Sem acúmulo

Fundo de telecomunicações incide só sobre valor total do serviço

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16 de maio de 2007, 18h14

A contribuição para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) não é cumulativa. Portanto, incide sobre o valor total da prestação de serviço. Assim, se a empresa, que recebe o pagamento do consumidor, já contribuiu com o valor de 1% de sua receita operacional bruta para o fundo, as operadoras que serviram de interconexão não precisam contribuir novamente.

O entendimento é da 7ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal. Segundo o juiz José Márcio da Silveira e Silva, o Fust “não incide sobre a transferência da remuneração decorrente da interconexão feita de uma prestadora de serviços de telecomunicações a outra, e sobre a qual já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário”.

A interconexão é uma imposição da Lei Geral de Telecomunicações, que tem por objetivo permitir a integração das redes de telefonia. Portanto, diferentemente do entendimento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a interconexão não se constitui em um serviço de telecomunicação.

Para o juiz, se a interpretação dada pela Anatel fosse aplicada, haveria um favorecimento às empresas que possuem rede própria. Seria “um incentivo ao não compartilhamento das redes e à ineficiência, pela duplicação de redes, pois certamente as empresas dariam prioridade ao investimento em rede própria para cobrir todo o território nacional com a finalidade de diminuir os custos fiscais e, assim, obter vantagem comparativa sobre outras que necessitassem realizar interconexão para prestar seus serviços”, afirmou.

Já o sistema que possibilita transmissão de dados, voz e imagens através de circuito digital, chamado de exploração industrial de linha dedicada (EILD), não tem essa imposição legal, “tratando-se de mera operação comercial entre as operadoras, efetivada exclusivamente em função de suas estratégias operacionais”. Portanto, esse serviço é considerado de telecomunicação e entra na contribuição ao Fust.

As empresas de telecomunicações entraram com um Mandado de Segurança para pedir que a contribuição ao Fust não fosse obrigatória, uma vez que o tributo não tem sido aplicado, devidamente, pelo governo. Segundo o juiz, o fato de o poder público não aplicar os recursos do Fust não isenta as empresas de contribuir. “A eventual inércia do Poder Executivo no cumprimento dos objetivos delineados pela Lei 9.998/2000 implica a responsabilização dos agentes omissos, e não a suspensão da exigibilidade do crédito tributário”, afirmou.

Já no que se refere ao acúmulo das contribuições, o juiz declarou que “a remuneração recebida pelas impetrantes decorrente de serviços de interconexão, mediante transferência de outra prestadora de serviço de telecomunicações, não sofre incidência da contribuição”.

Leia a sentença:

SENTENÇA 215/2007-B

PROCESSO 2006.34.00.000369-4

CLASSE: 2100 – MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

IMPETRANTE: BRASIL TELECOM S/A

IMPETRANTE: SERCOMTEL S/A TELECOMUNICAÇÕES

IMPETRANTE: TELEMAR NORTE LESTE S/A

IMPETRANTE: INTELIG TELECOMUNICAÇÕES S/A

IMPETRANTE: VESPER SÃO PAULO S/A

IMPETRANTE: VESPER S/A

IMPETRANTE: TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO – TELESP

IMPETRANTE: EMPRESA BRASILEIRA DE TELECOMUNICAÇÕES S/A EMBRATEL

IMPETRANTE: TELEFÔNICA EMPRESAS S/A

IMPETRANTE: CIA DE TELECOMUNICAÇÕES DO BRASIL CENTRAL CTBC

IMPETRANTE: BRASIL TELECOM COMUNICAÇÃO MULTIMIDA LTDA

IMPETRANTE: PRIMESYS SOLUÇÕES EMPRESARIAIS

IMPETRANTE: TELMEX DO BRASIL LTDA

IMPETRADO: PRESIDENTE DO CONSELHO DIRETOR DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL

RELATÓRIO

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado pela BRASIL TELECOM S/A e OUTROS contra ato imputado ao PRESIDENTE DO CONSELHO DIRETOR DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, objetivando a concessão da segurança a fim de:

“a) não serem, por qualquer forma, coagidas a recolherem a contribuição ao FUST, se e enquanto não instituída por lei complementar, a teor do art. 149 da CF, bem assim para a criação do referido, nos termos do art. 165, II, § 9° da CF;

Subsidiariamente, caso o pedido supra não seja acolhido – o que é admitido apenas à guisa de argumentação – , as impetrantes requerem a concessão da segurança, restando garantido o seu direito líquido e certo de, a salvo de sanções fiscais;

b) de não serem submetidos ao recolhimento da contribuição ao FUST, se e enquanto não passar a ser observada a destinação definida no art. 5° da Lei 9998/00, excluída a hipótese do § 2°, bem como, ainda que venha a ser atendida a destinação legal;

Subsidiariamente e sucessivamente, caso o pedido supra não seja acolhido – o que é admitido apenas à guisa de argumentação:

c) de não serem submetidas ao recolhimento da contribuição ao FUST de forma cumulativa, restando garantido o seu direito líquido e certo de, na apuração da base de cálculo descontar os custos de interconexão e EILD; e

d) não sofrerem quaisquer sanções em virtude de compensarem os valores indevidamente recolhidos, nos últimos 5 anos, com contribuições de mesma natureza, ressalvado o exercício do poder/dever da fiscalização quanto aos aspectos quantitativos da operação realizada.

Subsidiariamente, caso os pedidos acima formulados não sejam acolhidos, o que é admitido apenas em homenagem ao princípio da eventualidade -, as impetrantes requerem a concessão da segurança, restando garantido o direito líquido e certo de, a salvo de sanções fiscais:

e) exigir supostas diferenças a título de contribuição ao FUST, retroativamente, relativamente à adoção da sistemática não-cumulativa, até o advento da Súmula 1/2005, em 19/12/2005.”


Alegam, em síntese, que a contribuição para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST trata-se de contribuição de intervenção no domínio econômico e, portanto, deveria ter sido instituída mediante lei complementar, nos termos do art. 149, caput, c/c art. 146, III, e 165, § 9°, todos da CF/88, pelo que a referida exação estaria eivada de inconstitucionalidade formal.

Aduzem também que o tributo em tela não observa os pressupostos de referibilidade e da efetiva destinação do produto arrecadado, a tornar inválida a cobrança ora questionada. Sustenta, por fim, a não-cumulatividade da contribuição para o FUST, com base no art. 6°, parágrafo único, da Lei 9.998/00, e a impossibilidade de retroação do entendimento esposado pelo ato coator (Súmula 1/2005 – ANATEL, posteriormente renumerada para nº 7).

Foi deferido o pedido de vista antecipada formulado pelo MPF (fls. 604-5), o qual se manifestou às fls. 608-14.

As impetrantes requereram, mediante depósito judicial, a suspensão liminar da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, II, do CTN (fls. 704-5).

A autoridade impetrada prestou informações às fls. 734-61, argüindo, preliminarmente, inadequação da via eleita, à vista do não cabimento de mandado de segurança contra lei em tese. No mérito, defende o indigitado ato coator, aduzindo que transferências não se confunde com interconexão.

Denegada a liminar (fls. 774-6), foi interposto agravo de instrumento n° 2006.01.00.007606-9 perante o Eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região (fls. 795/871), tendo sido concedido parcialmente a antecipação da tutela recursal pelo eminente Relator Desembargador Federal Antônio Ezequiel para suspender a exigibilidade das diferenças da contribuição para o FUST decorrentes da aplicação retroativa da Súmula 1/2005 da ANATEL (posteriormente renumerada para nº 7) .

O MPF opinou pela concessão parcial da segurança (fls. 896/901).

A União manifestou-se às fls. 967-73.

É o breve relatório. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

PRELIMINAR

Rejeito a preliminar de inadequação da via eleita consubstanciada no não-cabimento de mandado de segurança contra lei em tese, porquanto o presente mandamus insurge-se contra a Súmula n° 1 do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, que conferiu interpretação à Lei 9.998/2000, e, nesse sentido, produz efeitos concretos em desfavor dos impetrantes.

MÉRITO

1. DA PRESCINDIBILIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA INSTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PARA O FUST

O argumento dos impetrantes no sentido de que a contribuição para o FUST padece de inconstitucionalidade formal não prospera, porquanto, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, “As contribuições do art. 149, CF — contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas — posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, CF, isto não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar. (…) A contribuição não é imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes” (RE 396.266/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 26-11-03, DJ de 27-2-04).

Quanto à indigitada violação ao § 9° do art. 165 da CF/88, melhor sorte não lhe assiste, visto que “A exigência de previa lei complementar estabelecendo condições gerais para a instituição de fundos, como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição, está suprida pela Lei nº 4.320, de 17/03/64, recepcionada pela Constituição com status de lei complementar; embora a Constituição não se refira aos fundos especiais, estão eles disciplinados nos arts. 71 a 74 desta Lei, que se aplica à espécie …” (ADI 1.726-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 30/04/04).

2. DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS DO FUST

Improcede igualmente a pretensão dos impetrantes no sentido de eximir-se do pagamento da contribuição para o FUST, enquanto não aplicados os recursos arrecadados “em programas, projetos e atividades que estejam em consonância com plano geral de metas para universalização de serviço de telecomunicações (…)”, nos termos do art. 5° da Lei 9.998/2000.

A eventual inércia do Poder Executivo no cumprimento dos objetivos delineados pela Lei 9.998/2000 implica a responsabilização dos agentes omissos, e não a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ainda que se trate, como no caso concreto, de contribuição de intervenção no domínio econômico.

Ademais, as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário estão expressamente determinadas pelo Código Tribunal Nacional (art. 151), e a não-aplicação dos recursos arrecadados a título de CIDE na finalidade para a qual foi instituída não está aí incluída como hipótese suspensiva.


O argumento de que os recursos do FUST não poderiam ser aplicados em educação, conforme prevê o § 2° do art. 5° da Lei 9.998/2000, não merece prosperar, uma vez que a reserva de 18% dos recursos do FUST para ser empregado em educação nos estabelecimentos públicos de ensino deve ser interpretado em consonância com o caput e os incisos do art. 5° da referida norma, ao qual o mencionado parágrafo encontra-se vinculado. A interpretação do preceptivo em tela deve ser realizada no contexto em que está inserido e não isoladamente, como pretendem os impetrantes. Assim, o que o dispositivo assegura é que, entre as ações indicadas nos incisos do art. 5º, no mínimo 18% dos recursos devem ser destinados àquelas voltadas para a educação em estabelecimentos públicos de ensino.

3. DA INTERPRETAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 6º DA LEI 9.998/2000

As impetrantes alegam que as remunerações decorrentes de interconexão e de exploração industrial de linha dedicada – EILD se inserem na hipótese de não-incidência de que trata o parágrafo único do art. 6º da Lei 9.998/2000.

Para uma melhor compreensão da controvérsia em debate, trago a lume o inteiro teor do indigitado ato coator (Súmula n° 1 do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, publicado no Diário Oficial da União, Seção 1, de 19/12/2005, p. 49 – fl. 495 dos autos, posteriormente renumerada para nº 7), bem como do art. 6°, IV, parágrafo único, e art. 10, ambos da Lei 9.998/2000, in verbis:

Súmula n° 1 do Conselho Diretor da ANATEL

“SÚMULA No- 1, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2005

O CONSELHO DIRETOR DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, no uso das atribuições que lhe foram conferidas pelo art. 22 da Lei n.° 9.472, de 16 de julho de 1977, e pelo art. 35 do Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto n.° 2.338, de 7 de outubro de 1977,

CONSIDERANDO que a contribuição de que trata o inciso IV e parágrafo único do art. 6° da Lei n.° 9.998, de 17 de agosto de 2000, que institui o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST, é um tributo de caráter finalistíco-compulsório, caracterizando-se como uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, expressamente determinada no art. 149 da Constituição Federal de 1988;

CONSIDERANDO que a contribuição ao FUST é devida por todas as prestadoras de serviços de telecomunicações em regime público e privado nos termos do disposto no inciso IV do art. 6º da Lei n.º 9.998, de 2000, e no art. 8° do Decreto n.° 3.624, de 2000;

CONSIDERANDO que a base de cálculo das contribuições ao FUST é a receita operacional bruta, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regime público e privado, excluindo-se o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações – ICMS, o Programa de Integração Social – PIS e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, conforme estabelecido no inciso IV do art. 6º, da Lei n.º 9.998, de 2000;

CONSIDERANDO que de acordo com o art. 97 do Código Tributário Nacional somente lei pode estabelecer as hipóteses de exclusão e extinção de crédito tributário, ou a dispensa ou redução de penalidades;

CONSIDERANDO que a interconexão entre redes de telecomunicações, obrigatória às prestadoras de serviços de telecomunicações , nos termos do art. 146 da Lei n.º 9.472, de 1997, é vinculada a oferta de serviços de telecomunicações;

CONSIDERANDO que o uso de recursos integrantes da rede de uma prestadora por outra para a prestação de serviços de telecomunicações, denominado exploração industrial, nos termos do art. 61 do Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução n.º 73, de 25 de novembro de 1998, é vinculado a oferta de serviços de telecomunicações;

CONSIDERANDO que compete à Anatel deliberar na esfera administrativa quanto à interpretação da legislação de telecomunicações, conforme disposto no inciso XVI do art. 19 da Lei n.° 9.472, de 1977, resolve editar a presente Súmula:

Não podem ser excluídas da base de cálculo das contribuições ao FUST, dentre outras, as receitas a serem repassadas a prestadoras de serviços de telecomunicações a título de remuneração de interconexão e pelo uso de recursos integrantes de suas redes.

Não podem ser excluídas da base de cálculo das contribuições ao FUST, dentre outras, as receitas recebidas de prestadoras de serviços de telecomunicações a título de remuneração de interconexão e pelo uso de recursos integrantes de suas redes.

Esta Súmula entra em vigor na data de sua publicação produzindo seus efeitos a partir da vigência da Lei n.º 9.998/00, de 17 de agosto de 2000, que instituiu o FUST.’


PLÍNIO DE AGUIAR JÚNIOR

Presidente do Conselho Substituto”

Art. 6°, IV, parágrafo único, da Lei 9.998/2000

“Art. 6°. Constituem receitas do Fundo:

(….)

IV – contribuição de um por cento sobre a receita operacional bruta, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, excluindo-se o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações – ICMS, o Programa de Integração Social – PIS e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins;

Parágrafo único. Não haverá a incidência do Fust sobre as transferências feitas de uma prestadora de serviços de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário, na forma do disposto no art. 10 desta Lei.”

Art. 10 da Lei 9.998/2000

“Art. 10. As contas dos clientes das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações deverão indicar, em separado, o valor da contribuição ao FUST referente aos serviços faturados.”

De início, para o deslinde da controvérsia é necessário definir o que são transferências feitas de uma prestadora de serviços de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário”, haja vista que sobre essas não há a incidência do Fust.

Como a lei não define exatamente o sentido e o alcance da expressão “transferências feitas de uma prestadora de serviços de telecomunicações para outras” – daí o motivo da lide – resta extrair tal significado a partir das técnicas de hermenêutica, o que este juízo passa a fazê-lo. A propósito, ressalte-se que a própria Anatel, autarquia reguladora do setor, manteve entendimento em sentido contrário ao sustentado na Súmula nº 1/2005 (posteriormente renumerada para nº 7) por mais de 5 (cinco) anos, a indicar que a norma encerra grave imprecisão terminológica.

Nesse sentido, entendo que, à luz do art. 10 da Lei 9.998/2000, o termo “transferências” abrange os valores já cobrados do usuário a título de FUST e que posteriormente são repassados a outra operadora, cuja rede foi utilizada para completar a ligação, seja a parcela destinada a essa outra empresa expressamente discriminada na fatura ou não.

Em outras palavras, o que importa é que a contribuição para o Fust incida sobre o valor total do serviço e esse montante esteja destacado na fatura, não sendo exigível que também estejam discriminadas quais empresas prestaram o serviço.

Conclui-se, então, que há “transferência” sempre que uma empresa recebe o pagamento do usuário e repasse parte desse valor a outras operadoras envolvidas na prestação de serviço, pela utilização de suas redes mediante interconexão, não importando que essas outras empresas, e as correspondentes parcelas do preço e da contribuição, figurem expressamente na fatura.

Ora, se a parcela do preço a ser repassada para outra operadora já sofreu a incidência da contribuição para o FUST, discriminada na conta paga pelo usuário, não há razão jurídica para nova incidência quando do recebimento dessa parcela pela outra operadora, que prestou a interconexão, nos exatos termos do parágrafo único do art. 6º da Lei 9.998/2000.

Portanto, o parágrafo único do art. 6º tem por objetivo limitar a hipótese de incidência da contribuição prevista no inciso IV do mesmo art. 6º, a fim de evitar a cumulatividade de tal tributo, impondo que a incidência da contribuição do FUST ocorre uma única vez sobre os valores cobrados em conta de serviços de telecomunicações pagas pelo próprio usuário.

Com efeito, a remuneração decorrente de interconexão constitui-se mera transferência do preço devido a outra operadora em razão da utilização de sua rede, mediante interconexão, que, por sua vez, decorre intrinsecamente de uma prestação primária de serviço de telecomunicação (ligação interurbana, por exemplo).

Assim, se o preço total da ligação já sofreu a incidência da contribuição ao FUST, não se justifica que o preço referente ao serviço de interconexão sofra cumulativamente a incidência do referido tributo, máxime considerando que a própria norma reguladora impõe a não-incidência quando já tenha ocorrido o recolhimento por parte da prestadora do valor relativo ao FUST incidente sobre o serviço primário de telecomunicação, devidamente discriminado na conta de serviços de telecomunicações emitida ao usuário.

Portanto, entendo que a mens legis do parágrafo único do art. 6º da Lei 9.998/2000 é evitar a cumulatividade da incidência do Fust, que deve incidir uma única vez sobre o valor da conta paga pelo usuário.


Para melhor compreensão de como a Súmula nº 1 da Anatel (renumerada para nº 7) leva a resultado completamente distanciado do almejado pela lei, exemplifica-se: Caso o usuário efetue uma ligação interurbana, que não necessite de interconexão, e o valor do referido serviço totalize R$ 10,00, a operadora de telefonia recolherá R$ 0,10 a título de contribuição do FUST (1% de R$ 10,00). Entretanto, na hipótese de a referida ligação interurbana necessitar de nove interconexões de diferentes concessionárias de telefonia, das quais se cobre a remuneração de R$ 1,00 para cada interconexão, as nove concessionárias de telefonia recolherão R$ 0,01 sobre a referida remuneração (1% de R$ 1,00), totalizando R$ 0,09, além dos R$ 0,10 já recolhidos pela operadora primária, de modo que a ligação interurbana no valor de R$ 10,00, sofrerá, ao final, a incidência da contribuição para o FUST no montante de R$ 0,19, o que corresponde a 1,9% do valor total da conta cobrada do usuário, ou seja, acima da alíquota de 1% fixada pelo inciso IV do art. 6° da Lei 9.998/2000.

Essa majoração na base de cálculo do tributo em questão, por certo, não foi pretendida pelo legislador ordinário e, por isso, tal interpretação deve ser rechaçada.

Desse modo, a Súmula n ° 1 do Conselho Diretor da ANATEL (renumerada para nº 7), ao ampliar a base de cálculo da contribuição para o FUST, com a inclusão da remuneração decorrente da interconexão já anteriormente tributada e devidamente recolhida a contribuição pela prestadora de serviço que emitiu a conta, incorreu em violação ao princípio da legalidade estrita.

Cabe anotar, ainda, que o inciso IV do art. 6º da Lei 9.998/2000 prevê a contribuição sobre a receita operacional bruta “decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes públicos e privados”, o que não inclui a interconexão, pois esse serviço não está inserido no conceito estrito de serviços de telecomunicações, conforme definido no art. 60 da Lei 9.472/97, mas, sim, trata-se de uma obrigação legal imposta a todas as empresas de telecomunicações, na forma dos arts. 146 e 147 da Lei 9.472/97, pelo que não é cabível a incidência da contribuição do FUST sobre a receita do referido serviço.

Ademais, se a Lei Geral das Telecomunicações preconizou, no art. 146, caput, incisos I e II, e parágrafo único, que “as redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação” e que “é obrigatória a interconexão entre as redes”, devendo “ser assegurada a operação integrada das redes”, “de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela disponíveis”, não se coaduna com tais diretrizes a interpretação de que a incidência do FUST é cumulativa sobre a parcela do preço relativa ao serviço de interconexão.

De fato, se prevalecesse a interpretação contida na Súmula nº 1 da Anatel, haveria um incentivo ao não compartilhamento das redes e à ineficiência, pela duplicação de redes, pois certamente as empresas dariam prioridade ao investimento em rede própria para cobrir todo o território nacional com a finalidade de diminuir os custos fiscais e, assim, obter vantagem comparativa sobre outras que necessitassem realizar interconexão para prestar seus serviços.

Logo, essa interpretação conduz ao favorecimento fiscal de empresas que possuam rede própria, em detrimento da eficiência e da competitividade, em clara violação ao art. 155 da Lei 9.472/97 (“Art. 155. Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo.”).

É evidente que não é esse o propósito do FUST.

Portanto, a única interpretação do parágrafo único do art. 6º da Lei 9.998/2000 que se amolda aos princípios consagrados na Lei Geral de Telecomunicações é a de que a contribuição para o FUST não é cumulativa e, portanto, não incide sobre a transferência da remuneração decorrente da interconexão feita de uma prestadora de serviços de telecomunicações a outra, e sobre a qual já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário.

Observo, ainda, que concluir pela não incidência da contribuição para o FUST das transferências recebidas pelas outras prestadoras, nos termos do dispositivo legal, é completamente diferente de assegurar a exclusão da base de cálculo das receitas a serem repassadas, como pretendido pelas impetrantes. Com efeito, o que o parágrafo único do art. 6º prescreve é que o recolhimento deve ser integralmente efetuado pela empresa que emitiu a conta, ficando a empresa que receber a transferência da remuneração relativa à interconexão desobrigada de nova tributação, pela não-incidência cumulativa.


Por fim, ressalto que a conclusão relativamente à não incidência cumulativa da contribuição para o FUST sobre a remuneração decorrente da interconexão, não se estende à remuneração vinculada à exploração industrial de linha dedicada – EILD.

Como visto, a interconexão é uma obrigação legal, imposta por força dos arts. 146 e 147 da Lei Geral de Telecomunicações, e tem a finalidade de permitir a integração das redes de telefonia, não podendo, por isso, ser conceituada como serviço de telecomunicação. Já a EILD não possui tal caráter impositivo, tratando-se de mera operação comercial entre as operadoras, efetivada exclusivamente em função de suas estratégias operacionais.

Ademais, realçando a distinção entre ambos, o parágrafo único do art. 61 do Regulamento de Serviços de Telecomunicações (Anexo à Resolução 73/1998, alterado pelas Resoluções 234/2000 e 343/2003, todas da Anatel) dispõe textualmente que “os recursos contratados em regime de exploração industrial serão considerados como parte da rede da prestadora contratante, para fins de interconexão.”

Ou seja, a partir do momento da contratação da EILD, a rede contratada passa a ser considerada como parte integrante da rede da contratante, não havendo falar em “transferências feitas de uma prestadora de serviços de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário”, conforme exige o parágrafo único do art. 6º da Lei 9.998/2000, pois, não havendo propriamente interconexão, transferência não há. O que existe é o custo financeiro da contratação da EILD, que deve ter tratamento idêntico aos demais custos operacionais da empresa contratante. Por outro lado, relativamente à operadora que cedeu sua rede (empresa contratada), esse serviço deve ser considerado de telecomunicação, não havendo porque exclui-lo da receita operacional bruta e da incidência da contribuição para o FUST.

Ademais, como a EILD é fruto de um contrato comercial, celebrado anteriormente à prestação dos serviços de telecomunicações ao usuário, sem a interferência da entidade reguladora, muitas são as formas de contraprestação financeira que podem ser estipuladas, não havendo como garantir a estrita correspondência entre o preço pago no âmbito desse contrato e o valor associado ao custo de utilização da rede contratada em cada ligação telefônica efetuada pelo usuário.

Já o parágrafo único do art. 6º contempla uma situação específica, na qual primeiro o usuário paga a conta do serviço de telecomunicação e há o recolhimento da contribuição do FUST sobre todo o preço do serviço, restando isenta a parcela do preço que corresponde à utilização da rede de outra operadora e que será posteriormente a ela repassada.

Em síntese, enquanto a interconexão decorre de razões de ordem pública, a exploração industrial de linha dedicada – EILD é apenas uma das formas de organização operacional da prestadora de serviços telefônicos, que pode optar por criar uma rede própria ou alugar uma rede de terceiros, conforme sua estratégia comercial. Por isso, não se pode pretender igualá-los, para estender à segunda (EILD) a garantia de não-incidência que a lei conferiu somente à primeira (interconexão).

Assim, entendo que a remuneração associada à contratação de exploração industrial de linha dedicada – EILD não está contemplada entre as situações de não-incidência de que trata o parágrafo único do art. 6º da Lei 9.998/2000.

Nesse sentido, merece parcial procedência o pedido, a fim de reconhecer apenas o direito de as impetrantes não serem submetidas ao recolhimento da contribuição ao FUST de forma cumulativa relativamente à remuneração recebida em virtude da interconexão.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM DE SEGURANÇA (art. 269, I, do CPC) para:

1) declarar que a remuneração recebida pelas impetrantes decorrente de serviços de interconexão, mediante transferência de outra prestadora de serviço de telecomunicações, não sofre incidência da contribuição ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST, desde que tenha ocorrido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário, na forma do parágrafo único do art. 6º da Lei 9.998/2000, e, conseqüentemente, anular, em relação aos impetrantes, a disposição em sentido contrário contida na Súmula nº 1 do Conselho Diretor da Anatel (posteriormente renumerada para nº 7); e

2) declarar o direito das impetrantes à compensação tributária do indébito, respeitada a prescrição, a ser efetuada após o trânsito em julgado e de acordo com o art. 74 da Lei 9.430/1996, com as alterações promovidas pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, sobre as quais incidirão a taxa SELIC, a qual compreende correção monetária e juros de mora, nos termos do art. 39, § 4° da Lei 9.250/95, até à efetiva compensação ou ressarcimento (Súmula 213/STJ).

Custas recolhidas. Sem honorários advocatícios.

Publicar. Notificar a autoridade coatora. Intimar a União e o MPF.

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição, em observância ao art. 12, parágrafo único, da Lei 1.533/1951.

Brasília, 15 de maio de 2007.

JOSÉ MÁRCIO DA SILVEIRA E SILVA

Juiz Federal Substituto da 7ª Vara/SJ-DF

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