Operação Navalha

Leia o voto que deu liberdade a investigado na Operação Navalha

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18 de maio de 2007, 18h20

Prisão não pode ser castigo para quem não sabe sequer do que está sendo acusado. Foi com esse fundamento que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em Habeas Corpus para Ulisses Cesar, ex-procurador-geral do Estado do Maranhão. Ele foi preso, na quinta-feira (17/5), durante a Operação Navalha, da Polícia Federal.

Ulisses é acusado de participar de esquema de fraude a licitação. A prisão foi decretada para que o ex-procurador não prejudicasse a investigação. Ulisses há sete meses não trabalha mais na Procuradoria. Atualmente, ocupa cargo de conselheiro feral da OAB.

A Polícia Federal pediu a prisão do acusado porque ele emitiu um parecer em julho de 2006 a favor de uma licitação. Para Gilmar Mendes, “não há ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático jurídica entre a emissão de parecer jurídico pelo investigado e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa”.

De acordo com o ministro, “caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação”.

Além disso, segundo o ministro, o decreto da prisão não individualizou “quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta ‘organização criminosa’ à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente”. Conforme o ministro, “não é possível conceber como compatível com o princípio constitucional da não-culpabilidade qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada”.

Operação

A Operação Navalha foi deflagrada pela Polícia Federal na manhã de quinta-feira (17/5) contra acusados de fraudes em licitações públicas federais. A PF prendeu 47 pessoas. Entre elas, o assessor do Ministério de Minas e Energia Ivo Almeida Costa, o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares, o deputado distrital Pedro Passos (PMDB), o prefeito de Sinop (MT) Nilson Leitão (PSDB) e o prefeito de Camaçari (ES) Luiz Carlos Caetano, coordenador da campanha de Geraldo Alckmin à Presidência em 2006.

O ministro Silas Rondeau determinou o afastamento preventivo do assessor especial de seu gabinete. Já o ministro de Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, declarou que a ação não influencia o Programa de Aceleração do Crescimento. Obras do PAC e Luz para Todos estão entre as supostamente fraudadas.

Também foram presos o superintendente de produtos de repasse da Caixa Econômica Federal, Flávio José Pin; o filho do ex-governador de Sergipe João Alves Filho, João Alves Neto; e o presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), Roberto Figueiredo.

Segundo Polícia Federal, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais. De acordo com a acusação, o esquema garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da Gautama que então conseguia licitações para empresas por ela patrocinadas.

Leia o voto

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.386-5 BAHIA

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES


PACIENTE(S): ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA

IMPETRANTE(S): ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

ADVOGADO(A/S): ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO INQUÉRITO Nº 544 DO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (Advogados: ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS), em favor de ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, em que se impugna decreto de prisão preventiva proferido pela Rel. Min. Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Inquérito no 544/BA.

Conforme consta da inicial, o paciente teve sua prisão preventiva decretada pelo suposto envolvimento com a “associação criminosa” investigada pelo Inquérito no 544/BA, em trâmite perante o STJ.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese, a generalidade e a abstração do decreto prisional, em argumentação sistematizada nos seguintes termos:

“1. Paciente que há 07 meses não é mais Procurador Geral do Estado e nem ocupa qualquer cargo público no Estado do Maranhão, sendo Conselheiro Federal da OAB, pelo segundo mandato consecutivo.

2. Decreto de prisão que, contraditoriamente, aponta com relação ao paciente um único fato anterior a 14 de julho de 2006 e, diferentemente dos demais, não aponta qualquer conversa sua incriminatória, mas afirma para justificar a prisão que esta serve como mecanismo para ‘paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade’.

3. Prisão preventiva decretada a granel contra 47 pessoas apontando-se, com base em supostas conversas gravadas em fevereiro de 2.007, o fato de que a ‘associação criminosa’ tem os olhos postos nas futuras verbas do PAC, o que demonstraria a perpetuação das atividades da organização criminosa. Ausência absoluta de relação deste fato com o paciente que nunca participou de conversas relacionadas ao tema e, como explicita a própria decisão tem sua conduta investigada centrada em fornecimento de parecer como Procurador Geral do Estado anterior à 14 de julho de 2.006.

4. Independentemente do acerto ou desacerto da asserção da il. Autoridade coatora sobre os fatos investigados, há manifesta confusão entre a suposta autoria de fato supostamente criminoso e a necessidade da cautela processual, máxime quando o fato teria ocorrido em período distante. A se validar o raciocínio da autoridade coatora todo denunciado deveria ser preso num inadmissível reedição da prisão preventiva obrigatória.

5. Ilegalidade do decreto prisional que faz referência genérica à garantia da ordem pública, econômica e conveniência da instrução processual, sem indicar um elemento concreto sequer para justificar a necessidade da prisão cautelar. […] Não é preciso dizer que a prisão preventiva é medida excepcional e, como tem reiteradamente advertido o egrégio Superior Tribunal de Justiça e esta Suprema Corte, só deve ser destinada a causas em que se demonstre a manifesta necessidade da constrição cautelar e mais: fundada em elementos concretos. A lição do eminente Min. FELIX FISCHER que deixou de prender diversas autoridades judiciárias em razão da Operação Themis é exemplo disso (Inq. n.° 547).

Também é desnecessário comentar que para afirmar a violação da ordem pública e ordem econômica para justificar o decreto de prisão cautelar, devem-se apontar dados concretos e reais que vinculem a pessoa que se pretende prender ao perigo às ordens que se entendem violadas.

Embora, essa lição seja corrente, a decisão da ilustre autoridade coatora, em que pese a sua qualidade, prescindiu completamente de demonstrar a necessidade da custódia cautelar do paciente, insista-se, medida excepcionalíssima.


Como destacado na r. decisão, embora haja ‘apenas o início das provas que foram colhidas’ e ‘resultados parciais das diligências’, entendeu S. Exa., a ilustre Ministra, a adoção de providência judicial, qual seja a decretação da prisão preventiva, medida extrema, que deveria ser manejada como última alternativa e não como primeira, tal como realizado.

É bom dizer que no longo despacho, com relação ao paciente, em relação ao qual não se indicou um documento sequer ou conversa gravada em interceptação telefônica que confirmasse a sua participação, destacou-se apenas o seguinte:

‘Ulisses César Martins de Sousa, Procurador- Geral do Estado do Maranhão, após pressionar Procuradora do Estado, deu parecer favorável para permitir o pagamento das medições com erros graves, sem que houvesse termo aditivo ao contrato, o que resultou no recebimento pela GAUTAMA de R$ 1.639.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) em 14 de julho de 2.006’.

Nada, nem uma linha sequer, relacionada os coinvestigados é citado com relação ao paciente. Em primeiro lugar, deve-se advertir para o fato de que o paciente foi Procurador-Geral do Estado do Maranhão tendo deixado, o cargo em outubro do ano passado (doc. 3). Portanto, há mais de 07 meses.

Hoje, como há mais de dez anos, o paciente é advogado de uma das bancas de advocacia mais respeitadas no Estado do Maranhão e pelo voto direto de seus pares, pela segunda vez, foi eleito Conselheiro Federal da OAB.

Em segundo lugar, não se compreende, porque não está dito, de qual elemento concreto dos autos se extraiu a afirmação de que em meados de 2.006, portanto há quase um ano, o paciente pressionou a Procuradora do Estado.

Aliás, pressionou para quê, se como se lê da r. decisão o paciente era Procurador Geral do Estado e ‘deu parecer favorável para permitir o pagamento…’? Ademais, de qual elemento concreto e técnico se extrai que as medições apresentadas continham ‘erros graves’. Há perícia a este respeito? Se as medições são realizadas por agentes públicos e encaminhadas para a Procuradoria, cabe a esta apenas em seu parecer examinar os aspectos jurídicos e não refazer as medições realizadas por técnicos, portanto, tal afirmação constitui manifesto abuso.

Ademais, qual elemento demonstra que o parecer não deveria ser favorável? O que demonstra que o termo aditivo ao contrato neste caso era obrigatório? Qual a relação do paciente com o efetivo pagamento do valor devido ou indevido à empresa? E ainda que houvesse e, não há, no que isto demonstra a necessidade da prisão cautelar do paciente?

Eminentes Ministros, na r. decisão foi decretada a prisão preventiva de 47 pessoas, descreve-se ao longo de dezenas de folhas a conduta de diversos investigados, nenhuma referência há ao paciente, a não ser o trecho acima destacado que não se relaciona em absolutamente nada com a conduta descrita com relação aos demais investigados.

Tal digressão é necessária, não só para demonstrar o absurdo da inclusão do paciente entre os investigados, mas para espancar a falta de justa causa e ilegalidade do decreto de prisão contra si decretado.

Mas, abstraindo questões de mérito, é evidente que há uma flagrante confusão entre a suposta prática de um crime e a necessidade da cautela processual. A persistir tal critério, todo denunciado deveria ser preso e, assim, a malsinada prisão prventiva obrigatória seria reeditada em plena democracia.

Logo de início, observa-se que os fatos a ele relacionados foram anteriores a 14 de julho de 2.006, quando teria sido feito o pagamento à empresa. Portanto, de lá até hoje não se identificou qualquer conduta, conversa ou indício que revele qualquer suspeita sobre o paciente.

Mais do que isso, na ‘fundamentação’ externada para justificar a prisão imposta, a d. coatora é categórica em afirmar que esta medida extrema é tomada para ‘paralisar a atuação da organização criminosa’ (…) ‘que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC’.


O que, eminentes Ministros, têm o paciente a ver com isto? Se a suposta conduta criminosa a ele atribuída teria ocorrido antes de 14 de julho de 2.006, como se pode incluí-lo no argumento de que a prisão visa paralisar a atuação da organização criminosa? E as conversas de fevereiro de 2.007 relacionadas ao PAC, no que se referem ao paciente? Nada, absolutamente nada.

Com a devida e maxima venia, a ilustre coatora jogou 47 pessoas em uma vala comum e com base em uma fundamentação absolutamente genérica e desprendida da realidade, que valeria para qualquer caso, decretou a prisão preventiva do paciente. Dizer que se visa preservar a credibilidade e moralidade das instituições estatais é, com todo o respeito, pura retórica que não equivale à fundamentação.

O paciente, homem de bem que nunca se envolveu com qualquer fato criminoso, é casado, advogado, pai e arrimo de família. Embora não tenha sido preso, porque não se encontrava presente no momento do cumprimento do mandado de busca e apreensão, se encontra inteiramente à disposição desta e. Corte Especial, das autoridades policiais para prestar todos os esclarecimentos necessários.

O que não pode admitir o paciente é submeter-se a uma ordem que se reputa manifestamente ilegal, desfundamentada e baseada em presunções.

Insista-se, não há com relação ao paciente a indicação de um elemento concreto sequer que demonstre a necessidade de sua prisão preventiva, seja no que concerne à garantia da ordem pública, seja à garantia da ordem econômica, seja por conveniência da instrução criminal, da onde decorre a manifesta ilegalidade da r. decisão atacada” – (fls. 04/05; e 0711)

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa argumenta que:

“o periculum in mora é patente pelo fato de o paciente ter contra si decretada prisão preventiva manifestamente ilegal. Como já decidiu o eminente Min. CELSO DE MELLO: ‘A medida liminar, no processo penal de habeas corpus, tem o caráter de providência cautelar. Desempenha importante função instrumental, pois destina-se a garantir – pela preservação cautelar da liberdade de locomoção fisica do indivíduo – a eficácia da decisão a ser ulteriormente proferida quando do julgamento definitivo do writ constitucional’ (RTJ 147/962).Insista-se, o paciente se compromete, caso seja determinado, colocar seu passaporte à disposição do Juízo, bem como permanecer à disposição do Juízo para o que for necessário” – (fl. 15)

Por fim, o impetrante requer, liminarmente, “seja revogada a prisão imposta ao paciente, determinando-se a imediata expedição de contra-mandado de prisão em seu favor e, no mérito, aguarda-se seja reconhecida a ilegalidade do decreto de prisão preventiva, como medida de JUSTIÇA!” – (fl. 17).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Neste writ, a inicial impugna a validade da fundamentação de decreto de prisão preventiva expedido em face do ora paciente (ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA).

Nesse particular, é válido transcrever as oportunidades nas quais o decreto cautelar fez menção específica e direta à atuação do referido paciente na condição de investigado perante o STJ nos autos do INQ no 544/BA. Consideradas essas balizas, eis o teor da decretação da custódia cautelar tão somente no que concerne ao ora paciente, verbis:

“No terceiro nível da organização criminosa estão agentes públicos municipais, estaduais e federais, os quais agem como intermediários, removendo obstáculos que possam se antepor aos propósitos do grupo, mediante o recebimento de vantagens indevidas. A participação desses integrantes apresenta-se mais ou menos intensa a depender dos interesses do momento, como exposto no relatório policial às fls. 5 e 6. São eles:

[…]

17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA” – (fl. 27/28).


[…]

“Os diálogos captados nas interceptações ocorridas entre maio e junho de 2006 mostram a existência e um esquema para viabilizar o pagamento das medições fraudulentas das pontes em construção, participando do grupo o então Secretário de Infra-Estrutura do Estado ou mesmo em relação a obras não realizadas NEY DE BARROS BELLO, do Procurador-Geral do Estado, ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA (referido por ‘GORDINHO’), do Consultor Financeiro do Estado à época, ROBERTO FIQUEIREDO GUIMARÃES e do Assessor do Governador, GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA, todos envolvidos com o chefe da organização, ZULEIDE VERAS” – (fl. 31).

[…]

“A medição foi aprovada, ao final, com o parecer favorável do Procurador-Geral do Estado ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA e do Secretário NEY DE BARROS BELLO, com a determinação de pagamento no valor de R$1.639.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) na data de 14 de julho de 2006” – (fl. 36).

[…]

“A partir daí, o grupo passou a se articular com servidores do Estado com o objetivo de fraudar o processo licitatório, através do qual seria escolhida a empresa que executaria as obras. Os principais articuladores foram: ZULEIDO VERAS, VICENTE CONI, GERALDO MAGELA, MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA e JOÃO MANOEL SOARES, os quais já contavam com a promessa do Procurador-Geral do Estado, ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA, de que a obra seria executada pela GAUTAMA.

Entretanto, às vésperas da celebração do convênio, o Procurador-Geral de Justiça comunicou a VICENTE CONI que pretendia direcionar a licitação para outra empresa, a Construtora SUTELPA, alteração devida ao não-cumprimento dos compromissos por parte da organização criminosa (pagamento de propinas)” – (fl. 42).

[…]

“No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamentos dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de mediações fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São caracterizados como intermediários.

Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório fl. 05/066):

‘… a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro da própria organização), ou pela quantidade de contatos pagamentos, dados repassados ou outros indicadores de permanência do servidor com o grupo criminoso’. Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:” – (fl. 116/117).

[…]

“17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, Procurador-Geral do Estado do Maranhão, após pressionar Procuradores do Estado, deu parecer favorável para permitir o pagamento das medições com erros graves, sem que houvesse termo aditivo ao contrário, o que resultou no recebimento pela GAUTAMA de R$ 1.639.000,00(um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) em 14 de julho de 2006” – (fl. 116/117- 121).

[…]

“Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e Lei 9.296/96” – (fl. 122).


[…]

“Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

46) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA;” – (fl. 123/124).

Da leitura do ato decisório exarado pela autoridade apontada como coatora (Rel. Min. Eliana Calmon), observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato do investigado ter emitido parecer na condição de Procurador-Geral do Estado do Maranhão.

A rigor, dos documentos acostados aos autos pela impetração, não é possível identificar demais elementos que, de modo concreto, teriam contribuído para balizar a fundamentação de decreto cautelar sob os requisitos da garantia da ordem pública, assim como para assegurar a instrução criminal.

Segundo consolidada jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentada, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com o princípio constitucional da não-culpabilidade qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado. Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Nesse contexto, tenho, inclusive, indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta. No caso concreto ora em apreço, um dos elementos utilizados pela prisão preventiva é o de que seria necessário “paralisar a atuação da organização criminosa […] que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC” – (fl. 122).

É dizer, em relação ao caso específico do ora paciente (ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA), o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta “organização criminosa” à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente.

Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao referido paciente diz respeito aos fatos de que: i) o referido paciente há mais de 7 meses não mais ostenta a condição de Procurador-Geral do Estado do Maranhão e nem ocupa qualquer cargo público na referida Unidade da Federação; e ii) não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático jurídica entre a emissão de parecer jurídico pelo investigado (ocorrida em 14 de julho de 2006) e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente. Caso ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA já se encontre preso em decorrência da prisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA, deverá ser posto, imediatamente, em liberdade, nos termos e na extensão acima especificados.

Expeça-se contra-mandado de prisão em favor do ora paciente, de cujo teor deverá constar a parte dispositiva mencionada no parágrafo anterior.

Comunique-se, com urgência.

Solicite-se ao Superior Tribunal de Justiça o inteiro teor da decisão proferida pela Min. Relatora do INQ no 544/BA. Após, abra-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 17 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

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