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Realidade do Judiciário no Brasil está longe do ideal

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

6 de maio de 2007, 0h00

O ideal

Qual o Judiciário ideal? O que julga mais rápido? O que julga melhor? O que privilegia julgamentos em apenas duas instâncias? O que está próximo do cidadão, inclusive nos locais mais distantes? O informal? O que especializa seus juízes? O que adere totalmente à informática?

Na verdade, não há uma resposta pronta. Em breve síntese, todos almejam por um Judiciário que decida os conflitos rapidamente e de maneira fundamentada.

A Emenda Constitucional 45/2004 procurou dar ao cidadão o direito à duração razoável do processo. É o que consta no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna. Abrange o processo judicial e o administrativo. É, sem dúvida, o ideal.

A realidade

Eis decisão judicial proferida em processo criminal na comarca de Joinville (SC), que pode ser acessada através do linkhttp://joinville.tj.sc.gov.br/cpopg/pcpoResultadoPG.jsp?CDP=1200079TF0000&nuProcesso=38050344312&nu

Recurso=0&cbPesquisa=NMPARTE&cdForo=38. Foi decidido que o interrogatório dos réus aguardasse a elaboração de pauta de audiências que, por já estar tomada até 2009, iria recair no ano de 2010. Confira-se:

02/08/2006: Aguardando outros

Prazo: 5 dias

formação de pauta

30/03/2006: Aguardando outros

Prazo: 5 dias

19/10/2005: Recebimento

18/10/2005: Despacho outros

VISTOS PARA DESPACHO: Conforme decisão de fl. 80, cumpre designar os interrogatórios. Entretanto, considerando que a pauta deste Juízo, para réus que respondem em liberdade, está tomada até o ano de 2009, aguarde-se a formação de nova pauta.

14/10/2005: Concluso para despacho

14/10/2005: Aguardando envio para o Juiz

O despacho judicial merece reflexão. Não para atacar o juiz de direito ou a justiça de Santa Catarina. Bem ao contrário, para mostrar a situação de crise do Poder Judiciário em geral. Não há problemas graves na justiça catarinense. Na verdade, ela foi pioneira ao implantar a informática em todas as suas comarcas, nela não se registram casos de corrupção e os concursos para ingresso na magistratura são rigorosos. O que se quer mostrar com a exibição da decisão judicial é que o sistema judicial brasileiro passa por séria crise e que, entre o ideal e a realidade, há um abismo que cada vez se aprofunda mais.

A crise do sistema judiciário

A situação crítica do Poder Judiciário começou após a vigência da Constituição de 1988. Pródiga na concessão de direitos, ela resultou em uma explosão de processos que desaguaram em um Judiciário despreparado para os novos tempos. Como afirmado pelo jornalista Gaudêncio Torquato, “Os instrumentos criados para assegurar celeridade à Justiça – juizados especiais de pequenas causas cíveis e criminais, rito sumaríssimo na Justiça do Trabalho, súmula vinculante, súmula impeditiva de recursos, tutela antecipada — são uma gota d´água no oceano dos processos” (O Estado de São Paulo, 29/4, A-2).

Em que pesem boas tentativas de vários tribunais, a ineficiência vem vencendo a luta. Como aceitar Juizados Especiais Federais com 30 mil processos? Como compreender que o estado de São Paulo, com o maior tribunal do mundo (400 magistrados, 360 desembargadores e 40 juízes substitutos de segunda Instância) não consiga julgar seus recursos em tempo hábil? Como aceitar que em gabinetes dos ministros do Supremo Tribunal possam haver 10 mil processos aguardando julgamento? Como compreender que ações penais originárias que tramitam nos tribunais (casos de foro privilegiado) não cheguem ao fim? É óbvio que o problema não é dos magistrados que atuam nesses e em outros órgãos do Judiciário, mas sim do sistema. Na verdade, estes magistrados, de instâncias e de justiças diversas, sofrem o desgaste pessoal da impossibilidade de atingir suas metas.

Indagações apropriadas

A constatação desta realidade permite que se façam algumas perguntas. Vejamos: a) o que está levando a essa realidade? b) quais as conseqüências? c) o que pode ser feito para fazer cessar a crise? Óbvio que não há uma atitude mágica a resolver todos os problemas. Mas reconhecê-los e se dispor a enfrentá-los é o primeiro passo. Vejamos, então, as indagações feitas.

4.1: É difícil responder quais os motivos estão levando à crise do sistema. Mas é possível afirmar que alguns deles são: a) a explosão populacional nos grandes centros; b) a falta de estrutura do Poder Judiciário (em alguns estados o orçamento é de manifesta insuficiência); c) o insucesso das ações coletivas para resolver os problemas de massa; d) o cipoal legislativo; e) o uso sistemático de recursos processuais pelo poder público, mesmo em matérias com jurisprudência consolidada; f) a existência de fato de quatro instâncias, tornando as ações cíveis e penais intermináveis; g) a complexidade dada às execuções no cível (que agora se tenta corrigir via reforma processual); h) o pouco uso do sistema de conciliação nas ações (os juízes têm formação para decidir e não para conciliar); i) a demora do Judiciário em adaptar-se aos novos tempos, criando mecanismos simples de agilização dos processos (por exemplo, auto-atendimento nos cartório para entrega de petições); j) a falta de cursos de capacitação para os servidores.

4.2: A segunda, a respeito das conseqüências, merece a preocupação de todos. O Judiciário é o último baluarte da cidadania. Sua ineficiência pode resultar em: a) adoção de instituições paralelas, dentro da lei (Tribunais Arbitrais) ou fora da lei (soluções aos conflitos através de organizações criminosas, milícias, justiceiros, etc.); b) o aumento dos pedidos de preferência nos julgamentos que, por vezes, limitam-se apenas a um pedido legítimo de solução e, em outras, vão além, envolvendo verdadeiro tráfico de influência; c) a perda de fé no sistema, que pode resultar na perda de fé no estado democrático e que, por isso mesmo, é a mais grave.

4.3: Finalmente, a terceira indagação, ou seja, o que pode ser feito para fazer cessar a crise e evitar que o sistema entre em estado de total descrédito? A resposta é: tudo o que for possível. A começar: a) reforma constitucional e legislativa que, ao lado de renomados professores, deve ter também pessoas com conhecimento prático, com isto evitando equívocos como o fim das férias forenses na segunda instância, que criou uma sucessão de problemas e prejudicou em muito o julgamento nos tribunais; b) criação de um órgão nacional (incluídas todas as justiças), com estrutura e legitimidade para pesquisar e propor metas de aprimoramento, como nos Estados Unidos, onde há o National Center for State Courts, em Williamsburg, Virgínia. Se possível, um órgão com personalidade jurídica de Direito Privado, com uma estrutura enxuta e o informalismo necessário. Deve ser presidido por um magistrado e ter em seu corpo pessoal de áreas técnicas, como administração pública, relações humanas, sociologia, estatística e outras; c) realização de cursos para juízes e servidores em administração da Justiça; d) valer-se o Poder Judiciário da técnica e da rica experiência das empresas bem sucedidas, principalmente na área de relações humanas; e) implantação da Súmula vinculante, providência que já tarda e que evitará milhares de ações repetitivas, obrigando também a administração pública a adaptar-se à jurisprudência consolidada.

Conclusão

Em suma, não se pretende, neste artigo, encontrar a solução para os problemas do Poder Judiciário brasileiro. E nem apontar culpados. O que se quer é deixar evidente que o problema é grave, o sistema está entrando em colapso e algo precisa ser feito para o bem da sociedade e do Brasil. Ao que foi dito, muito pode ser acrescido e feito. Mas tem que ser logo. Amanhã poderá ser tarde.

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