Sem alicerce

Promotor é absolvido por falta de prova consistente

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16 de maio de 2007, 11h07

É impossível condenar com prova que não conduz à certeza. Esse é um dos princípios basilares do processo penal nos países democráticos. A aplicação da pena, para ser legítima e justa, deve ter o apoio do verdadeiro e não do verossímil. O inquérito policial é peça meramente informativa destinada apenas a autorizar o exercício da ação penal. Não pode servir, por si só, de alicerce à sentença condenatória, pois infringiria o princípio do contraditório, que é uma garantia constitucional.

Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu o promotor de justiça Fernando Menna Barreto de Araújo, acusado do crime de concussão (exigir vantagem indevida em razão de cargo público). O procurador-geral de Justiça foi obrigado a reconhecer que não tinha provas suficientes para sustentar a ação penal.

O Órgão Especial, por votação unânime, decidiu que as provas apresentadas pelo chefe do Ministério Público eram insuficientes para demonstrar a materialidade do crime e julgou a ação improcedente.

A defesa sustentou a absolvição com o fundamento de inexistência do fato. Para o colegiado, o fato existiu, mas o Ministério Público não conseguiu provar a versão que surgiu na fase da investigação prévia que apontava para a ilicitude da conduta do promotor. Como no entendimento do Órgão Especial havia um conflito de versões, deveria prevalecer o princípio da presunção de inocência – na dúvida, a favor do réu.

O caso

De acordo com a denúncia, o promotor, em parceria com Marcos Aurélio Luperini, teria exigido vantagem indevida de Ezaldivar Victorino Júnior. Segundo o MP, Fernando Menna Barreto pediu uma TV Sony de 34 polegadas para, em troca, se manifestar a favor da soltura do pai de Ezaldivar, que respondia a ação penal e tinha prisão decretada pela prática de jogo do bicho.

O caso aconteceu em setembro de 1999, em Araras, cidade onde Fernando Menna Barreto ocupa o cargo de 1º promotor de justiça. De acordo com o chefe do Ministério Público, embora não tenha atuado na ação penal, o promotor teria se valido do cargo para exigir a TV, fazendo a vítima acreditar que poderia interferir no processo para facilitar a soltura do réu.

Em novembro daquele ano, por conta da prescrição do pedido de prisão preventiva, o acusado foi solto. Em seguida, ainda de acordo com o Ministério Público, o promotor, por meio de Marco Aurélio, cobrou o pagamento da suposta vantagem, que teria sido quitada um ano depois. A TV foi retirada da loja Cibelar, de Araras, por Marco Aurélio e levada para a casa de Fernando Menna Barreto.

Durante a instrução processual, a vítima se retratou negando o que sustentou na fase da defesa prévia. Ezaldivar Victorino Júnior afirmou que foi pressionado a prejudicar o promotor de justiça. O tribunal entendeu que as provas reunidas na investigação indicavam a ocorrência de ilícito penal, mas não se repetiram na fase de instrução. Assim, não dão segurança para a condenação.

“A prova é o meio pelo qual se faz certo o juízo de verdade do delito. A obrigação de provar, sabe-se, incube ao acusador e na falta de prova plena, inconteste, o réu deve ser absolvido. Quando há colisão de provas ou resta alguma dúvida a respeito do delito e sua autoria, não se deve proceder a condenação”, afirmou o relator da ação penal, desembargador Passos de Freitas, corregedor-geral da Justiça.

A investigação contra o promotor de Araras começou com uma sindicância instaurada na Corregedoria do Ministério Público, com base em declarações de Ezaldivar Júnior e do empresário e oficial de cartório Marco Antonio Canelli. Este último acusou o promotor de vários ilícitos funcionais. Ezaldivar confirmou a versão de que Fernando Menna Barreto exigiu uma televisão em troca da soltura de seu pai. Na Justiça, Ezaldivar mudou a versão e disse que jamais fez qualquer pedido ao promotor para interceder a favor de seu pai. Disse que estava arrependido de participar de uma “armação” para prejudicar o réu.

O procurador Hermann Herschander, que representou o chefe do Ministério Público, reconheceu que as dúvidas apresentadas no processo abalaram o principal suporte da acusação e que, no caso, a punição do promotor de justiça se mostrava insustentável.

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