Valor moral

Quanto vale a dor da mãe que teve o filho assassinado?

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5 de maio de 2007, 0h00

Qual o valor da indenização a ser paga a uma mãe que perdeu seu filho de 17 anos numa desastrada operação policial? A pergunta foi feita à 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, que tem posição firmada sobre o assunto. A turma julgadora se defronta com a situação embaraçosa de estabelecer critério para fixar o valor da reparação pela dor, angústia e sofrimento daquela mãe e apontar o limite do que foi chamado de enriquecimento indevido e sem causa.

Thiago Passos Ferreira foi espancado e executado com um tiro na cabeça após sair de um baile de Carnaval no Ilha Porchat Clube, de São Vicente, no Litoral paulista. Depois, seu corpo e os de outros dois amigos foram jogados num manguezal, na cidade vizinha de Praia Grande. O corpo só foi encontrado 16 dias depois. Os autores dos crimes foram quatro PMs do Regimento de Cavalaria 9 de Julho. O caso aconteceu há oito anos e ganhou repercussão internacional.

Silvia Regina Ferreira Giordano, mãe de Thiago, entrou com ação de responsabilidade civil e indenização por danos morais e materiais contra o Estado. Em primeira instância, a juíza Luciana Almeida Prado Bresciani, da 1ª Vara da Fazenda Pública, julgou procedente a ação e condenou a Fazenda de São Paulo a pagar indenização, por danos morais, no valor de R$ 600 mil e a arcar com as despesas funeral e de buscas do corpo da vítima que foi estabelecida em R$ 3.594,39.

A Fazenda não ficou satisfeita com a sentença e recorreu ao Tribunal de Justiça. O governo sustenta que não está obrigado a indenizar por suposta responsabilidade de um de seus agentes, pois não seria ele o responsável pelo ato lesivo e injusto causado à vítima. Subsidiariamente, a Procuradoria do Estado pede a redução da indenização com o fundamento de que o valor não deve provocar enriquecimento sem causa. O primeiro argumento que já fora rechaçado em primeiro grau teve o mesmo destino no segundo. No entanto, a tese subsidiária encontrou apoio no tribunal.

O advogado Nazário Guirão, que representa a mãe da vítima, também entrou com recurso. Reclamou o aumento do valor da indenização por dano moral para 10.800 salários mínimos (cerca de R$ 4,1 milhões) e que, nos danos materiais, fosse incluída a condenação do Estado ao pagamento de uma pensão mensal. Por maioria de votos (dois a um) a 13ª Câmara de Direito Público reformou a sentença e aceitou parte da reclamação do Estado para reduziu a indenização, por danos morais, em R$ 300 mil. Decidiu, ainda, acatar a reclamação da autora da ação e estabeleceu pensão mensal de 1/3 do salário mínimo — da data da morte até quando a vítima completaria 25 anos — e depois, de 1/6, tendo como limite a data em que a vítima completaria 65 anos.

“Uma vida e o sofrimento por sua perda jamais podem ser avaliados em dinheiro, mas a indenização deve ficar dentro dos lindes do razoável, para que não provoque o enriquecimento sem causa da vítima”, afirmou o relator, Ivan Sartori, para defender a manutenção do dano moral em R$ 600 mil. Nessa questão Sartori foi voto vencido.

O revisor, Oliveira Passos e o 3º juiz, Rui Stoco, argumentaram que, no caso, deveria ser observado o princípio da razoabilidade e reduzida a indenização para R$ 300 mil. “Na fixação do valor do dano moral impõe-se a modicidade e o equilíbrio, afastando-se a possibilidade de enriquecimento indevido”, sustentou o 3º juiz.

Rui Stoco também sustentou que a mãe de Thiago não teria direito a pensão mensal porque a vítima era adolescente e não exercia qualquer atividade remunerada. O desembargador argumentou que a fixação de uma pensão seria “verdadeiro exercício de futurologia”, pois, segundo ele, não se poderia prever que Thiago contribuiria para a manutenção da família.

Rui Stoco argumentou que o “alentado” valor de R$ 300 mil estipulado pela maioria da turma julgadora, que seria paga de uma só vez, com juros de 1%, poderia render cerca de R$ 3 mil mensais. “Nada justifica que se conceda pensão mensal aos pais pela morte de filho menor se este não exercia qualquer atividade, de sorte que não há como presumir que se vivo fosse iria contribuir para o sustento da família”, concluiu Rui Stoco, que foi vencido.

A câmara foi chamada de novo para apreciar o mesmo tema. As partes ingressaram com recurso (embargos infringentes), que agora seria apreciado por um colegiado mais amplo, formado por cinco desembargadores. A decisão poderá sair na próxima quinta-feira (10/5).

A Lei não aponta uma regra matemática para a aplicação do valor do dano. O critério fica por conta do juiz. O que está firmado é que a reparação não apaga o sofrimento da vítima, apenas ameniza, na medida em que o fato tenha reconhecimento judicial, servindo de resposta ao seu desalento. Já em relação ao ofensor, serve como freio para impedir que a conduta se repita.

Os fatos

No dia 17 de fevereiro de 1999, uma quarta-feira de Cinzas, os quatro policiais teriam espancado e matado três adolescentes (Thiago Passos Ferreira, Anderson Pereira dos Santos e Paulo Roberto da Silva) na Baixada Santista. Os adolescentes haviam ido brincar o Carnaval em São Vicente.

Era quase manhã quando deixaram o local e foram à praia do Itararé. No local se envolveram numa briga com outros dois rapazes, que chamaram a polícia. Quatro policiais do Regimento de Cavalaria 9 de Julho, que foi deslocado para a Baixada Santista no Carnaval, espancaram os adolescentes, levaram-nos a um manguezal e os mataram com tiros na cabeça. As famílias das vítimas só encontraram os corpos depois de 16 dias.

Os PM foram expulsos da corporação e já começaram a ser julgados. O Ministério Público sustentou a tese de que os ex-policiais executaram os rapazes porque estavam cientes de que abusaram do uso da força. Decidiram matar os adolescentes para sumir com as evidências com o objetivo de ficar impunes. O manguezal teria sido escolhido para ocultar os corpos por ser um local de difícil acesso e por ser um ambiente que facilitaria a decomposição dos corpos.

Os quatro respondem pelos crimes de homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver, espancamento e abuso de autoridade.O primeiro a ser julgado foi Edvaldo Rubens de Assis condenado a 49 anos. O segundo foi o ex-soldado Marcelo de Oliveira Christov, que pegou 56 anos de reclusão. O ex-segundo-tenente Alessandro Rodrigues de Oliveira ainda vai a Júri e o último a enfrentar o tribunal será o ex-PM Humberto da Conceição.

Edvaldo foi o único que confessou ter feito os disparos. Humberto e Edvaldo teriam ocultado os corpos dos adolescentes. Já Alessandro e Marcelo alegaram nos depoimentos que apenas espancaram os garotos e os colocaram no camburão que os levou ao local da execução.

Os réus já haviam ido a Júri popular e condenados em 2001, mas em 2004 uma decisão do TJ determinou a realização de novo julgamento.

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