Celas de babel

ONG tenta garantir direito de defesa de réus estrangeiros

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30 de junho de 2007, 0h01

Um sul-africano tentou embarcar para Amsterdã, no Aeroporto Internacional de São Paulo, levando cinco quilos de cocaína no fundo falso de suas sandálias e numa cinta elástica presa ao corpo. Com um passaporte falso. Tudo passou despercebido até o momento do embarque. Só foi pego porque demonstrou nervosismo.

Ele foi condenado em março de 2006. O tempo da condenação é a única informação que tem sobre o seu processo. Motivo: o sul-africano fala inglês e não conseguiu ler os fundamentos da sua condenação — só entendeu os números.

Na prisão, na Penitenciária Cabo PM Marcelo Peres da Silva, na cidade de Itaí, interior de São Paulo, ouviu de outros presos estrangeiros que teria direito a “condicional” e “semi-aberto”. Mas não sabe o que fazer para obter tais benefícios.

O caso não é isolado. Diversas histórias têm chegado ao Instituto de Defesa do Direito da Defesa (IDDD). Não só de presos estrangeiros. Advogados dativos, responsáveis pela defesa desses réus, também comunicaram a ONG sobre as dificuldades que seus clientes têm em entender atos do processo que respondem.

Tive um problema com o passaporte e meu caso foi julgado no dia 13 de março de 2006. Até agora não ouvi nada sobre meu processo. Gostaria de saber sobre a possibilidade de redução de pena e condicional (2/3) e quando. Gostaria também de saber se vocês podem me ajudar a conseguir o semi-aberto”, diz o preso sul-africano na carta enviada ao IDDD.

Para mudar este quadro, a ONG enviou solicitações ao Tribunal de Justiça de São Paulo, Tribunal Regional Federal da 3ª Região, OAB paulista, Defensoria Pública estadual, Secretaria de Segurança Pública e Secretaria de Administração Penitenciária. A intenção é que estes órgãos tomem providências para garantir o direito de defesa de presos estrangeiros.

O IDDD alega que o artigo 5º da Constituição Federal garante aos brasileiros e aos estrangeiros que moram no Brasil a inviolabilidade de seus direitos fundamentais. Dentre eles, o da ampla defesa. A ONG cita, ainda, a Convenção Americana de Direitos Humanos, que garante no artigo 8º, inciso II, alínea ‘a’ o “direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal”.

A ONG argumenta que “pelo que se pôde apurar até o momento, a maioria dos juízes atuantes em São Paulo nomeia intérprete somente como intermediário para a realização do ato de interrogatório, nos termos do artigo 193 do Código de Processo Penal”. E acrescenta: “Não basta, no entanto, ao réu estrangeiro entender as perguntas que lhes são feitas em interrogatórios e ser entendido pelo juízo em suas respostas. O intérprete deve traduzir todos os atos do processo para viabilizar o pleno exercício da autodefesa e de seu direito de recorrer”.

Os pedidos e as respostas

Ao TJ e TRF-3, o IDDD pede que seja criado um grupo de trabalho formado por membros dos próprios tribunais para avaliar a questão da ampla defesa do réu estrangeiro. Também sugere o envio de ofícios aos consulados estrangeiros para solicitar convênios para o auxílio gratuito na tradução dos atos processuais.

O TJ paulista respondeu para a revista Consultor Jurídico que o ofício foi enviado à Corregedoria do tribunal, responsável por analisar o caso. O TRF-3 informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não recebeu qualquer solicitação da ONG. Também afirmou que o tribunal sempre atuou para assegurar o direito de ampla defesa dos estrangeiros detidos no Brasil.

“O TRF-3 foi o primeiro tribunal do país a tomar a providência de enviar ofício para todos os consulados e embaixadas instalados no país determinando a tradução, em todas as línguas possíveis, das notas de culpas e termos de garantia constitucional para que o estrangeiro tome ciência do que está sendo acusado e porque foi preso. Todas as superintendências e delegacias da Polícia Federal dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul dispõem deste documento”, diz em nota.

À Secretaria de Segurança Pública e Secretaria de Administração Penitenciária, a ONG solicita que seja informado o número atual de presos estrangeiros (condenados e provisórios) que compõem a população carcerária do sistema penitenciário paulista. Para a ConJur, a Secretaria de Segurança Pública informou que são 33 presos estrangeiros em cadeião. A Secretaria de Administração Penitenciária não forneceu o número de estrangeiros detidos nas penitenciárias que administra.

Para a OAB paulista, o instituto pede que a entidade estude a possibilidade de criar uma lista de advogados que dominem os idiomas inglês e espanhol e possam atuar como dativos na defesa de clientes estrangeiros através do convênio com a Defensoria Pública estadual.

Luiz Antônio Ignácio, presidente da Comissão de Assistência Judiciária da OAB de São Paulo, disse que ainda não chegou à comissão qualquer notícia de advogado que não tenha conseguido se comunicar com seu cliente estrangeiro. “Basta ter a necessidade que convocamos um profissional. Não precisamos nem criar lista. O que não pode é o direito de defesa ser ameaçado”, explica o advogado.

Solicitação parecida foi feita à Defensoria Pública. Para o IDDD, a Defensoria poderia exigir, por meio de seu convênio com a OAB, a indicação de advogados bilíngües. A Defensoria foi procurada pela ConJur, mas não se manifestou.

A ONG reforçou: “Com o auxílio de um advogado que consiga estabelecer comunicação com o assistido, acreditamos que, independentemente do acolhimento ou não, pelo Tribunal de Justiça, das sugestões por nós apresentadas, o réu estrangeiro poderá receber orientações precisas antes de seu interrogatório, sobre o fato que lhe está sendo imputado, poderá solicitar ao seu patrono informações sobre as provas que eventualmente pesem contra si, poderá indicar elementos de prova a serem explorados pela defesa técnica e, especialmente, receberá de seu patrono orientação adequada sobre os termos da sentença prolatada e de seu direito de recorrer”.

Leia a carta do sul-africano preso em Itaí para o IDDD

Dear Daniel + Luciana

Meu nome é Paul e minha matrícula é xxx.

Gostaria de saber se vocês poderiam me ajudar. Tive um problema com o passaporte e meu caso foi julgado no dia 13 de março de 2006. Até agora não ouvi nada sobre meu processo.

Gostaria de saber sobre a possibilidade de redução de pena e condicional (2/3) e quando. Gostaria também de saber se vocês podem me ajudar a conseguir o semi-aberto. Por favor, sou uma pessoa que não bebe, não fuma e não usa nada ilegal. Estou aqui há 2 anos e 3 meses. Minha sentença é de 4 anos, 3 meses e 66 dias.

Por favor, me digam se há algo que vocês possam fazer para me ajudar. Sua ajuda será muito apreciada.

Obrigado pela atenção.

Paul

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