Prática saudável

Futuro dos Títulos de capitalização está nas mãos do Judiciário

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29 de junho de 2007, 16h00

Ao ver a matéria Titulo de capitalização — contrato pode ser rompido a qualquer tempo neste site, no dia 26 de junho passado, me ocorreu a folclórica história que se fala no mundo corporativo sobre os irmãos donos de um banco, quando assinavam um contrato. Diz a história que sempre um deles costumava dizer “todo o contrato tem de ser bom para os dois: para mim e para o meu irmão”. Brincadeiras à parte, foi essa a sensação que surgiu da decisão do Juiz Yale Sabo Mendes, de Cuiabá: apenas o aplicador deve ganhar.

Essa discussão se espalha há muito pelo Brasil, com franca desvantagem para as empresas de capitalização, que não conseguem convencer os juizes sobre a legalidade de seus contratos. E vai-se além: como, especialmente nos Juizados, os jovens juízes, assoberbados pelos serviços, devem decidir rapidamente, não lhes sobra tempo para aprofundar-se a respeito dos temas de maior complexidade. Tanto que a referida decisão confunde consórcio com capitalização, “taxa” de serviços de corretor com taxa de administração, seguro etc. A decisão em si, é apenas um reflexo. O que interessa é compreender melhor a capitalização.

O título de capitalização tem origem no Oriente. Mas foi na França, há mais de 100 anos, que se adotou a atual forma, com sucesso em muitos países do mundo. Há duas modalidades básicas de capitalização: as que estimulam a premiação em detrimento da poupança e vice-versa. Mas em ambas há distribuição de prêmios como forte atrativo.

E como funciona a capitalização? O interessado adquire um título a ser pago em prestações por prazo definido. Ao longo do tempo concorrerá a sorteios. No final, resgatará o valor aplicado. Os títulos que prestigiam a premiação não dão bom retorno, mas a chance de ganhar prêmios é maior. Os outros, em geral, devolvem o capital com o mesmo índice da poupança, sem os juros.

E a operadora do título ganha dinheiro? Sim, com a diferença entre o valor pago ao final e o valor por ela aplicado. Ou seja: com os juros. Também engrossam essa receita eventuais desistências, embora tal previsão não seja a mais importante.

O que poucos sabem é que as sociedades de capitalização não podem aplicar o dinheiro em qualquer mercado. A grande maioria do numerário deve ser aplicado em títulos da dívida pública — do mesmo modo que os planos de previdência privada. São dois importantes instrumentos do governo que garantem o alongamento do perfil da dívida e a estabilidade da moeda. Investimentos em que se pode sacar o dinheiro a qualquer hora não permitem a estabilidade.

Uma empresa de capitalização não pode sofrer desistências significativas em seus títulos e devolver o valor integral — não sobreviverá, já que o valor aplicado não renderá o que precisa para fazer frente às despesas operacionais e aos sorteios. Aliás, vários sorteios já se realizaram quando há a desistência! Curioso que ninguém nunca alegou ter sido enganado quando premiado! É necessário que os adquirentes permaneçam até o final. E quem o fizer não sofrerá prejuízo: terá o valor resgatado integral, com os acréscimos contratados: serão menores que o da poupança.

A contrapartida são os sorteios que participou. No momento da adesão à capitalização, há duas situações, a poupança do dinheiro e o concurso a sorteios! Não dá para sair no meio apenas porque não ganhou prêmio algum. Assim, sob regulamentação da Susep, os contratos de capitalização impõem severos descontos aos que desistem logo no início e vão diminuindo o percentual, conforme o contrato vai chagando ao final. É um contrato atípico, porque o negócio também é atípico. Se o julgador utilizara apenas as “regras de experiência” poderá chegar a soluções equivocadas.

Outra questão que também merece reparo, na maioria das decisões, é chamada “taxa de serviços” ou o nome que se queira dar. Como é sabido, os títulos de capitalização, como o seguro, somente podem ser vendidos por corretores devidamente cadastrados na Susep. Não há interferência direta da administradora do título. Os corretores, por força de lei, representam os consumidores. Quantos de nós, ao renovarmos nossos seguros, não conversamos com os corretores para que nos apontem a melhor seguradora?

O mesmo ocorre com a capitalização. Algumas corretoras, porém, têm cobrado por esse serviço, o que não é ilegal, embora não pareça adequado, já que não há um aconselhamento a respeito do melhor título. Esse valor é pago diretamente à corretora em documento diverso do título. E somente ela pode responder por esse valor. Não há relação na cadeia de consumo, no caso em tela.

A tendência, especialmente nos Juizados, de determinar a devolução integral do valor capitalizado em caso de desistência antes do prazo final, fere a legislação e leva as empresas a uma situação próxima da insolvência. E a devolução dos honorários dos corretores por essas empresas é atitude inexplicável.

Se à classe média repugna o sistema de concursos, isto não ocorre com a população. Concorrer a concursos e receber o dinheiro de volta é uma prática saudável que estimula a poupança e a estabilidade do governo. Não há nada de mal nisso. Muito menos de ilegal.

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