Abuso econômico

MP pede cassação de diploma do governador da Paraíba

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29 de junho de 2007, 16h47

O Ministério Público Eleitoral da Paraíba pediu a cassação do diploma do governador do estado, Cássio Cunha Lima, e do seu vice, José Lacerda. O MPE acusa os dois de abuso de poder político e prática de conduta vedada a agentes públicos na última campanha eleitoral.

Segundo o Ministério Público, o abuso de poder político e econômico foi caracterizado pela distribuição de cheques por meio da Fundação de Ação Comunitária (FAC). Auditoria do Tribunal de Contas Estadual, confirmada pela perícia judicial, indicou que, nos meses de maio e junho, teriam sido gastos com tais auxílios o equivalente a 98% de todo o valor gasto em 2005. A informação é do jornal paraibano Portal do Correio.

De acordo com o MPE, a distribuição de cheques só foi interrompida em junho de 2006, por liminar da Corregedoria do Tribunal Regional Eleitoral. Na avaliação do próprio MPE, a distribuição durou todo período eleitoral.

Os procuradores alegam que, nos meses de maio a junho de 2006, houve 23 “Cirandas de Serviços”, quantidade igual a de todos os eventos semelhantes realizados de maio a dezembro de 2005.

“Cirandas de Serviços” era um projeto do governo que levava até os municípios atendimentos diversos na área social à população. Durante esse programa, o governador teria contato direto com pessoas que seriam selecionadas para receber os cheques, diz o MPE.

Ainda de acordo com informações do Ministério Público Eleitoral, a perícia judicial apontou ainda inúmeras distorções na forma de liquidação das despesas referentes aos cheques, uma vez que, em vários casos, não havia nos processos administrativos comprovação do estado de carência do beneficiário, nem mesmo da efetiva realização de despesas em seu favor.

Para o MP, a eventual derrota do governador em municípios beneficiados pelos cheques não afasta a caracterização da potencialidade em alguns municípios, mesmo porque poderia o candidato ter sofrido derrota por diferença maior se não tivesse havido a distribuição de cheques.

No parecer de 24 páginas, o MPE faz análise detalhada das provas colhidas nos autos e dos argumentos apresentados pela defesa dos investigados, concluindo pela procedência da ação. De início, o Ministério Público Eleitoral verificou que inexistia lei específica que regulasse um programa sistematizado de assistência financeira a pessoas carentes.

Segundo o procurador eleitoral José Guilherme Ferraz, os advogados do governador procuraram modificar nas alegações finais a tese defensiva. Os defensores teriam apontado como fundamento para a distribuição dos cheques a Lei 4.454/83, que instituiu a Fundação de Apoio ao Trabalho (Funsat), antecessora da Fundação de Ação Comunitária.

Em parecer, o procurador alega que essa lei apenas estabeleceu competência genérica para realização de assistência social, não tendo o condão de autorizar a FAC a iniciar programa de distribuição de cheques em 2006.

O MP Eleitoral acredita que a existência desse tipo de programa não pode jamais ser admitida em um ano eleitoral, sob controle de candidato à reeleição. Além da cassação do diploma, o procurador pede a inelegibilidade por três anos de Cássio Cunha Lima e também do presidente da FAC, Gilmar Aureliano de Lima.

O governador Cássio Cunha Lima (PSDB) tinha como principal concorrente à reeleição o senador José Maranhão (PMDB). No primeiro turno, o tucano venceu o peemedebista por 17 mil votos de diferença. No segundo turno, ampliou a diferença para 50 mil votos.

Leia o parecer

PROCESSO: 215

CLASSE: 21 (REPRESENTAÇÃO)

RELATOR: JUIZ CARLOS EDUARDO LEITE LISBOA

REPRESENTANTE: PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

1º REPRESENTADO: CÁSSIO RODRIGUES DA CUNHA LIMA

2º REPRESENTADO: GILMAR AURELIANO DE LIMA

ASSISTENTE: JOSÉ LACERDA NETO

Eminente Relator,

Trata-se de Representação, com pedido de liminar, conduzindo a Investigação Judicial Eleitoral, proposta pelo PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO em desfavor de CÁSSIO RODRIGUES DA CUNHA LIMA, governador do Estado da Paraíba e GILMAR AURELIANO DE LIMA, presidente da FAC – Fundação de Ação Comunitária, com vistas a apurar abuso de poder, captação ilícita de sufrágio e conduta vedada, com fulcro nos arts. 22 da Lei Complementar 64/90 e 41-A e 73, IV, c/c §§ 5º e 10º da Lei 9.504/97.

O representante assevera que os investigados estariam distribuindo cheques da FAC na residência de eleitores, com o único propósito de colher dividendos eleitorais às custas do assistencialismo estatal.

Destaca que as pessoas beneficiadas com os referidos cheques eram cadastradas no programa estatal denominado “ciranda de serviços”, conduzido diretamente pelo primeiro investigado, governador do Estado da Paraíba e candidato a reeleição.


Afirma que, ao contrário do que ocorre nos programas de assistência social patrocinados pela União, a distribuição dos cheques pela FAC não está prevista em qualquer Lei Estadual específica que autorize esta despesa e estabeleça critérios de enquadramento e seleção dos beneficiados, ressaltando que a Lei Estadual 7.611/2004, que criou o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza na Paraíba, padece de vício de constitucionalidade e, de qualquer modo, não poderia ser utilizada para justificar a emissão de cheques, porquanto limita-se a criar o fundo e não autoriza ou regulamenta a assunção de qualquer despesa.

1 Relata que a Fundação de Ação Comunitária não realizou, no exercício de 2005, qualquer atividade de distribuição de valores pecuniários individuais e que, apenas em 2006, ano eleitoral, passou a distribuir cheques de forma graciosa a pessoas rotuladas de carentes.

Continuando, afirma que as condutas acima descritas, além de configurar captação ilícita de sufrágio e abuso de poder, se amoldam à vedação do art. 73, IV, c/c § 10 da Lei 9.504/97, requerendo, por fim, a suspensão liminar da distribuição dos cheques e, enfim, a cassação do diploma do primeiro investigado, além da decretação de inelegibilidade e da aplicação de multa em relação a ambos os investigados, com fulcro nos art. 41-A e 73, IV c/c § 5º e 10 da Lei 9.504/97 e art. 22 da Lei Complementar 64/90.

Às fls. 438/442, consta decisão do relator à época deferindo a liminar requerida, para suspender a distribuição dos cheques em discussão. Nas contestações de fls. 451/466 e 468/482, os investigados destacam que há muitos anos o Estado da Paraíba conta com programa de assistência social mediante a concessão de auxílio financeiro à população carente, apresentando, como fundamento para a distribuição dos referidos cheques, a Lei Estadual 7.020/01, regulamentada pelo Decreto 22.787/2002.

Afirmam que, até agosto de 2005, o programa de auxílio financeiro a pessoas carentes foi custeado com recursos do Tesouro Estadual e, com a criação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza – FUNCEP pela Lei 7.611/2004, regulamentada pelo Decreto 25.849/05, passou a ser custeado com recursos deste Fundo.

Destacam que a inconstitucionalidade da Lei Estadual 7.611/04 não pode ser apreciada pela Justiça Eleitoral e que irregularidades formais de caráter administrativo não constituem infração ao art. 73, §10, da Lei 9.504/97.

Asseveram que não houve a utilização promocional dos programas sociais do governo da Paraíba, inclusive durante o programa “ciranda de serviços” ou qualquer atitude de captação ilícita de sufrágio, destacando que todas as concessões de cheques obedeceram a legislação de regência e foram autorizadas mediante processo administrativo. Requerem, por fim, a improcedência da representação.

Em despacho de fls. 752/755, o relator à época declinou da competência em processar e relatar os fatos que tipificam a conduta descrita no art. 41-A da Lei 9.504/97, determinando o desmembramento do feito para redistribuição entre os Juízes Auxiliares da Corte.

Na instrução processual, entre as várias diligências realizadas, foram ouvidas as testemunhas indicadas pelas partes (fls. 716/742 e 883/888) e realizada perícia técnica requerida por este Ministério Público Eleitoral, cujo laudo está colacionado às fls. 954/984.

Houve impugnação ao laudo pericial com pedido de substituição da perita designada nos autos (fls. 1069/10/80), pleito que restou indeferido, em 2 decisão proferida às fls. 1088/1090 e confirmada pelo acórdão de fls. 1136/1146, em sede de agravo regimental.

Às fls. 1209/1214, o segundo investigado atravessa petição requerendo a juntada de cópia de procedimento administrativo 21/2006 instaurado pelo Ministério Público Eleitoral alusivo ao programa de concessão de ajuda financeira a pessoas carentes.

Em despacho de fls. 1187/1189, o eminente Relator indefere a juntada de documentos pleiteada.

Em nova petição às fls. 1204/1206, o primeiro investigado requer a oitiva de novas testemunhas, dentre as ouvidas pelo Ministério Público Eleitoral no procedimento administrativo 21/2006 e, conseqüentemente, a reabertura da fase de instrução processual, com a anulação do despacho que determinou a apresentação de alegações finais.

Às fls. 1207/1208, consta despacho do eminente relator indeferindo a oitiva de novas testemunhas e a reabertura da instrução processual. O primeiro investigado interpôs, às fls. 1194/1202, Agravo Regimental contra a decisão que indeferiu a juntada de cópia do procedimento administrativo 21/2006 da Procuradoria Regional Eleitoral e a reabertura de prazo para alegações finais. Agravo este que se encontra pendente de julgamento.

O autor apresentou alegações finais às fls. 1332/1388, requerendo a procedência da ação.


Em sede de alegações finais, os investigados levantam a preliminar de cerceamento de defesa, pois entendem que o laudo pericial foi omisso em relação a vários quesitos, requerendo a realização de outra perícia ou a complementação da já realizada. Alegam, ainda em sede de preliminar, que o julgamento do presente processo deve aguardar o apreiação de recurso espeical contra decisão que rejeitou exceção de suspeição argüida contra o representante do Ministério Público Eleitoral. No mérito, reiteram a regularidade do programa em referência e postulam a improcedência da ação (fls. 1589/1649 e 1649/1659).

Às fls. 1693/1694, o eminente Relator admite José Lacerda Neto, candidato a Vice-governador na chapa do primeiro investigado, no polo passivo da demanda na qualidade de assistente. Foram autuadas em apartado exceções de suspeição opostas contra a perita judicial, contra o representante do Ministério Público Eleitoral e contra um dos membros dessa Corte, todas rejeitadas.

É o relatório do necessário. Passa-se à manifestação.

1. PRELIMINARMENTE

1.1 DO AGRAVO REGIMENTAL PENDENTE DE JULGAMENTO

Paralelamente ao ajuizamento da presente ação, o Partido Comunista Brasileiro formulou representação junto a esta Procuradoria Regional Eleitoral, para que fossem aprofundadas as investigações sobre a distribuição de cheques pela FAC. Assim, este Órgão Ministerial instaurou o Procedimento Administrativo 21/2006 com vistas a proceder às diligências necessárias a elucidação dos fatos.

O primeiro investigado interpôs Agravo Regimental contra decisão dessa relatoria que indeferiu a juntada de cópias do referido procedimento, argumentando, em seu recurso, que se tratam de novos documentos, cuja juntada é autorizada pelo art. 397 do CPC.

Esta Procuradoria instaurou o referido procedimento com o objetivo de subsidiar sua atuação institucional, como custus legis e, eventualmente, como parte, neste ou em qualquer outro processo judicial correlato.

Na fase própria desta representação, esta Procuradoria pugnou pela juntada de diversos documentos que haviam sido produzidos no referido procedimento administrativo até a data limite para o requerimento de diligências neste processo (02/09/2006). Ressalte-se que, no requerimento de diligências, fica clara a existência de Procedimento Administrativo em curso na Procuradoria acerca dos fatos aqui analisados, como se extrai do próprio pedido de diligências às fls. 811/814 (ítem 1) e do documento juntado às fls. 235.

Porém, com o desmembramento do feito, em relação à matéria atinente à captação ilícita de sufrágio (fls. 752/755), esta Procuradoria achou por bem continuar as investigações neste particular (captação ilícita de sufrágio), para, fosse o caso, instruir o novo processo resultante do desmembramento.

Neste diapasão, foi solicitado que Promotores Eleitorais ouvissem beneficiários da distribuição de cheques pela FAC por todo o Estado, ressaltandose, como dito, que esta determinação só ocorreu após o término do prazo de diligências desta ação, de modo que, mesmo que entendêssemos pertinente a juntada de cópias dos depoimentos colhidos por aqueles Promotores, ainda assim estaríamos impedidos de fazê-lo, posto que ultrapassada a fase própria.

Não se trata, portanto, de novos documentos a teor do art. 397 do CPC, que teriam sido omitidos pelo Ministério Público Eleitoral, mas tão somente de provas que os agravantes poderiam ter produzido na fase própria, mas não o fizeram. Afinal, o agravante poderia, na época própria, ter requerido a oitiva de quaisquer dos beneficiários da FAC, mas não o fez, decaindo de seu direito de trazer os respectivos depoimentos aos autos em face da preclusão.

Por fim, reitere-se que as oitivas tinham por objetivo eventual caracterização de captação ilícita de sufrágio, de modo que pouco acrescentariam para o deslinde do presente processo, uma vez que a prova contida nos autos é bastante robusta para subsidiar a apreciação da conduta vedada a agente público em campanha eleitoral e abuso de poder político.

4 Ressalte-se que este Parquet chegou a requerer, em seu pedido de diligências, a oitiva de alguns beneficiários dos cheques da FAC, o que restou indeferido pelo então Relator (fls. 828), justamente sob fundamento de que tais depoimentos serviriam muito mais à apuração de captação ilícita de sufrágio do que das condutas em discussão nestes autos.

Logo, a matéria versada no referido agravo pode ser enfrentada como preliminar de cerceamento de defesa no julgamento final desta ação, devendo ser rejeitada pelos fundamentos acima postos.

1.2 DO CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE ALEGADA OMISSÃO NO LAUDO PERICIAL.

A questão ora aventada como preliminar não merece maiores digressões, pois essa Corte Regional já apreciou a matéria e exarou o Acórdão 4594/07 (fls. 1136/1146), afastando totalmente as alegadas irregularidades no laudo pericial. Ocorreu portanto, no caso, preclusão, que impede a reapreciação da matéria por esse Tribunal.


Aliás, extrai-se daquela decisão que o primeiro investigado, ao invés de requerer tempestivamente os esclarecimentos que julgava pertinentes por parte da perita judicial, deixou precluir tal oportunidade, optando por requerer simplesmente a sua substituição com base em questionamento da qualificação técnica daquela profissional (analista de finanças e controle externo do Tribunal de Contas da União), cuja designação fora previamente feita nos autos sem qualquer impugnação tempestiva das partes.

1.3 DA FALTA DE AMPARO LEGAL PARA O PLEITO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO

Carece de fundamento legal o pedido para que se aguarde o processamento, junto ao TSE, de exceção de suspeição do Órgão Ministerial, uma vez que o art. 138, § 1º do CPC, veda expressamente a suspensão do feito:

Art. 138, § 1º A parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o arguido no prazo de cinco (5) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido.

Vê-se portanto que o pleito em questão colide frontalmente com expressa disposição legal, devendo ser rejeitado de plano.

2. DO MÉRITO

2.1 EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE CHEQUES A TÍTULO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL PELO ESTADO DA PARAÍBA NOS ANOS DE 2005/2006

Em que pese a presente lide versar sobre várias questões fáticas e jurídicas de relativa complexidade, o conjunto probatório trazido aos autos ao longo da instrução nos permite agora uma visão bastante clara e segura da evolução do discutido “programa” de distribuição de auxílios financeiros.

Nos oito primeiros meses de 2005, o Estado da Paraíba, através da Casa Civil e do Gabinete do Vice-Governador, concedeu uma espécie de ajuda financeira a pessoas ditas carentes com recursos do tesouro estadual, tendo por base legal o art. 1º, inciso I, da Lei 7.020/01, abaixo transcrito:

Lei 7.020/01

Art. 1º Obedecidas as normas de execução orçamentária previstas na Lei Complementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal – para o exercício de suas atribuições institucionais, além das estabelecidas no art. 45, inciso II, da Lei Estadual 3.936/ de 22 de novembro de 1977, compete, ainda ao Gabinete Civil do Governador, na forma que dispuser o regulamento:

I – a prestação supletiva de assistência social, econômica e financeira, em caráter excepcional, a pessoas carentes, devidamente identificadas em regular procedimento administrativo.

Como podemos observar no quadro de detalhamento da despesa – QDD às fls. 997, 998,1002 e 1003, a concessão de auxílio financeiro a pessoas carentes pela Casa Civil e pelo Gabinete do Vice Governador, até agosto de 2005, utilizou a rubrica de código 5045, consignada em seus próprios orçamentos (observe-se que a referida lei não contemplava o gabinete do Vice-Governador).

Em 2004, a Lei Estadual 7.611/04, instituiu o Fundo de Combate à Pobreza da Paraíba, constituído através da majoração de alguns tributos estaduais e que, em virtude da anterioridade tributária, só passou a receber recursos a partir do ano de 2005. Confira-se o texto do seu art. 1º:

Lei 7.611/04

Art. 1º Fica instituído o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza no Estado da Paraíba – FUNCEP/PB, com o objetivo de viabilizar a todos os paraibanos o acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados, exclusivamente, em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, saneamento básico, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para a melhoria da qualidade de vida, conforme disposto no art. 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT da Constituição Federal.

A partir de setembro de 2005, oito meses após o início da arrecadação de recursos para o FUNCEP, a Casa Civil do Governo do Estado passou a utilizar os recursos do referido fundo para o programa de concessão de auxílio financeiro, sem possuir, entretanto, em seu orçamento, rubrica que permitisse tal utilização.

Também a partir de setembro de 2005, com o início da utilização de recursos do FUNCEP, verifica-se que a Casa Civil efetuou algumas mudanças na distribuição dos referidos cheques com o significativo aumento do valor despendido mensalmente e do número de beneficiados, bem como com a diminuição dos valores individuais de cada cheque. Mas, como dito, sem possuir orçamento que a autorizasse a realizar tal despesa.

Por sua vez, a partir de 2006, a FAC (Fundação de Ação Comunitária), passou a distribuir também cheques com recursos do FUNCEP a pessoas ditas carentes sem qualquer base legal ou orçamentária para esta distribuição, como veremos adiante.


Registre-se que, embora a Lei Orçamentária do Estado para 2005 e 2006 (fls. 999 e 1005) tenha previsto uma rubrica genérica de combate à pobreza sob número 5274 vinculada ao FUNCEP, apenas a partir de 2006, por meio da Lei 7.943/06, foi incluído o referido código no Plano Plurianual do Estado para os exercícios 2004/2007.

A argumentação desenvolvida pela defesa de ambos os representados procura reduzir a referida evolução fática e jurídica a uma mera mudança de gerenciamento de um programa já em plena execução no exercício anterior (da Casa Civil para a FAC), procurando com isso descaracterizar a violação ao disposto no art. 73, inciso IV e §10 da Lei 9.504/97, que proibe a instituição de novos programas públicos de distribuição de bens em ano eleitoral.

Contudo, a detida análise da prova carreada aos autos, a qual nos permite uma ampla apreciação da forma de execução do aludido “programa”, revela que, em verdade, por trás dessa dita “mudança gerencial” encontra-se uma sucessão de violações frontais aos princípios mais básicos que regem a administração financeira governamental, as quais visaram permitir uma rápida implementação daquela distribuição nas proximidades do pleito eleitoral de 2006.

Ademais, restaram patentes diversas circunstâncias que indicam claramente a relação desses fatos com o contexto político-eleitoral, caracterizando, muito bem, a figura da conduta vedada a agente público em campanha eleitoral e do abuso de poder político com conteúdo econômico.

2.2 DA INEXISTÊNCIA DE BASE LEGAL PARA A DISTRIBUIÇÃO

DE CHEQUES PELA FAC

De início, constata-se que a aludida ação governamental, em verdade, não se trata propriamente de um “programa” na acepção contábil e jurídica do termo, a qual, como bem ressaltado no parecer da assistente técnica deste Ministério Público Eleitoral juntado às fls. 1036/1041, consiste num “instrumento de organização da atuação governamental que articula um conjunto de ações que concorrem para a concretização de um objetivo comum preestabelecido, mensurado por indicadores instituídos no plano, visando a solução de um problema ou o atendimento de determinada necessidade ou demanda da sociedade”.

No concernente à distribuição de cheques capitaneada pela Casa Civil, não se pode deixar de perceber a precariedade da base legal invocada para a concessão de tais auxílios, uma vez que, na Lei 7.020/01, menciona-se tão somente assistência supletiva financeira a pessoas carentes, sem qualquer outro parâmetro legal que pudesse configurar os contornos mínimos de um verdadeiro programa estatal de assistência social.

Como veremos em capítulo próprio, tal precariedade contribuiu para o desvirtuamento da ação governamental, permitindo-se a concessão indiscriminada de benefícios, a qual culminou com a concessão de auxílio financeiro, por exemplo, ao próprio Chefe da Casa Civil João Fernandes da Silva, como se fosse pessoa carente (vide Anexo IX, fls. 11 e 29, e fls. 967 do laudo), em total desrespeito ao princípio da moralidade administrativa.

No que tange à distribuição de cheques pela FAC em 2006, verificase a ausência de qualquer dispositivo legal, mesmo que precário, que legitimasse a sua implementação, a despeito da alegação defensiva de que tal distribuição teria amparo na Lei 7.020/2001.

Ora, referida lei limitou-se a autorizar, de modo deveras genérico, a “prestação supletiva de assistência social, econômica e financeira, em caráter excepcional, a pessoas carentes, devidamente identificadas em regular procedimento administrativo” por parte do Gabinete Civil do Governador do Estado, tendo sido regulamentada, nesse particular, de forma também precária, pelo Decreto 22.787/02, cujo art. 1º estendia tal autorização para outros órgãos da administração estadual direta e indireta.

Ocorre que o próprio Governador de Estado, primeiro investigado, em atenção à decisão do Tribunal de Contas do Estado consubstanciada na Resolução RPL – TC – 54/02 (fls. 792/795), editou o Decreto 23.868/03 (fls. 796/797), reformulando o art. 1º do citado Decreto 22.787/02 para adequá-lo aos limites legais, o qual restou assim redigido Art. 1º As normas regulamentadoras instituídas por este Decreto para prestação de assistência social ou para concessão de ajuda econômica ou financeira a pessoas carentes aplicam-se exclusivamente ao Gabinete Civil do Governador” (grifamos).

Diante desse texto normativo, editado por um dos próprios representados, cai por terra a versão defensiva de que a referida Lei serviria de fundamento para a distribuição de ajuda financeira por outros órgãos, uma vez que, assim fosse, teria referido texto mencionado tais órgãos, e não apenas o Gabinete Civil do Governador.

Vale destacar, por oportuno, que, quando o §1º do art. 1º da Lei 7.020/2001 dispõe que a “promoção dessas atividades, de forma supletiva, pelo Gabinete Civil, não exclui a competência original ou delegada de outros órgãos ou entidades públicas do Estado”, refere-se, evidentemente, a outras ações governamentais devidamente delineadas em lei específica, cuja execução fosse atribuída a outros órgãos, e não às ações previstas na própria Lei 7.020/01 que, segundo o seu art. 1º e o decreto regulamentador, aplicam-se exclusivamente ao Gabinete Civil do Governador


Em sede de alegações finais, o primeiro investigado, mudando a versão apresentada na contestação, apresenta a Lei 4.454/83 que instituiu a FUNSAT (Fundação Social de Apoio ao Trabalho), predecessora da FAC, como fundamento para a distribuição de cheques por esta última, a qual teria competência originária para as ações de assistência social e, portanto, estaria autorizada a distribuir cheques para pessoas carentes. Ocorre que, nesta última lei, consta apenas previsão genérica de que à FUNSAT/FAC caberia “executar atividades de trabalho e promoção social”.

Ora, não se discute aqui a competência da FAC para promover a assistência social no Estado da Paraíba, porém, mostra-se absolutamente desarrazoado atribuir àquela Lei de 1983 o condão de ter autorizado à FAC o início da distribuição de cheques em 2006, ano eleitoral, sem quaisquer critérios. Aceitar tal entendimento redundaria em permitir que a FAC, a título de promover assistência social, começasse a conceder, quando e como bem entendesse, qualquer tipo de bem ou serviço, tais como dinheiro, feiras, enxovais, etc.

Outrossim, a Lei 7.611/04 (fls. 503/513), instituidora do FUNCEP, mesmo abstraindo-se a discussão acerca de sua duvidosa constitucionalidade (uma vez que não se trata de Lei Complementar, exigível nos termos do art. 79 do ADCT da CF/88), também não constitui base legal idônea para aquele suposto programa, pois se limita a constituir fundo com administração autônoma, formado por receitas estatais, estabelecendo seus objetivos gerais.

Portanto, verifica-se que não existiu qualquer programa legalmente instituído em lei que fundamentasse a distribuição de recursos a pessoas carentes por meio de cheques entregues pela FAC no ano de 2006.

2.3 DA INEXISTÊNCIA DE BASE ORÇAMENTÁRIA PARA A DISTRIBUIÇÃO DE CHEQUES PELA FAC

Como se não bastasse a gravíssima violação ao princípio da legalidade na execução da despesa em tela, conforme acima demonstrado, constataram-se outras sérias irregularidades no tocante à operacionalização orçamentária e financeira daquele suposto programa assistencial.

Pelo que se extrai dos autos (especialmente do laudo pericial às fls. 954/1016), aqueles auxílios financeiros vinham sendo efetivados pela Casa Civil do Governador no ano de 2005, com recursos próprios, sendo que, a partir do mês de setembro do mesmo ano, tais auxílios passaram a ser custeados com recursos do FUNCEP.

Ocorre que o aporte de recursos do FUNCEP para financiar o pálido “programa” de auxílios financeiros delineado no Decreto 22.787/02 não encontrava previsão no orçamento do Gabinete Civil do Governador, tanto que a execução dessas despesas, a partir de então, prescindiu de empenho.

Com efeito, a alocação de recursos do FUNCEP para combate à pobreza por meio de “auxílios financeiros a pessoas físicas” demandaria sua 9 utilização atrelada a previsão específica no orçamento do órgão executor, também vinculada a um programa minimamente estruturado em lei.

Nesse sentido, o art. 26 da Lei Complementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que “a destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento.”

Portanto, resta equivocada a assertiva da defesa de que bastaria a existência de convênio e previsão orçamentária no FUNCEP para demonstrar a regularidade da dita distribuição, porquanto o art. 18 do Decreto 25.849/2005 (fls. 84/85), editado por um dos próprios representados para regulamentar aquele Fundo, em consonância com o dispositivo legal acima transcrito, estabeleceu que “as despesas com o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza – FUNCEP/PB correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas anualmente nos órgãos e entidades para os programas e Projetos/atividades que estejam alinhados com os objetivos do Fundo e terão código próprio que as identifique.”

Além disso, por exigência do art. 10 do mesmo decreto regulamentador do FUNCEP, tais programas deveriam estar inseridos nos “planos locais e setoriais e combate à pobreza voltados para as populações de extrema vulnerabilidade, conforme Termo de Referência elaborado pela Secretaria do Planejamento e Gestão, a ser seguido na elaboração dos Planos e administrado pela Presidência do Conselho Gestor e Parceiros.”

Entretanto, a conclusão pericial aponta que as Leis de Diretrizes Orçamentárias do Estado da Paraíba correspondentes aos exercícios de 2005/2006 não trataram do aludido “programa” de distribuição de cheques, bem como que inexistiram os aludidos planos de combate à pobreza.

Acrescente-se que, conforme aponta o parecer da assistente técnica do Ministério Público Eleitoral (fls. 1036/1041), até mesmo a previsão genérica da rubrica, vinculada ao FUNCEP, para custeio de programas em auxílio a pessoas carentes apenas foi inserida no Plano Plurianual do Estado da Paraíba para o período 2004/2007 em janeiro de 2006, conforme Lei Estadual 7.943/2006 (fls. 1067/1068), ou seja, depois de já iniciada a aplicação de tais recursos daquele Fundo pelo Gabinete Civil do Governador em 2005.


É sintomático o fato de que os representados não apresentaram qualquer esclarecimento ou justificativa plausível para essa sucessão de violações frontais a princípios constitucionais, dispositivos legais e regulamentares, limitandose a repisar o fato de que haveria código para a despesa em foco no orçamento do FUNCEP.

Portanto, no caso dos auxílios proporcionados pelo Gabinete Civil do Governador em 2005, embora houvesse uma sofrível e duvidosa regulamentação infra-legal para os pretendidos auxílios, não havia a correspondente previsão orçamentária, razão pela qual foram utilizados recursos do FUNCEP para realização de tais despesas como sendo extraorçamentárias.

10 Com a transferência dos recursos do FUNCEP para a FAC, visando à distribuição dos referidos cheques no ano de 2006, constata-se o agravamento da distorção acima verificada, uma vez que, como já dito, a FAC não gerenciava nenhum programa específico de distribuição de recursos em espécie ou em cheque para pessoas carentes, cujos contornos estivessem minimamente delineados em lei ou em ato regulamentar, nem tampouco dispunha de previsão em seu orçamento para tanto.

Logo, a prova pericial, reforçada por relatório de auditoria oriundo do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba encartado nos Anexos XV XVI, XVII, XVIII, XIX e XX (certidão de fls. 878), demonstra que a utilização de recursos do FUNCEP para distribuição de cheques a pessoas ditas carentes não teve fundamento em qualquer programa legalmente previsto e não continha rubrica orçamentária específica.

Sendo assim, remanesce como único amparo normativo remoto para aquela ação governamental a previsão de uma rubrica genérica, contida no orçamento daquele Fundo para combate à pobreza por meio de auxílios a pessoas físicas, a qual, diga-se de passagem, só foi inserida no Plano Plurianual para 2004/2007, quando já iniciada a utilização dos pertinentes recursos pelo Gabinete Civil.

Enfim, todas essas gravíssimas irregularidades na aplicação de recursos do FUNCEP revelam, de modo inequívoco, o intuito da administração estadual de implementar rapidamente a referida distribuição de cheques a partir dos últimos meses do exercício de 2005 e no exercício de 2006, atropelando procedimentos legislativos e regulamentares básicos no gerenciamento das finanças públicas.

2.4 DA AUSÈNCIA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA SELEÇÃO DE BENEFICIÁRIOS

A ausência de base legal específica para o pretenso “programa” em tela e todas as violações a normas de planejamento e controle orçamentário acima destacadas, longe de constituírem meras formalidades burocráticas, significaram a inexistência de qualquer deliberação específica do Poder Legislativo Estadual que pudesse servir de regramento para a distribuição dos cheques em questão.

Sendo assim, a perícia judicial realizada, neste caso, demonstrou justamente a inexistência de critérios minimamente objetivos para seleção dos beneficiários dos cheques distribuídos pelo Governo do Estado.

Ora, considerando as legiões de pessoas carentes existentes num Estado como a Paraíba, certamente aquela distribuição esporádica de valores não poderia contemplar todo esse universo de possíveis beneficiários. Logo, na ausência dos aludidos critérios, caberia ao agente público concessor do benefício decidir a que tipo de demanda atender, inclusive optando por um Município ou região onde concentrar atendimentos.

Vale destacar que, de acordo com o depoimento do Secretário de Planejamento do Estado, Franklin Araújo (fls. 741), o Conselho Gestor do FUNCEP não estabeleceu critérios necessários para a aludida distribuição de valores, sendo que tais critérios eram definidos pelo Governo do Estado. Observe-se ainda que, conforme depoimento de um dos seus membros, D. Aldo de Cillo Pagotto (fls. 887), nas reuniões daquele Conselho não houve detalhamento sobre os mecanismos utilizados pela FAC para distribuição dos cheques.

Extrai-se desses depoimentos que a atuação do Conselho Gestor do FUNCEP limitou-se ao mero repasse de recursos, embora lhe coubesse, pela regulamentação contida no arts. 10 a 17 do Decreto 25.849/05, a responsabilidade pela elaboração e monitoramento da execução de planos de combate à pobreza, onde estariam inseridas as ações a serem financiadas por aquele Fundo.

Pelo que consta dos autos, os beneficiários dos aludidos auxílios seriam pessoas que dirigissem cartas ao Governador solicitando ajuda financeira (vide depoimento às fls. 886 e foto às fls. 799V), pessoas atendidas pelo próprio Governador (fls. 799B) e por servidores públicos, em eventos conhecidos como “Cirandas de Serviços” ou mesmo em suas próprias casas, por iniciativa daqueles servidores.

É oportuno refletirmos que tal forma de seleção de beneficiários passa ao largo do princípio constitucional da impessoalidade, que deveria guiar qualquer política pública, uma vez que concentra nas mãos do gestor público amplos poderes discricionários e ainda associa ostensivamente os benefícios concedidos à sua imagem de administrador.


Ademais, a mesma perícia detectou evidente relação entre a distribuição dos cheques e os eventos conhecidos como “Ciranda de Serviços” (vide quadro elaborado pela perita às fls. 983/984), nos quais o Governador (ou a Vice-Governadora) se fazia presente para atender pessoalmente, juntamente com outros servidores públicos, pessoas de municípios previamente escolhidos por aquele, com o deslocamento simultâneo de toda uma estrutura de atendimento público.

Ocorre que ao contrário do afirmado pelo Secretário da Controladoria Geral do Estado em depoimento às fls. 732/738, os Municípios que receberam os aludidos eventos foram selecionados sem nenhum critério objetivo claro, sendo que, em tais eventos, foram concentrados diversos serviços de órgãos públicos estaduais, entre os quais o cadastramento para distribuição dos multicitados cheques.

Observe-se que o art. 2º, inciso I, do Decreto 25.849/2005, que regulamentou o FUNCEP, estabelece que a consecução dos objetivos propostos dar-se-á por meio do apoio técnico, financeiro e/ou material a “programas e projetos direcionados aos Municípios de todo o Estado que apresentem os piores indicadores sociais”.

Contudo, a perícia judicial apontou a inexistência de qualquer relação entre a escolha de municípios beneficiados com a distribuição dos cheques e a escala de índice de desenvolvimento humano, sendo que o maior número de cheques foi distribuído para municípios de alto IDH, enquanto outros com baixo IDH não foram sequer beneficiados com este “programa”.

Vale destacar que a defesa produzida pelos representados além de não revelar objetivamente qual o critério para a escolha daqueles municípios, também não apresenta qualquer justificativa plausível para violação da norma regulamentar em referência, limitando-se a afirmar que há situação de carência em todos os municípios da Paraíba.

2.5 DA AUSÊNCIA DE REGULAR LIQUIDAÇÃO DAS DESPESAS

De acordo com a perícia judicial, foram ainda comprovadas inúmeras distorções na aludida distribuição pela Casa Civil e pela FAC, principalmente a entrega de cheques a pessoas sem comprovação de seu estado de carência ou da efetiva realização da despesa. Quanto a esse ponto, o pertinente laudo indica diversos casos, apurados em exame amostral, que ilustram muito bem a notável falta de controle na concessão dos aludidos benefícios.

No laudo pericial (fls. 963 e 981), constam exemplos de concessão de auxílios a servidores estaduais, a contratantes de TV por assinatura, titulares de planos de saúde, contratantes de escolas particulares, bem como diversos casos em que não existia qualquer comprovação do estado de carência extrema que deveria ser exigida para concessão de tais auxílios.

Consta ainda do anexo I daquele laudo, casos de concessão de “auxílios financeiros” para custeio de cursos para auditor, encontros de estudantes, festivais de repentistas, festividades de formatura, pagamento de débitos com planos de saúde e mensalidades escolares em atraso e pagamento a universidade particular, finalidades que não se coadunam com o objetivo de assistência a pessoas em extrema carência, Constata-se ainda, pelo exame da relação de beneficiários constante do Anexo IX, a concessão de valores elevados que, além de terem sido entregues a pessoas sem comprovação de situação de carência, ultrapassam o limite imposto pelo art. 9º, inciso I, do próprio Decreto 22.787/02, regulamentador da Lei 7.020/01, sem qualquer justificativa da autoridade responsável.

Citem-se como exemplos os pagamentos de R$ 30.000,00 a Geraldo Batista dos Santos (fls. 15, 20, 25 e 35 ); R$ 19.100,00 a Solange Brito dos Santos (fls. 30); R$ 19.000,00 a José de Sousa Filho (fls. 36, 37 e 39); R$ 16.700,00 a Afonso Alexandre Regis Cavalcanti (fls. 19, 33, 76 e 77); R$ 15.000,00 a Lilian Vasconcelos de Moura (fls. 241); R$ 12.369,00 a José Nazareno Patrício Oliveira (fls. 07 e 08); R$ 12.000,00 a Gilbran G. Asfora (fls. 08, 36 e 155); R$ 10.910,00 a Emília Mendonça Limeira Ferreira (fls. 14); e de R$ 49.000,00 ao Sr. Rômulo de Araújo Lima (fls. 20, 24, 28, 36, 52, 57, 58 e 153); sendo que para este último a perícia judicial detectou ainda outros pagamentos que elevam esse valor para R$ 56.500,00 (fls. 982 dos autos principais).

Vale destacar ainda a informação contida no laudo (fls. 981) acerca da suposta realização de milhares de visitas domiciliares a beneficiários do “programa” em tela, fato que exigiria uma considerável mobilização de assistentes sociais em todo o Estado em poucos meses, lançando dúvidas acerca da efetividade 13 dessas visitas e confirmando a pressa da administração estadual em implementar o tal “programa”.

Outrossim, consta do relatório do TCE (Anexo 20, fls. 116/117) que foram liberadas as parcelas 3, 4, 5 e 6, de recursos do FUNCEP para a FAC, sem que houvesse prestação de contas das parcelas precedentes, em descumprimento da cláusula 5ª do Termo de Convênio, do §3º do art. 116 da Lei 8.666/93 e do art. 20 do Decreto 25.859/05, que regulamentou a Lei 7611/2004.


Referidas irregularidades constituem evidentes infrações à sistemática legalmente prevista para liquidação da despesa pública, conforme Lei 4.320/64, constituindo mais uma evidência da forma apressada e descontrolada com que a administração estadual implementou a aludida distribuição.

Causa espécie o fato de a defesa dos representados não ter trazido aos autos qualquer esclarecimento para tais distorções, as quais constituem gravíssimas irregularidades na gestão de recursos públicos.

Evidentemente, diante da ausência de controle mínimo sobre a despesa efetuada, como no caso em tela, tornam-se possíveis as mais diversas formas de desvios, razão pela qual tais irregularidades deverão ser objeto do devido encaminhamento junto ao Ministério Público Estadual para aprofundamento das investigações e adoção das medidas cabíveis para adequado resguardo do patrimônio e da moralidade administrativa, com a punição dos responsáveis.

2.6 DA CONOTAÇÃO ELEITORAL DAS CONDUTAS EM TELA

Todas as irregularidades acima apontadas na gestão de recursos públicos, além de terem evidentes repercussões na esfera da responsabilidade civil e administrativa do primeiro recorrido e de seus auxiliares (o que deverá ser objeto de oportuna apreciação pelo órgão competente do Ministério Público Estadual), guardam inequívoca relação com o contexto político-eleitoral.

Como já dito, tais irregularidades demonstram a pressa da administração estadual em executar as despesas em questão, mesmo sem um completo arcabouço legal e orçamentário, valendo-se tão somente de rubricas genéricas de “combate à pobreza” contidas no orçamento do FUNCEP, e ainda sem um controle minimamente eficaz sobre a execução das despesas.

Uma vez verificada a ausência de rubrica orçamentária específica vinculada a um programa estruturado em lei, de empenho pelo órgão executor ou mesmo de documentos comprobatórios da liquidação da despesa apresentados pelo beneficiário, resta evidente a violação frontal aos mais básicos princípios que regem as finanças públicas, tais como o da legalidade dos gastos públicos, da universalidade e especificidade do orçamento público, bem como das regras mais triviais acerca da execução da despesa de qualquer ente público.

Ademais, a inexistência de um verdadeiro programa legalmente instituído, baseado em planos de ação e em regras claras e objetivas para identificação de beneficiários e distribuição igualitária de benefícios, com prévia 14 autorização orçamentária específica na lei do plano plurianual, na lei de diretrizes orçamentárias, e na lei dos orçamentos anuais da Casa Civil e da FAC, criou um ambiente propício à manipulação da concessão de benefícios conforme critérios subjetivos do administrador.

Ora, não se pode conceber, do ponto de vista dos princípios constitucionais da administração pública (legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência) a existência de um “programa” governamental que autorize uma autoridade pública a distribuir, quando bem entender, dinheiro em espécie ou em cheque a pessoas tidas como carentes, podendo atender a cartas de interessados ou mesmo determinar o comparecimento de servidores públicos a residências de tais pessoas para lhes oferecer ajuda.

Aliás, esse tipo de “programa” não encontra nenhum amparo na Lei Federal 8.472/93 – Lei Orgânica de Assistência Social, já que se revela destituído de planejamento e sistematização mínimos, que pudessem resultar num razoável efeito de redução igualitária da pobreza nas populações beneficiárias. É evidente que a distribuição dos aludidos cheques, de acordo com critérios subjetivos do administrador, não atende aos requisitos mínimos de eficiência do gasto público em assistência social, já que não se integra numa real política assistencial planejada e estruturada para duradoura inclusão social de pessoas carentes.

A mácula inerente a esse tipo de ação governamental, aberta ao subjetivismo da conveniência e oportunidade do administrador para concessão de benefícios esporádicos em dinheiro ou cheque, assume maior gravidade em se tratando de programa deflagrado às vésperas do período eleitoral, uma vez que fomenta a possibilidade concreta de que a distribuição de benefícios seja feita conforme interesses político-eleitorais do administrador.

No entendimento deste órgão ministerial, não se pode jamais admitir, num contexto político-eleitoral, que um titular de mandato eletivo, candidato à reeleição, tenha ao seu dispor um instrumento tão poderoso para influenciar a vontade do eleitorado dito carente, o qual, sabe-se, é altamente susceptível a esse tipo de influência.

Logo, a implementação daquela ação governamental em ano eleitoral, sem autorização legislativa, por meio de Lei específica que a regule e sem destinação de créditos orçamentários específicos para este fim, constitui, por si só, situação a ser reprimida exemplarmente pela Justiça Eleitoral. Aliás, merece reflexão o sério risco de que, sendo admitidas tais práticas no âmbito do governo estadual, sejam estimuladas e multiplicadas iniciativas semelhantes em nível municipal, com desastrosas conseqüências para o processo político-democrático.


Ocorre que, no presente caso, houve ainda um fato agravante que, ao nosso ver, deixa evidente o benefício político-eleitoral em favor do primeiro recorrido, qual seja a associação ostensiva do programa à pessoa do Governador, especialmente nos atendimentos por ele realizados nos eventos denominados “Cirandas de Serviços”.

Esses eventos, largamente divulgados pela publicidade oficial, foram deflagrados apenas a partir do ano de 2005, sendo visível a sua intensificação (pelo cronograma às fls. 853/857) no ano de 2006, especialmente com a proximidade do 15 período eleitoral (veja-se que, nos meses de maio e junho de 2006, houve 23 eventos ao todo, quantidade igual a de todos os eventos realizados de maio a dezembro de 2005)

Registre-se, por oportuno, que a defesa dos representados além de não esclarecer objetivamente nos autos qual foi exatamente o critério utilizado pelo Governo do Estado para a definição dos municípios visitados, muito menos justificou a intensificação de eventos acima mencionada às vésperas do período eleitoral.

Surge incontroversa nos autos a participação direta do Governador no atendimento a beneficiários do aludido programa, seja por meio de cartas, seja pessoalmente durante a “Ciranda de Serviços”, sendo que não houve sequer preocupação em se disfarçar essa associação do dito “programa” à imagem do Governador, candidato à reeleição.

Pelo contrário, o Governo do Estado chegou a contratar a veiculação de suplemento, em Jornal Local (fls. 799) justamente para reforçar tal associação, também em clara violação ao disposto no art. 37, §1º, da CF/88, que proíbe a realização de promoção pessoal de autoridades em publicidade institucional. Além disso, o próprio candidato se encarregou de ampliar essa divulgação em seu programa eleitoral gratuito, como se extrai do teor da mídia acostada às fls. 802.

Por fim, para sepultar qualquer dúvida acerca da relação do aludido programa com o contexto político-eleitoral, a auditoria do Tribunal de Contas do Estado concluiu pela extraordinária elevação dos gastos com esse dito “programa” às vésperas do período eleitoral, chegando-se a gastar nos meses de maio e junho de 2006 cerca de 98% de todo o quantitativo de recursos gastos no mesmo programa em 2005, exercício de maior gasto dentre os três primeiros da gestão.

Essa conclusão restou ratificada pela perícia oficial realizada nos autos da ação de investigação judicial em epígrafe, constando do pertinente laudo gráficos demonstrativos da evolução daqueles gastos durante os anos de 2005 e 2006, onde se aponta visualmente a referida elevação nas proximidades do período eleitoral.

Ainda de acordo com a auditoria do Tribunal de Contas do Estado, no mês de junho de 2006, foram gastos pelo Governo do Estado da Paraíba com auxílios financeiros a pessoas físicas mais do que nos exercícios de 2003 e 2004 inteiros, sendo que, em seis meses de 2006, esse Governo gastou com aquela finalidade cerca de 85% de tudo que gastou com o mesmo objetivo em conjunto nos exercícios de 2003, 2004 e 2005.

Ora, diante de todas as irregularidades apontadas nos tópicos anteriores, seria deveras incoerente concluir-se que essa extraordinária elevação de gastos, exatamente às vésperas do período eleitoral, seria uma mera coincidência.

Aliás, pelo que se extrai dos autos, apenas o deferimento de medida liminar pelo Exmo Corregedor Regional Eleitoral do TRE/PB, suspendendo o aludido “programa”, obstou o planejamento realizado para continuidade da conduta questionada ao longo de todo o período eleitoral.

Nesse ponto, além de não justificar aquela elevação de modo plausível, procura a defesa do primeiro investigado, valendo-se de dados incompletos, fazer crer que teria havido redução proporcional na utilização de recursos do FUNCEP para auxílio financeiro a pessoas físicas, tendo como parâmetro o total de recursos executados orçamentariamente por aquele Fundo.

Contudo, tais dados omitem o fato de que, conforme apontado pela auditoria do TCE, o FUNCEP executou R$ 18.064.045,69 extraorçamentariamente em 2005 (outra ilegalidade detectada no gerenciamento daqueles recursos), valores estes que, se considerados, alteram completamente a estatística realizada pela defesa.

A melhor alternativa para a comparação pretendida pela defesa deve tomar por base a arrecadação do FUNCEP e a concessão de auxílios financeiros a pessoas físicas em 2005 e 2006. Partindo-se desses parâmetros, verifica-se que houve, de fato, um acentuado aumento nominal e proporcional de gastos com a distribuição de cheques para pessoas carentes.

Com efeito, não procede a alegação de primeiro investigado de que teria havido uma redução proporcional dos gastos com a rubrica 5274 em 2006, em confronto com a ampliação da arrecadação no período, senão vejamos: Pelos dados do relatório de auditoria do TCE às fls. 106/121, em 2005, o FUNCEP arrecadou R$ 28.771.439,82, tendo executado R$ 995.040,00 em ajuda financeira a pessoas carentes, ou seja, 3,46% do total arrecadado. Já em 2006, o Fundo arrecadou, até o mês de junho, R$ 22.143.262,08 e aplicou, em ajuda financeira a pessoas carentes, R$ 3.860.398,28, ou seja, 17,43% do total arrecadado.


Enfim, nesse ponto, a estatística lembrada pela defesa reforça as conclusões acerca da elevação injustificada de gastos com auxílios financeiros a pessoas físicas exatamente nas proximidades do período eleitoral de 2006.

2.7 DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS EM TELA:

CONDUTA VEDADA E ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO.

Como bem narrado no tópico anterior, o conjunto de circunstâncias que envolveram os fatos investigados nestes autos não deixam dúvidas acerca de sua relação com o contexto político-eleitoral.

Portanto, todos os aspectos ali destacados quanto à implementação apressada e descontrolada de distribuição de auxílios financeiros à pessoas ditas carentes às vésperas do período eleitoral, com extraordinária elevação no volume de recursos dispendidos e ostensiva associação à imagem do Governador candidato à reeleição, configuram muito bem a conduta vedada a agente público em campanha eleitoral, prevista no art. 73, inciso IV, e §10 da Lei 9.504/97, com redação dada pela Lei 11300/06, in verbis:

Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais 17

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

…………………………………………………….

IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

…………………………………………………….

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

Observe-se que, a argumentação defensiva se concentra em tentar demonstrar que o “programa” em discussão estaria enquadrado entre as exceções contempladas naquele §10, ou seja, de que estar-se-ia em jogo um programa social autorizado em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, representando mera continuidade de ações de governo na área assistencial.

Contudo, como exaustivamente explicado acima, não havia sequer base legal idônea para tal “programa”, nem tampouco arcabouço orçamentário completo (plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento específico do órgão executor e planos de combate à pobreza aprovados pelo Conselho Gestor FUNCE/PB), sendo que o acompanhamento deste Ministério Público Eleitoral revelou inúmeras distorções na pertinente execução financeira e administrativa.

Por outro lado, vale esclarecer que a caracterização da conduta vedada a agente público prevista no dispositivo acima transcrito, dispensa a demonstração de que houve pedido de voto em favor do beneficiário, mesmo porque, se assim fosse, estaríamos diante da figura específica da captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da mesma lei. A vedação legal em foco visa justamente reprimir situações como a ora debatida, em que o candidato obtém dividendos eleitorais a partir do desvirtuamento de programas públicos de assistência em favor de sua própria imagem.

Embora também não se exija, de acordo com a jurisprudência predominante em nossos Tribunais Eleitorais, o requisito da potencialidade para desequilibrar o pleito para fins de caracterização das condutas vedadas previstas no aludido art. 73 da Lei 9.504/97, tal potencialidade restou claramente demonstrada nestes autos, a ponto de caracterizar também o abuso de poder político com conteúdo econômico, previsto no art. 22 da LC 64/91

Com efeito, a jurisprudência pátria tem tradicionalmente exigido para a caracterização da figura do abuso de poder na seara eleitoral a nota de potencialidade para influenciar o resultado do pleito. Essa concepção evoluiu a partir de um posicionamento inicial que propugnava a necessidade de efetiva prova da 18 interferência concreta no aludido resultado, o qual gerava enorme perplexidade pela dificuldade prática em se conferir efetividade ao conceito.

Assim, o Col. Tribunal Superior Eleitoral acabou por admitir a prova de mera potencialidade de comprometimento desse resultado para reconhecimento do dito abuso, considerando, indícios e circunstâncias extraídos do caso concreto.

Nesse sentido, vale destacar o seguinte precedente, que sintetiza referido posicionamento jurisprudencial:

EMENTA INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. ART. 22 DA LC Nº 64/90.


ABUSO DO PODER POLÍTICO. PREFEITO. CANDIDATA A DEPUTADA ESTADUAL. MÁQUINA ADMINISTRATIVA.

UTILIZAÇÃO. CARTAZES. CONVITES. EVENTOS.

MUNICIPALIDADE. PATROCÍNIO. MOCHILAS ESCOLARES.

DISTRIBUIÇÃO. POSTO MÉDICO. JALECOS. NOME E NÚMERO DA DEPUTADA. DIVULGAÇÃO. ABUSO DO PODER POLÍTICO.

CONFIGURAÇÃO. CÁLCULOS MATEMÁTICOS. NEXO DE CAUSALIDADE. COMPROVAÇÃO DA INFLUÊNCIA NO PLEITO.

NÃO-CABIMENTO. POTENCIALIDADE. CARACTERIZAÇÃO.

1. Para a configuração de abuso de poder, não se exige nexo de causalidade, entendido esse como a comprovação de que o candidato foi eleito efetivamente devido ao ilícito ocorrido, mas que fique demonstrado que as práticas irregulares teriam capacidade ou potencial para influenciar o eleitorado, o que torna ilegítimo o resultado do pleito.

2. Se fossem necessários cálculos matemáticos, seria impossível que a representação fosse julgada antes da eleição do candidato, que é, aliás, o mais recomendável, visto que, como disposto no inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/90, somente neste caso poderá a investigação judicial surtir os efeitos de cassação do registro e aplicação da sanção de inelegibilidade. (RO Nº 752 – RECURSO ORDINÁRIO – ACÓRDÃO 752 GUACUI – ES j. 15/06/2004 Relator(a) FERNANDO NEVES DA SILVA; Publicação DJ – Diário de Justiça, Volume 1, Data 06/08/2004, Página 163 RJTSE – Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 15, Tomo 2, Página 111) No presente caso, pensamos que resta inafastável a presença daquela potencialidade se considerarmos a quantidade de recursos e o número de cheques envolvidos no suposto “programa assistencial” discutido acima, o qual chegou, de acordo com as cifras informadas pelo Tribunal de Contas do Estado, a astronômicos 35.000 (trinta e cinco mil) beneficiados com cheques em 2006, abrangendo mais de R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais) .

Tais cheques, como já explicado, foram distribuídos entre pessoas supostamente da camada mais humilde da população paraibana em diversos municípios selecionados por critérios subjetivos da administração estadual, sendo ostensivamente associados à figura do Governador candidato a reeleição.

Sabe-se perfeitamente do impacto eleitoral que esse tipo de benesse pública pode trazer em favor do administrador candidato à reeleição, especialmente considerando-se o seu efeito multiplicador dentre familiares e outros possíveis eleitores beneficiários, os quais tendem a ser gratos à pessoa do governante e a esperar idêntico benefício no futuro.

Por essa evidente razão, o legislador manifestou, com a edição da Lei 9.504/97, notável preocupação com o uso desse tipo de expediente em favor de candidaturas, prevendo naquele diploma legal a conduta vedada a agentes públicos insculpida no art. 73, IV, acima transcrito.

E mais, recentemente, o legislador entendeu por bem estabelecer vedação mais específica à criação de programas assistenciais em pleno ano eleitoral, isto em atenção à realidade vivenciada em todo o país, especialmente nos pequenos Municípios interioranos, em que surgem notórios indícios da criação e manipulação de tais programas em benefício de candidaturas à reeleição (vide §10º daquele mesmo dispositivo, introduzido pela Lei 11.300/2006).

Portanto, extrai-se do próprio sistema normativo eleitoral a conclusão de que condutas como a ora debatida têm especial eficácia para influenciar largos contingentes do eleitorado e portanto devem ser combatidas de modo exemplar pela Justiça Eleitoral, permitindo-se até mesmo, em sede de ação de investigação judicial eleitoral, a cassação de diplomas sem que se cogite acerca do aludido requisito jurisprudencial da potencialidade.

Sendo assim, mesmo que se exija aquele requisito para fins de caracterização do conceito genérico de abuso de poder, tais condutas devem ter um tratamento muito mais rigoroso quando de sua apreciação, punindo-se como abuso qualquer conduta daquela espécie que assuma aspecto quantitativo mais significativo.

Não se pode perder de vista que a presente investigação versa sobre uma das questões mais tormentosas para os operadores do direito na seara eleitoral, qual seja os efeitos nocivos para o processo eleitoral advindos da utilização abusiva do assistencialismo estatal, o qual tem notório impacto na formação da vontade popular, a ponto de ser objeto de previsões normativas específicas e rigorosas por parte do legislador em matéria eleitoral.

Merece registro ainda, embora entendamos que esse ponto não seja o mais relevante para aferição da dita potencialidade, a pequena diferença entre a votação dos recorridos e dos integrantes da chapa majoritária que restou em segundo lugar nas eleições 2006 para os cargos em tela, em ambos os turnos (17.650 no 1º turno e 52.833 no segundo turno).

A tese defensiva de que aludida potencialidade estaria afastada ante a constatação de que o primeiro representado não teria agregado densidade eleitoral na eleição de 2006 em relação a de 2002, não merece ser acolhida porquanto tenta comparar o apoiamento do candidato há quatro anos com o resultado da eleição de 2006.


Ora, a única comparação que poderia indicar de forma aritmética, como querem os representados, a potencialidade da conduta ter influenciado o pleito, seria o cotejo do resultado das eleições com a aceitação do primeiro representado junto ao eleitorado no momento imediatamente anterior ao início da distribuição de cheques pelo governo do estado o que, obviamente, não pode ser mensurado. Ademais, como dito, tal verificação aritmética da potencialidade já foi de há muito afastada pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.

Da mesma forma, a constatação de que o primeiro investigado teria sofrido derrota eleitoral em municípios onde ocorreram as Cirandas de Serviços não traz qualquer indício da potencialidade ou da falta dela, porque, de modo análogo ao raciocínio anterior, não temos como mensurar como estava o apoiamento do candidato no período imediatamente anterior a realização daqueles eventos em tais municípios.

Poderíamos supor que o primeiro investigado perdeu por 0,26% no conjunto dos votos nos municípios onde ocorreram as cirandas de serviços e que, caso não tivesse realizado as condutas em discussão, teria perdido por muito mais.

Ou até mesmo que foram justamente escolhidos para a realização dos eventos municípios onde sabia-se ter ele pouco respaldo eleitoral. Tudo isto é mera conjectura sem qualquer valor probante em um processo judicial.

Outro dado que merece registro é sobre a quantidade de atendimentos informados pelo candidato no quadro apresentado às fls. 1642, para reforçar sua tese de que não houve potencialidade. Analisando-se tais números, vêse que o primeiro investigado baseou-se nas informações fornecidas pela FAC, encartadas nos anexos VIII e IX. Porém, a perícia judicial realizada, respondendo ao quesito nº 7 do representante (fls. 959), destaca que a FAC apresentou 16.305 atendidos nos anos de 2005 e 2006 com recursos do FUNCEP, enquanto que a auditoria do TCE (anexos XV, XVI, XVII, XVIII, XIX e XX), apresenta relação com aproximadamente 35.000 atendimentos. Desta forma, tais dados não se prestam como indicativo da ausência de potencialidade.

Enfim, com a devida vênia a eventuais entendimentos em sentido contrário, pensamos que se restar afastada a caracterização da aludida potencialidade num caso como o presente, torna-se-á bastante difícil imaginar-se um caso concreto em que se possa ter como implementado aquele requisito jurisprudencial.

Ponderamos, nesse aspecto, que uma exagerada restrição do conceito de abuso com fins eleitorais, por intermédio de um extremo rigorismo na aferição da dita potencialidade significaria tornar letra morta previsões constitucionais e legais que atribuem ao Poder Judiciário a missão de velar pelo equilíbrio substancial no processo político.

Portanto, entendemos que restou muito bem configurada conduta vedada a agente político em campanha eleitoral, nos termos do art. 73, inciso IV, c/c §10 da Lei 9.504/97, com redação dada pela Lei 11.300/2006, com potencialidade mais do que suficiente para influenciar o resultado do pleito passado de 2006, conforme conceito contido no art. 22 da Lei Complementar 64/90.

Cabível então a cassação de diploma do primeiro representado e multa a ambos os representados, com base no art. 73, inciso IV c/c §§ 4º e 5º, da Lei 9.504/97, bem como a decretação da inelegibilidade de ambos por 03(três) anos contados da eleição 2006, nos termos do art. 22 da Lei Complementar 64/90 (já que, proclamados os eleitos, tal abuso apenas enseja a cassação de diploma por meio de recurso de diplomação ou ação de impugnação de mandato eletivo).

Esclareça-se que a participação de ambos os investigados nas condutas em apuração restou incontroversa nos autos, portanto não há dúvidas quanto ao cabimento das sanções de multa e inelegibilidade para ambos, sendo que, a cassação de diploma do primeiro alcança também o vice-governador, nos termos de copiosa jurisprudência de nossas Cortes Eleitorais, tendo em vista que este se encontra em mera relação de subordinação quanto ao cabeça da chapa.

Coroando nossa linha de raciocínio, selecionamos precedente do Col.Tribunal Superior Eleitoral que, ao nosso ver, serve muito bem como paradigma para a análise ora realizada, por envolver circunstâncias fáticas semelhantes às do presente caso, embora menos detalhadas e graves:

ELEIÇÕES 2002. RECURSO ESPECIAL RECEBIDO COMO RECURSO ORDINÁRIO. PRELIMINARES DE INTEMPESTIVIDADE E PRECLUSÃO AFASTADAS. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS. USO DE PROGRAMAS SOCIAIS, EM PROVEITO DE CANDIDATO, NA PROPAGANDA ELEITORAL. RECURSO PROVIDO PARA CASSAR O DIPLOMA DE GOVERNADOR.

APLICAÇÃO DE MULTA. Das decisões dos tribunais regionais cabe recurso ordinário para o Tribunal Superior, quando versarem sobre expedição de diplomas nas eleições federais e estaduais (CE art. 276, II, a). É vedado aos agentes públicos fazer ou permitir o uso promocional de programas sociais custeados pelo poder público (TSE – RESPE 21320 – BOA VISTA – RR – Relator HUMBERTO GOMES DE BARROS – DJ 30/08/2004, Página 114 – RJTSE Volume 16, Tomo 4, Página 165).


“Houve quitação dos débitos dos financiamentos da casa própria, das prestações vencidas e vincendas. E se faz referência a que isso seria em execução da Lei Federal nº 10.150, de 21.12.2000. (…) Mesmo que fossem legais essas quitações, não poderiam ter sido utilizadas em pleno período eleitoral, em proveito do candidato ou partido.

Embora aqui não se cogite da potencialidade de influir no resultado, porque se trata de condutas vedadas, em que a desigualdade é presumida, a mínima diferença da votação do primeiro para o segundo colocado, faz evidente o proveito dessa massa de propaganda, à custa de programas sociais que foram desenvolvidos ou ampliados pelo recorrido.” (Voto do Min. Luiz Carlos Madeira) “Também ficou sem explicação razoável a remessa da mensagem nº 35, de 27 de setembro de 2002, à Assembléia Legislativa Estadual, propondo parcelamento, anistia e remissão de débitos fiscais. A referida mensagem transformou-se na Lei nº 347, de 8 de outubro de 2002, isso tudo em plena campanha eleitoral. Tem-se, ademais, a questão do vale-alimentação, aumentado em 100%, em cima das eleições. Portanto, penso ter-se prática, sem dúvida, de abuso do poder político, que macula as eleições.” (Voto do Min. Carlos Velloso) “Ora, não se discute aqui a questão da legalidade estrita dos atos, mas sim a conduta vedada do ponto de vista eleitoral. O que visa a Lei Eleitoral é a liberdade do eleitor e a igualdade entre aqueles que se disponham ao exercício do cargo público, ou seja, da administração do poder. E, não é possível, a meu ver, data vênia, que se entenda razoável que, nesse período entre o primeiro e o segundo turno, possa um governante, vencido no primeiro escrutínio popular, lícita e validamente encaminhar mensagem remindo dívidas, parcelando débitos e aumentando benefícios sociais.” (Voto do Min. Francisco Peçanha Martins) “Mas, fiquei, no presente caso, impressionado com a sucessão de eventos ligados ao quadro eleitoral: a questão dos vales e de todos os demais benefícios parece caracterizar algo que vai além do simples esforço governamental. (…) no caso em questão, há uma sucessão avassaladora de eventos que, de fato, sugerem algo mais do que o simples afazer governamental. É um conjunto. O conjunto da obra impressiona. (Voto do Min. Gilmar Mendes) Observe-se que, no precedente acima transcrito, a utilização de programa social em benefício de candidato ao cargo de Governador de Estado, embora deflagrado em meio à campanha eleitoral, sequer envolvia sucessivas e evidentes ilegalidades como no presente caso, nem tampouco evidências tão claras de associação do programa à imagem do candidato com elevação de gastos às vésperas do pleito eleitoral.

Por oportuno, vale destacar ainda precedente dessa egrégia Corte Regional, acerca da distribuição de dinheiro público, durante o período eleitoral, a qual se amolda muito bem à situação em análise:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ELEIÇÕES 2000. (…) MÉRITO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILEGAL DE SUFRÁGIO. CARACTERIZAÇÃO. IMPROVIMENTO. (…)

8- Distribuição de dinheiro público, mesmo sob o suposto argumento de programa governamental, deve ser visto sob a ótica dos princípios constitucionais aplicáveis à administração pública, acentuadamente, a impessoalidade e moralidade. Não é dado ao temporário gestor da pública dela dispor com se sua fosse.

9- Programa governamental deve ter lei embasadora, previsão orçamentária e gestão compatíveis, não se justificando o aumento considerável exatamente na época eleitoral.

10- Recurso conhecido e improvido.

(Ac. TRE-PB 1809/2003, j. 01/04/2003, Unânime, Relator: Juiz Harrisson Targino).

“As doações feitas com recursos públicos, dissociadas de um programa ordenado de política pública e maculado pelo tom de pessoalidade que lhe cercava, por seu vulto, por sua incidência, está a demonstrar a quebra da isonomia de tratamento dos contendores no pleito, com nociva influência sobre o eleitorado e com clara probabilidade de influir decisivamente no resultado do pleito.

Não socorre ao recorrente – então Prefeito e candidato o argumento de que agiu no estrito cumprimento de programa de benefícios instituído pelo Município em face das conhecidas carências do povo paraibano. Não há nos autos provas da existência de uma política pública específica estruturada em forma de programa de ação, com os devidos respaldos legais e institucionais, a chancelar esta tese.

Pela indiscriminada distribuição de valores, percebe-se que as verbas públicas tornaram-se elementos de assistencialismo com propósito eleitoral, como demonstra o notável crescimento dos valores envolvidos nesta “ação governamental” nos meses que antecederam ao pleito.” (Rel. Juiz Harrison Targino) Observe-se que, naquela decisão, essa Egrégia Corte enfrentou questão similar à discutida nestes autos, reconhecendo por unanimidade que a distribuição indiscriminada de dinheiro público, sem respaldo em programa legalmente estruturado, com associação à pessoa do gestor candidato e elevação de gastos nas proximidades do período eleitoral, configura muito bem o abuso de poder político com conteúdo econômico.

Assim, se naquelas hipóteses vislumbrou-se conduta vedada a agente público em campanha eleitoral e abuso de poder para fins eleitorais, com mais razão se deve reconhecer tais ilícitos eleitorais nos fatos narrados nesta ação.

Ante todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL manifesta-se pela PROCEDÊNCIA da representação sob exame nos termos dos arts. 22 da LC nº 64/90 e arts. 73, IV, c/c § 10º da Lei nº 9.504/97, para, reconhecendo-se a prática de abuso do poder de político e conduta vedada aos agentes públicos em campanha eleitoral, decretar-se a pena de inelegibilidade por 03 (três) anos para ambos os investigados, a contar do pleito 2006, bem como a pena de cassação de diploma para o primeiro investigado, atingido-se também o Vice-governador do Estado, com amparo no § 5º do art. 73 da referida Lei 9.504/97, além da pena de multa para ambos os investigados, com fulcro no art. 73, § 4º, da mesma lei.

João Pessoa, 28 de junho de 2007.

JOSÉ GUILHERME FERRAZ DA COSTA

PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL

DUCIRAN VAN MARSEN FARENA

PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL SUBSTITUTO

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