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Judiciário fará a sua parte, diz Rodrigo Collaço

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20 de maio de 2007, 12h40

Não aceitaremos a pecha da generalização. Estamos prontos para cortar na nossa própria carne. Lutamos para manter o Judiciário íntegro

A magistratura brasileira é composta por cerca de 14 mil juízes e juízas que trabalham espalhados por todo o território nacional em comarcas e tribunais.

Devido ao elevado número de membros que integram o Judiciário, seria ingenuidade imaginar que o Poder fosse ficar imune à corrupção, especialmente num país como o Brasil, cuja tradição patrimonialista e confusão entre o público e o privado são temas recorrentes de sua história.

Não há nenhuma corporação que possa se dizer a salvo de eventuais desvios cometidos por seus integrantes. Nem a imprensa, nem a igreja, nem a sociedade civil como um todo podem afirmar, sem hipocrisia, que estão livres desse mal.

O que importa analisar, num primeiro momento e de maneira pragmática, não é a existência da corrupção em si, mas qual o comportamento dos integrantes do Poder -a corporação- quando se deparam com fatos que possam ter sido praticados pelos próprios juízes contra a base ética e moral dos princípios que, em última análise, justificam e legitimam a própria existência da Justiça.

A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) -entidade que reúne mais de 14 mil juízes associados- manifestou-se, desde o início da crise, em favor da apuração total dos fatos e da punição exemplar dos que eventualmente sejam considerados culpados, em conformidade com as garantias constitucionais oferecidas a todos os cidadãos.

Temos certeza de que expressamos com fidelidade o pensamento da nossa classe, que jamais compactuará com a corrupção. Ao contrário, terá sensibilidade social para cumprir integralmente o seu papel. Temos plena noção de que é o Judiciário -acima dos outros Poderes- o ramo do Estado que menos pode transigir com os desvios de seus integrantes.

As decisões judiciais afetam a liberdade das pessoas, o patrimônio dos brasileiros e de suas empresas. Com uma decisão, o juiz modifica a guarda dos filhos, afastando-os ou aproximando-os dos pais, retira bens dos devedores, manda os criminosos para a cadeia. Em suma, o juiz decide questões absolutamente fundamentais para o cidadão brasileiro e o faz, quase sempre, de forma coercitiva.

Os cidadãos, para aceitar a dureza dessas medidas, para reconhecer legitimidade na atividade judicial do Estado (emanada dos juízes), não podem duvidar da honestidade de seus julgadores.

A magistratura tem perfeita consciência da gravidade do momento pelo qual passa o Poder Judiciário e sabe que chegou a hora de praticar o bom corporativismo.

Nós, da AMB, estamos ao lado e prestigiamos os integrantes do Judiciário que têm atuado diuturnamente contra a corrupção, seja expedindo, quando presentes os requisitos legais, mandados de prisão ou de busca e apreensão para permitir o desmantelamento de quadrilhas e a redução da criminalidade, seja autorizando, sem pirotecnia nem alarde, operações policiais por todo o país, tão apreciadas pela imprensa e pela opinião pública.

Do mesmo modo, estamos ao lado dos magistrados que impedem os abusos contra a cidadania, mantendo a ação repressiva do Estado dentro dos limites da Constituição e da lei.

As operações Hurricane e Têmis, é bom lembrar, mesmo investigando a conduta de magistrados, vêm sendo conduzida por outros juízes -no caso, os ministros do STF e do STJ.

Tais operações romperam falsos valores de proteção à autoridade política, judiciária e econômica vigentes na sociedade brasileira. Pouco tem importado o status político ou econômico dos investigados. A incidência da Justiça penal deu um passo firme em direção à democratização e à igualdade de todos perante a lei.

Por outro lado, é necessário coibir apenas a divulgação indevida de escutas legalmente autorizadas. Não se combate a criminalidade com outro crime. Não se luta contra a falta de ética com comportamento antiético. Para o Brasil sair vitorioso desse triste episódio, a criminalidade tem que ser combatida dentro dos limites da lei.

De qualquer sorte, a magistratura, diante do trabalho sério de seus milhares de integrantes que atuam por todo o país, almeja ver reconhecido o papel relevante que tem desempenhado em favor da melhoria dos valores éticos da nação. Não aceitaremos, portanto, a pecha da generalização.

Estamos prontos para cortar na nossa própria carne. Faremos a nossa parte para manter o Judiciário íntegro e respeitado pela população, como o Brasil merece.

Artigo publicado na coluna Tendências e Debates do jornal Folha de S. Paulo deste domingo (20/5)

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