Direito de reclamar

Policiais inocentados em inquérito não devem receber indenização

Autor

26 de junho de 2007, 0h00

Todo cidadão tem o direito de reclamar de um agente público quando se sentir prejudicado ou coagido. Com esse entendimento, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou o pedido de dois policiais, que pretendiam ser indenizados por um engenheiro devido às denúncias que ele fez à Ouvidoria da Polícia.

Segundo o desembargador Guilherme Luciano Baeta Nunes, “vivemos numa república, onde prevalece o estado democrático de direito, sendo constitucionalmente assegurado a todo cidadão, nacional ou não, além do direito de ação, a prerrogativa de postular, na proteção do seu direito, junto aos órgãos que representam o Estado, inserindo-se neste contexto as ouvidorias de Polícia”.

O engenheiro percorria as cidades do interior para avaliar os estragos em pontes causados pelas enchentes de 2002 e 2003. Na cidade de Sobrália (MG), passou por cima de um pequeno cavalete e, logo depois, foi repreendido e multado por um integrante da Polícia Militar.

Segundo o engenheiro, a abordagem foi agressiva e, além disso, o policial, na ocasião, usava roupas comuns e apresentou a credencial de outro membro da corporação. Por isso, ele entrou com reclamação na Ouvidoria da Corregedoria de Polícia Militar.

O Comando Geral da corporação abriu uma sindicância para apurar as possíveis faltas cometidas pelos policiais, o que abordou o engenheiro e o titular da credencial. Entretanto, diante da falta de provas de que houve abuso de poder, os policiais foram inocentados.

Os dois policiais entraram, então, com uma ação contra o engenheiro, pedindo a reparação de danos morais. Alegaram que o inquérito aberto havia causado muitos constrangimentos, já que outros colegas do batalhão e da comunidade souberam do que aconteceu. O pedido foi negado pelo juiz de primeira instância. Os policiais recorreram.

Para o relator, “a abertura de sindicância contra os agentes, em razão da motivada e corajosa medida adotada pelo engenheiro, mormente quando se sabe que muitas arbitrariedades são cometidas e poucos são os casos em que o cidadão se vale dos meios legais para fazer prevalecer o seu direito, não configura ilícito civil passível de render aos autores a pretensa indenização”.

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL 1.0105.03.106806-4/001 – COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES – APELANTE(S): CLEDSON RIBEIRO DE CASTRO E OUTRO(A)(S) – APELADO(A)(S): CARLOS ROBERTO TELES FERNANDES – RELATOR: EXMO. SR. DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 29 de maio de 2007.

DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES:

VOTO

Ouvi com atenção as palavras do ilustre orador e quero dizer que como Relator também não vi antijuridicidade na conduta praticada pelo apelado.

Cuida-se de apelação interposto por Cledson Ribeiro de Castro e outro, contrariando a sentença prolatada às f. 139-142, pela qual o ilustre Juiz, mediante o seu livre e motivado convencimento, julgou improcedente o pedido objeto da ação de indenização por danos morais, ajuizada pelos ora apelantes em face de Carlos Roberto Teles Fernandes.

Os apelantes alegam, em suma, que, em razão de infundada denúncia feita pelo apelado, vieram a responder a uma injusta sindicância sumária por determinação do Comando Geral da Polícia Militar, o que chegou ao conhecimento de todos os colegas de trabalho do Batalhão, com comentários nada animadores, configurando ofensa moral passível de reparação, tanto é que o apelado requereu fosse “compelido a pagar indenização de 05 a 100 salários mínimos”.

O apelado ofertou as contra-razões de f. 143-157, postulando, inicialmente, fosse negada a assistência judiciária postulada pelos apelantes.

Quanto ao mérito requer à aplicação da pena de confissão aos autores, asseverando, ainda, que os fatos narrados na peça de ingresso não restaram comprovados. Arremata sob a alegação de que a decisão monocrática não apreciou o pedido de condenação dos autores por litigância de má-fé.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

A pretensão de revogação dos benefícios da gratuidade de justiça, eriçada em sede de contra-razões, não merece ser albergada.

Muito embora exista preceito legal a autorizar à parte interessada, “em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios de assistência”, o sucesso de tal pedido depende da apresentação de convincentes elementos de provas a demonstrar que os beneficiários perderam a condição de necessitados, o que não ocorre no presente caso.

Quanto ao mais, o inconformismo recursal decorre da discordância dos apelantes com a decisão monocrática que julgou improcedente o pedido objeto da ação de indenização, por danos morais, por eles ajuizada em face de Carlos Roberto Teles Fernandes.

Os apelantes, em busca da reforma da decisão monocrática, insistem na tese de que injustamente, por provocação do apelado, vieram a responder sindicância sumária, e, pelo constrangimento sofrido, configurada restou a ofensa moral indenizável.

Atento ao contexto fático-probatório, com minhas escusas, adianto que a insurgência recursal não merece ser acolhida.

Sabe-se que o Código Civil vigente, através do art. 927, caput, é incisivo ao determinar que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo”.

Ao conceituar ato ilícito, o art. 186 do citado diploma legal prescreve a necessidade de coexistência dos seguintes elementos: existência de uma conduta, comissiva ou omissiva; existência de dano, material ou moral; relação de causalidade entre o comportamento do agente e o prejuízo provocado; ocorrência de dolo ou culpa do agente; e, por fim, violação do direito.

No caso em comento, tal qual externado pelo MM. Juiz sentenciante, também estou convencido da ausência dos requisitos legais necessários à procedência do pedido de indenização.

O fato de o apelado ter comparecido à Seção de Ouvidoria da Corregedoria de Polícia Militar, para reclamar contra a forma como foi abordado pelo “SD PM EDSON DOS SANTOS”, que na ocasião se vestia como um cidadão comum, bem como por ter sofrido autuação por infração de trânsito por policial militar que não estava presente no ato abordagem, procedimento que resultou em abertura de sindicância militar, data venia, não configura ato ilícito.

Pelas declarações prestadas por Antônio Geraldo, testemunha domiciliada em Sobrália-MG, que estava acompanhando o réu, ora apelado, quando este foi abordado pelo Cabo Edson, estou convencido de que a indignação do apelado por ter sido autuado por pessoa que não estava presente na via pública onde se dera a eventual infração de trânsito, agregado ao fato de que o militar ali presente se vestia como um cidadão comum, inclusive por não ter se identificado, consubstanciam-se em elementos suficientes a recomendar que o caso fosse levado à Ouvidora da Corregedoria de Polícia Militar.

Impende ser ressaltado que vivemos numa república, onde prevalece o estado democrático de direito, sendo constitucionalmente assegurado a todo cidadão, nacional ou não, além do direito de ação, a prerrogativa de postular, na proteção do seu direito, junto aos órgãos que representam o Estado, inserindo-se neste contexto as Ouvidorias de Polícias.

Logo, a abertura de sindicância contra os autores-apelantes, em razão da motivada e corajosa medida adotada pelo autor, mormente quando se sabe que muitas arbitrariedades são cometidas e poucos são os casos em que o cidadão se vale dos meios legais para fazer prevalecer o seu direito, não configura ilícito civil passível de render aos autores a pretensa indenização.

Certo é que ao apelado, em decorrência dos justos motivos a lhe autorizar o acionamento da Ouvidoria de Polícia Militar, com a conseqüente abertura de sindicância, não pode ser atribuída a prática de qualquer ilícito, seja por dolo ou culpa, pois o episódio narrado nestes autos apresenta peculiaridades que ofuscam o pedido de reparação civil.

O acolhimento da pretensão deduzida na presente lide serviria de incentivo à perigosa indústria do dano moral, o que não se deseja e não se pode permitir.

Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo incólume a douta sentença recorrida.

Custas recursais a cargo dos apelantes, cuja exigibilidade, nos termos do art. 12, da Lei 1.060/50, fica suspensa diante da Justiça Gratuita deferida a eles.

O SR. DES. UNIAS SILVA:

VOTO

Acompanho o eminente Relator.

O SR. DES. ELPIDIO DONIZETTI:

VOTO

Também acompanho, Sr. Presidente e gostaria de acrescentar que constitui direito de qualquer cidadão questionar a legitimidade de qualquer ato do servidor público, sobretudo os atos decorrentes do poder de policia, de forma que não há qualquer ilicitude no fato de se pedir a abertura de sindicância para verificar os limites da atuação policial, de forma, que também nego provimento ao recurso.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!