Omissão legislativa

Leia voto sobre prazo para regulamentação de municípios

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12 de maio de 2007, 0h00

Na quarta-feira (9/4), o Supremo Tribunal Federal deu um prazo de dezoito meses para que o Congresso Nacional regulamente uma lei federal que defina o período para a criação de municípios. Se a lei não for aprovada neste prazo, os municípios criados depois de 1996 poderão ser declarados inconstitucionais em dois anos. O relator foi o ministro Gilmar Mendes.

O STF também decidiu por uma declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade para leis estaduais que criaram cidades depois da aprovação da Emenda Constitucional 15, que entrou em vigor em 1996. A Emenda 15 determinou que a criação de novas cidades deve ser feita com base em leis estaduais, mas com regras determinadas por uma lei federal complementar. Até então, as cidades eram criadas apenas com base em leis estaduais.

A ação foi ajuizada pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso contra os presidentes da República e do Congresso Nacional. A Assembléia alegava falta de medida legal para tornar efetiva a Emenda 15.

A lei que fixava essa data foi aprovada pelo Senado, porém vetada pelo presidente Lula em junho de 2003, por suposta inconstitucionalidade. A assembléia sustenta que vários estados sofrem prejuízos pela falta da lei, uma vez que muitas de suas comunidades locais estariam impossibilitadas de se emanciparem.

Por unanimidade, os ministros julgaram procedente a ação para reconhecer a demora do Legislativo. No entanto, o estabelecimento de prazo foi dado por maioria. Foram vencidos os ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence.

Voto de Gilmar Mendes

O ministro iniciou dizendo que a questão envolve o artigo 18, parágrafo 4º, da Constituição. Primeiro argumentou sobre a legitimidade ativa da Assembléia do Mato Grosso para ajuizar tal Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão contra o presidente da República e o Congresso.

“Diante da indefinição existente será inevitável, com base mesmo no princípio de hermenêutica que recomenda a adoção da interpretação que assegure maior eficácia possível à norma constitucional, que os entes ou órgãos legitimados a propor a ação direta contra ato normativo – desde que sejam contempladas as peculiaridades e restrições mencionadas – possam instaurar o controle abstrato da omissão”, anota o ministro.

Gilmar Mendes lembrou que o STF se deparou mais uma vez em com o caso de omissão do legislador. “No Brasil, a ação direta por omissão teve até agora uma aplicação restrita. Menos de uma centena de ações diretas de inconstitucionalidade por omissão foram propostas perante o Supremo Tribunal Federal”.

Depois de lista as ações deste tipo, o ministro afirma que “tal como a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), o processo de controle abstrato da omissão (ADIO) não tem outro escopo senão o da defesa da ordem fundamental contra condutas com ela incompatíveis. Não se destina, pela própria índole, à proteção de situações individuais ou de relações subjetivadas, mas visa precipuamente, à defesa da ordem jurídica. Não se pressupõe, portanto, aqui a configuração de um interesse jurídico específico ou de um interesse de agir”.

O relator afirmou que o Supremo, em diversos julgados, declarou a inconstitucionalidade de leis estaduais posteriores à Emenda 15. Mendes também anotou que a Corte tem considerado que, desencadeado o processo legislativo, não há que se cogitar de omissão inconstitucional do legislador. Mas este não é o caso em questão.

“Não se pode negar, portanto, a existência de notório lapso temporal a demonstrar, à primeira vista, a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da Constituição”, diz o voto.

No caso em questão, o ministro Gilmar Mendes declarou ser possível constatar a omissão inconstitucional contra a efetiva deliberação e aprovação da lei complementar federal, apesar de existir no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando a regulamentação do artigo 18, parágrafo 4º, da Constituição.


“Essas peculiaridades da atividade parlamentar, que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam, todavia, uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa da Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional”, anota o ministro.

Por fim, o ministro Gilmar Mendes considerou que a omissão legislativa inconstitucional produziu efeitos durante longo período, desde a emenda constitucional. Conforme o relator, diante da inexistência da lei complementar federal, vários estados da federação legislaram sobre o tema e diversos municípios foram efetivamente criados ao longo desse período em todo o país.

“Não tenho dúvida, portanto, em admitir que também a inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Assim, pode o Supremo Tribunal Federal reconhecer a mora do legislador em deliberar sobre questão, declarando, assim, a inconstitucionalidade da omissão”.

“Assim sendo, voto no sentido de declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão”, determinou o relator.

No entanto, ele justifica que “não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal (nas demais ADI) para que as leis estaduais que criam ou alteram limites territoriais de municípios continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios”.

ADI 3.316

Leia o Voto

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ajuizada pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, em face do Presidente da República e do Congresso Nacional, em virtude da não elaboração da Lei Complementar a que se refere o § 4o do art. 18 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional no 15/1996.

O referido dispositivo constitucional assim dispõe, verbis:

“Art. 18 (…)

§ 4o A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.”

Sustenta-se, em síntese, que vários Estados estariam sofrendo prejuízos decorrentes da falta da citada norma, uma vez que muitas de suas comunidades locais estariam impossibilitadas de se emancipar e constituir novos municípios. Apenas no Estado do Mato Grosso, haveria mais de 40 comunidades nessa situação. Ressalta-se, ainda, que já se passaram 10 anos desde a edição da EC no 15/1996 e a Lei Complementar Federal ainda não foi elaborada.


Pede-se, ao final, a procedência do pedido para se declarar a inconstitucionalidade por omissão relativamente à edição da Lei Complementar prevista no § 4o do art. 18 da Constituição, cientificando-se as autoridades requeridas para que supram a omissão declarada.

O Presidente da República prestou informações (fls. 81-89) aduzindo as seguintes preliminares: a) ilegitimidade ativa da requerente, pois apenas as Mesas das Assembléias Legislativas, e não propriamente as Assembléias Legislativas, estariam legitimadas para ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade perante o STF; b) ilegitimidade passiva do Presidente da República, que não teria iniciativa legislativa para a matéria em questão; e c) que o Presidente da Assembléia Legislativa precisaria de autorização da Mesa para propor ADI. No mérito, limitou-se a alegar que a Constituição não teria fixado nenhum prazo dentro do qual deva o Presidente apresentar projeto de lei.

O Congresso Nacional, também requerido, apresentou informações (fls. 91-112) suscitando a preliminar, já levantada pelo Presidente da República, de que o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso não apresentou autorização da Mesa desse órgão para propor a presente ADI. No mérito, sustenta a improcedência do pedido.

O Congresso Nacional também alega que o Ofício recebido deste Tribunal para que prestasse informações não veio acompanhado da página 11 (onze) da petição inicial, o que teria prejudicado o direito de manifestação, tendo em vista que não se poderia ter noção do que ali estaria escrito.

Tomando conhecimento da manifestação do Congresso Nacional, neste ponto, analisei os autos e verifiquei que a página 11 (onze) da peça inicial, contudo, contém apenas a continuação da transcrição da extensa ementa do acórdão da ADI 2.381/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2001, o que poderia ser facilmente percebido pelo órgão legislativo, e, dessa forma, não justificaria abertura de novo prazo para a sua manifestação.

A Advocacia-Geral da União apresentou parecer, mas deixou de opinar sobre o mérito da causa, com base na jurisprudência da Corte de que, nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, o pronunciamento da AGU seria prescindível (fls. 114-116).

Por fim, a Procuradoria-Geral da República se manifestou pela procedência do pedido (fls. 118-126).

É o relatório, do qual a Secretaria distribuirá cópia aos demais Ministros desta Corte.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

1. Legitimidade ativa para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

A presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão foi proposta pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, em face da suposta inatividade do legislador quanto ao dever de elaborar a lei complementar federal a que alude o art. 18, § 4o, da Constituição da República.

A primeira questão que deve ser analisada diz respeito à legitimidade ativa da requerente para a propositura da ação, a qual foi contestada pelas informações prestadas pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional (fls. 81-89/91-112).

Todos hão de concordar que, no tocante à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a fórmula escolhida pelo constituinte, já do ponto de vista estritamente formal, não se afigura isenta de críticas. O art. 102 da Constituição, que contém o elenco das competências do Supremo Tribunal Federal, não contempla a ação direta por omissão, limitando-se a mencionar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (art. 102, I, “a”, com redação da Emenda Constitucional nº 03/93).


No artigo 103, caput, fixam-se os entes ou órgãos legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade. Parece evidente que essa disposição refere-se à ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal, prevista no art. 102, I, “a”, já mencionado.

Se tivermos o cuidado de investigar o direito comparado, haveremos de perceber que o constituinte português de 1976 tratou de forma diversa os processos de controle abstrato da ação e da omissão, também no que concerne ao direito de propositura. Enquanto o processo de controle abstrato de normas pode ser instaurado mediante requerimento do Presidente da República, do Presidente da Assembléia, do Primeiro-Ministro, do Provedor da República, de um décimo dos Deputados à Assembléia da República [art. 201, 1, (a)], o processo de controle abstrato de omissão, propriamente dito, somente pode ser instaurado a requerimento do Presidente da República e do Provedor de Justiça (art. 283).

Ressalte-se que a afirmação segundo a qual os órgãos e entes legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, nos termos do art. 103, caput, estariam igualmente legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade por omissão prepara algumas dificuldades. Deve-se notar que, naquele elenco, dispõem de direito de iniciativa legislativa, no plano federal, tanto o Presidente da República, como os integrantes da Mesa do Senado Federal e da Mesa da Câmara do Deputados (CF art. 61).

Assim, salvo nos casos de iniciativa privativa de órgãos de outros poderes, como é o caso do Supremo Tribunal Federal em relação ao Estatuto da Magistratura (art. 93, caput, CF/88) esses órgãos constitucionais não poderiam propor ação de inconstitucionalidade, porque, como responsáveis ou co-responsáveis pelo eventual estado de inconstitucionalidade, seriam eles os destinatários primeiros da ordem judicial de fazer, em caso de procedência da ação.

Todavia, diante da indefinição existente será inevitável, com base mesmo no princípio de hermenêutica que recomenda a adoção da interpretação que assegure maior eficácia possível à norma constitucional, que os entes ou órgãos legitimados a propor a ação direta contra ato normativo – desde que sejam contempladas as peculiaridades e restrições mencionadas – possam instaurar o controle abstrato da omissão.

Não há como deixar de reconhecer, portanto, a legitimidade ativa da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso para propor a presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Quanto às supostas irregularidades formais da representação da Assembléia apontadas pelas informações prestadas pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional, ressalto trecho do cuidadoso parecer elaborado pelo Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza (fl. 119):

“A alegada ilegitimidade ativa do Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Mato Grosso, decorrente de não haver nos autos deliberação da Mesa daquele colegiado dando-lhe poder para ajuizar a presente ação direta, bate-se com a presunção de legitimidade que acompanha a iniciativa. Entre forma e substância, havemos de a esta preferir sempre que, na dúvida entre ambas, seja o meio adequado para atingir a finalidade do instituto jurídico. O princípio da supremacia da Constituição é o objetivo das ações de fiscalização abstrata de constitucionalidade, havendo de nortear a exegese.”

De toda forma, a petição inicial está devidamente instruída com cópia do art. 24 da Constituição estadual, que, em seu § 1o, dispõe que “o Presidente representará a Assembléia Legislativa em Juízo e fora dele e presidirá as sessões plenárias e as reuniões da Mesa do Colégio de Líderes”.

Assim, não há óbices de ordem formal ao pleno conhecimento da presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão.


2. O controle de constitucionalidade da omissão legislativa no direito brasileiro

O Supremo Tribunal Federal se depara neste julgamento com mais um interessante caso de inatividade do legislador quanto à regulamentação de norma constitucional, na espécie, do § 4o do art. 18 da Constituição de 1988, com a redação que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional n° 15/96.

É possível que a problemática atinente à inconstitucionalidade por omissão constitua um dos mais tormentosos e, ao mesmo tempo, um dos mais fascinantes temas do Direito Constitucional moderno. Ela envolve não só o problema concernente à concretização da Constituição pelo legislador e todas as questões atinentes à eficácia das normas constitucionais. Ela desafia também a argúcia do jurista na solução do problema sob uma perspectiva estrita do processo constitucional. Quando se pode afirmar a caracterização de uma lacuna inconstitucional? Quais as possibilidades de colmatação dessa lacuna? Qual a eficácia do pronunciamento da Corte Constitucional que afirma a inconstitucionalidade por omissão do legislador? Quais as conseqüências jurídicas da sentença que afirma a inconstitucionalidade por omissão? Essas e outras indagações desafiam a dogmática jurídica aqui e alhures.

O constituinte de 1988 emprestou significado ímpar ao controle de constitucionalidade da omissão com a instituição dos processos de mandado de injunção e da ação direta da inconstitucionalidade da omissão. Como essas inovações não foram precedidas de estudos criteriosos e de reflexões mais aprofundadas, afigura-se compreensível o clima de insegurança e perplexidade que elas acabaram por suscitar nos primeiros tempos.

É, todavia, salutar o esforço que se vem desenvolvendo, no Brasil, para descobrir o significado, o conteúdo, a natureza desses institutos. Todos os que, tópica ou sistematicamente, já se depararam com uma ou outra questão atinente à omissão inconstitucional, hão de ter percebido que a problemática é de transcendental importância não apenas para a realização de diferenciadas e legítimas pretensões individuais. Ela é fundamental, sobretudo, para a concretização da Constituição como um todo, isto é, para a realização do próprio Estado de Direito Democrático, fundado na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, da iniciativa privada, e no pluralismo político, tal como estabelecido no art. 1º da Carta Magna. Assinale-se, outrossim, que o estudo da omissão inconstitucional é indissociável do estudo sobre a força normativa da Constituição.

Não obstante o esforço da doutrina e da jurisprudência, muitas questões sobre a omissão inconstitucional continuam em aberto, ou parecem não ter encontrado, ainda, uma resposta adequada. Sem querer arriscar uma profecia, pode-se afirmar, com certa margem de segurança, que elas hão de continuar sem uma resposta satisfatória ainda por algum tempo!

Esse estado de incerteza decorre, em parte, do desenvolvimento relativamente recente de uma "Teoria da omissão inconstitucional". Aqueles que quiserem se aprofundar no exame do tema perceberão que o seu estudo sistemático constituía, até muito pouco tempo, monopólio da dogmática constitucional alemã. Esse aspecto contribuiu, sem dúvida, para que a questão fosse tratada, inicialmente, como quase uma excentricidade do modelo constitucional desenvolvido a partir da promulgação da Lei Fundamental de Bonn.

Observe-se, contudo, que o reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão configura fenômeno relativamente recente, também na dogmática jurídica alemã.

Em 1911, ressaltava Kelsen que a configuração de um dever do Estado de editar determinada lei afigurava-se inadmissível[1]. Anteriormente, reconhecera Georg Jellinek que a impossibilidade de formular pretensão em face do legislador constituía communis opinio[2]. Sob o império da Constituição de Weimar (1919) negava-se, igualmente, a possibilidade de se formular qualquer pretensão contra o legislador. Esse entendimento assentava-se, de um lado, na idéia de uma irrestrita liberdade legislativa e, de outro, na convicção de que o legislador somente atuava no interesse da coletividade[3].


Essa concepção sofreu significativa mudança com o advento da Lei Fundamental de 1949. A expressa vinculação do legislador aos direitos fundamentais (art. 1º par. 3º) e à Constituição como um todo (art. 20, III) estava a exigir o desenvolvimento de uma nova concepção. Já em 1951 passa a doutrina a admitir, pela voz eloqüente de Bachof, a possibilidade de responsabilização do Estado em virtude de ato de índole normativa[4], caracterizando uma ruptura com o entendimento até então vigente, baseado na própria jurisprudência do Reichsgericht[5]. Bachof rejeitava, porém, uma pretensão à edição de uma lei por entender que isso seria incompatível com o princípio da divisão de poderes[6].

A Corte Constitucional alemã viu-se compelida a arrostar questão atinente à omissão do legislador logo no seu primeiro ano de atividade.

Na decisão de 19.12.1951, o Tribunal negou a admissibilidade de recurso constitucional contra a omissão do legislador, que, segundo alegado, fixara a pensão previdenciária em valor insuficiente para a satisfação das necessidades básicas de uma família. Segundo o entendimento então esposado pelo Tribunal, os postulados contidos na Lei Fundamental não asseguravam ao cidadão, em princípio, qualquer pretensão a uma atividade legislativa suscetível de ser perseguida mediante recurso constitucional[7].

As decisões proferidas em 20.2.1957 e em 11.6.1958 estavam a sinalizar a evolução jurisprudencial que haveria de ocorrer. Na primeira decisão, proferida em processo de recurso constitucional, a Corte Constitucional alemã admitiu, expressamente, o cabimento de medida judicial contra omissão parcial do legislador, reconhecendo que, ao contemplar determinado grupo ou segmento no âmbito de aplicação de uma norma, o legislador poderia atentar contra o princípio da isonomia, cumprindo, de forma defeituosa, dever constitucional de legislar[8]. Na decisão de 11.6.1958, também proferida em recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde)[9] impetrado contra lei federal, que fixava a remuneração de funcionários públicos, a Corte declarou que, embora não estivesse legitimada a fixar os vencimentos de funcionários públicos, dispunha ela de elementos suficientes para constatar que, em virtude da alteração do custo de vida, os valores estabelecidos na referida lei não mais correspondiam aos parâmetros mínimos exigidos pelo art. 33 (5) da Lei Fundamental[10]. Não se declarou aqui a nulidade do ato normativo , até porque uma cassação agravaria ainda mais o estado de inconstitucionalidade. O Tribunal limitou-se a constatar a ofensa a direito constitucional dos impetrantes, em virtude da omissão legislativa.

Portanto, a jurisprudência da Corte Constitucional alemã identificou, muito cedo, que configura a omissão inconstitucional não só o inadimplemento absoluto de um dever de legislar (omissão total), mas também a execução falha, defeituosa ou incompleta desse mesmo dever (omissão parcial) (Teilunterlassung). Assentou-se, igualmente, que a lacuna inconstitucional poderia decorrer de uma mudança nas relações fáticas, configurando para o legislador imediato dever de adequação.

A identificação da omissão inconstitucional do legislador, no juízo de constitucionalidade, tornava imperioso o desenvolvimento de novas técnicas de decisão, que se afigurassem adequadas a eliminar do ordenamento jurídico essa peculiar forma de afronta à Constituição, sem violentar a própria sistemática constitucional consagrada na Lei Fundamental. A Corte Constitucional recusou, de plano, a possibilidade de substituir-se ao legislador na colmatação das lacunas eventualmente identificadas, entendendo que a tarefa de concretização da Constituição foi confiada, primordialmente, ao legislador. Assim, tanto o princípio da divisão de poderes, quanto o postulado da democracia obstavam a que os Tribunais se arrogassem ao direito de suprir lacunas eventualmente identificadas.


Essa orientação fez com que o Tribunal desenvolvesse, como técnica de decisão aplicável aos casos de lacuna inconstitucional, a declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade (Unvereinbarerklärung). Trata-se de decisão de caráter mandamental, que obriga o legislador a suprimir, com a possível presteza, o estado de inconstitucionalidade decorrente da omissão[11]. Essa forma de decisão, construída pela jurisprudência, foi incorporada à Lei que disciplina o processo perante a Corte Constitucional.

Outra técnica de decisão, desenvolvida, sobretudo, para os casos de omissão inconstitucional, é o apelo ao legislador (Appellentscheidung), decisão na qual se afirma que a situação jurídica em apreço ainda se afigura constitucional, devendo o legislador empreender as medidas requeridas para evitar a consolidação de um estado de inconstitucionalidade. Essa técnica de decisão assumiu relevância ímpar nos casos da legislação pré-constitucional incompatível com a Lei Fundamental. A cassação dessas leis pré-constitucionais poderia levar, em muitos casos, a uma situação de autêntico caos jurídico. Daí ter a Corte Constitucional reconhecido que o legislador haveria de dispor de um prazo razoável para adaptar o direito ordinário à nova ordem constitucional, reconhecendo como "ainda constitucional" o direito anterior, que deveria ser aplicado nessa fase de transição. A doutrina constitucional mais moderna considera que o apelo ao legislador (Appellentscheidung) configura apenas uma decisão de rejeição de inconstitucionalidade, caracterizando-se essa recomendação dirigida ao legislador como simples obiter dictum[12]. Essa qualificação não retira a eficácia desse pronunciamento, não havendo, até agora, registro de qualquer caso de recalcitrância ou de recusa do legislador no cumprimento de dever constitucional de legislar.

No Brasil, a ação direta por omissão teve até agora uma aplicação restrita. Menos de uma centena de ações diretas de inconstitucionalidade por omissão foram propostas perante o Supremo Tribunal Federal[13], como se pode verificar no quadro adiante:

AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

ADI nº

Objeto

Parâmetro de Controle

01

19/AL

Aplicação de teto de remuneração para servidor estadual

CF, arts. 37, XI, XII; 39, § 1º.

02

0022/DF

Lei n. 4.215/63 (Estatuto da OAB).

03

0023/SP

Isonomia de vencimentos dos Delegados de Polícia de carreira com outras carreiras jurídicas.

CF, art. 241.

04

0031/DF

Convênio ICM n. 66/88.

ADCT, art. 40

05

0033/DF

Convênio ICM n. 66/88, art. 3º, § 1º, § 2º e § 3º.

CF, art. 155, X, a.

ADCT, art. 34, § 8º.

06

0130/DF

Organização e funcionamento da Advocacia-Geral da União

ADCT, art. 29, § 1º.

07

0206/DF

Organização da seguridade social e dos planos de custeio r benefício.

ADCT, art. 59.

08

0267/DF

Elevação da representação do Estado de São Paulo para 70 deputados.

CF, art. 45, § 1º.

09

0296/DF

Instituição do sistema de carreira do serviço civil da União.

CF, art. 39 e §§.

10

0297/DF

Revisão do cálculo de aposentadorias e pensões de servidores públicos.

ADCT, art. 20.

11

0336/SE

Vários dispositivos da Constituição

do Estado de Sergipe.Intervenção do Estado nos municípios; Remunerações de servidores e magistrados.

CF, arts. 37, I, II, X, XIII; 39, § 1º; 41; 48, X; 61, II, a; 167, IV.

12

0343/DF

Erradicação do analfabetismo e incentivo ao ensino fundamental obrigatório e gratuito – Lei n. 7.999/90.

ADCT, art. 60.

13

0361/DF

Regulamentação da Lei n. 7.990/89.

CF, art. 20, § 1º.

14

0443/MG

Equiparação de índices de reajuste entre funcionários públicos civis e militares – Lei n. 10.364/90/MG.

CF, art. 37, X.

15

0477/DF

Fixação do salário mínimo – Lei n. 8.178/91.

CF, art. 7º, IV.

16

0480/DF

Vinculação dos benefícios da Previdência Social ao salário mínimo.

ADCT, art. 59.

17

0529/DF

Remuneração dos servidores públicos civis e militares da União – Medida Provisória n. 296, arts. 1º , 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º.

CF, arts. 37, X; 39, § 1º.

18

0535/DF

Erradicação do analfabetismo e incentivo ao ensino fundamental obrigatório e gratuito – Lei n. 8.175/91.

ADCT, art. 60.

19

0607/DF

Organização da Seguridade Social e instituição do Plano de Custeio e de Benefícios da Previdência Social – Lei n. 8.212/91 e 8.213/91.

ADCT, art. 59.

20

0635/RS

Isonomia de vencimentos entre os Auditores de Finanças Públicas e os Fiscais de Tributos Estaduais. Constituição/RS, art. 31.

CF, art. 39, § 1º.

21

0652/MA

Diversos dispositivos da Lei Complementar n. 010/91/MA.

CF, art. 18, § 4º.

22

0713/RJ

Omissão na sanção e intempestiva de veto aposto por Governador de Estado na Lei n. 1.057/86/RJ.

CF, arts. 34, VI, VII; 36, I, § 3º; 66, §§ 1º, 3º.

23

0720/RJ

Omissão na sanção e intempestiva de veto aposto por Governador de Estado na Lei n. 1.057/86/RJ.

CF, arts. 34, VI, VII; 36, I, § 3º; 66, §§ 1º, 3º.

24

0799/DF

Lei n. 7.719/89.

CF, art. 39, § 1º.

25

0823/DF

Demarcação de terras indígenas pela FUNAI, cujo o orçamento depende de lei orçamentária anual e créditos suplementares ou especiais.

CF, art. 231, caput, parte final.

ADCT, art. 67.

26

0877/DF

Implantação da seguridade social e respectivos planos de custeio.

CF, arts. 203, V; 204.

ADCT, art. 59.

27

0889/DF

Aproveitamento dos censores federais.

CF, art. 61, § 1º, II, a, c, e.

ADCT, art. 23, parágrafo único.

28

0986/DF

Portaria n. 699/93 do Ministério da Fazenda.

CF, art. 150, VI, d.

29

0989/MT

Constituição/MT, art. 147, § 2º, § 3º e § 4º.

CF, arts. 5º, caput; 37, caput, XV.

30

1177/DF

Normas regulamentadoras do processamento de dados lotéricos.

CF, art. 21, XI.

31

1338/DF

Estruturação da polícia rodoviária federal.

CF, art. 144, § 2º.

32

1387/DF

Medida Provisória n. 1.184/95, art. 1º.

Medida Provisória reeditada sob os ns. 1.547-30/97 e 1.547-31.

CF, art. 39, § 1º.

33

1458/DF

Medida Provisória n. 1.415/96, art. 1º.

Medida Provisória reeditada sob o n. 1.463 e reeditada sob os ns. 1.463-2, 1.463-3 e 1.463-4, todas de 1996.

CF, art. 7º, IV.

34

1466/DF

Revisão geral de vencimentos, soldos e proventos de servidores públicos civis e militares e seus inativos e pensionistas.

CF, arts. 7º, VI; 37, X, XII, XV; 39, parágrafo 2º; 194, IV.

35

1468/DF

Medida Provisória n. 1.463/96, arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 10 .

Medida provisória n. 1.440/96, art. 8º, § 1º, § 2º, § 3º.

Medidas Provisórias reeditadas sob o n. 1.463-2/96, e ns. 1.488/96 e 1.488-13/96.

Medidas Provisórias reeditadas sob o n. 1.463-3/96, e ns. 1.488-14/96.

CF, arts. 5º, XXXVI; 7º, IV; 194, parágrafo único, IV; 195, § 6º; 201, § 2º; 202.

36

1484/DF

Lei n. 9.295/96.

CF, art. 21, XI; 173, § 4º; 220, § 5º.

37

1495/DF

Resolução n. 2.303/96.

CF, arts. 5º, XXXII; 170, V; 174.

38

1638/DF

Lacração de estação de serviço de radiodifusão sonora FM pela Delegacia Regional do Ministério das Comunicações do RJ.

CF, art. 215, § 1º, § 2º.

39

1698/DF

Erradicação do analfabetismo e incentivo ao ensino fundamental obrigatório e gratuito.

CF, arts. 6º; 23, V; 208, I; 214.

40

1810/DF

Norma regulamentadora para o transporte alternativo complementar por vans e congêneres.

CF, art. 193.

41

1820/DF

Medida Provisória n. 1.652-42/98, art. 1º, parágrafo único.

Medida Provisória reeditada sob o n. 1.652-43/98.

Lei n. 9.641/98, conversão em lei da MP 1.652-43.

CF, art. 39, § 1º.

42

1830/DF

Medida Provisória n. 1.656/98, art. 1º, parágrafo único.

CF, arts. 7º, IV; 201, § 2º.

43

1836/SP

Isonomia de vencimentos entre as carreiras de Advogado do Estado, Defensores Públicos e Delegados de Polícia.

CF, art, 241.

44

1877/DF

Medida Provisória n. 1.663-12/98, arts. 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 28.

CF, arts. 7º, IV; 194, IV; 201, § 2º; 202.

45

1987/DF

Normas sobre o critério de rateio do Fundo de Participação dos Estados.

CF, art. 161, II.

46

1996/DF

Medida Provisória n. 1.824/99, arts. 1º, parágrafo único, 2º, 3º, 4º.

Medidas Provisórias reeditada sob os ns. 1.824-01, 1.824-02, 1.824-03, 1.824-05, todas de 1999.

CF, arts. 7º, IV; 14 (EC-20); 68, § 1º; 201, §§ 2º, 3º, 4º.

47

2017/DF

Competência do Poder Executivo para apresentar projeto de lei complementar ao Congresso Nacional (Finanças Públicas).

CF, art. 163.

EC n. 19, art. 30.

48

2061/DF

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União.

CF, art. 37, X (EC-19).

49

2076/AC

Preâmbulo da Constituição/AC.

ADCT, art. 11.

50

2140/RO

Lei Complementar n. 096/99.

CF, arts. 37; 39; 48, X; 61, § 1º, II, a; 84, XXV; 169, § 3º, I, II, § 6º.

51

2154/DF

Lei n. 9.688/99, arts. 26, parte final, e 27.

CF, arts. 5º, I, II, XXXV; 102, j.

52

2162/DF

Medida Provisória n. 1.933-10/2000, arts. 1º ao 5º.

CF, arts. 5º, XXXVI; 6º, 7º, IV; 194, IV; 195, § 6º; 201, § 2º; 202.

53

2205/SP

Projeto de lei para a revisão anual da remuneração de servidores públicos estaduais.

CF, art. 37, X (EC-19).

54

2318/SE

Projeto de lei relativo a reajuste de vencimentos de servidores estaduais.

CF, art. 37, X, c/c art. 96, II, b.

55

2368/DF

Projeto de lei relativo à revisão anual da remuneração dos servidores da Justiça trabalhista.

CF, art. 37, caput, X.

56

2445/DF

Projeto de lei para revisão da remuneração dos servidores da União.

CF, art. 37, X (EC-19).

57

2481/RS

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, art. 37, X.

58

2486/RJ

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 22, parágrafo único, I; 25; 37, X; 169, § 1º.

59

2490/PE

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

60

2491/GO

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

61

2492/SP

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

62

2493/PR

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

63

2495/SC

Projeto de lei sobre a revisão geral anual da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

64

2496/MS

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

65

2497/RN

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

66

2498/ES

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

67

2503/MA

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

68

2504/MG

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais

CF, arts. 25; 37, X.

69

2505/BA

Projeto de lei para a revisão da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

70

2506/CE

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

71

2507/AL

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

72

2508/PA

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

73

2509/AM

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

74

2510/AP

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

75

2511/PB

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

76

2512/MT

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

77

2516/AC

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

78

2517/SE

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

79

2518/RO

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

80

2519/RR

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

81

2520/PI

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

82

2523/BA

Lei n. 6.677/94, art. 258.

CF, arts. 25; 37, X.

83

2524/TO

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

CF, arts. 25; 37, X.

84

2525/DF

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores distritais.

CF, arts. 25; 37, X.

85

2537/SE

Elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores distritais

CF, arts. 25; 37, X.

86

2557/MS

Projeto de lei de revisão geral anual da remuneração de servidores do Judiciário estadual.

CF, art. 37, X.

87

2563/DF

Fixação de subsídio de Ministro do STF e implantação de teto remuneratório estadual.

CF, art. 37, XI (EC-19).

88

2634/DF

Medida Provisória n. 1.911/99.

CF, art. 194, VII (EC-20).

89

2740/AM

Constituição/AM, art. 109, VIII.

CF, art. 37, X.

90

2778/MG

Constituição/MG, arts. 141 c/c 136, I; 139.

CF, art. 144, § 4º, § 6º.

91

3276/CE

Constituição/CE, arts. 71, § 2º, I, II; 79, § 2º, II, c (EC-54).

CF, arts. 73, § 2º, I; 75.

92

3302/MS

Revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos.

CF, art. 37, X (EC-19).

93

3303/DF

Lei n. 10.331/01, art. 1º.

CF, arts. 37, X; 61, § 1º, II, a.

94

3364/RJ

Lei n. 3.893/02, art. 5º, § 1º, I, II.

CF, art. 39, § 1º.

95

3575/DF

Remuneração dos advogados federais, integrantes da Advocacia-Geral da União.

CF, art. 135.

96

3622/DF

Implantação da Defensoria Pública da União.

CF, arts. 5º, LXXXVI; 134.

97

3682/MT

Criação de município.

CF, art. 18, § 4º (EC-15).


Dados obtidos nas bases do STF. Atualizado em janeiro de 2007

Tal como a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), o processo de controle abstrato da omissão (ADIO) não tem outro escopo senão o da defesa da ordem fundamental contra condutas com ela incompatíveis. Não se destina, pela própria índole, à proteção de situações individuais ou de relações subjetivadas, mas visa precipuamente, à defesa da ordem jurídica. Não se pressupõe, portanto, aqui a configuração de um interesse jurídico específico ou de um interesse de agir. Os órgãos ou entes incumbidos de instaurar esse processo de defesa da ordem jurídica agem não como autor, no sentido estritamente processual, mas como um Advogado do Interesse Público ou, para usar a expressão de Kelsen, como um advogado da Constituição[14]. O direito de instaurar o processo de controle não lhes foi outorgado tendo em vista a defesa de posições subjetivas. Afigura-se suficiente, portanto, a configuração de um interesse público de controle. Tem-se aqui, pois, para usarmos a denominação usada por Triepel[15] e adotada pela Corte Constitucional alemã, típico processo objetivo[16].

Ressalte-se que, a despeito do entendimento quanto à natureza diversa da ação direta de inconstitucionalidade e da ação direta por omissão, pelo menos quanto ao resultado, o Supremo Tribunal Federal não distingue os institutos no que concerne à sua autonomia processual, contemplando a ação direta por omissão na mesma lista numérica das ações diretas em geral (cf. art. 102, I, “a”, da CF/88 e Resolução nº 230/2002 do STF). Daí a dificuldade para o estudioso de identificar até mesmo o número de ações diretas por omissão já propostas. Ocorre aqui fenômeno assemelhado ao verificado com a representação interventiva e a representação por inconstitucionalidade (controle abstrato) sob a Constituição de 1967/69, que acabou por não distinguir a representação de inconstitucionalidade da representação interventiva.

3. A omissão legislativa inconstitucional quanto à elaboração da lei complementar federal prevista no § 4o do art. 18 da Constituição

O Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento segundo o qual o art. 18, § 4o, da Constituição da República, com a redação determinada pela EC n° 15/96, é norma de eficácia limitada[17], dependente, portanto, da atuação legislativa no sentido da feitura da lei complementar nele referida para produzir plenos efeitos. Ainda que despida de eficácia plena, consignou-se que tal norma constitucional teria o condão de inviabilizar a instauração de processos tendentes à criação de novas municipalidades, até o advento da referida lei complementar federal. Assim, com base nessas premissas, o Tribunal, em diversos julgados, declarou a inconstitucionalidade de leis estaduais, posteriores à EC n° 15/96, instituidoras de novos municípios, por ausência da lei complementar federal prevista pelo art. 18, § 4o, da Constituição (ADI-MC n° 2.381/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2001; ADI n° 3.149/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 1.4.2005; ADI n° 2.702/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 6.2.2004; ADI n° 2.967/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.3.2004; ADI n° 2.632/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 12.3.2004).

A Emenda Constitucional n° 15, de 1996, como todos sabem, foi elaborada com o conhecido intuito de colocar um ponto final na crescente proliferação de municípios observada no período pós-88. A redação original do art. 18, § 4o, da Constituição, criava condições muito propícias para que os Estados desencadeassem o processo de criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, por leis próprias, respeitados parâmetros mínimos definidos em lei complementar, também estadual.


A Justificação apresentada na Proposta de Emenda à Constituição n° 22, de 1996, no Senado Federal, esclarece os motivos da mudança constitucional (fl. 55):

“O aparecimento de um número elevado de municípios novos, no País, tem chamado atenção para o caráter essencialmente eleitoreiro que envolve suas criações, fato este lamentável. Ao determinar a responsabilidade da criação de municípios aos Estados, a Constituição Federal considerou corretamente as particularidades regionais a que devem obedecer os requisitos para a criação de municípios.

Contudo, o texto do § 4o do art. 18 não apresentou as restrições necessárias ao consentimento dos abusos, hoje observado, e que não levam em conta os aspectos mais relevantes para a criação ou não de novos municípios.

A determinação, no mesmo parágrafo, de que ficarão preservadas a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano deixa muito a desejar, por constituir uma condição nem precisa, nem objetiva.

Aceitamos que, para dispor mais objetivamente sobre a questão, a Constituição Federal deveria ser mais incisiva na determinação de condições capazes de evitar, ao máximo, distorções que ameacem a transparência e o amadurecimento da decisão técnica e política.

Assim, nesta proposta de emenda à Constituição, estamos incluindo dois elementos, a nosso ver, muito importantes. Primeiro, o período em que poderão ser criados os municípios, que deverá ser limitado com relação à época das eleições municipais. Este período será determinado por lei complementar federal.

Segundo, a apresentação e publicação, na forma da lei, dos Estudos de Viabilidade Municipal, os quais deverão dar o necessário embasamento, sob diferentes perspectivas, à decisão da população, manifesta em plebiscito.”

A Emenda Constitucional foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios.

Não se pode negar, portanto, a existência de notório lapso temporal a demonstrar, à primeira vista, a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da Constituição.

Em parecer rigoroso e analítico, o Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, após estudar as condições em que inatividade do legislador configura a omissão inconstitucional, assim analisa o presente caso:


“23. No caso presente, o artigo 18, § 4º, com a redação dada pela Emenda Constituição n. 15/1996, está a exigir a edição da Lei Complementar Federal, que fixe o período determinado para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios. A inviabilidade de concretização do preceito diante da ausência do ato normativo, por longos dez anos, tempo mais do que suficiente para que o Congresso Nacional o aprovasse, fere a Constituição, em sua literalidade e espírito.

24. Observemos ainda que o silêncio do legislador federal termina por comprometer a autonomia das entidades federativas estaduais e municipais, incapacitadas que ficam de organizar adequada e convenientemente a distribuição do poder político-administrativo nos respectivos territórios.

25. O federalismo se diferencia das outras formas de estado exatamente por garantir, por meio da Constituição, esferas de autoconformação, inclusive territorial, aos entes federados. O Brasil, como sabemos, é um federalismo tripartite ou de três níveis, assim como a Bélgica, embora, evidentemente, sob outras razões, por ter destacado os municípios como partes disjuntivas da federação.

26. Pois bem, a lei complementar federal ainda por fazer-se é imprescindível para que se adotem todas as providências necessárias à criação de municipalidades que demonstrem viabilidade econômico-­financeira e o desejo da população em emancipar-se.

27. A inicial, aliás, relata a paralisia dos Estados, por ausência da mencionada lei, para dar continuidade a processos de emancipação de diversos municípios, atendendo a anseios de seus moradores. É certo que o período pós 1988 foi pródigo em desmembramentos de unidades municipais incapazes do auto-sustento. Sem embargo, não se pode corrigir esse vício passado com outro vício, agora, de inanição constitucional. Até por que a EC n. 15/1996 criou garantias contra a inflação municipalizante, neutralizando surtos emancipacionistas como o vivido.

28. Em situações assim é mais do que recomendável a intervençao judiciária, como forma de chamar a atenção dos representantes do povo para o problema. São eles, os representantes do povo, que, no dizer de José Adércio L. Sampaio, têm primazia na “função político-constitucional de densificação em normas do significado" do federalismo, por obterem legitimidade nas umas:"são eles que detêm o poder, conferido, é verdade, sob reservas, de fazer a maquinaria constitucional funcionar. E é exatamente essa reserva que permite a atuação do Judiciário nos excessos ou nas omissões, nos desvarios da política.”

29. Adicionalmente, devemos lembrar que a inércia legislativa está a impedir que a soberania popular, base de todo poder (art. 1°, § único, CF), se expresse pelos canais plebiscitários num sentido ou noutro da reorganização municipal.

30. Soma-se, portanto, a ausência de lei constitucionalmente exigida para desenvolvimento jusnormativo por tempo mais do razoável para o adimplemento, com a desconsideração do princípio federativo e da soberania popular para definir a gravidade do quadro de inconstitucionalidade retratado nos autos.

Ante o exposto, o parecer é pela procedência do pedido formulado na inicial para que seja declarada a inconstitucionalidade por omissão.”

Não obstante, ressalto que os dados fáticos da inexistência do ato normativo em referência e do extenso lapso temporal podem não ser suficientes para a configuração da omissão legislativa inconstitucional.

Desde a promulgação da EC n° 15/96, não se pode falar exatamente em uma total inércia legislativa, visto que vários projetos de lei complementar foram apresentados e discutidos no âmbito das casas legislativas. O primeiro deles, o Projeto de Lei Complementar n° 130, foi apresentado em 21 de novembro de 1996, portanto, apenas dois meses após a publicação da EC n° 15/96, em 13 de setembro de 1996. Posteriormente, foram apresentados os seguintes projetos de lei complementar visando à regulamentação o art. 18, § 4º da Constituição: PLP 138/1996, PLP 151/1997, PLP 39/1999, PLP 87/1999, PLP 170/2000, PLP 227/2001, PLP 273/2001, PLP 6/2003, PLP 78/2003, PLP 90/2003, PLP 286/2005[18].


O Projeto de Lei Complementar n° 41, de 2003, do Senado Federal, chegou a ser aprovado, porém foi posteriormente vetado pelo Presidente da República, por meio da Mensagem n° 289, de 30 de junho de 2003.

Desde então, o Congresso Nacional não voltou a apreciar o tema. Em setembro de 2006, completou-se dez anos de vigência da EC n° 15/96, sem que a lei complementar federal nela referida tenha sido editada.

Assim, questão que ainda está a merecer melhor exame diz respeito à inertia deliberandi (discussão e votação) no âmbito das Casas Legislativas[19]. Enquanto a sanção e o veto estão disciplinados, de forma relativamente precisa, no texto constitucional, inclusive no que concerne a prazos (art. 66), a deliberação não mereceu do constituinte, no tocante a esse aspecto, uma disciplina mais minuciosa. Ressalvada a hipótese de utilização do procedimento abreviado previsto no art. 64, §§ 1º e 2º, da Constituição, não se estabeleceram prazos para a apreciação dos projetos de lei. Observe-se que, mesmo nos casos desse procedimento abreviado não há garantia quanto à aprovação dentro de determinado prazo, uma vez que o modelo de processo legislativo estabelecido pela Constituição não contempla a aprovação por decurso de prazo.

Quid juris, então, se os órgãos legislativos não deliberarem dentro de um prazo razoável sobre projeto de lei em tramitação? Ter-se-ia aqui uma omissão passível de vir a ser considerada morosa no processo de controle abstrato da omissão?

O Supremo Tribunal Federal tem considerado que, desencadeado o processo legislativo, não há que se cogitar de omissão inconstitucional do legislador[20].

Essa orientação há de ser adotada com temperamento.

A complexidade de algumas obras legislativas não permite que elas sejam concluídas em prazo exíguo. O próprio constituinte houve por bem excluir do procedimento abreviado os projetos de código (CF, art. 64, § 4º), reconhecendo expressamente que obra dessa envergadura não poderia ser realizada de afogadilho. Haverá trabalhos legislativos de igual ou maior complexidade. Não se deve olvidar, outrossim, que as atividades parlamentares são caracterizadas por veementes discussões e difíceis negociações, que decorrem mesmo do processo democrático e do pluralismo político reconhecido e consagrado pela ordem constitucional (art. 1º, caput, e inciso I). Orlando Bitar, distinguindo os Poderes, dizia que o Legislativo é intermitente, o Executivo, permanente e o Judiciário só age provocado. Ou seja, o Legislativo pode parar por algum tempo, isto é, entrar em recesso.

Essas peculiaridades da atividade parlamentar, que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam, todavia, uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa da Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional.

Não tenho dúvida, portanto, em admitir que também a inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Assim, pode o Supremo Tribunal Federal reconhecer a mora do legislador em deliberar sobre questão, declarando, assim, a inconstitucionalidade da omissão.

No caso em questão, apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível, sim, constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar federal em referência.


A omissão inconstitucional torna-se bastante clara se voltarmos os olhos para a pletora de municípios criados mesmo após o advento da EC n° 15/96, com base em requisitos definidos em antigas legislações estaduais, alguns declarados inconstitucionais por esta Corte (ADI-MC n° 2.381/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2001; ADI n° 3.149/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 1.4.2005; ADI n° 2.702/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 6.2.2004; ADI n° 2.967/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.3.2004; ADI n° 2.632/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 12.3.2004); uma realidade quase que imposta por um modelo que, adotado pela EC n° 15/96, ainda não foi implementado em toda sua plenitude devido à inexistência da lei complementar federal a que alude o referido preceito constitucional.

A deficiência do modelo devido à omissão inconstitucional do legislador foi bem demonstrada pelo Ministro Eros Grau em voto proferido na ADI 2.240/BA, do qual extraio os seguintes trechos:

“Aqui — repito — estamos diante de uma situação excepcional. A exceção manifesta-se inicialmente em razão de omissão do Poder Legislativo, omissão que impede, desde a promulgação da Emenda Constitucional n. 15, em 12 de setembro de 1.996, a criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios. Essa omissão consubstancia uma moléstia do sistema, um desvio do seu estado normal, como passo a demonstrar.

A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (art. 1o da Constituição do Brasil). Assim, observado o disposto no § 4o do artigo 18 da Constituição do Brasil e a lei complementar nele mencionada, a decisão política que envolva a criação de um Município poderia, se existente a lei complementar, ser tomada. A omissão do Congresso Nacional impede, no entanto, que essa decisão, de caráter político, seja afirmada.

Essa omissão opera no sentido de como que transferir parcela de função constituinte ao Poder Legislativo — o que é inadmissível — eis que inviabiliza o que a Constituição autoriza, a criação de um novo Município. A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional.”

Assim, não vejo como não reconhecer a omissão inconstitucional do legislador diante do dever de legislar imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição da República, com a redação conferida pela EC n° 15/96.

4. Decisão

O Supremo Tribunal Federal deixou assente, na decisão proferida no Mandado de Injunção nº 107, da relatoria do Ministro Moreira Alves, que a Corte deve limitar-se, nesses processos, a declarar a configuração da omissão inconstitucional, determinando, assim, que o legislador empreenda a colmatação da lacuna. Tal como a decisão proferida na ação direta por omissão, a decisão tem, para o legislador, caráter obrigatório. Ambos os instrumentos buscam a expedição de uma ordem judicial ao legislador, configurando o chamado "Anordnungsklagerecht" ("ação mandamen­tal")[21] de que falava Goldschmidt[22]. Assim, abstraídos os casos de construção jurisprudencial admissível[23] e de pronúncia de nulidade parcial que amplie o âmbito de aplicação da norma[24], deveria o Tribunal limitar-se, por razões de ordem jurídico-funcional, a constatar a declaração de inconstitucionalidade da omissão do legislador[25].


No mesmo sentido, afirmou a Corte Constitucional alemã, já no começo de sua judicatura, que não estava autorizada a proferir, fora do âmbito da regra geral, uma decisão para o caso concreto, ou de determinar qual norma geral haveria de ser editada pelo legislador[26]. Também o Supremo Tribunal Federal deixou assente, na decisão proferida no Mandado de Injunção nº 107, que a Corte não está autorizada a expedir a uma norma para o caso concreto ou a editar norma geral e abstrata, uma vez que tal conduta não se compatibiliza com os princípios constitucionais da democracia e da divisão de poderes[27].

Como ressaltado, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão – assim como o mandado de injunção – pode ter como objeto tanto a omissão total, absoluta, do legislador, quanto a omissão parcial, ou o cumprimento incompleto ou defeituoso de dever constitucional de legislar. Caso reconheça a existência de omissão morosa do legislador, o Tribunal haverá de declarar a inconstitucionalidade da omissão, devendo, nos termos da Constituição (art. 103, § 2º), dar ciência da decisão ao órgão ou aos órgãos cujo comportamento moroso se censura para que empreendam as medidas necessárias.

Nos casos de omissão dos órgãos administrativos que interfira na efetividade de norma constitucional, determinar-se-á que a Administração empreenda as medidas necessárias ao cumprimento da vontade constitucional, devendo verificar-se a execução da ordem judicial no prazo de 30 dias.

As formas expressas de decisão, seja no caso de omissão legislativa ou de omissão administrativa prevista no art. 103, § 2º, da Constituição, parecem insuficientes para abarcar o complexo fenômeno da omissão inconstitucional.

No que concerne à omissão administrativa, deverá o órgão administrativo ser cientificado para atuar em 30 dias. Considerando o quadro diferenciado que envolve a omissão de ato administrativo, afigura-se algo ilusório o prazo fixado.

Se se tratar de edição de ato administrativo de caráter regulamentar, muito provavelmente esse prazo há de revelar-se extremamente exíguo. Em outros casos, que demandem realização de medidas administrativas concretas (construção de escolas, hospitais, presídios, adoção de determinadas políticas complexas, etc.), esse prazo mostra-se ainda mais inadequado.

Um dos problemas relevantes da dogmática constitucional refere-se aos efeitos de eventual declaração de inconstitucionalidade da omissão.

Não se pode afirmar, simplesmente, que a decisão que constata a existência da omissão inconstitucional e determina ao legislador que empreenda as medidas necessárias à colmatação da lacuna inconstitucional não produz maiores alterações na ordem jurídica. Em verdade, tem-se aqui sentença de caráter nitidamente mandamental, que impõe ao legislador em mora o dever, dentro de um prazo razoável, de proceder à eliminação do estado de inconstitucionalidade.

O dever dos Poderes Constitucionais ou dos órgãos administrativos de proceder à imediata eliminação do estado de inconstitucionalidade parece ser uma das conseqüências menos controvertidas da decisão que porventura venha a declarar a inconstitucionalidade de uma omissão que afete a efetividade de norma constitucional[28].

O princípio do Estado de Direito (art. 1º), a cláusula que assegura a imediata aplicação dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º) e o disposto no art. 5º, LXXI, que, ao conceder o mandado de injunção para garantir os direitos e liberdades constitucionais, impõe ao legislador o dever de agir para a concretização desses direitos, exigem ação imediata para eliminar o estado inconstitucionalidade.


Considerando que o estado de inconstitucionalidade decorrente da omissão pode ter produzido efeitos no passado – sobretudo se se tratar de omissão legislativa -, faz-se mister, muitas vezes, que o ato destinado a corrigir a omissão inconstitucional tenha caráter retroativo.

Evidentemente, a amplitude dessa eventual retroatividade somente poderá ser aferida em cada caso. Parece certo, todavia, que, em regra, deve a lei retroagir, pelo menos até à data da decisão judicial em que restou caracterizada a omissão indevida do legislador.

No caso em questão, a omissão legislativa inconstitucional produziu evidentes efeitos durante esse longo período transcorrido desde o advento da EC n° 15/96. Diante da inexistência da lei complementar federal, vários Estados da federação legislaram sobre o tema e diversos municípios foram efetivamente criados ao longo de todo o país.

Municípios criados, eleições realizadas, poderes municipais devidamente estruturados, tributos municipais recolhidos, domicílios fixados para todos os efeitos da lei, etc.; enfim, toda uma realidade fática e jurídica criada sem qualquer base legal ou constitucional. É evidente que a omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal.

Assim sendo, voto no sentido de declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.

Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal (nas demais ADI) para que as leis estaduais que criam ou alteram limites territoriais de municípios continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios.


[1] KELSEN, Hans. Hauptprobleme de Staatsrechtslehre. Tübingen: JCB Mohr, 1911, p. 410.

[2] JELLINEK, Georg. System der subjektiven öffentlichen Rechte. 2. Aufl. Tübingen, 1905, p. 80, nota 1.

[3] ANSCHÜTZ, Gerhard; THOMA, Richard (Hrsg.). Handbuch des Deutschen Staatsrechts. Tübingen: Mohr, 1932, t. II, p. 608; GENZMER, Felix. Die Verwaltungsgerichtsbarkeit, Handbuch des Deutschen Staatsrechts. 1932, t. II, p. 506 s.

[4] BACHOF, Otto. Die verwaltungsgerichtliche Klage auf Vornahme einer Amtshandlung. 2. Aufl. Tübingen: Mohr, 1968, p. 18.

[5] Cf. acórdão do Reichsgericht in: RGZ 125, 282, no qual se assentou, expressamente, a impossibilidade de responsabilização do Estado por ato legislativo.

[6] BACHOF, Otto. Op. cit. p. 18.

[7] BVerfGE 1, 97 (100).

[8] BVerfGE 6, 257.

[9] Acentue-se que ordenamento alemão não dispõe de instrumentos especiais para o controle judicial da omissão. O recurso constitucional – Verfassungsbeschwerde – constitui, na esfera do Bundesverfassungsgericht, o único instrumento proces­sual autônomo de que o cidadão dispõe para atacar diretamente a omissão do legislador, desde que logre demonstrar eventual ofensa a um dos direitos fundamentais. Na maioria dos casos, cuida-se de Verfassungsbeschwerde dirigida contra ato normativo, nos casos em que se admite que o legislador satisfez, de forma incom­pleta, o dever de proteção (Schutzpflicht) dimanado de um ou de outro direito fundamental. A maioria dos casos refere-se, porém, não às Verfas­sungsbeschwerde propostas diretamente contra a omissão legislativa, seja ela parcial ou total, mas àquelas dirigidas contra decisão da última instância da jurisdição ordinária (chamadas Urteils-Verfas­sungsbeschwerde). A Urteil-Verfassungsbeschwerde cumpre, em deter­minada medida, função semelhante à do nosso recurso extraordiná­rio pertinente à ofensa constitucional, podendo ser interposta nos casos de lesão aos direitos fundamentais mediante erro do Juiz ou Tribunal na interpretação e aplicação do direito.

[10] BVerfGE 8, 1 (28).

[11] IPSEN, Jörn. Rechtsfolgen der Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt. Baden-Baden, 1980, p. 268-269.

[12] Cf. a propósito, BRYDE, Brun-Otto. Verfassungsentwicklung, Stabilität und Dynamik im Verfassungsrecht der Bundesrepublik Deutschland. Baden-Baden, 1982, p. 397 s.; IPSEN, Jörn. Rechtsfolgen der Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt, cit. p. 125. Sobre a diferenciação entre ratio decidendi e obter dictum "coisa dita de passagem" (acessoriamente, v. RÓNAI, Paulo. Não perca o seu latim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), isto é entre os fundamentos essenciais à prolação do julgado e aquelas considerações que integram os fundamentos da decisão, mas que são perfeitamente dispensáveis, v. SCHLÜTER, Wilfried. Das Obiter Dictum. Munique, 1973, p. 77 s.

[13] Seção de Matéria Constitucional/Secretaria Judiciária/STF

[14] Nesse sentido verificar: KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 175-176.

[15] O art. 13 § 2º da Constituição de Weimar previa, expressamente, a aferição abs­trata da validade de uma norma na relação entre o direito federal (Reichsrecht) e o direito estadual (Landesrecht).

[16] Cf. também MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade, Aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 249 s.

[17] Cfr.: SILVA, José Afonso da Silva. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6a ed. São Paulo: Malheiros; 2003.

[18] Todos esses projetos encontram-se atualmente apensados ao PLP 130/1996, com exceção do PLP 170/2000, já arquivado.

[19] A referência aqui diz respeito às fases de discussão e deliberação do processo legislativo.

[20] Cfr. nesse sentido: ADI 2.495, Ilmar Galvão, julgada em 2.5.2002, DJ 2.8.2002.

[21] MI 107, Relator Moreira Alves, DJ 28.11.89.

[22] GOLDSCHMIDT, James. Zivilprozessrecht. 2. ed. Berlim, 1932, § 15a, p. 61.

[23] Cf., a propósito JÜLICHER, Friedrich. Die Verfassungsbe­schwerde gegen Urteile bei gesetzgeberischem Unterlassen, cit. p. 22; SCHENKE, Wolf-Rüdiger. Rechtsschutz bei normativem Un­recht, cit. p. 178; PESTALOZZA, Christian. "Noch verfassungsmässige" und “bloss verfassungswidrige” Rechtslagen. In: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz, cit. p. 519 (526).

[24] BVerfGE 8,1 (36); 22, 349 (360); 22, 156 (174).

[25] Cf., a propósito, MI 107, Moreira Alves, DJ 28.11.89.

[26] BVerfGE 6, 257 (264), 8, 1 (19); Dazu p. auch Herzog, in: Maunz-Dürig-Herzog-Scholz, Art. 20 III, RdNr. 13.

[27] MI 107, Relator Moreira Alves, DJ 28.11.89.

[28] Cf. BVerfGE 6, 257 (265 s.) BVerfGE 37, 217 (262); 51, 1 (28); BVerfGE 57, 361 (388); cf. também, IPSEN, Jörn. Rechtsfolgen der Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt, cit. p. 211-213; SCHLAICH, Klaus. Das Bundesverfas­sungsgericht, Stellung, Verfahren, Entscheidungen. Munique, 1985, p. 172; GUSY, Christoph. Parlamentarischer Gesetzgeber und Bundesverfassungsgericht, cit. p. 191; HEIN, Peter. Die Unverein­barerklärung verfassungswidriger Gesetze durch das Bundesverfassungsgericht. Baden-Baden, 1988, p. 168 s.; HEYDE. Gesetzgebe­rische Konsequenzen aus der Verfassungswidrig-Erklärung von Normen. FS Faller p. 53 (54 s.); GERONTAS, Apostolo. Die Appellentscheidungen, Sondervotumsappelle und die bloBe unvereinbarkeitsfeststellung als Ausdruck der funktionellen Grenzen der Verfassungsgerichtsbarkeit. DVBl. 1982, p. 486 (488); HEUßNER, Hermann. Folgen der Verfassungswidrigkeit eines Gesetzes ohne Nichtigerklärung. NJW 1982, p. 257; MAURER, Hartmut. Zur Verfas­sungswidrigerklärung von Gesetzen. In: FS W. Weber. Berlim, 1974, p. 362; SCHNEIDER, Bernd Jürgen. Die Funktion der Normenkontrolle und des richterlichen Prüfungsrechts im Rahmen der Rechtsfolgenbestimmung verfassungsswidriger Gesetze, cit. p. 162.

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