Transtorno aéreo

Gol deve indenizar por mudança em itinerário, decide juiz

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10 de maio de 2007, 19h01

Por mudar o itinerário do vôo, a Gol deve pagar R$ 14 mil de indenização por danos morais e materiais a uma passageira. A determinação foi feita pelo Juizado Especial do Planalto, em Cuiabá.

O juiz Yale Sabo Mendes considerou que, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a empresa é responsável pela deficiência do serviço que presta. “Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo de fornecimento de serviços, tem o dever de responder pelos fatos resultantes do empreendimento, independentemente de culpa”, afirmou.

De acordo com os autos, a médica comprou as passagens de ida e volta entre Cuiabá e São José do Rio Preto (SP). Ela reservou os bilhetes com três meses de antecedência para participar de um congresso de Dermatologia. Entretanto, dias antes de embarcar, quando a reserva já estava confirmada, recebeu um comunicado da Gol informando a alteração no itinerário. Para não prejudicar a viagem, precisou comprar uma passagem da TAM para retornar a Cuiabá.

A Gol alegou não ser responsável pela mudança. O Departamento de Aviação Civil (DAC) e a Infraero haviam determinado a alteração na malha aérea da companhia. A empresa também argumentou que não existem danos materiais e morais a serem indenizados.

Segundo o juiz, os transtornos sofridos pela médica, devido à alteração, são passíveis de indenização. “A reparação moral também há de se fazer presente e, outrossim, inclusive, para alertar o ofensor a respeito da prática comercial e a não negligenciar com o sentimento alheio”, acrescentou.

Leia íntegra da sentença

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS

Processo 1.472/2006

Reclamante: N. S. U.

Reclamado: GOL LINHAS AÉREAS INTELIGENTES S/A.

VISTOS EM CORREIÇÃO…

Deixo de apresentar o relatório, com fulcro no artigo 38, in fine da Lei nº. 9.099/95.

DECIDO.

Trata-se de Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais que N. S. U. move em desfavor de Gol Linhas Aéreas Inteligentes S/A, alegando, em síntese, reservou as passagens no dia 23/02/2006, sendo que as mesmas eram para as datas de 03 e 08 de junho daquele ano, e o objetivo das passagens era para a autora participar do XVIII Congresso Brasileiro de Cirurgia Dermatológica em São José do Rio Preto-SP.

Aduz ainda, que após a confirmação da reserva, a autora foi surpreendida no dia 29/05/2006, com uma comunicação da empresa ré, alterando completamente o itinerário da viagem, o que evidentemente inviabilizaria a sua participação no Congresso. Alega que a empresa ainda mudou o itinerário da volta, e que não lhe restou outra alternativa a não ser aceitar a opção impingida pela empresa ré, mas teve que cancelar o seu vôo de volta e adquiriu de outra empresa, a TAM, a passagem de volta. Ao final pede a procedência da ação com a condenação da parte ré nos danos patrimoniais e morais.

A parte reclamada na sua peça contestatória às fls. 79/88, alegou que o fato se deu por causa desses infortúnios inerentes ao transporte aéreo, e que houve a necessidade de alteração na malha aérea daquela companhia de aviação, e que tal fato ocorre por determinação do DAC – Depto. de Aviação Civil e da Infraero, portanto tais fatos se deram por razões alheias à vontade da ré. Alegou ainda, que inexistem danos materiais e morais a serem indenizados. Ao final, pugna pela improcedência dos pedidos formulados na presente ação.

Inexistindo preliminares, passo a análise do mérito.

A inteligência do artigo 6º da Lei nº. 9.099/95, nos mostra que “O juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da Lei e às exigências do bem comum.” Isso demonstra que o Juízo, poderá valer-se da interpretação teleológica com mais liberdade como forma de buscar a solução mais justa para o caso, permitindo uma discricionariedade, amparada na Lei.

O Magistrado ao decidir, deve apreciar as provas, subministradas pelo que ordinariamente acontece, nos termos dos do disposto no art. 335, do Código de Processo Civil Brasileiro. A jurisprudência é neste sentido:

“O Juiz não pode desprezar as regras de experiência comum ao proferir a sentença. Vale dizer, o juiz deve valorizar e apreciar as provas dos autos, mas ao fazê-lo pode e deve servir-se da sua experiência e do que comumente acontece”. (JTA 121/391 – apud, Código de Processo Civil Theotônio Negrão, notas ao artigo 335).

O Superior Tribunal de Justiça assevera ainda que: “É entendimento assente de nossa jurisprudência que o órgão judicial, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Sua fundamentação pode ser sucinta, pronunciando-se acerca do motivo que, por si só, achou suficiente para a composição do litígio”. (STJ – 1ª Turma – AI 169.079- SP- AgRg, – Rel. Min. José Delgado – DJU 17.8.1998).


Numa ação de cunho indenizatório, além da ação ou omissão, há que se apurar se houve ou não dolo ou culpa do agente no evento danoso, bem como se houve relação de causalidade entre o ato do agente e o prejuízo sofrido pela vítima. Concorrendo tais requisitos, surge o dever de indenizar.

Prelecionam os artigos 186 e 927 do Código Civil:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

A respeito da responsabilidade civil o Professor SILVIO RODRIGUES nos ensina que os pressupostos dessa responsabilidade são: “a) ação ou omissão do agente, b) relação de causalidade; c) existência do dano e d) dolo ou culpa do agente.” (in “Direito Civil”, Ed. Saraiva, v. 1, p. 30).

A Culpa é representação abstrata, ideal, subjetiva. É a determinação jurídico-psicológica do agente. Psicológica, porque se passa no seu foro íntimo. Jurídica, em virtude de ser, muitas vezes, a lei quem estabelece a censurabilidade da determinação, mesmo que o agente não esteja pensando sequer em causar danos ou prejuízo, como ocorre nas hipóteses típicas de culpa “stricto sensu”.

Para que essa responsabilidade emerja, continua o mestre, necessário se faz “… que haja uma ação ou omissão da parte do agente, que a mesma seja causa do prejuízo experimentado pela vítima; que haja ocorrido efetivamente um prejuízo; e que o agente tenha agido com dolo ou culpa. Inocorrendo um desses pressupostos não aparece, em regra geral, o dever de indenizar” (in “Direito Civil”, Ed. Saraiva, v. 1, p. 30).

In casu, restou incontroverso o abuso perpetrado pela parte reclamada, quando sem nenhum motivo aparente ou legal, resolveu desmarcar um vôo a mais de 3 (três) meses já contratado pela parte Reclamante, no trecho Cuiabá/São Paulo/São José do Rio Preto, o qual participaria do XVIII Congresso Brasileiro de Cirurgia Dermatológica em São José do Rio Preto-SP, isso agravado pelo fato da ré ter também desmarcado a volta da mesma autora, deixando-a literalmente “a ver navios”.

Temos por regra, que a responsabilidade pelas vendas e/ou serviços para clientes é da empresa que fornece diretamente ou disponibiliza os seus produtos.

Trata-se, no caso, de relação de consumo stricto sensu, restou caracterizado o defeito do serviço e o dano moral decorrente desse defeito, cuidando-se, portanto, de responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, previsto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, respondendo o fornecedor por esse serviço defeituoso.

Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo de fornecimento de serviços, tem o dever de responder pelos fatos resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a executar determinados serviços e o defeito do serviço é um dos pressupostos da responsabilidade por danos nas relações de consumo, inclusive o dano moral.

Como decorrência da responsabilidade objetiva do prestador do serviço, para que ele possa se desonerar da obrigação de indenizar, deve provar, que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (§ 3º, inc. I e II, do art. 14, do CDC). Sendo o ônus da prova relativo a essas hipóteses do prestador do serviço, e não tendo ele se desincumbido, deve ser responsabilizado pelos danos causados à Reclamante.

O mestre Nehemias Domingos de Melo em seu trabalho publicado na Revista Júris Síntese nº. 47 – Maio/Junho de 2004, nos mostra que o Código de Defesa do Consumidor é para o consumidor o que a Consolidação das Leis do Trabalho é para o trabalhador: ambas são legislações dirigidas a determinado segmento da população, visando a uma proteção especial aos mais fracos na relação jurídica. Tanto é assim que o Código do Consumidor não se limitou a conceituar o consumidor como destinatário final de produtos, na exata medida em que previu o consumidor vulnerável (art. 4º, I), o consumidor carente (art. 5º, I), o consumidor hipossuficiente que pode vir a ser beneficiário da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII) e o consumidor que necessita da proteção do Estado, ao assegurar o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos (art. 6º VII). (negritei).

Assim, podemos concluir que a efetiva proteção ao consumidor, encontra ressonância no princípio geral da vulnerabilidade que, em última análise, busca garantir o princípio da isonomia, dotando os mais fracos de instrumentos que se lhes permitam litigar em condições de igualdades pelos seus direitos, seguindo a máxima de que a democracia nas relações de consumo significa tratar desigualmente os desiguais na exata medida de suas desigualdades, com o único fito de se atingir a tão almejada justiça social. Ressalte-se que esta vulnerabilidade refere-se não apenas a fragilidade econômica do consumidor, mas também técnica.


Eis o entendimento jurisprudencial dominante:

116059323 – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – RELAÇÃO DE CONSUMO – PRECEDENTES DA CORTE – 1. Dúvida não mais existe no âmbito da Corte no sentido de que se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos firmados entre as instituições financeiras e seus clientes. 2. A inversão do ônus da prova está no contexto da facilitação da defesa, sendo o consumidor hipossuficiente, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, dependendo, portanto, de circunstâncias concretas, a critério do Juiz. 3. Recurso Especial não conhecido. (STJ – RESP 541813 – SP – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 02.08.2004 – p. 00376) JCDC.6 JCDC.6.VIII. (negritei).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL DE CARTÃO DE CRÉDITO – RELAÇÃO DE CONSUMO CONFIGURADA – Inversão do ônus da prova embasada no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inciso VIII). Possibilidade. Hipossuficiência técnica do consumidor. Caracterização. Faculdade da produção de prova pelo banco agravante. Ciência das conseqüências da sua não realização. Recurso desprovido. (TAPR – AG 0258398-6 – (207550) – Curitiba – 10ª C.Cív. – Rel. Juiz Macedo Pacheco – DJPR 06.08.2004) JCDC.6 JCDC.6.VIII. (negritei).

100582154 – CIVIL – DANO MORAL E DANO MATERIAL – INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PRESTADOR DE SERVIÇOS – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DO CONSUMIDOR – O DANO MORAL DEVE SER FIXADO COM BASE NA OFENSA DO OFENDIDO E OBSERVADOS CERTOS REQUISITOS OBJETIVOS – Apelações de ambas as partes em face à sentença que julgou procedente, em parte, o pedido para condenar a Caixa Econômica Federal ao pagamento de indenização, a título de danos morais, em virtude da manutenção do nome do autor no SERASA mesmo após o pagamento de dívida proveniente de emissão de cheques sem fundo. O art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor, que regula os direitos básicos do consumidor, assegura a este, em seu inciso VII, o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais. – Milita a favor do apelado, observado o princípio da inversão do ônus da prova a favor do consumidor, quando verossímil a alegação, presunção da veracidade dos fatos trazidos ao processo. A legislação pátria admite, ainda, a forma objetiva de responsabilidade, onde é necessária somente a comprovação do dano e do nexo de causalidade, dispensada a verificação da culpa, como nos casos de ato lesivo praticado por funcionário no exercício do serviço público e nas relações de consumo. – O dano está claramente delimitado, uma vez que a manutenção sem causa do nome da autora no cadastro de emitentes de cheques sem fundo, obviamente, gera a situação vexaminosa de ser taxada de má pagadora. – É relevante para a configuração do dano moral a situação vexaminosa de estigmatizar como mau-pagador uma pessoa responsável e pontual nos seus compromissos e as conseqüências que advém de tal ato. – Verba indenizatória fixada em R$ 10.000, 00 (dez mil reais). – Recurso da parte autora provido, fixados os honorários em 10% (dez por cento). – Recurso da Caixa Econômica Federal improvido (TRF 2ª R. – AC 2002.51.01.001969-3 – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Carreira Alvim – DJU 08.09.2004 – p. 133). (negritei)

De efeito, à hipótese em testilha aplicam-se as disposições da Lei Consumerista, comparecendo a Requerida como fornecedora de serviços e a Requerente como consumidora final, razão pela qual, segundo inteligência do art. 14 do CDC, eventuais danos causados a esta devem ser respondidos de forma objetiva, pela Requerida, independentemente do grau de culpa, sendo suficiente a prova da existência do fato decorrente de uma conduta injusta, o que restou devidamente comprovado.

Ainda, merece aplicabilidade ao caso o disposto no artigo 6o, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, que garante ao consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais e difusos”, o que coloca a Lei a disposição do consumidor, ainda, meios e processos que lhe permitem compelir o fornecedor a reparar pecuniariamente eventuais danos causados por produtos ou serviços com vícios ou defeitos.

Destarte, tenho que a situação vivenciada pela Reclamante decorrente da demora, desconforto, aflição e transtornos a que foi submetida, por culpa da empresa Reclamada, é passível de indenização, além disso, o sofrimento da autora/viajante, nessa realidade, em terra estranha, imensuráveis a sua aflição, o constrangimento e a agonia, um dano subjetivo incalculável, portanto, a reparação moral também há de se fazer presente e, outrossim, inclusive, para alertar o ofensor a respeito da prática comercial e a não negligenciar com o sentimento alheio.


Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. VÔO INTERNACIONAL. ATRASO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. APLICAÇÃO DO CDC. PROBLEMA TÉCNICO. FATO PREVISÍVEL. DANO MORAL. CABIMENTO. ARGUMENTAÇÃO INOVADORA. VEDADO. – Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, as hipóteses de indenização por atraso de vôo não se restringem àquelas descritas na Convenção de Varsóvia, o que afasta a limitação tarifada. – A ocorrência de problema técnico é fato previsível, não caracterizando hipótese de caso fortuito ou de força maior. – Em vôo internacional, se não foram tomadas todas as medidas necessárias para que não se produzisse o dano, justifica-se a obrigação de indenizar. – Cabe indenização a título de dano moral pelo atraso de vôo e extravio de bagagem. O dano decorre da demora, desconforto, aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro, não se exigindo prova de tais fatores. – Vedado no regimental desenvolver argumento inovador não ventilado no especial.” (STJ – AgRg no Ag 442487/RJ, Terceira Turma, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, julgado em 25/09/2006, publicado no DJ, em 09.10.2006 pág. 284). (grifei e negritei)

“CIVIL. CDC. TRANSPORTE AÉREO. ATRASO EM VÔO. DANOS MORAIS. DEVER DE INDENIZAR. ARBITRAMENTO JUSTO. 1. O atraso exagerado em vôo doméstico (mais de cinco horas) que ocasiona perda de eventos programados para a viagem, aborrecimentos, decepções e abalos físicos e emocionais, além de desconforto, constrangimentos e incertezas, atinge direito imaterial do consumidor, a configurar dano material e moral, passível de reparação pecuniária. 2. Justo é o valor arbitrado para compor dano moral que observa as melhores regras ditadas para a sua fixação, atento às finalidades compensatória, punitiva e preventiva ou pedagógica e aos princípios gerais da prudência, bom senso, proporcionalidade, razoabilidade e adequação, tendo em conta as circunstâncias que envolveram o fato, as condições pessoais econômicas e financeiras do ofendido, assim como o grau da ofensa moral e a preocupação de não se permitir que a reparação transforme-se em fonte de renda indevida, bem como não seja tão parcimoniosa que passe despercebida pela parte ofensora, consistindo, destarte, no necessário efeito pedagógico de evitar futuros e análogos fatos. 3. Recurso conhecido e desprovido, sentença mantida.” (20050111442757ACJ, Relator João Batista, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 22/08/2006, DJ 25/09/2006 p. 77) (grifei e negritei)

“CIVIL. CONSUMIDOR. DANO MORAL. ATRASO DE VÔO ALÉM DO NORMAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA COMPANHIA AÉREA. PROBLEMAS TÉCNICOS NA AERONAVE QUE NÃO SE CARACTERIZAM COMO FORÇA MAIOR. ABORRECIMENTOS E FRUSTRAÇÃO QUE IMPÕE O DEVER DE INDENIZAR. VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO COM MODERAÇÃO E RAZOABILIDADE. CDC. APLICABILIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR 1. Se a empresa aérea descumpre o horário de partida do vôo, causando atraso por várias horas em exagerada demora, o dano moral é evidente e dispensa qualquer exteriorização a título de prova, tratando-se de vero damnum in re ipsa. 2. Há inversão do ônus da prova quando verificada a existência de relação de consumo e for verificada veracidade de alegações ou hipossuficiência do consumidor.” (20060110196028ACJ, Relator Alfeu Machado, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 19/09/2006, DJ 06/10/2006 p. 149). (grifei e negritei).

Assim, demonstrada a responsabilidade civil da Requerida, deve esta ser condenada a indenizar à Reclamante pelos danos sofridos, tanto materiais quanto morais.

No que respeita a prova do dano, imperativo ressaltar, que após o advento da Constituição Federal de 1988, o dano moral passou a ser olhado sob uma nova ótica, mais ampla, até mesmo porque a dignidade da pessoa humana foi elencada como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Dessa maneira, o direito à honra, à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade ou a qualquer outro direito da personalidade, estão inseridos no direito à dignidade, base essencial de cada preceito constitucional relativa aos direitos fundamentais.

Entendo que o dano moral está inserido em toda prática que atinja os direitos fundamentais da personalidade, trazida no sentimento de sofrimento íntimo da pessoa ofendida, suficiente para produzir alterações psíquicas ou prejuízos tanto na parte social e afetiva de seu patrimônio moral.

A doutrina especializada e a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça vêm entendendo que a conseqüência do dano encontra-se ínsita na própria ofensa, porquanto deflui da ordem natural das coisas, tomando-se como parâmetro a vida comum das pessoas.

In casu, trata-se de hipótese de dano moral in re ipsa, que dispensa a comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato.


Nesse sentido, destaca-se a lição de Sérgio Cavalieri Filho, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum.” (Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 100/101).

Quanto ao valor a ser arbitrado na indenização por danos morais deve-se atender a uma dupla finalidade: reparação e repressão. E, portanto, deve ser observada a capacidade econômica do atingido, mas também dos ofensores, de molde a que não haja enriquecimento injustificado, mas que também não lastreie indenização que não atinja o caráter pedagógico a que se propõe. De acordo com o magistério de Carlos Alberto Bittar, para a fixação do valor do dano moral “levam-se, em conta, basicamente, as circunstâncias do caso, a gravidade do dano, a situação do lesante, a condição do lesado, preponderando em nível de orientação central, a idéia de sancionamento ao lesado”. (in Reparação Civil por Danos Morais, 3ª ed., São Paulo, Editora Revistas dos Tribunais, 1999, p. 279)

É de se salientar que o prejuízo moral experimentado pela Requerente deve ser ressarcido numa soma que não apenas compense a ela a dor e/ou sofrimento causado, mas especialmente deve atender às circunstâncias do caso em tela, tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido, exigindo-se a um só tempo prudência e severidade.

A respeito do valor da indenização por dano moral, a orientação jurisprudencial é no sentido de que:

“No direito brasileiro, o arbitramento da indenização do dano moral ficou entregue ao prudente arbítrio do Juiz. Portanto, em sendo assim, desinfluente será o parâmetro por ele usado na fixação da mesma, desde que leve em conta a repercussão social do dano e seja compatível com a situação econômica das partes e, portanto, razoável”. (Antônio Chaves, “Responsabilidade Civil, atualização em matéria de responsabilidade por danos moral”, publicada na RJ nº. 231, jan./97, p. 11). (grifei e negritei)

“CIVIL – DANO MORAL – BANCO – FINANCIAMENTO – ATRASO NO PAGAMENTO – INSERÇÃO DO NOME DO MUTUÁRIO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES – MANUTENÇÃO INDEVIDA, APÓS O PAGAMENTO – POTENCIALIDADE LESIVA – DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE REFLEXOS MATERIAIS – CULPA CARACTERIZADA – OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR – FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO EM VERBA INCOMPATÍVEL COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO E A REPERCUSSÃO DANOSA – EXCESSO – REDUÇÃO DO VALOR, MANTIDA NO MAIS A SENTENÇA – 1. É antijurídica e lesiva ao acervo moral da pessoa, a conduta da instituição financeira que, apesar de efetuado o pagamento da dívida, mantém, injustificadamente, por longo tempo, o nome do devedor inscrito em cadastro de inadimplentes, causando-lhe constrangimentos e restrições. 2. A imposição da obrigação de indenizar por dano moral, em decorrência de injusta manutenção do nome em cadastro de maus pagadores, independe de comprovação de reflexos materiais. 3. A indenização por dano moral deve ser arbitrada mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa (RT 706/67). Comporta redução o quantum, quando arbitrado em quantia excessiva e desproporcional ao evento e suas circunstâncias. Provimento parcial do recurso.” (TJPR – ApCiv 0113615-8 – (8666) – São José dos Pinhais – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Cezar de Oliveira – DJPR 17.06.2002). (grifei e negritei)

Sopesando tais critérios, tenho como razoável o valor de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais), somados o material e o moral, quantia que certamente satisfaz ao caráter reparatório, servindo, ainda como expiação à Requerida.


Com relação a incidência dos juros moratórios, o Código Civil Brasileiro em seu art. 406, determina o seguinte:

“Art. 406 – Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o formem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (grifei e negritei).

Por seu turno, a Lei nº. 5.421, de 25 de abril de 1.968, traz no caput do seu art. 2º, o seguinte:

“Art. 2º – Os débitos, de qualquer natureza, para com a Fazenda Nacional, serão cobrados, na via administrativa ou na judicial, com o acréscimo de juros moratórios à razão de 1% (um por cento) ao mês, contados do vencimento e calculados sobre o valor originário.” (grifei e negritei).

Inexistiu fixação dos juros pelas partes ora litigantes. E na ausência dessa estipulação, deve-se utilizar o que determina a lei e esta manda que a incidência dos juros moratórios deverá girar em 1% (um por cento) ao mês e que deverá ser contado a partir da citação, conforme o artigo 405 do Código Civil, a Súmula 163 do STF, e artigo 219 do CPC, que estabelecem que a citação válida constitui em mora o devedor.

No tocante à correção monetária, esta deverá incidir a partir da data de sua fixação (sentença), por se tratar de condenação em valor certo (AgRg no AG 560792/RS, 4ª Turma, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJU de 23.08.2004, p. 247).

Por fim, colacionam-se os seguintes arestos, no que diz respeito aos juros e correção monetária. A saber:

“APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. Demonstrado que o registro negativo foi mantido por mais de três anos, conquanto existente determinação judicial, proferida em ação revisional de contrato, em sentido contrário, impositivo se reconhecer a abusividade do ato, gerando o dever de indenizar. Responsabilidade objetiva da instituição bancária. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. HONRA OBJETIVA. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral. Súmula nº. 227 do STJ. DANO MORAL PURO. DESNECESSIDADE DE PROVA DO PREJUÍZO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. O dano decorrente da desobediência do prestador de serviço a mandamento judicial, mantendo indevidamente o nome do consumidor negativado, torna desnecessária a prova de prejuízo. Valor da indenização que atende ao binômio ‘reparação X punição’ e às circunstâncias do caso concreto. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. Inaplicáveis as Súmulas 48 e 54 do STJ aos casos de responsabilidade civil contratual. Assim, na hipótese dos autos, a correção monetária deve incidir a partir da data do julgamento, por se tratar de condenação em valor certo, e os juros de mora deverão ser contados desde a citação. Precedentes do STJ. SUCUMBÊNCIA. ESTIMATIVA NA INICIAL. A estimativa do valor da indenização pelos danos morais constante da inicial não vincula o Juízo. Assim, eventual condenação em valor inferior ao sugerido não possui o condão para, de per si, acarretar sucumbência parcial do autor. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. UNÂNIME.” (Apelação Cível Nº. 70013809652, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 30/03/2006) (negritei e grifei).

“Civil. CDC. Ação de Indenização por Danos Morais. Inscrição indevida nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito. Dívida inexistente. Cartão de Crédito não solicitado pelo consumidor. Dano moral configurado. Fixação da indenização em valor compatível com a extensão do dano. Manutenção da condenação. Correção monetária e juros fixados a partir da data do fato gerador. Sentença modificada, nesse aspecto. 1. A inscrição do nome do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito, de forma indevida, por si só é causa geradora de danos morais, passíveis de reparação, e sua prova se satisfaz com a demonstração da irregularidade da inscrição. 2. Comprovado que houve a inscrição do nome da autora nos cadastros de inadimplentes, de forma indevida, é de se confirmar a sentença, na parte em que condenou a ré ao pagamento de indenização por danos morais, inclusive quanto ao valor, cuja fixação atende aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. Em se tratando de indenização por danos morais, a correção monetária deve incidir a partir de sua fixação, ou seja, da data da sentença, e os juros moratórios a partir da citação.” (20040110663803ACJ, Relator Jesuíno Aparecido Rissato, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 24/05/2005, DJ 24/06/2005 p. 139) (grifei e negritei).

ISTO POSTO, e de tudo mais que dos autos consta, e diante da doutrina e da jurisprudência, e com fulcro no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil c/c artigo 6º da Lei nº. 9.099/95, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, e condeno a reclamada, GOL LINHAS AÉREAS INTELIGENTES S/A, a pagar à reclamante, N. S. U., o valor de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais), pelos danos materiais e morais, acrescido de juros de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação inicial (CC/2002, art. 405) e correção monetária a partir do presente decisum.

Sem custas e honorários advocatícios neste grau de jurisdição, a teor dos artigos 54 e 55 da Lei 9.099/95.

Transitada em julgado, execute-se na forma da Lei.

P. R. I. C.

Cuiabá – MT, 08 de maio de 2.007 – (3ªf).

Yale Sabo Mendes

Juiz de Direito

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