Voto prematuro

Escuta telefônica flagra ministro do STJ antecipando voto

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1 de maio de 2007, 10h37

Uma das conversas gravadas pela Polícia Federal que deram origem à Operação Hurricane é considerada importante como prova de que o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Medina, antecipava seu voto e até orientava advogados em casos envolvendo interesses particulares.

Ele aparece conversando com o advogado Paulo Eduardo Almeida de Mello, ex-diretor do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, sobre como decidiria um pedido de Habeas Corpus feito para um diretor do Minas Tênis Clube, de uma família tradicional do estado, acusado de uso de uma carteira de policial falsa.

De acordo com reportagem do jornal O Globo, o caso seria votado no dia seguinte à ligação telefônica e Medina era o relator do processo. O STJ, de fato, acabou concedendo o Habeas Corpus que trancou a ação penal.

O diálogo aconteceu no dia 1 de dezembro do ano passado. Presidente do Conselho do Minas Tênis Clube, o advogado Paulo Eduardo liga para o celular do ministro Paulo Medina, que estava grampeado pela PF. Sempre identificado no grampo da PF como Paulo Mello, ele começa elogiando o ministro e dizendo que é muito bom ter “amizades desinteressadas e com confiança ilimitada”.

Em seguida, ele pergunta sobre o Habeas Corpus pedido para o diretor do clube Fernando Furtado Ferreira, denunciado por uso de documento falso. “Estou te ligando também porque você já deve ter visto o processo de um diretor do Minas Tênis Clube”, pergunta Paulo Eduardo.

Leia a conversa

Medina: ‘Você manda, viu?’ Após responder que sim, Medina pede mais detalhes sobre o caso.

Paulo Eduardo, então, relata as circunstâncias em que Fernando, diretor do Minas, foi flagrado usando uma carteira de policial falsa. Ele teria ido a um outro clube do estado para ver como funcionava um campo de golfe porque o Minas também estava interessado em construir um numa unidade sua em Alphaville.

Fernando foi barrado por seguranças do clube identificado como Morro do Chapéu na escuta da PF, apresentou a carteira falsa e foi denunciado à polícia.

Segundo Paulo Eduardo, Fernando estava sem documentos e, quando os seguranças do clube pediram sua identificação, mostrou a carteira de policial que estava no porta-luvas do carro. Ele teria ganhado a carteira falsa de um secretário de Segurança do Paraná, na época em que foi diretor de uma empresa de construção daquele estado.

Nesta altura da conversa, Paulo Eduardo faz menção ao fato de que é comum a concessão deste tipo de carteira de policial para autoridades.

“Você sabe como é.Uma carteira de polícia”, diz Paulo Eduardo. “Sei”, responde o ministro.

“Quando eu era diretor do TRE aqui eu tinha uma também”, comenta o advogado. “Eu sei como é que é”, afirma Medina. Paulo Eduardo emenda: “Possivelmente você deve ter tido como juiz também”.

E o ministro responde: “é”.

Paulo Eduardo explica ainda que o Tribunal de Justiça de Minas havia negado o Habeas Corpus a Fernando. Por isso, ele agora tentava uma decisão favorável no STJ. Em seguida, o ministro Paulo Medina adianta seu voto, de acordo com a PF.

“Eu estou sustentando uma tese aí para… Eu vou falar com você de uma vez.

(…) Eu estou sustentando uma tese de que era realmente um documento… Porte

de documento falso. Só que tem que a falsidade, para fazer uso dela, tem que ser destinação a que ele….. A que ela se dirige.Quer dizer, se é um falso, mas ele não se apresentou como polícia.

Documento de polícia. Então não há. Não há crime. (….) Não há tipicidade. Estou saindo por aí para ver se…. Por aí é mais fácil”.

Medina ainda alerta Paulo Eduardo para a importância de o advogado do diretor do Minas fazer a sustentação oral durante a sessão no STJ.

O ministro completa: “Manda ele (advogado) fazer porque, sem sustentação, é meio perigoso”. Paulo

Eduardo agradece e Medina responde: “Você manda! Você manda, viu? Você manda!”.

Paulo Eduardo avisa que Fernando Martins Pinto, que defendia o diretor do clube, iria ao STJ no dia seguinte.

Segundo o jornal, Paulo Eduardo negou que o ministro tenha antecipado seu voto e classificou de “bobagem” o episódio. Ele confirmou que a carteira de policial tinha realmente sido dada a Fernando por um secretário de Segurança do Paraná.

— Estão fazendo uma tempestade num copo d‘água. Eu indiquei o advogado para o Fernando, que é um rapaz de altíssimo nível, como um favor. Não houve dinheiro envolvido na história ou sequer pagamento de honorários. Ele usou a carteira apenas para se identificar porque estava sem outro documento — disse.

No telefone que consta na lista de assinantes e no Minas Tênis Clube, Fernando Furtado Ferreira não foi encontrado. Ele é diretor de Cultura e Planejamento do clube.

Paulo Eduardo, que hoje é presidente do conselho, já foi presidente do Minas. O advogado do ministro Paulo Medina, Antônio Carlos de Almeida Castro, não foi localizado para comentar a concessão do Habeas Corpus.

O advogado Fernando Pinto Martins disse que não se sentia atingido pelo grampo porque, na sua sustentação oral, defendeu tese diferente da que o relatório da PF informa ter sido mencionada pelo ministro na conversa. Ele afirmou, no entanto, que Medina acolheu o pedido com base nos mesmos argumentos citados na escuta telefônica.

Fernando Furtado Ferreira ganhou o Habeas Corpus da 6ª Turma do STJ por quatro votos a um, tendo sido vencida a ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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