Sem autocomplacência

Judiciário corta na própria carne ao mandar prender juízes

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2 de maio de 2007, 18h23

Nas duas últimas semanas, desde que foi tornada pública a Operação Furacão, o que mais se tem dito é que a Justiça se deixou contaminar pelo crime organizado, em função da prisão de desembargadores e mandados de busca e apreensão em gabinetes de magistrados. É um equívoco amplamente disseminado atribuir o papel de combate ao crime apenas à Polícia Federal ou ao Ministério Público, quando todas as operações foram determinadas pelo Supremo Tribunal Federal, no caso da Operação Furacão, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, no caso da Operação Têmis.

O Judiciário, na verdade, está atuando com tenacidade, cortando na própria carne quando manda prender magistrados ou expede mandados de busca e apreensão. O Poder Judiciário, no âmbito da delegação exclusiva que o Estado Democrático de Direito lhe confere de aplicar a lei, demonstrou nas últimas semanas que age sem qualquer inibição ou autocomplacência quando se trata de extirpar pela raiz o mal. Se por um lado é impactante e preocupante ver na mídia o envolvimento de juízes em esquemas criminosos, por outro isso demonstra a atuação firme do Poder Judiciário no combate à criminalidade.

Todas essas operações policiais de desmantelamento de quadrilhas de criminosos organizados que a Polícia Federal tem feito nos últimos anos, amplamente noticiadas – todas, sem qualquer exceção -, foram autorizadas pelo Poder Judiciário. Quebras de sigilo, apreensão de documentos, prisão de suspeitos da prática de transgressões de qualquer ordem, suspensão das atividades de empresas acusadas de ilícitos, apreensão de máquinas caça-níqueis. Enfim, tudo que é necessário na fase de investigação pré-processual para desvendar crimes e ilegalidades tem sido feito graças à atuação firme de juízes que autorizam, ordenam, determinam e expedem os mandados que são cumpridos pela polícia. Sem essas determinações, as diligências policiais não teriam legalidade.

Todavia, não podemos nós, do Judiciário, aceitar qualquer procedimento que, a título de cultivar a transparência e zelar pela moralidade, ignore garantias e direitos que têm fundamentos constitucionais. Por isso, rejeitamos o vazamento de informações, mediante a reprodução de trechos de gravações, documentos ou decisões que constam de inquéritos sigilosos conduzidos pela Justiça. Tais vazamentos repugnam à consciência democrática por motivos vários.

Não se pode, por exemplo, fazer do combate à corrupção, ou crime organizado, caça às bruxas. Para a condenação de quem quer que seja, é preciso garantir ao acusado o direito de defesa, com amparo, ainda, na presunção de inocência. A exposição pública de pessoas sobre as quais ainda não existem indícios suficientes de autoria ou participação criminosa não só desqualifica o trabalho da justiça, do ministério público e da polícia, como ofende garantias constitucionais.

Queremos transparência das atuações dos nossos juízes, mas dentro da legalidade e do reconhecimento de que o Poder Judiciário está na linha de frente do combate à criminalidade.

Temos a obrigação de tornar público à sociedade que o Poder Judiciário não tem medo, não se rende a corporativismos, não se esquiva do cumprimento de seus deveres e atribuições quando se trata de combater práticas espúrias, lesivas e criminosas, mesmo quando tais práticas ocorram no âmbito do próprio Poder Judiciário.

A Justiça está acima do bem e do mal, pois é um bem que toda sociedade busca. O que não está acima do bem e do mal são os homens, principalmente aqueles que, de forma deletéria, levam a sociedade a confundir suas atuações com as instituições a que pertencem e que, por isso, confirmada a atuação criminosa, serão excluídos das funções públicas às quais infelizmente um dia foram tidos como qualificados para exercê-las.Isso o Poder Judiciário fará, tenho certeza.

Osmane Santos, (Ajufe)

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