Contra o feiticeiro

Infraero abandonou projeto e R$ 100 milhões em receitas

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28 de junho de 2007, 14h54

Nas dobras da torrente de denúncias de malversações e desvios contra a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), paulatinamente, novos fatos descortinam-se sobre os desvarios da estatal. Para defender-se da acusação de que cobrou por produto que não entregou, uma empresa de soluções tecnológicas, a FS3 Comunicação, acabou por acrescentar um novo cacho de negligências ao rosário de penas que feriu a empresa pública. Nesse caso, de vítima, a estatal passa à condição de vilã.

A acusação original era a de que uma empresa de informática deu prejuízo à Infraero por vender, e não entregar, um poderoso sistema centralizado de comercialização de espaços publicitários em aeroportos, ao preço de quase 27 milhões de reais. Outras acusações: não houve licitação e o preço teria sido “superfaturado”.

O serviço contratado, como demonstra a defesa da empresa, tem os contornos de um “ovo de Colombo”. A FS3 foi contratada para oferecer solução tecnológica para a gestão dos espaços de publicidade em todos os aeroportos do País administrados pela Infraero. Na ocasião, explica um sócio da empresa, Ettore Casoria, como não havia empresas que desenvolvessem trabalho similar, a contratação da FS3 foi feita com a dispensa de licitação por notória especialização da empresa. O valor global do contrato era de R$ 26,8 milhões.

Entre os questionamentos feitos estava o de que a empresa fora criada poucos meses antes de fechar o contrato com a estatal e uma dúvida sobre o licenciamento do sistema. A FS3 explicou que o ineditismo do produto, e a sua necessidade, gerou a criação da empresa que obteve, antes, o certificado da Associação Brasileira de Software, reconhecendo a exclusividade tanto do sistema quanto da licença sobre o Advantage.

Após a assinatura do contrato, a FS3 iniciou um minucioso trabalho de mapeamento de todos os pontos de publicidade de 65 aeroportos espalhados pelo território nacional. Para se ter uma idéia da falta de controle sobre esses espaços, antes do mapeamento realizado pela FS3 a Infraero acreditava que os pontos de publicidade disponíveis nos aeroportos que administra não passavam de 2,8 mil. Após o cadastramento, foram identificados mais de 5,5 mil espaços disponíveis para publicidade. Isso equivale dizer que a Infraero simplesmente não tinha controle sobre o que era faturado em mais de dois mil espaços publicitários dentro de seu próprio território.

Além do cadastramento, explicam seus advogados, todos os espaços para exploração de publicidade foram fotografados. Com isso, a FS3 desenvolveu um sistema que permitia, pela Internet, que qualquer agência de publicidade, de qualquer parte do mundo, ou empresa anunciante pudesse escolher os pontos em que gostaria de ver seu produto anunciado, além do período e prazo para veiculação da propaganda. Com esse controle eletrônico a Infraero poderia aumentar consideravelmente sua arrecadação com a exploração dos espaços de publicidade, sem necessidade de intermediários. Estima-se que, com o sistema batizado de Advantage v.2 em pleno funcionamento, a Infraero poderia arrecadar, anualmente, cerca de R$ 100 milhões. Atualmente ela arrecada algo em torno de R$ 25 milhões por ano, ou seja, quatro vezes menos do que poderia faturar.

Concluído o projeto, no entanto, o poderoso sistema continuou no mundo virtual, já que o que a Infraero adquiriu foi o desenvolvimento de uma solução tecnológica. Com o fim do contrato, sua licença de uso expirou antes que fosse concluído o processo de transição em que a FS3 passaria para a Infraero todo o banco de dados e o completo controle da operação do sistema. Ocorre que a não prorrogação do contrato para a conclusão dessa fase transitória aconteceu por culpa da própria Infraero, por conta da falta da assinatura de um diretor. No final de 2005 o Tribunal de Contas da União foi averiguar porque. E constatou o motivo: retalhado em feudos estanques, o império da Infraero subdivide-se em territórios cujos donos mantêm porteiras fechadas a sete chaves. O software de comercialização de espaços publicitários da FS3 simplesmente mudaria esse quadro. E o quadro não mudou. O projeto ficou só no projeto. Diante das suspeitas, o contrato foi suspenso. E a empresa não recebeu o que lhe era devido.

Recentemente, a Controladoria Geral da União (CGU) considerou uma “falha grave” o fato de a estatal não ter substituído o sistema de controle de comercialização dos espaços publicitários por nenhum outro similar depois da suspensão do contrato com a FS3.

O próprio ex-presidente da Infraero, Carlos Wilson, chegou a admitir que o sistema só não foi usado por pressões externas. “Isso só não aconteceu por lobby das empresas que operam nos aeroportos e não querem a instalação do software. Alguém (do próprio governo) está dificultando a instalação do FS3”, afirmou Wilson em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo publicada em março deste ano.

Acuada com o turbilhão de irregularidades que vêm sendo desvendadas nos últimos tempos, a Infraero chegou a sugerir que pagou e não recebeu. A Infraero pagou uma parte dos valores contratados, embora tenha recebido exatamente o que contratou. Só não usou o sistema por que não quis. Ou porque alguém preferiu que as coisas permanecessem como estão.

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