Contradição social

Sendo estágio um benefício, não há por que dificultar sua expansão

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9 de maio de 2007, 13h23

Os estágios sempre foram considerados como atividade indispensável de fim de curso, para que o estudante possa completar sua formação, de um lado aplicando, na prática, alguns conceitos teóricos aprendidos em sala de aula, e de outro, iniciando-se na cultura específica das empresas e organizações sociais, como passaporte para o seu futuro desempenho profissional.

Ultimamente, com o acesso massificado dos contingentes sociais economicamente mais carentes aos ensinos médio e superior, agregou-se uma terceira função à prática do estágio: a de gerador de renda para os mais desassistidos materialmente, por meio da bolsa-auxílio, mensalmente paga a cada estagiário. Nesses termos, milhões de jovens estudantes têm tido uma oportunidade ímpar de inclusão social justa e desejável (só o CIEE nos seus 43 anos de existência teve a oportunidade de servir e amparar mais de seis milhões de estagiários, dos quais dois terços se converteram em empregados de carteira assinada na própria empresa onde estagiaram).

Ocorre que, ultimamente, por razões cuja discussão não cabe neste artigo, desenvolveu-se no Brasil a postura, segundo a qual o sucesso incomoda muito e deve ser combatido, à luz de um evangelho apócrifo, de raízes ideológicas, que prega a igualdade rasa pelo fracasso e o empobrecimento universais, como caminho da justiça social.

E assim, inúmeras iniciativas de interesse social, como é o caso dos estágios curriculares, se frustram, em prejuízo de jovens brasileiros, que já não têm grandes horizontes para o seu futuro e ainda assistem preocupados às ameaças feitas por diversos grupos, que se dedicam ao catastrofismo. Trata-se de um caso típico do ótimo brigando com o bom, porque, se no aspecto macro, o estágio tem se revelado um benefício, por que dificultar a sua expansão, com base em firulas legais umas, ideológicas outras, em nome de um inatingível perfeccionismo? No entanto, é o que se tem visto entre nós. Por causa de ocorrências pontuais e excepcionais que, por vezes, podem ter lugar na implementação de estágios — digamos que centenas em meio a milhares e milhares de casos —, para os quais a legislação em vigor prevê sanções, busca-se condenar, como irregulares todos os estágios, sem exceção, principalmente quando se trata de alunos do ensino médio.

Aqui cabe um reparo, que não será demais registrar: até 1996, quando se editou a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), todos os cursos técnicos e até mesmo os de segundo grau profissionalizantes, tinham nos seus currículos as chamadas disciplinas específicas, destinadas à aprendizagem de uma profissão.

À vista disso, os agentes fiscais do trabalho identificavam o estágio como uma colagem curricular da profissionalização do aluno, tornando a fiscalização mais fácil, eis que estagiar significava aplicar, na prática, o disposto na parte teórica das disciplinas que habilitavam o aluno tecnicamente. Com a nova LDB, desapareceu a profissionalização do segundo grau, voltada à preparação para o trabalho, e nasceu em seu lugar o ensino médio, endereçado, substancialmente, à formação da cidadania e, adjetivamente, ao treinamento nos aspectos laborais. O artigo 82 da lei maior da educação nacional tornou obrigatórios os estágios, que não mais guardavam estrita ligação com a formação técnica, e sim com o curso, como um todo, para a formação integral do cidadão (algo, aliás, mais conforme com a formação democrática, do que aquela das tecnicidades da preferência dos regimes ditatoriais).

Esses estágios passaram a ter natureza comportamental e de aquisição, pelos estagiários, da cultura das organizações empresariais ou não, onde estivessem estagiando. Compreende-se que, para distinguir as sutilezas pedagógicas do novo tipo de estágio, a fiscalização do trabalho teria necessidade de submeter-se a cursos especiais, que habilitassem os seus agentes a enxergar os casos de desvio de conduta dos ofertantes de oportunidades de estágio.

Por isso mesmo, a lei de estágio preferiu reservar à escola a competência para caracterizar essas novas situações, que, por sua natureza inovadora, refogem à capacidade de muitos daqueles, que não sendo educadores, só se valem das armas da CLT para o desempenho de seus esforços de comparação entre empregos e estágios. Daí que, na visão de alguns, mais fácil seria condenar, de plano, todos os estágios de ensino médio, como irregulares, obstando a sua realização e punindo “in limine” as empresas que os oferecem com multas astronômicas e a obrigação de transformar estagiários em empregados de carteira assinada.

Qual a conseqüência? De um lado, a vedação de se chegar aos fins educativos propostos pela LDB (artigo 35) aos estágios de ensino médio; e de outro, a retração da oferta de estágios pelas empresas, com irremediáveis prejuízos pedagógicos — e também econômicos — infringidos aos jovens, que se vêm impedidos de obter renda mediante o recebimento de bolsas-auxílio. É um caso paradoxal: o mesmo governo que se esmera em promover a inclusão de jovens, como política social prioritária, trabalha ao mesmo tempo contra seus próprios objetivos, nessa equívoca cruzada de impedir que um tipo tão importante de estágio, como o de ensino médio, se concretize.

Paulo Nathanael Pereira de Souza é educador e presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE (e.mail: [email protected])

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