Remição da pena

Educação é meio mais eficaz de ressocialização do preso

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4 de maio de 2007, 16h37

Questão interessante que tem sido muito discutida ultimamente, no campo da execução penal, é a de se saber se é cabível ou não a remição, pelo estudo, da pena do reeducando, a exemplo do que ocorre com o trabalho.

O instituto da remição está previsto no artigo 126, caput, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), que dispõe:“O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena”.

Se a própria lei, como se observa, não distingue a natureza do trabalho para fins de remição, ou seja, não diferencia trabalho braçal do intelectual, é vedado ao intérprete do direito fazê-lo, em prejuízo do reeducando.

O estudo, como sabemos, é atividade laborativa intelectual. No Dicionário Aurélio, o vocábulo trabalho, dentre outros significados, indica: “Atividade coordenada, de caráter físico e/ou intelectual, necessária à realização de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento”. E o vocábulo estudo, dentre outros significados, indica: “Trabalhos que precedem a execução de um projeto” ou “trabalho literário ou científico sobre um assunto”.

Como ensina Júlio Fabbrini Mirabete, “Não distingue a lei quanto à natureza do trabalho desenvolvido pelo condenado. Assim, a remição é obtida pelo trabalho interno ou externo, manual ou intelectual, agrícola ou industrial,” (in Execução penal – 11ª Edição – Atlas – pág. 519).

Por outro lado, o artigo 1º da Lei de Execução Penal é claro ao determinar que um dos objetivos da execução penal é “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”; assim, as normas que regem a execução penal devem ser interpretadas visando a tais objetivos. Dessa forma, por aplicação analógica do artigo 126 da Lei de Execução Penal, o estudo, como trabalho intelectual, deve ser aceito para remir parte do tempo de execução da pena.

Nesse sentido, ainda a lição do professor Júlio Fabbrini Mirabete, discorrendo acerca da analogia (in “Processo Penal”, Ed. Atlas, 1998, 8ª ed., pág. 54).“A analogia é uma forma de auto-integração da lei. Na lacuna involuntária desta, aplica-se ao fato não regulado expressamente um dispositivo que disciplina hipótese semelhante”.

Assim, o tempo de estudo do presidiário, devidamente comprovado pela administração penitenciária, deve ser, sim, computado para fins de remição, porque guarda nítida semelhança com o trabalho, pois ambos visam a atingir os objetivos da Lei de Execução Penal.

A jurisprudência do saudoso Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo já era majoritária ao afirmar que:“É admissível a contagem do tempo de estudo para fins de remição das penas do sentenciado, pois a instrução escolar e a formação profissional do preso devem ser estimuladas mediante compensações adequadas. A interpretação extensiva do artigo 126 da LEP não contraria – antes, reflete, traduz e concretiza – os objetivos da pena” (Agravo em Execução 1.348.049/2, Relator Corrêa de Moraes, TACRIM/SP).

“Remição — deferimento em razão da contagem do tempo do estudo admissibilidade: — o tempo de estudo serve a remir parte da reprimenda, uma vez que não há proibição, implícita ou explícita, na lei e nos bons costumes, devendo ser estimuladas, mediante compensações adequadas, a instrução escolar e a formação profissional do preso. A interpretação extensiva do artigo 126 da LEP não contraria — antes, reflete, traduz e concretiza — os objetivos da pena” (Recurso: Agravo em Execução — Processo: 1344949/7 — relator: Corrêa De Moraes — 7ª. Câmara – Votação: V.U. — Data: 27/03/2003).

Ainda: “É possível pela analogia in bonam partem, reconhecer o direito do condenado de remir parte da pena considerando-se a efetiva e comprovada freqüência escolar, uma vez que há inegáveis partes de afinidade entre a educação e o direito ao trabalho, ambos visando a ressocialização do preso” (Agravo em Execução 1.349.425/9, relator Renê Ricupero, TACRIM/SP).

“Remição — consideração do tempo de estudo do sentenciado — admissibilidade: — é admissível considerar-se, para fins de remição de penas, o tempo em que o sentenciado estudou em curso oficial, pois, embora o artigo 126 da LEP refira-se aquele benefício nos limites da prestação de trabalho, não há como se negar que o estudo é benéfico e eficiente na recuperação do condenado” (Recurso: Agravo em Execução — processo: 1428723/7 — relator: Claudio Caldeira, da 16ª Câmara — Votação: M.V. — Data: 13/05/2004).

“Remição — consideração do tempo se estudou no presídio ou da efetiva freqüência do condenado a cursos diversos — admissibilidade: É admissível a remição da pena pelo tempo de estudo no presídio ou pela efetiva freqüência do condenado a cursos de qualquer natureza, equiparando-se tais situações com o trabalho referido no artigo 126 da LEP” (Recurso: Agravo em Execução — processo: 1351491/0 — relator: Carlos Bueno — 3ª Câmara — votação: M.V. – Data: 08/04/2003).

Recentemente, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, confirmando decisões das instâncias ordinárias, negou recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo, que pretendia impedir a remição da pena por estudo, para condenado por latrocínio. O ministro Gilson Dipp, relator do recurso afirmou:

“A Lei de Execuções Penais previu a remição como maneira de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação. ‘In casu’, o juízo de 1º grau concedeu ao apenado o benefício da remição, com base na sua freqüência em aulas de alfabetização, em uma interpretação analógica do vocábulo ‘trabalho’ inscrito no artigo 126 da LEP”.

E prosseguiu o ministro:“Essa interpretação extensiva ou analógica, longe de afrontar o artigo 126 da LEP, deu-lhe, antes, correta aplicação, considerando-se a necessidade de se ampliar, no presente caso, o sentido ou alcance da lei, para abarcar o estudo dentro do conceito de trabalho, uma vez que a atividade estudantil, tanto ou mais que a própria atividade laborativa, se adequa perfeitamente à finalidade do instituto, que é a readaptação e ressocialização do condenado”.

Como se vê, o objetivo da lei é incentivar o bom comportamento do preso e sua readaptação à vida social, e a interpretação extensiva, no caso, seria necessária, por se considerar que a educação formal é o meio mais eficaz de integração do indivíduo à sociedade.

Finalizando: quem de nós, em sã consciência, poderia negar que, se não tivesse tido a oportunidade de estudar, não tivesse, talvez, palmilhado o caminho da marginalidade?!

Louri Geraldo Barbiero é juiz de Direito em Segundo Grau, integrante da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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