Exploração legal

Jogo legal pode ser fonte de recursos para segurança pública

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4 de maio de 2007, 17h25

A Operação Hurricane deixou evidente para a opinião pública algo que as pessoas que estudam o tema vinham alertando há muito tempo. Como se viu, deixar a exploração de jogos de azar em zona cinzenta entre a legalidade e a clandestinidade trouxe benefícios apenas aos servidores públicos que optaram pela corrupção.

Foi nessa linha que, segundo se noticiou, fiscais, policiais, magistrados, procuradores etc., se aproveitando, de um lado, da tolerância com que a sociedade vê essa atividade, e, de outro, da fragilidade legal em que os exploradores do jogo se encontravam, instalaram a hoje denominada máfia dos bingos, se apropriando de vultosas quantias.

Nesse ponto, merece reconhecimento a primorosa investigação levada a efeito pela Polícia Federal, que demonstrou competência para, sobretudo, manter a investigação sob o sigilo indispensável a seu sucesso. A situação de incerteza jurídica cria grande campo de atuação aos comprometidos com a corrupção no interior da administração pública e afasta da atividade exploratória do jogo qualquer grupo empresarial sério.

Não me encontro entre os que se posicionam contrariamente à exploração legal do jogo. Creio que a visão de que o jogo é uma atividade marginal e que favorece a prática de outros crimes é equivocada e ultrapassada. Veja-se que, na maioria das democracias ocidentais, o jogo é legal, gera bom número de empregos e se constitui em valiosa fonte de recursos para o setor público.

Nesse sentido, Itália, Inglaterra, França, Espanha, Portugal, EUA etc. legalizaram a exploração do jogo sem que isso tenha significado facilitação à criminalidade. A lavagem de dinheiro, que é comumente associada aos cassinos, é hoje eficientemente reprimida mediante controles eletrônicos que a tecnologia moderna admite. Além disso, qualquer empresa do setor de serviços, como bares, restaurantes, casas de espetáculos etc., pode se prestar à lavagem de dinheiro -sem que se imagine proibir essas atividades.

A regulamentação do jogo traria, ainda, benefícios aos consumidores desse tipo de entretenimento, possibilitando a existência de comissões de controle do jogo que, como é feito no Estado de Nevada, nos EUA, limitariam os lucros e imporiam a manutenção de programas de assistência a jogadores compulsivos.

Apenas para exemplificar, enquanto em algumas partes dos EUA as comissões de controle do jogo determinam que as máquinas caça-níqueis devolvam em prêmios, no mínimo, 90% do que arrecadam, a maioria das máquinas apreendidas pela polícia de São Paulo em 2000 (quando fizemos a primeira grande operação contra o jogo clandestino) devolvia menos de 50% de sua arrecadação em prêmios. Porém, acima de tudo, a exploração legal do jogo pode ser valiosa fonte de recursos para a área da segurança pública, que hoje não possui nenhuma receita vinculada.

A cobrança de uma taxa mensal para o funcionamento de determinados equipamentos, como caça-níqueis, mesas de jogo etc., pode ser legalmente canalizada para gastos com segurança pública, inclusive para o incremento dos vencimentos dos policiais. É necessário, pois, coragem e ousadia para propor uma regulamentação forte e que outorgue segurança a grupos empresariais sérios que estejam dispostos a efetivar os vultosos investimentos necessários a esses empreendimentos. Creio, assim, que o jogo deve ser estatizado, permitindo-se sua exploração mediante concessão a grupos econômicos que assumam compromissos formais com investimentos e geração de empregos e se submetam ao regime tributário estabelecido pela lei, além da fiscalização permanente de comissões de controle do jogo.

O jogo é um negócio que movimenta muitos recursos e que tem plena aceitação pela população brasileira, conforme comprova o antigo sucesso do jogo do bicho e, agora, dos bingos. Esse negócio continuará a existir nos subterrâneos, sem controle e favorecendo a corrupção, ou à luz do dia, como atividade negocial, submetida ao controle estatal, como ocorre nas democracias ocidentais.

No Brasil, onde temos o péssimo hábito de estatizar o risco negocial inerente ao capitalismo, essa é uma rara oportunidade de, ao inverso, trazer às receitas públicas enormes recursos que hoje são encampados pela corrupção e pelo desvio.

[Artigo publicado originalmente pela Folha de S. Paulo, nesta sexta-feira, 4 de maio de 2007].

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