Lugar comum

O excesso de informação pode acabar com a ciência

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

15 de maio de 2007, 17h38

Vivemos numa época fabulosa em termos tecnológicos. Métodos, sistemas e artefatos que há bem pouco tempo só conhecíamos através de livros e filmes de ficção científica, fazem hoje parte do cotidiano de nossas vidas e são regularmente anunciados na televisão a preços irrisórios. A parcela maior de responsabilidade pelo vertiginoso impulso tecnológico da última década foi, sem dúvida, o advento do computador pessoal e a popularização da Internet no final do século XX.

A sociedade migrou definitivamente para o mundo virtual e pode-se dizer com tranqüila segurança que quem não estiver conectado no mundo contemporâneo, sejam pessoas físicas ou empresas, certamente está defasado em relação ao hodierno modelo sócio-econômico. Notebooks, Palmtops, celulares, Blackberries, Blue Tooths e um sem-número de engenhos eletrônicos constituem o meio convencional de comunicação das pessoas, tornando-se cada vez acessíveis às camadas menos abastadas da população.

Mas toda essa tecnologia embute um preço; uma conseqüência tão séria e tão importante quanto o preço que vimos pagando pelo progresso tecnológico desenfreado desde a Revolução Industrial, representado pelo aquecimento global e a degradação do meio-ambiente: a humanidade está lidando com informação demais.

Os números estatísticos são impressionantes. No início do século XIX não havia sequer mil pessoas que pudessem ser denominadas de cientistas ou pesquisadores. Hoje em dia são milhões, e especialistas estimam que nesse ritmo a Terra terá cerca de 1 bilhão de cientistas por volta do ano 2020, se sobreviver ao impacto da atividade humana no planeta até lá. Basta verificar a pujança das publicações ditas científicas. A ciência parece estar tomando conta de tudo. Liderado por revistas do porte da Nature e Scientific American, esse segmento produziu, somente em 2006, mais de 4 mil artigos e papers dedicados à ciência.

Cada vez mais “especialistas” esmeram-se em tornar “científicos” campos que nunca o foram. Tomemos como exemplo a história do Universo, que vem crescentemente ameaçando os credos e dogmas religiosos. Estaremos caminhando para um mundo frio e calculista em que todos os relacionamentos e negócios humanos serão conduzidos unicamente a partir de conceitos científicos? Tudo indica que esta seja uma grande possibilidade. À uma, porque a maioria das idéias ditas “científicas” está errada e depois, porque simplesmente são inúteis. Seu simples cotejo com o mundo real comprova isso. Jovens estudantes de prestigiosas instituições universitárias como o MIT, nos Estados Unidos, são um exemplo vivo: dedicam-se seriamente a estudar e criar equações matemáticas para as coisas mais comezinhas da vida, como, por exemplo, uma paquera, a primeira relação sexual ou as chances do time da escola ganhar o campeonato anual.

O verdadeiro desafio dessa avassaladora quantidade de informações com que nos deparamos diariamente é triá-las com a finalidade de obter algo útil para o nosso dia-a-dia. Quem já não praguejou diante do computador de manhã cedo, diante de centenas de e-mails esperando na caixa de entrada, entre mensagens sérias e úteis e spams indesejados e ainda tendo um trabalho importante por fazer com prazo certo de entrega? Diariamente lemos jornais, revistas e assistimos aos noticiários da TV, sem falar nos filmes e programas de entretenimento, mas somos bombardeados por um volume quase infinito de informações e nos sentimos frustrados ao final do dia porque não temos o controle — nem o conhecimento — de todas elas.

Quanto mais o conhecimento se acumula, mais difícil se torna encontrar alguma coisa nova que realmente se destaque na panóplia de dados existentes. Podemos arriscar-nos a asseverar que pelo menos 80% das idéias defendidas pelos cientistas contemporâneos são errôneas e jamais serão consideradas fatos científicos.

Realizar a descoberta inicial no campo da ciência é como achar ouro: estima-se que várias pepitas podem provavelmente ser encontradas em volta, só que na medida em que hordas de novos pesquisadores entram em cena, é preciso cavar cada vez mais fundo para conseguir resultados dignos de nota. Quando o segmento está amadurecido, o panorama assemelha-se a um gigantesco garimpo.

Para detectar ínfimas quantidades de informação louvável e útil, é preciso “peneirar” indefinidamente. Quando se adentra um segmento científico como esse, em que centenas, às vezes milhares de pessoas já se encontram há décadas, as chances de encontrar alguma coisa decente são próximas de zero. Diante dessa realidade, é forçoso afirmar que a porção do conhecimento humano verdadeiramente científico vem diminuindo há vários séculos, justamente por causa da chamada informação “não-científica”. Na Grécia antiga, a ciência era conhecida como Filosofia Natural e os textos filosóficos, matemáticos e médicos constituíam apenas uma pequena fração de todas as palavras escritas.

Quando Gutenberg inventou a prensa de tipos móveis no século XV, tornou possíveis o Iluminismo e a revolução científica, mas também abriu caminho para o crescimento exponencial da informação não-científica impressa. Quando Newton publicou seu Principia em 1687, para cada texto científico lançado seguiam-se dezenas de poemas, peças dramáticas e essays políticos, a maioria críticos ou detratores, reduzindo o alcance real do conhecimento científico. O surgimento do romance, no século XVIII foi outro golpe vigoroso na disseminação da ciência.

Na virada do século XIX, mesmo com a profusão de novas descobertas como o motor a vapor, o telégrafo e a luz elétrica, a maioria dos jornais imprimia substancialmente mais assuntos mundanos do que ciência. Até mesmo a eminente Encyclopédie Française, um trabalho de mais de 20 milhões de palavras publicado em meados do décimo-sétimo século, não conseguiu manter-se fiel aos fatos científicos. Nela se encontram elementos duvidosos que vão desde a magia negra a obscuras questões teológicas que hoje são considerados radicalmente não-científicos.

A revolução surgida com o maciço processamento de informações do mundo atual foi capaz de conferir grande capacidade de disseminação de informações a qualquer pessoa com acesso a um simples computador capaz de conectar-se à Internet. O mundo virtual — ou ciberespaço — desbancou todas as demais formas de texto escrito desenvolvidas pela humanidade desde os seus primórdios, numa verdadeira transição da informação de conhecimento útil a transtorno, como uma simples pesquisa numa ferramenta de busca como o Google pode demonstrar em apenas alguns segundos.

A quantidade de informação descartável hoje existente na grande rede mundial de computadores torna qualquer estudo científico substancialmente mais difícil, pois “nivela por baixo” as horas de pesquisa antes demandadas para se conseguir alcançar um patamar de qualidade. De alunos universitários que literalmente “baixam” trabalhos inteiros da Web e os assinam usurpando-lhes a autoria a pseudo-cientistas que rebatem a Teoria da Relatividade de Einstein, há muito tempo que a ciência sabe que grande parte da informação é puramente randômica e precisa ser ordenada.

Uma das principais descobertas da Física recente é que cada átomo ou partícula elementar registra pedaços (bits) de informação. Um bit é a menor quantidade possível de informação e representa a distinção entre duas possibilidades únicas: zeros (0s) e uns (1s)? se um átomo puder ser representado por uma dessas duas formas, ele representa um bit. O número de configurações possíveis das partículas elementares é imenso. Um centímetro cúbico de água, por exemplo, contém, em seus cerca de 100.000 bilhões de bilhões de átomos, mais informação do que todos os livros, textos, computadores e cérebros do nosso planeta, mas a grande maioria desses bits existe em forma randômica, como uma seqüência de jogo de dados.

Toda essa informação, portanto, é inútil e colabora com o princípio da entropia, conhecido como uma tendência universal à desordem e explicaria o funcionamento das máquinas e do corpo humano, que necessitam despender energia residual em forma de calor. Entretanto, escondidas no meio desse “oceano” de informação inútil encontram-se bits que conferem ordem ao caos e revelam a função primordial da vida no universo: separar o joio do trigo, isto é, a grande quantidade de informação sem valor daquela efetivamente útil.

O estudo da evolução da vida é uma prova real dessa tendência, se considerarmos que há cerca de 4 bilhões de anos, os primeiros microorganismos vivos “aprenderam” a separar os bits importantes do mundo que os rodeava. As bactérias desenvolveram mecanismos orgânicos para proteger a vital informação contida em seu código genético dos predadores de calor, por exemplo, e passaram esta informação a seus descendentes através da reprodução. Cabe a nós humanos, todo esse tempo depois, aprender a fazer o mesmo em um nível infinitamente superior, pois enquanto para os antigos a informação tinha que ser procurada e encontrada, para nós, a questão crucial é saber separá-la e organizá-la por valor em meio ao fenomenal volume de dados disponíveis ao toque de um botão do mouse. Antes que nos afoguemos todos neste verdadeiro mar de dados, é preciso lembrar que sempre existe algo de valioso e útil em meio ao lixo e que a avassaladora revolução digital que já assola nossa sociedade está destruindo a verdadeira ciência.

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    é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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