Falha na segurança

Empresa é responsável por furto de carro em seu estacionamento

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3 de maio de 2007, 15h32

O supermercado, que oferece estacionamento privativo, é responsável pela guarda dos veículos. O entendimento é da 1ª Vara Cível de Taguatinga (DF), que condenou o Carrefour a pagar indenização por danos materiais e morais a um cliente que teve o carro furtado no estacionamento da loja. Cabe recurso.

Para a juíza Sandra Reves Vasques Tonussi, o estacionamento privativo é um diferencial levado em consideração pelo cliente que faz as compras no supermercado. “Quando determinado estabelecimento comercial oferece estacionamento privativo e se utiliza deste benefício como diferencial destinado a angariar clientela, oferecendo maior comodidade e segurança, deve responder pelos danos causados aos veículos de seus clientes, visto que atrai para si o dever de guarda e vigilância dos automóveis deixados sob sua tutela (Súmula 130/STJ), não havendo se falar em fato de terceiro ou responsabilidade do Estado”, afirmou.

O Carrefour alegou que o furto não ocorreu nas dependências do supermercado e que a cópia do cartão de acesso ao estacionamento não descreve a loja, a data e o veículo ou o usuário. Sustentou, ainda, que, diante do elevado número de extravio mensal, o cartão apresentado pelo cliente poderia ter sido facilmente copiado.

Segundo a juíza, o cartão de estacionamento, documento do veículo, cupom fiscal e boletim de ocorrência atestaram, de forma inequívoca, que o furto ocorreu dentro do supermercado. Além disso, o fato de a empresa assumir que muitos cartões são extraviados comprova as falhas de segurança no estacionamento que disponibiliza aos consumidores.

O supermercado alegou, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor não deve ser aplicado ao caso. Motivo: por não cobrar pelo acesso, não é prestador de serviços de estacionamento. A juíza explicou que a relação entre as partes caracteriza-se como de consumo, nos moldes do artigo 17 do código. Ela afirmou, ainda, que “a obrigação de guarda encontra-se amparada, antes, no risco da atividade comercial e lucrativa desenvolvida pelo réu, ainda que não exija contraprestação pecuniária pela utilização do estabelecimento”.

O Carrefour terá que pagar, além do valor correspondente ao veículo, a ser apurado em liquidação de sentença, indenização por danos morais no valor de R$ 2 mil e mais R$ 70,00 gastos com o táxi no dia do furto.

Leia a sentença:

1ª VARA CÍVEL DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE TAGUATINGA

Processo 2006.07.1.009842-2

SENTENÇA

Trata-se de ação de indenização movida por RAIMUNDO BRITO BEZERRA contra CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, partes qualificadas nos autos.

Alega que, no dia 6/11/2005, por volta das 09:30h, o veículo de sua propriedade GM/CHEVROLET D-20 CUSTON, CHASSI 9BG244RANNCO10559, PLACA GTR 4348, foi furtado dentro do estacionamento privativo do réu quando realizava compras no citado supermercado. Diz que o réu não prestou qualquer assistência ao autor e que foi compelido a contrair financiamento para a aquisição de um novo veículo. Acrescenta que um mês antes do furto realizou uma revisão completa no automóvel. Ressalta o descaso do réu diante de sua situação.

Assevera que, além dos danos morais, sofreu prejuízos materiais da ordem de R$ 30.390,00 (trinta mil, trezentos e noventa reais), representados pelo valor do automóvel (R$ 30.000,00), despesas com transporte escolar (R$ 320,00) e táxi (R$ 70,00). Requer a condenação do réu no pagamento da quantia de R$ 30.390,00, a título de danos materiais, e de importância a ser arbitrada pelo Juízo à guisa de danos morais, além dos benefícios da gratuidade de justiça.

Deferida a gratuidade à fl. 25.

Devidamente citado, o réu apresentou contestação tempestiva às fls. 59 e seguintes, alegando que o evento descrito na inicial não ocorreu nas dependências do supermercado. Sustenta que a cópia do cartão de acesso ao estacionamento do réu de fl. 20 não descreve a loja em que entregue, a respectiva data e o veículo usuário. Diante do elevado número de extravio mensal, sugere que o aludido cartão pode ser facilmente copiado.

Argumenta que o Boletim de Ocorrência acostado à inicial não gera presunção de veracidade acerca da ocorrência do suposto furto. Diz que o réu disponibiliza estacionamento por uma imposição legal, não havendo obrigação de vigilância. Acrescenta que a captação de clientela é feita essencialmente pela política de preços e diversidade de produtos.

Tece considerações sobre a Súmula 130/STJ, asseverando a inexistência de contrato de depósito ou lei que impute ao réu o dever jurídico de garantir a incolumidade dos veículos de seus clientes. Afirma ser o caso de força maior e de fato de terceiro, tendo a aludida excludente de responsabilidade rompido eventual obrigação legal ou contratual.

Aduz que não atuou com culpa ou dolo, não havendo praticado qualquer ato ilícito. Entende que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à hipótese dos autos, visto que o réu não presta serviços de estacionamento de veículos, pois não cobra pelo acesso à área. Menciona que segurança pública é dever do Estado.


Expõe que a apuração do quantum indenizatório deve ser fixado em liquidação de sentença e que a condenação deve se limitar a obrigar a parte a entregar veículo semelhante. Insiste que o autor não provou o valor do veículo descrito na inicial, descurando de demonstrar o fato constitutivo de seu direito. Declara que o autor não provou a relação dos gastos com táxi e transporte escolar e o evento danoso. Alega que a negativa do réu em indenizar não pode ensejar dano moral, máxime tendo em vista não existir lei impondo tal obrigação. Requer a improcedência do pedido.

Réplica às fls. 80/85.

Instadas as partes a dizerem sobre provas, o autor postulou a produção de prova oral (fls. 91/92) e o réu não manifestou interesse na dilação probatória (fl. 89).

Relatados,

DECIDO.

Julgo antecipadamente a lide na forma do artigo 330, I, do Código de Processo Civil, posto ser inútil a dilação probatória vindicada pelo autor.

O autor colima ser indenizado pelos danos materiais sofridos em razão de furto de automóvel ocorrido no interior de estacionamento mantido pelo estabelecimento réu. Este, a seu turno, contrapõe-se à pretensão deduzida aduzindo que o suposto furto não ocorreu em seu estacionamento, que não possui dever contratual ou legal de indenizar, que não atuou com culpa, que a hipótese dos autos constitui força maior e fato de terceiro, que o autor não logrou comprovar os danos que diz ter sofrido.

Inicialmente cumpre esclarecer que a relação jurídica havida entre as partes é qualificada como de consumo nos moldes do artigo Art. 17 da Lei nº 8.078/90. Na hipótese, o autor se equipara a consumidor na medida em que constitui vítima do evento narrado na inicial, respondendo o réu de forma objetiva, vale dizer, independente da existência de culpa, pela reparação dos danos àquele causados.

O evento danoso e o nexo causal restaram devidamente evidenciados pelos documentos de fls. 15/21, que atestam de forma extreme de dúvidas que o furto ocorreu dentro do estabelecimento réu.

O Cartão de estacionamento de fl. 20 e o Certificado de registro de veículo de fl. 18, aliados ao Cupom fiscal de fl. 18, à Certidão da Delegacia de Roubos e Furtos de fl. 17 e à Ocorrência Policial de fls. 15/16, são provas incontestes de que o veículo de propriedade do autor encontrava-se no interior do estacionamento do supermercado réu na data e horário do furto descrito na inicial.

Embora o citado Boletim de Ocorrência não gere, por si só, a presunção de veracidade dos fatos neles mencionados, é suficiente para formar a convicção desta Magistrada acerca da ocorrência do furto quando analisado juntamente com as demais provas constantes dos autos (fls. 17/21).

A insistência do réu na tese de que a cópia do aludido cartão de acesso ao estacionamento não descreve a loja em que entregue, a respectiva data e o veículo usuário, bem como de que um elevado número destes cartões é extraviado mensalmente, somente trás à tona as falhas de segurança no sistema do estacionamento que colocou à disposição dos consumidores.

Embora o réu sustente o contrário, quando determinado estabelecimento comercial oferece estacionamento privativo e se utiliza deste benefício como diferencial destinado a angariar clientela, oferecendo maior comodidade e segurança, deve responder pelos danos causados aos veículos de seus clientes, visto que atrai para si o dever de guarda e vigilância dos automóveis deixados sob sua tutela (Súmula nº 130/STJ), não havendo se falar em fato de terceiro ou responsabilidade do Estado.

Com efeito, a imposição do Código de Edificações do Distrito Federal não tem o condão de elidir esta responsabilidade do fornecedor, cuja obrigação de guarda encontra-se amparada, antes, no risco da atividade comercial e lucrativa desenvolvida pelo réu, ainda que não exija contraprestação pecuniária pela utilização do estacionamento.

Outrossim, não convence a alegação do réu de que a comodidade e a segurança de um estacionamento privativo não integram a escolha do supermercado por parte do consumidor, máxime tendo em vista a alta concorrência existente em tal setor da vida empresarial no Distrito Federal.

Impende salientar que a existência de eventual o furto no estacionamento privativo mantido pelo réu não só integra sua esfera de previsibilidade como decorreu exclusivamente da deficiência de seu sistema de segurança, não constituindo hipótese de força maior.

Assim, não demonstrada a ocorrência de qualquer excludente de responsabilidade, surge para a ré o dever de indenizar, restando, apenas a análise do quantum pretendido.

O autor postula a condenação do réu no pagamento da quantia de R$ 30.370,00, a título de danos emergentes materiais: veículo (R$ 30.000,00); transporte escolar dos filhos por dois meses (R$ 320,00), despesas com táxi no dia do evento danoso (R$ 70,00).


A pretensão deduzida merece guarida judicial em parte.

No tocante ao valor do veículo, não merece guarida judicial a alegação de que a condenação deva se limitar a compelir o réu a entregar veículo semelhante, posto tratar-se de dano extracontratual em que não há uma obrigação preexistente a impor tal conduta. Contudo, o réu está com a razão quando afirma que o respectivo quantum indenizatório há de ser fixado em liquidação de sentença. No caso dos autos, em liquidação por arbitramento, uma vez que se revela imprescindível estimar o valor do veículo do autor na data do evento danoso de modo a estabelecer a exata diminuição no patrimônio do demandante.

Quanto às despesas com transporte escolar, além de os documentos de fl. 24 não se prestarem a comprovar o efetivo desembolso por parte do autor, não consta dos autos as respectivas certidões de nascimento dos propalados filhos do autor.

No que tange aos gastos com táxi, o autor não provou a relação dos gastos com táxi e transporte escolar e o evento danoso.

Em relação aos danos morais, é flagrante o transtorno do autor ao retornar da rotineira atividade de compras nas dependências do supermercado réu e não encontrar seu veículo, vindo a ser privado de seu meio de transporte habitual. Na hipótese, o dano moral é evidente, impondo-se sua reparação.

Considerando-se não apenas a situação do autor, militar, mas também, de outro lado, a manifesta solvência da empresa ré, a gravidade do fato e a natureza do dano, tenho que o pagamento da quantia de R$2.000,00 (dois mil reais) é contraprestação pecuniária justa pelo dano moral sofrido.

Embora a indenização pecuniária não apague a dor moral, logra alcançar sua finalidade precípua de amenizar as conseqüências advindas do ato ilícito do réu. Oportunas as palavras de Caio Mario sobre o tema:

” … na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I) punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II) pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material (Mazeaud e Mazeaud, ob. cit.,nº419; Alfredo Minozzi, Danno non patrimoniale, nº66) o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança ( Von Thur, Partie Générale du Code Fédéral des Obligations, I, § 106, apud, Silvio Rodrigues, in loc. cit.). A isso é de acrescer que na reparação por dano moral insere-se a solidariedade social à vitima…” (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. 3ª ed.. Rio de Janeiro: Forense. 1992, p. 315 e 316).”

Pelos fundamentos expostos, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO para condenar o réu a pagar ao autor o valor correspondente ao veículo descrito na inicial, na data do evento danoso (6/11/2005), a ser apurado em liquidação por arbitramento, devendo ser acrescido a tal montante correção monetária e juros moratórios desde 6/11/2005.

Condeno o réu no pagamento da quantia de R$ 70,00 (setenta reais), referente aos gastos com deslocamento de táxi, devidamente corrigida desde 6/11/2005 e acrescida de juros moratórios a partir da citação.

Condeno o réu, ainda, no pagamento da importância de R$2.000,00 (dois mil reais), a título de danos morais, devidamente corrigida e acrescida de juros moratórios a partir da publicação desta sentença.

Em face da sucumbência mínima do autor, condeno o réu no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 10 % do valor da condenação.

O não pagamento voluntário do débito no prazo de quinze dias após o trânsito em julgado importará o acréscimo ao valor devido de multa de 10% (Art. 475-J do Código de Processo Civil).

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Taguatinga, 28 de fevereiro de 2006.

SANDRA REVES VASQUES TONUSSI

JUÍZA DE DIREITO

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