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Super Simples: Quem confessar o que não deve vai se arrepender

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26 de junho de 2007, 13h21

Quase toda lei brasileira se parece com antiga propaganda do “Mate Leão” : já vem queimada…

Por melhores que sejam as decantadas boas intenções dos podres poderes da República, sempre de alguma forma nós — escravos da “nomenklatura” que nos governa, prisioneiros da ditadura fiscalista que nos espolia, torturados pela legislação tributária que nos confunde, massacrados pela burrocracia idiota que nos sufoca — nós acabamos de alguma forma sendo prejudicados.

Todos festejamos a Lei Complementar 123 que criou o tal “Supersimples”. Mas, como se sabe, “nunca neste país” se fez uma lei que nos beneficiasse e que não contivesse, nas suas entrelinhas ou nas interpretações maldosas dos seus aplicadores, alguma armadilha, alguma sacanagem contra o povo, como se fosse o espinho da rosa, o caroço da fruta, o dia seguinte da bebedeira…

Pois a LC 123, no seu artigo 17, inciso V, proíbe o enquadramento no “Supersimples” da empresa “que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa”. Quem tiver débito poderá fazer um parcelamento em até 120 meses.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Uma coisa: se a empresa tem débito, deve ser cobrada. Para isso existem a lei de execuções fiscais e diversos outros mecanismos legais e mesmo a penhora imediata, sem defesa, que ridiculamente chamam de “online”, aliás em flagrante desrespeito ao nosso idioma, supostamente oficial.

Outra coisa: impedir alguém que deva tributo de optar por um sistema mais benéfico de tributação parece-nos uma discriminação ilegal, uma vez que está sendo cerceada a atividade do contribuinte, impedido de receber tratamento isonômico em relação a seus concorrentes.

Quem está em débito não pode ser impedido de trabalhar. Assim diz a Súmula 547 do Supremo Tribunal Federal: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”

Ao proibir que o devedor tenha acesso a regime simplificado e mais benéfico de tributação, a lei o coloca em desvantagem com seus concorrentes. Isso é uma punição ilegal e injusta, pois o devedor já é punido com multas e juros pela inadimplência. Ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato.

Além de discriminatória, a proibição é uma burrice, pois o devedor, se tiver acesso aos benefícios da lei, pode recuperar-se e tornar-se adimplente. Se ficar à margem do sistema, não sobreviverá, com o que o próprio Estado perde, já que as pessoas cultivam o desagradável hábito de comer mesmo se o governo as proíbe de trabalhar. Dá-se a esse estranho comportamento o nome de informalidade. Camelôs, como se sabe, não são extra-terrestres…

Mas o problema maior no caso é que um grande número de empresas possui “débitos” que resultaram de autos de infração totalmente ilegais, especialmente no município de São Paulo, onde a Secretaria de Finanças, nos últimos anos, vem fazendo um verdadeiro “arrastão”, aplicando autos de infração a torto e a direito, muitos dos quais caracterizam crime de excesso de exação, nos termos do artigo 316 do Código Penal!

Um exemplo disso são autos de infração relacionados com “serviços” de locação de bens móveis, que a Justiça já considerou não sujeitos ao ISS.

Outra situação são empresas de serviços jornalísticos, que só após a vigência da LC 116 se tornaram sujeitas ao imposto. Antes de 2004 esses serviços não deveriam pagar o ISS, posto que não estavam definidos na lei complementar.

Mas o fisco municipal, quase sempre comandado por pessoas que ignoram Direito Tributário ou, pior ainda, desobedecem as leis que juraram cumprir, sempre cobrou o imposto indevido, assim gerando “débitos” totalmente ilegais, inconstitucionais, juridicamente inexigíveis, que agora a vítima (antigamente apelidada de contribuinte) se vê obrigada a parcelar para enquadrar-se na nova lei…

E há situações mais estranhas ainda. Um escritório de contabilidade foi multado porque um fiscal municipal resolveu que ele deveria pagar 5% sobre sua receita bruta, apenas porque um de seus sócios era administrador de empresa. Autuação de mais de dois milhões de reais, com claro efeito confiscatório, pois nem a empresa nem seus sócios possuem patrimônio em tal valor.

A lei é clara no sentido de que sociedades de profissionais liberais pagam o ISS por quantia fixa, não sobre sua receita. Mas o entendimento do Fisco contrariou ampla, farta e pacífica jurisprudência dos tribunais superiores, com o que o contador foi multado. Ele apresentou defesa administrativa há vários anos, até hoje não julgada nem em primeira instância. E agora a prefeitura paulistana lhe acena com a possibilidade de parcelar o que não é devido!

Em pior situação acham-se os contribuintes que mantém sede em outros municípios e que tenham sido multados pelo Fisco paulistano. Estes terão, certamente, que contratar advogado para obter decisão que suspenda a exigibilidade do suposto débito, provavelmente mediante uma ação ordinária com pedido de antecipação de tutela, onde a vítima (contribuinte) terá de oferecer alguma garantia. Aquele contador, sem patrimônio para garantir débito inventado por autuação maluca, não poderá inscrever-se no “Supersimples”.

Da forma como o fisco está fazendo, a exigência de parcelamento de dívida discutível como condição para a opção pelo sistema da LC 123 não se nos afigura como medida legítima, posto que se assemelha a um mecanismo próximo da chantagem mais mesquinha, à qual apenas meliantes se dedicam.

Por outro lado, quem fizer parcelamento do que não deve, sabe que está jogando dinheiro fora e confessando uma dívida inexistente, sem a possibilidade de no futuro recuperar o prejuízo. Como se sabe, dinheiro que entra nos cofres públicos não costuma voltar para o bolso do contribuinte…

Talvez para muitos seja melhor não entrar nesse negócio de “Supersimples”, nem que seja para evitar que no futuro a situação fique super complicada…

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