Enxurrada de ossos

Município é condenado porque caixão invadiu casa em uma chuva

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26 de junho de 2007, 0h01

Um município foi condenado a indenizar uma moradora por não fiscalizar, devidamente, seus bens públicos. A decisão é da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que condenou o município de Teófilo Otoni (MG) a pagar R$ 35 mil de indenização por danos morais a uma moradora. Ela teve a casa invadida por um morto, em estado de decomposição, durante um temporal, que destruiu o muro do cemitério municipal.

Segundo o desembargador Alvim Soares (relator), com a fiscalização, por parte da prefeitura, “seria detectado em menor tempo qualquer irregularidade no muro que divide o cemitério local com seus vizinhos”.

Os desembargadores consideraram os prejuízos morais sofridos pela família. A moradora e suas filhas alegaram que, após o acidente, tiveram depressão e medo de morar no mesmo lugar.

O temporal atingiu a cidade e provocou a queda de parte do muro do cemitério sobre três casas. Com o acidente, o terreno cedeu e ossadas foram empurradas para dentro da casa da moradora, provocando, inclusive, a abertura de um caixão, onde havia um defunto sepultado há apenas duas semanas. Com o impacto, a tampa do caixão atingiu a perna da moradora, que sofreu infecção bacteriana devido ao ferimento.

O município alegou que o desabamento do muro, construído há mais de 40 anos, foi provocado exclusivamente pela moradora, que realizou uma obra em sua casa. Sustentou, ainda, que o acidente foi ocasionado por uma chuva fora do normal.

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO 1.0686.04.133345-7/003 – COMARCA DE TEÓFILO OTÔNI – REMETENTE: JD 3 V CV COMARCA TEOFILO OTONI – APELANTE(S): MUNICÍPIO TEOFILO OTONI – APELADO(A)(S): SONIA DOS SANTOS FERREIRA – RELATOR: EXMO. SR. DES. ALVIM SOARES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REFORMAR PARCIALMENTE A SENTENÇA NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

Belo Horizonte, 22 de maio de 2007.

DES. ALVIM SOARES – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ALVIM SOARES:

VOTO

Conheço não só do reexame necessário, mas também, do recurso voluntário interposto, eis que presentes os pressupostos de suas admissibilidades.

Trata-se de ação cominatória c/c indenizatória promovida perante a Terceira Vara Cível da comarca de Teófilo Otoni pela ora apelada Sônia dos Santos Ferreira em face daquele Município, asseverando que, na madrugada do dia 27/10/04 foi surpreendida com o desmoronamento do muro que divide o terreno da casa onde mora com o Cemitério Municipal, ocasionando um soterramento de sua residência; ao longo da exordial, dissertou a mórbida situação por ela e suas filhas vivida na fatídica noite, com a invasão de lama fétida e a abertura de uma caixão onde um corpo que havia sido enterrado há menos de quinze dias, ainda se encontrava em estado de decomposição, causando um péssimo odor; após narrar todo o direito que entende aplicável ao caso em apreço e entendendo ser o suplicado responsável pelo lamentável episódio, requereu, em antecipação de tutela, que o requerido fosse condenado a reconstruir o muro de divisa, reformar sua residência que ficara inabitável, sendo que enquanto não finalizada as obras, deveria o requerido arcar com aluguel na ordem de R$ 350,00 mensais; ao final, requereu a procedência da ação, confirmando todos os pedidos deferidos antecipadamente, além da condenação a título de dano moral, na ordem de mil salários mínimos; juntou documentos.

A antecipação de tutela requerida foi indeferida (decisão de fls. 73/75 TJ); desta decisão, a suplicante interpôs agravo de instrumento, que foi recebido em ambos os efeitos (fls. 93 TJ); ordenado que o Município-réu realizasse as obras requeridas na exordial e pagasse o aluguel da requerente, enquanto estas não estivessem concluídas; posteriormente, esta egrégia Turma Julgadora, confirmando a liminar concedida, deu provimento ao agravo (acórdão de fls. 157/160 TJ).

Devidamente citado, o Municipio-réu apresentou sua defesa sob a modalidade de contestação às fls. 101/106 TJ, argüindo que não pode ser responsabilizado por fato provocado exclusivamente pela própria autora que realizou uma obra em sua residência e que culminou com o desabamento do muro construído há mais de 40 anos; alegou, ainda, que sua responsabilidade também pode ser excluída face a ocorrência de um temporal fora do normal que desabou naquela noite em Teófilo Otoni, caracterizando-se o episódio, como caso fortuito.

As partes agiram com bastante desenvoltura no transcorrer do processo, produzindo diversas provas documentais, inclusive pericial (laudo acostado às fls. 207/212 TJ); o MM Juiz de Direito a quo prolatou a decisão guerreada às fls. 224/231 TJ, julgando procedente o pedido inicial, para condenar o réu a realizar as necessárias obras, indenizar a autora os prejuízos materiais a serem apurados em liquidação de sentença e pagar a título de indenização por dano moral o valor correspondente à R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais).

Discordando do decidido na instância inaugural, o então suplicado ofertou o recurso de apelação de fls. 232/242 TJ, ratificando as mesmas razões anteriormente apresentadas, insistindo na tese de que não pode ser considerado responsável pelo fato; contra-razões oferecidas às fls. 264/267 TJ, batendo pela manutenção de todo o decidido na instância inaugural.

Data maxima venia, analisando os autos com o devido cuidado que o caso requer, tenho que a r. decisão prolatada na primeira instância deve ser confirmada por essa egrégia Turma Julgadora, em quase sua integralidade; a reforma necessária é, apenas, na parte atinente aos juros de mora aplicados.

Não se discute que se tratando de ato omissivo do Poder Público a responsabilidade é subjetiva, aplicando-se os artigos 186 e 927 do Código Civil, que estabelecem a responsabilidade civil de indenizar àquele que, por ação ou omissão voluntária, causar prejuízo a outrem.

Assim a lição do eminente jurista Rui Stocco, em seu Tratado de Responsabilidade Civil:

“…quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo. Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva…”.

É da sabença de todos aqueles que militam na área do Direito, que segundo a teoria subjetiva da culpa, o lesado deverá provar o fato, o dano e nexo de causalidade entre eles; in casu, diante da prova dos autos, concluiu-se, sem qualquer sombra de dúvidas, pela culpa do Município-apelante pelo evento narrado na peça exordial, vez que, se fizesse uma fiscalização mais rigorosa de seus bens, o lamentável fato não teria ocorrido, ou, ao menos, seria detectado em menor tempo, qualquer irregularidade no muro que divide o cemitério local com seus vizinhos; ademais, em momento algum o Município-réu negou os fatos ocorridos.

Inegável a culpa do suplicado, consistente em atitude omissa, negligenciando-se na tomada de providências para erradicar o problema que poderia ocorrer, e, de fato, acabou acontecendo, lamentavelmente; não o fazendo, deve ser-lhe imputada a responsabilidade; evidenciado o nexo de causalidade entre o fato do acidente e os danos conseqüentes.

Entendo que a parte da condenação referente a realização das obras e o pagamento do aluguel, enquanto não concluídas estas, perdeu o objeto, vez que as obras foram realizadas e as chaves da casa da apelada entregues.

Quanto ao valor fixado por dano moral, tenho-o como prudente e correto; a indenização para tais fins tem seu valor fixado de forma subjetiva, diante das circunstâncias específicas de cada caso concreto, cabendo ao julgador fixar o quantum da indenização, de acordo com sua conclusão lógica e criteriosa, buscando sempre o meio termo justo e razoável para este tipo de indenização; assim, entendo que o valor atribuído para a apelada encontra-se razoável e justo, atendendo a finalidade do instituto.

O mesmo se pode dizer à respeito dos honorários advocatícios arbitrados, eis que de acordo com estabelecido no artigo 20 do Código de Processo Civil.

A única reforma necessária na sentença objurgada é na parte atinente aos juros moratórios determinados na sentença; entendo que os juros de mora deveriam ter sido fixados em 0,5% ao mês, nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97, contados a partir da citação.

Fundamento essa mudança de posição, com base em recente decisão oriunda do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. JUROS DE MORA. INÍCIO DO PROCESSO APÓS A VIGÊNCIA DA MP N.º 2.180-35/2001. INCIDÊNCIA.

1. Com a edição da Medida Provisória n.º 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, a qual acrescentou o art. 1º-F à Lei n.º 9.494/97, nos casos em que sucumbente a Fazenda Pública, a fixação dos juros de mora é cabível no percentual de 6% ao ano, se proposta a ação após a vigência da referida MP.

2. Deve ser afastada a aplicação do art. 406 do Novo Código Civil, em razão da especialidade da regra do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, que, especificamente, regula a incidência dos juros de mora nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias, aí incluídos benefícios previdenciários.

3. Agravo regimental desprovido” (AgRg no REsp 712662/RS, Relatora Ministra LAURITA VAZ).

Isso colocado, em reexame necessário, reformo a decisão monocrática para, tão somente, arbitrar os juros moratórios em 0,5% ao mês, contados a partir da citação, devendo, no restante, ser mantida incólume, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Custas, ex lege.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS e WANDER MAROTTA.

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