da indenização correspondente a aproximadamente 30%da área plantada de um total de 11.439,04 há, assim se Éclair não é possuidor desse total de área, como pode pleitear, indenização pela área total. Ou por outro lado, se Lauro e Daniela não adquiriram produtos da ré, como podem ingressar em juízo pleiteando indenização por ineficácia de produto que não adquiriram?

O processo é carente de provas. Não restou comprovado sequer que Lauro e Daniela são agricultores, nenhuma testemunha foi trazida para confirmar sequer que estes, receberam a título de empréstimo ou doação parte dos fungicidas ditos ineficazes.

O artigo 3º do CPC estabelece:

“Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”.

O autor, para que detenha legitimidade, em princípio deve ser o titular da situação jurídica afirmada em juízo (art. 6º. do CPC).

Se Lauro e Daniela não adquiriram comprovadamente produtos de fabricação da requerida não podem vir a Juízo pleitear indenização.

Ainda que se admita, somente para argumentar que a relação havida entre as partes é de consumo, não podem, os autores pelas razões supra (ausência de provas de serem agricultores ou terem recebido os produtos a título de empréstimo ou doação) serem equiparados a terceiros na relação havida entre fornecedor e consumidor.

Pelas razões acima expostas, acolho a preliminar de ilegitimidade ativa levantada pela requerida para extinguir o processo, nos termos dos artigos 267, inciso VI e 329 do Código de Processo Civil com relação a Lauro Diavan Neto e Daniela Carolina Diavan.


Mérito

Contornos da lide

Da leitura dos autos, verifica-se que o autor que é produtor rural adquiriu da empresa requerida que é fabricante de insumos agrícolas, especificamente os fungicidas Stratego e Folicur para serem aplicados em sua lavoura de soja com o objetivo de combater a praga conhecida como “ferrugem asiática” e, segundo alega o requerente, tais produtos foram ineficazes causando a perda de parte da lavoura e, consequentemente ocasionando-lhe danos materiais, morais e a imagem, além de lucros cessantes.

A solução do conflito passa pela análise inicial da existência ou não de relação de consumo entre produtor agrícola e empresa fabricante de insumos agrícolas, estabelecendo a quem cabe o ônus da prova e, assim definido, se a parte responsável pela produção de tais provas, o fez.

Da inexistência de relação de consumo entre produtor agrícola e

empresa fabricante de insumos agrícolas

A definição de consumidor engloba duas teorias: a subjetiva ou finalista¸ e a objetiva ou maximalista. A teoria objetiva ou maximalista, exige apenas, a existência de destinação final fática do produto ou serviço, enquanto que a teoria subjetiva ou finalista, mais restritiva, exige a presença de destinação final fática e econômica.

Assim, para o conceito subjetivo ou finalista, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo adquirente; dessa forma, uma empresa que adquire um caminhão para transportar as mercadorias que produz não deve ser considerada consumidora em relação a montadora, pois tal veículo, de alguma forma, integra sua cadeia produtiva.

Por outro lado, para o conceito objetivo maximalista, basta o ato de consumo, com a destinação final fática do produto ou serviço para alguém que será considerado consumidor destes, pouco importando se a necessidade a ser suprida é de natureza pessoal ou profissional. Sob, este prisma, aquele mesmo caminhão comprado com o intuito de auxiliar no transporte de mercadorias de uma empresa atinge, nessa atividade, sua destinação final, uma vez que não será objeto de transformação ou beneficiamento.

Procedendo ao levantamento histórico na jurisprudência do STJ, verifica-se que até meados de 2.004, a 3ª Turma tendia a adotar a posição maximalista, enquanto que a 4ª Turma tendia a seguir a corrente finalista para definir consumidor.

Dentre os acórdãos conferidos, dois deles apresentam relevo para a hipótese presente.

O primeiro deles, o Resp nº 208.793/MT, que teve como Relator o Ministro Menezes Direito, DJ de 01.08.2000, com base na teoria maximalista, entendeu existir relação de consumo entre produtor rural e empresa fornecedora de adubo, pois a utilização deste pelo agricultor representaria o fim da cadeia produtiva relativa ao fertilizante, segue a ementa:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL: CONCEITO. COMPRA DE ADUBO. PRESCRIÇÃO. LUCROS CESSANTES. A expressão “destinatário final”, constante da parte final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, alcança o produtor agrícola que compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou beneficiamento. Estando o contrato submetido ao Código de Defesa do Consumidor a prescrição é de cinco anos. Deixando o Acórdão recorrido para a liquidação por artigos a condenação por lucros cessantes, não há prequestionamento dos artigos 284 e 462 do Código de Processo Civil, e 1.059 e 1.060 do Código Civil, que não podem ser superiores ao valor indicado na inicial. Recurso especial não conhecido (STJ REsp 208.793/MT; 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 01.08.2000).

De Igual teor acórdão constante na REsp nº 445.854/MS, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 19.12.2003, onde a 3ª Turma entendeu que havia relação de consumo entre agricultor e financeira, quando aquele compra colheitadeira de algodão para incrementar sua produção.

Estes acórdãos são fundados na teoria objetiva ou maximalista, pois levam em conta, apenas, a destinação final fática do produto ou serviço, e não sua destinação fática econômica, que, tanto na hipótese de compra de adubo, quanto na hipótese de compra de colheitadeira, é a de incrementar a atividade produtiva do agricultor.

Contudo em 10.11.2004, a 2ª Seção, no julgamento do REsp. nº 541.867/BA, que teve como Relator o Min. Barros Monteiro (DJ de 16.05.2005), acabou por firmar entendimento centrado na teoria subjetiva ou finalista, em situação fática que analisava a prestação de serviços de empresa administradora de cartão de crédito a estabelecimento comercial, restando estabelecido que a facilidade relativa à oferta de meios de crédito eletrônico como forma de pagamento devia ser considerada um incremento da atividade empresarial, afastando, assim, a existência de destinação final do serviço, segue a ementa:


COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE.– A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca. (STJ REsp 541867/BA, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10.11.2004, DJ 16.05.2005 p. 227)

No caso presente, levando-se em conta que a função precípua do STJ é pacificar o entendimento a respeito da interpretação da Lei Federal, tem-se como superados os precedentes da 3ª Turma do STJ que aplicavam em relações jurídicas semelhantes a presente, a disciplina protetiva do CDC, em face do atual entendimento restritivo que vigora quanto à necessidade de destinação final fática econômica do produto ou serviço.

Assim, não há como se ter por configurada uma relação de consumo entre as partes. Defensivos agrícolas guardam nítida relação de pertinência com a atividade agrícola direcionada ao plantio da soja, pois entram na cadeia de produção desta e contribuem diretamente para o sucesso ou insucesso da colheita como verdadeiros insumos.

Dessa forma, sendo inaplicável o Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento, não há que se falar em inversão do ônus da prova. Aliás, os autores, pedem na inicial a inversão do ônus da prova, porém às fls. 2100 antes que este Juízo se posicionasse a respeito desistiram de tal pleito, deixando precluir seu direito de vê-lo analisado.

Breves considerações sobre a doença “ferrugem asiática”

Constata-se pelos diversos documentos dos autos que a “ferrugem asiática” foi constatada pela primeira vez em plantio de soja no oriente no ano de 1900 e naquele continente, devido ao clima desfavorável, não foi tão agressiva e não causou grandes prejuízos. No final do século a doença saiu do oriente penetrando no continente africano em 1998, penetrou no Paraguai em 2000 e daí passou para o Brasil em 2001, sendo constatado o primeiro foco no estado do Paraná, deste Estado, ela passou para Mato Grosso do Sul e Mato Grosso no final da safra de 2002, porém nessa safra, a quebra não foi de muita importância.

No continente Oriental, Africano e até nos Estados Unidos devido ao clima mais frio que lhe é desfavorável a doença não se desenvolveu de forma agressiva.

Com o aparecimento da “ferrugem asiática” no Brasil em 2001/2002 é que começaram as pesquisas no combate a doença, até então não havia como pesquisar, até porque como dito anteriormente nos outros continentes ela não era tão agressiva.

A “ferrugem asiática” prolifera, tem mais força em regiões mais quentes e úmidas, condições climáticas estas, existentes no nosso Estado de Mato Grosso. No Brasil, devido ao favorecimento das condições climáticas foi desenvolvida uma “raça” da doença muito mais agressiva.

Os agricultores de soja, hospedeiro favorito da doença, sabiam que a “ferrugem asiática” iria aparecer na safra de 2003/2004. Era preciso se preparar para enfrentá-la, e, por se tratar de doença nova não haviam muitos fungicidas no mercado já testados. A requerida Bayer, já possuía os fungicidas Stratego e Folicur no mercado e com o aparecimento da doença, pesquisou a utilização desses produtos no combate a “ferrugem asiática”.

Concluindo, na safra de soja de 2003/2004, estávamos com uma doença nova, agressiva com auto poder destrutivo e não havia ainda muitas pesquisas e fungicidas já testados para o seu combate. Este é um fato que não pode ser desprezado.

Ônus da Prova

Não reconhecida a relação de consumo pelas razões acima expostas, incumbe aos autores o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito, nos termos do disposto no artigo 333 do CPC, verbis:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito

II – ….

Os autores não produziram provas do alegado na inicial.

Os autores, anexaram a inicial um laudo pericial efetuado pela empresa Fértil Assessoria e Consultoria Agronômica S/S Ltda fls. 95/104, objetivando comprovar a perda estimada da safra pela ocorrência da “ferrugem asiática” e um laudo contábil 251/259 que estima o prejuízo total pleiteado nesta ação, e, após, quedaram-se inertes na produção de outras provas.

É importante salientar que tais provas juntadas com a inicial foram produzidas de forma unilateral, sem o crivo do contraditório. Se pretendiam os autores evitar o perecimento das provas deveriam ter se utilizado da medida cautelar de antecipação de provas, oportunizando à requerida a participação e o pleno exercício do contraditório, contudo não o fizeram, preferiram produzir as provas, repito de forma unilateral.


Dessa forma, e por estas razões não há como considerar os laudos produzidos pelas empresas Fértil Assessoria e Consultoria Agronômica S/S Ltda, fls. 95/104 e o Laudo Contábil de fls. 251/259.

Ausência total de depoimentos testemunhais e provas periciais que comprovassem a ineficácia dos produtos, a correta utilização dos mesmos pelos autores, o dano material/lucros cessantes e o dano moral que alegam ter sofrido.

Apesar de terem sido arroladas duas testemunhas pelos autores, houve pedido de dispensa da oitiva das mesmas, pedido este que foi devidamente homologado, portanto, não foi ouvida sequer uma testemunha que pudesse comprovar a alegada ineficácia dos produtos e a correta utilização dos mesmos pelos autores.

Indagados por este Juízo os autores afirmaram que estão em dia com o fisco, que mantêm a contabilidade em dia, que fornecem as Notas Fiscais, então pergunta-se, porque não juntaram aos autos, comprovantes tais como: livros contábeis e declaração de imposto de renda? Só assim este Juízo poderia comparar os anos anteriores e constatar a perda de cerca de 30% da safra de soja nos anos de 2003/2004, conforme alegado, assim teríamos um início de prova do dano material, mas infelizmente isto não foi feito, vejamos trecho do depoimento do autor Éclair Diavan:

(…) tem os livros contábeis até porque é obrigado a contabilizar pelo volume de dinheiro que gira no negócio, faz declaração de Imposto de Renda em nome do próprio depoente e sua esposa Martha, também autora, de seu filho Lauro Diavan Neto e de sua filha Daniela ( fls. 2110); (…)

Não requereram os autores a produção de prova pericial seja contábil ou outra modalidade. A prova pericial contábil requerida pela ré foi deferida, porém esta, desistiu da produção de tal prova.

Não foram produzidas provas do dano moral e a imagem alegados pelos autores. A perda de parte da safra, faz parte do risco do negócio, principalmente em se tratando de agricultura. Não há que se falar em dano moral e a imagem.

Além dos autores, não terem produzido provas do alegado, as provas colhidas nos autos tais como: depoimentos pessoais das partes e resposta aos quesitos formulados pelo Juízo e pelas partes, apresentado pela Embrapa soja Londrina-PR, lhes foram totalmente desfavoráveis, senão vejamos:

Utilização incorreta e tardia dos produtos Stratego e Folicur pelos autores, contrariando as orientações da bula

Extraí-se dos autos que o fungicida Stratego é para aplicação preventiva, vejamos o que significa a palavra prevenir/preventivo segundo o dicionário Aurélio:

Preventivo [Do lat. praeventus, part. pass. de praevenire, ‘prevenir’, + -ivo.] Adjetivo. 1. Que previne; próprio para prevenir ou evitar: medidas preventivas; tratamento preventivo. 2. Em que há prevenção. ~ V. prisão —a e vacinação —a. Substantivo masculino. 3. Aquilo que previne, que evita. 4.V. preservativo. 5. Med. Qualquer exame, ou grupo de exames, destinado a identificar lesão suscetível de evolução ameaçadora da vida, como as malignas. 6. Med. Conjunto de exames, físicos e complementares, destinado, principalmente, a surpreender a presença de lesão ginecológica potencialmente maligna, ou maligna em etapa inicial.

O fungicida Folicur tem caráter preventivo e curativo e deve ser aplicado no início dos primeiros sintomas da doença, daí a importância do monitoramento da lavoura.

Às fls. 499, encontramos rótulo do produto Stratego onde constam as instruções de uso para a cultura da soja:

Em soja, para o controle ao mesmo tempo de ferrugem, crestamento foliar e septoriose, realizar 2 aplicações preventivas, ambas na fase reprodutiva da cultura. Em lavouras semeadas até final de outubro, fazer a primeira aplicação no início de grãos (R5.1) e a segunda, na fase de “meia granação” (R5.3).

Em resposta aos quesitos apresentados pelas partes a Embrapa Soja Londrina considera o produto Stratego como preventivo, aduzindo que este deve ser usado antes do aparecimento da doença, do referido laudo, colhem-se as seguintes respostas que considero importantes para a elucidação da controvérsia, in verbis:

Quesitos da parte requerida

Quesito nº 5. Considerando-se os 2 ensaios (Embrapa Soja e Fundação MT), em quais estágios da cultura foram realizadas as 2 aplicações de Stratego? A primeira aplicação do Stratego foi realizada preventivamente? Resposta – No ensaio realizado pela Embrapa soja a primeira aplicação foi realizada em R3 e a reaplicação em R5.1. Os primeiros sintomas foram observados em R4, sendo a aplicação realizada sem sintomas aparentes. No ensaio realizado pela Fundação MT a primeira aplicação foi realizada em R3 e a reaplicação em R5.1, sendo a primeira aplicação com 0,1% de severidade na planta e 21% de incidência (aplicação realizada com sintomas).


Quesito nº 6. O que a Embrapa Soja considerou como aplicação preventiva do fungicida Stratego no ensaio realizado na safra 2003/2004? Resposta – As aplicações consideradas preventivas foram as realizadas sem sintomas aparentes da doença (pág. 22).

Quesito nº 8. Considerando-se os 2 ensaios (Embrapa Soja e Fundação MT), quando o Stratego foi aplicado conforme recomenda a bula (2 aplicações), qual foi o percentual de eficiência obtido pelo Stratego na avaliação realizada em R6 (ensaio Embrapa Soja), e, ainda, na avaliação realizada 33 dias após a primeira aplicação (ensaio Fundação MT)? Nos dois ensaios, a eficiência foi menor ou maior do que 80%? Nos dois ensaios, estas diferenças em relação à planta testemunha são estatisticamente significativas? Resposta – Embrapa Soja – eficiência em R6 com 2 aplicações 80%; Fundação MT – eficiência aos 33 dias após a aplicação 95%.

Quesitos do Juízo

Quesito 1 Os produtos Stratego e Folicur (Bayer) foram (safra2003) e são (atualmente) reconhecidos e recomendados pelo Ministério da Agricultura e Embrapa como eficientes no combate a Ferrugem Asiática? Resposta – Os produtos são registrados no Ministério da Agricultura para controle da ferrugem asiática da soja e estão no agrupamento com eficiência entre 60 e 79% (stratego) e maior que 86% (Folicur), com base nos ensaios em rede para controle de doença na cultura da soja, nas safras 2003/04 e 2004/05.

Quesito 2 Em se tratando de combate a Ferrugem Asiática o que vem a ser produto preventivo e produto curativo, quando devem ser usados, respectivamente (quanto tempo após o plantio ou fase da planta/quantas aplicações). Resposta – Os fungicidas, de modo geral, são classificados em erradicantes ou de contato, protetores ou residuais e curativos ou terapêuticos. Os erroneamente denominados fungicidas “preventivos” são os protetores e segundo a definição são aplicados nas partes suscetíveis do hospedeiro e formam uma camada superficial protetora antes da deposição do inoculo (independe do tempo após o plantio ou fase da planta). Fonte: Manual de Fungicidas (Reis, E.M.; Forcelini C.A.); Manual de fitopatologia (Bergamin Filho, A.; Kimati, H.; Amorim, L.) Os “preventivos” (protetores) deveriam ser aplicados antes do contato do fungo com a planta e os curativos, após. Essa aplicação independe de estádio fenológico e época do plantio e esta relacionada com o momento da aplicação em relação ao contato do hospedeiro com o patógeno.

Quesito 2.1 É necessário esperar aparecerem os primeiros sintomas da doença para a aplicação preventiva? Resposta – Isso passa a ser aplicação curativa.

Amplamente comprovado que o fungicida Stratego de fabricação da requerida Bayer deve ser aplicado preventivamente, ou seja, antes do aparecimento da doença, verifica-se pelos depoimentos pessoais dos autores que o produto foi por eles aplicado de forma incorreta e tardia, contrariando a recomendação constante da bula, vejamos seus depoimentos:

Depoimento pessoal de Éclair Diavan:

(…) acredita que o Stratego foi aplicado depois que a praga apareceu e no final quando já havia alastrado foi misturado Stratego com Folicur, parece que 400 de Stratego para 200 de Folicur( fls 2110);(…)

Depoimento Pessoal de Lauro Diavan:

(…) adquiriu da Bayer como produto preventivo o Stratego e como curativo o Folicur(fls 2114); (…) a aplicação do fungicida não esta vinculada ao aparecimento da doença; antes do aparecimento da primeira “postula” da doença na folha da soja aparecimento este que foi comunicado pelos técnicos da Bayer não houve aplicação do Stratego preventivamente, isso não existe ninguém faz, ninguém sai aplicando produto sem necessidade, “nego” fala preventivo mas não é assim, ninguém vai combater lagarta se não houver pelo menos uma lagarta na lavoura, a expressão preventiva é porque tem que ser aplicado antes da praga “exporolar” (aparecer umas pintinhas pretas) não se recorda que dia que os técnicos da Bayer disseram que tinha aparecido a primeira postula da doença (fls 2115) (…).

Ausência de técnico responsável pela lavoura dos autores

Apesar de serem considerados grandes produtores de soja, os autores não possuíam na safra de 2003/2004, engenheiros agrônomos ou técnicos responsáveis pela lavoura é o que se extrai do depoimento pessoal do autor Éclair e de seu filho Lauro, conforme se vê abaixo:

Depoimento pessoal de Éclair Diavan:

(…) o engenheiro agrônomo Reginaldo foi desautorizado pelo depoente a participar das decisões referentes ao combate da ferrugem asiática (fls 2111); (…) o engenheiro agrônomo Reginaldo contratado pelo depoente via a aplicação do Stratego, mas não interferia (fls 2112); (…)

Depoimento de Lauro Diavan:

(…) não tem engenheiro agrônomo responsável pelo plantio, no ano da safra em discussão tinha um agrônomo, ele era funcionário da fazenda, o nome dele era Reginaldo; ele dava assistência ao gerente da fazenda pois trabalhava numa empresa chamada Agrofel, estava desempregado e o depoente o contratou para ajudar na fazenda (fls 2114); (…)


Inexistência de contrato de prestação de serviço através de engenheiros agrônomos com a requerida Bayer

O próprio filho do autor Éclair Diavan, Lauro Diavan, confessa em seu depoimento às fls. 2117 que não tinha com a requerida Bayer nenhum contrato de prestação de serviço técnico.

(…) a Bayer não tinha para com o depoente nenhum contrato e serviço ou de assistência técnica (…)

E não se diga que não tinham os autores nenhum engenheiro agrônomo responsável pelo plantio porque a Bayer disponibilizou engenheiros agrônomos para suas fazendas, pois se isto ocorreu, não se pode considerar uma obrigação ou responsabilizá-la pela aparição da “ferrugem asiática”, pois se os referidos agrônomos lá estiveram era para oferecer melhor suporte, podendo ser considerado um “plus”, mas sem dúvida a responsabilidade técnica sobre o plantio de soja na fazenda dos autores, deveria ter sido feita através de engenheiro agrônomo de confiança, e, por se tratarem de grandes produtores, deveriam estes dispor de equipe técnica bastante especializada já que o giro do negócio envolve cerca de 30 milhões de reais, conforme alegou o autor Éclair Diavan em seu depoimento às fls. 2110.

Da eficácia dos produtos Stratego e Folicur no combate a “ferrugem asiática”

Insistem os autores na alegação de que os produtos Stratego e Folicur são ineficazes no combate a “ferrugem asiática”, este é o principal argumento da presente ação.

Razões não lhes assistem.

Os produtos são eficazes é o que se extrai dos autos, notadamente nas respostas aos quesitos das partes, fls. 218321910 apresentados pela Embrapa Soja Londrina-PR, empresa esta responsável pela pesquisa da doença “ferrugem, asiática” apresentando o documento “Resultados da rede de ensaios para controle químico de doenças na cultura da soja Safra 2003/2004” que reúne ensaios realizados por 21 instituições na referida safra de 2003/2004 para o controle de doenças da soja, nos principais Estados produtores de soja no Brasil.

Vejamos as respostas da Embrapa quando questionada sobre a eficácia do produto Stratego no combate a “ferrugem asiática”.

Quesitos dos autores

Quesito nº 12: Após a safra 2003/2004, momento em que, em tese, ficou comprovado a ineficácia do Stratego no combate da ferrugem asiática, a Embrapa continua recomendando este fungicida? (sic). Resposta – Os produtos que constam na Tabela da publicação “Tecnologia de Produção de Soja Região Central do Brasil” são incluídos durante as reuniões da Comissão de Fitopatologia, nas Reuniões de Pesquisa de Soja (onde a Embrapa Soja possui um membro credenciado) e uma vez aceita a inclusão na Tabela a retirada só pode ocorrer mediante as seguintes situações: apresentação de cinco trabalhos que demonstrem a ineficiência do produto; resíduos em alta concentração no ambiente ou grãos; solicitação de retirada pela empresa registrante e ausência de registro no MAPA. O fungicida Stratego não mostrou ineficácia e sim menor eficiência quando comparado com outros produtos registrados para controle da ferrugem.

Quesitos do Juízo

Quesito nº 1: Os produtos Stratego e Folicur (Bayer) foram (safra 2003) e são (atualmente) reconhecidos e recomendados pelo Ministério da Agricultura e Embrapa como eficientes no combate a Ferrugem Asiática? Resposta – Os produtos são registrados no Ministério da Agricultura para controle da ferrugem asiática da soja e estão no agrupamento com eficiência entre 60 e 79% (Stratego) e maior que 86% (folicur), com base nos ensaios em rede para controle de doença na cultura da soja, nas safras 2003/04 e 2004/05

Quesito nº 5: Na safra de soja de 2003, foi grande a incidência da Ferrugem Asiática no Brasil? Em quais regiões? A que se atribui a perda da safra no caso de ter sido causada por Ferrugem Asiática? Resposta – Na safra de 2003/04, a ferrugem foi detectada em todas regiões produtoras, com exceção de Roraima. Os prejuízos ocorreram em Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Mato Grosso. Nessa safra ocorreu excesso de chuva na região Centro-Oeste (que favoreceu o desenvolvimento da doença), falta de fungicidas e o cultivo de soja na entressafra fez com que a ferrugem ocorresse mais cedo (pág. 16 – Documentos 257).

Quesito nº 6: Após a safra de 2003/2004 o Stratego foi considerado ineficaz no combate a Ferrugem Asiática? Resposta – O produto apresenta registro no MAPA e esta classificado no grupo com eficiência entre 60% e 79% com base nos ensaios em rede para controle de doenças da soja, nas safras 2003/04 e 2004/05.

Convém salientar que de acordo com os estudos realizados pela Embrapa Soja Londrina-PR na safra de 2003/2004 não havia no mercado produto 100% eficaz no combate a “ferrugem asiática”, seja preventivo ou curativo, vejamos a classificação dos produtos de acordo com sua eficácia.


Baseado na análise estatística dos 11 ensaios foram formados 3 grupos de eficiência, sendo o primeiro grupo maior que 90%, o segundo de 80% a 86% e o terceiro de 59% a 74%. Stratego ficou no terceiro grupo.– resposta ao quesito nº 7 dos autores. (fls. 2187/2188); (…) a eficácia do Folicur é maior que 86% com base nos ensaios em rede para controle de doença na cultura de soja, nas safras de 2003/04 e 2004/05”. Fls. 2190 – resposta ao quesito nº 1 do Juízo (fls 2190).

Deve-se observar que nos ensaios os produtos foram utilizados como preventivos e curativos.

Ressalta-se que a mesma Embrapa Soja aduz em resposta ao quesito nº 8 formulado pela requerida que nos dois ensaios realizados pela Embrapa e Fundação MT, aplicado preventivamente 2 vezes como recomenda a bula o Stratego teve eficácia de: “Embrapa Soja – eficiência em R6 com 2 aplicações 80% e Fundação MT – eficiência aos 33 dias após a aplicação 95%”.

Assim, a correta aplicação do produto preventivamente contribui para que sua eficácia seja maior.

É importante frisar que os autores, são agricultores experientes, se adquiriram um produto como o Stratego com estatística de 50 a 74% de eficácia curativa/preventiva, desde que aplicado corretamente, como podem, agora vir em juízo exigir que esse mesmo produto tenha 100% de eficácia, percentual este que nenhum outro fungicida na categoria de preventivo/curativo apresentava a época dos fatos.

Mesmo aplicados incorreta e tardiamente os fungicidas Stratego e Folicur ainda evitaram a quebra total da safra de soja dos autores no ano de 2003/2004, posto que segundo eles mesmos alegam essa perda foi parcial, cerca de 30% apenas, portanto, dentro da eficácia esperada do produto adquirido.

Por fim, resta consignar que estamos analisando a safra de 2003/2004 que foi a segunda safra com ferrugem asiática no Brasil, sendo esta uma doença nova, com alto grau de agressividade, as pesquisas e testes dos fungicidas estavam apenas começando e nesta safra houve excesso de chuva na região Centro-Oeste o que favoreceu o desenvolvimento da doença.

Pelo exposto, é incorreto afirmar que Stratego é ineficaz no combate a “ferrugem asiática”, segundo a Embrapa Soja ele tem eficácia menor se comparado a outros produtos, devendo-se observar que nos ensaios o Stratego foi aplicado de forma curativa e preventiva..

Culpa exclusiva da vítima

Além de tudo o que foi exposto, importante ressaltar que mesmo que fosse considerada relação de consumo o vínculo existente entre as partes, não haveria responsabilidade civil da requerida, pois nos termos do artigo 14, § 3º, inciso II do Código de Defesa do Consumidor, é ressalvada a responsabilidade do fornecedor quando a culpa for exclusiva de consumidor, como ocorrido no caso retratado nos autos.

Conclusão

Diante dos elementos constantes dos autos, inarredável concluir, que os autores foram vítimas de sua própria negligência, pois, mesmo sabendo que a doença “ferrugem asiática” apareceria na safra de 2003/2004 e que esta tinha alto poder destrutivo, preferiram deixar a doença aparecer e se alastrar para aplicarem o produto Stratego que deveria ter sido aplicado por duas vezes de forma preventiva, tudo isto para não despender de recursos financeiros com a aplicação de fungicidas.

O autor Éclair Diavan é um produtor com larga experiência no cultivo da soja, como ele próprio afirma em seu depoimento pessoal, está no ramo há 30 anos, não é razoável que esperasse da requerida fabricante de fungicidas toda a orientação de como cuidar de sua lavoura.

É evidente que sendo a “ferrugem asiática” doença nova e grave, os cuidados com a lavoura na safra de 2003/2004 deveriam ter sido redobrados, mas ao contrário disso, os autores, sequer contrataram engenheiro agrônomo para orientá-los e, segundo alegam o agrônomo Reginaldo que trabalhava na fazenda foi desautorizado a tratar do assunto “ferrugem asiática”e, este realizava outras tarefas não afetas a questões técnicas do plantio.

Ainda que considerássemos como queriam os autores, que se trata de relação de consumo, melhor sorte não teriam, posto que não é só por isso, que se deva admitir, desde logo sem maior aprofundamento no exame das causas do resultado lesivo, que a culpa será sempre, por presunção, do fornecedor, sendo objetiva a sua responsabilidade.

Por outro lado, todos nós sabemos que a agricultura, sempre foi uma atividade de risco e disso deve ter consciência todo agricultor, máxime quando experientes como os autores, que já estão no ramo há trinta anos. Desde o momento do plantio e até mesmo depois da colheita, continua o agricultor exposto a toda sorte de riscos, como o clima com todas as suas variantes, pragas, condições de estocagem, transporte, preços baixos, adversidades estas que enfrenta animado somente pela visão do lucro compensador.


Os autores precisam saber, que para obter lucros compensadores, necessitam investir no plantio como por exemplo contratando equipe técnica eficiente para orientá-los e não apenas, confiar em sua própria experiência.

Não se dúvida que os autores são agricultores experientes no plantio de soja, porém, no momento em que sua lavoura corria grave perigo, pela presença de infestação até então desconhecida, negligenciaram, aplicando por economia o fungicida de forma incorreta e tardiamente.

Pelas provas que vieram aos autos, não tenho dúvida que a culpa pelo fracasso da lavoura dos autores não pode ser atribuída a ineficácia do produtos fabricados pela requerida, mas a própria desídia dos autores, que ficaram inertes no momento de grande perigo para sua safra, e preferiram sair à caça de culpados pelo seu infortúnio.

Dispositivo

1) Pelo exposto, acolho a preliminar de ilegitimidade ativa levantada pela requerida para extinguir o processo sem julgamento do mérito, nos termos dos artigos 267, inciso VI e 329 do Código de Processo Civil com relação a LAURO DIAVAN NETO e DANIELA CAROLINA DIAVAN.

2) JULGO TOTALMENTE IMPROCEDENTES os pedidos da presente Ação de Reparação de Danos e Indenização por Responsabilidade pela Ineficácia do Produto interposta por ECLAIR DIAVAN e MARTA CAETANO DIAVAN em face de Bayer Cropscience, com base no disposto no artigo 269, I do Código de Processo Civil.

3) Revogo a liminar anteriormente concedida, devendo serem efetuadas as comunicações de estilo.

4) Tendo em vista que os pleitos da exordial foram rejeitados, condeno solidariamente todos os requerentes a pagar os honorários advocatícios sucumbenciais, que fixo, com base na complexidade da matéria, em R$15.000,00 (quinze mil reais), na forma do artigo 20, § 4º, do CPC.

5) Os autores deverão recolher a diferença das custas devidas conforme decidido na impugnação ao valor da causa no prazo de 05 (cinco) dias, após a publicação desta sentença, sob pena de anotação do débito junto ao Cartório Distribuidor.

6) Preclusas as vias recursais, certifique-se o trânsito em julgado. Após, intimem-se os devedores na pessoa de seu advogado para que paguem os honorários sucumbenciais identificados no item 4 desta sentença, com os devidos acréscimos, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de ser acrescido ao valor da condenação a multa de 10% prevista no artigo 475-J do CPC, e honorários sucumbências da fase de cumprimento de sentença.

7) Não cumprindo os devedores voluntariamente a sentença no prazo concedido, intime-se a credora para que no prazo de 10 dias, impulsione o feito, sob pena de serem os autos remetidos ao arquivo provisório. Ficando inerte a credora, nos termos do artigo 2º do Provimento nº10/2007 – CGJ, remetam-se os autos ao arquivo provisório até manifestação da parte interessada, excluindo-o do Relatório Estatístico, mas sem baixa no Cartório Distribuidor.

P.R.I.C.

Cuiabá – MT, 15 de maio de 2007.

Gleide Bispo Santos

Juíza Auxiliar de Entrância Especial

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