Abuso eleitoral

Cassados mandatos de prefeito e vice de município paulista

Autor

25 de junho de 2007, 16h30

O prefeito do município paulista de José Bonifácio, Celso Olimar Calgaro, e o vice-prefeito Lafayete Carusi, terão de deixar o cargo. A decisão é do ministro Cezar Peluso, do Tribunal Superior Eleitoral, que confirmou sentença da Justiça Eleitoral de São Paulo.

A decisão foi tomada em Agravos de Instrumento ajuizados pela Coligação O Futuro é Agora (PDT/PSB/PMDB/PFL) e pelo Ministério Público Eleitoral em São Paulo. Como a decisão foi individual, cabe recurso ao Plenário da Corte.

A alegação para a cassação dos mandatos foi de abuso de poder econômico, propaganda eleitoral com uso de material e funcionários da prefeitura; envio irregular de projetos de lei à Câmara de Vereadores; utilização de energia elétrica paga pela prefeitura para a realização de showmício; fornecimento de ônibus para alunos do município fazerem a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em outra cidade; fornecimento de um ônibus para pessoas da terceira idade participarem da Festa do Bordado, doação de cestas básicas; promessa de doação de uma cadeira de rodas motorizada; emissão de contas de água com saldo devedor “zerado” na semana anterior à eleição; divulgação de pesquisa eleitoral irregular e realização de obra de recapeamento de via pública com verbas federais para fins eleitoreiros.

A primeira instância só considerou como ilícito a propaganda eleitoral com uso de material e funcionários da prefeitura e o fornecimento de ônibus para alunos do município participarem da prova do Enem em outra cidade. Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

“Se a Corte Regional julgou que não houve o ilícito, para se alterar esse entendimento seria necessário o reexame da prova, o que é vedado em sede de recurso especial”, considerou o ministro Cezar Peluso.

Peluso acolheu parte dos dois recursos para manter a sentença quanto à cassação dos mandatos do prefeito e do vice de José Bonifácio, com base nos artigos 41-A da Lei 9504/97 e 14, parágrafo 10º da Constituição Federal.

AG 7.297 e 7.251

Leia a decisão:

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 7297 – JOSÉ BONIFÁCIO – SP

RELATOR: MINISTRO CEZAR PELUSO

AGRAVANTES: COLIGAÇÃO O FUTURO É AGORA (PDT/PSB/PMDB/PFL) e outro

ADVOGADOS: MARGARETH DE CASTRO FERRO GROSSI e outros

AGRAVADOS: CELSO OLIMAR CALGARO e outros

ADVOGADOS: JAIR JOSÉ RODRIGUES e outros

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 7251 – JOSÉ BONIFÁCIO – SP

RELATOR: MINISTRO CEZAR PELUSO

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

AGRAVADOS: CELSO OLIMAR CALGARO e outros

ADVOGADOS: LUIZ ANTONIO DE OLIVEIRA e outros

1. Recursos. Especiais. Agravos de instrumento. Fatos considerados atípicos pelas instâncias inferiores. Reexame de prova. Inviabilidade. Recurso especial não se presta ao reexame de prova.

2. Conduta vedada. Impossibilidade de análise em sede de ação de impugnação de mandato eletivo. “A ação de impugnação de mandato eletivo, prevista no art. 14, § 10, Constituição Federal, não se destina a apurar as hipóteses previstas no art. 73 da Lei Eleitoral”.

3. Abuso do poder econômico. Ausência de prequestionamento. Para que o prequestionamento se configure, é mister que a instância inferior faça o efetivo exame da matéria.

4. Captação ilícita de sufrágio. Configuração. Desnecessidade de expresso pedido de voto e de nexo de causalidade. Agravos providos. Recursos especiais parcialmente providos. A caracterização da captação ilícita de sufrágio prescinde de expresso pedido de voto e de nexo de causalidade entre a conduta e o resultado do pleito, sendo suficientes a anuência do candidato e a evidência do especial fim de agir.

DECISÃO

1. A Coligação O Futuro é Agora (PDT/PSB/PMDB/PFL) e Pedro José Brandão dos Reis, candidato ao cargo de prefeito nas eleições de 2004, ajuizaram ação de impugnação de mandato eletivo contra Celso Olimar Calgaro, prefeito eleito, Lafayete Carusi, vice-prefeito eleito, e José Ricardo Pereira, vereador reeleito, sob alegação de abuso do poder econômico, prática de conduta vedada a agente público e captação ilícita de sufrágio, em razão da prática de dez fatos, a saber: realização de propaganda eleitoral com uso de material e funcionários da Prefeitura; envio irregular de projetos de lei à Câmara de Vereadores; utilização de energia elétrica paga pela Prefeitura para a realização de showmício; fornecimento de nove ônibus para alunos do município realizarem a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), na cidade de São José do Rio Preto/SP; fornecimento de um ônibus para os cidadãos da terceira idade participarem da 31a Festa do Bordado, na cidade de Ibitinga/SP; doação de cestas básicas; promessa de doação de uma cadeira de rodas motorizada; emissão de contas de água com saldo devedor “zerado” na semana anterior ao pleito; divulgação de pesquisa eleitoral irregular; e realização de obra de recapeamento de via pública com verbas federais para fins eleitoreiros (fl. 40).


A ação foi julgada procedente, para cassar os diplomas dos impugnados, com fulcro nos arts. 41-A e 73, I a III, da Lei nº 9.504/97, porque o primeiro e o quarto fato descritos na inicial foram comprovados (fl. 2.090).

O Tribunal Regional Eleitoral reformou a sentença, por entender não caracterizada a captação ilícita de sufrágio, bem como por não ser possível apurar conduta vedada a agente público em sede de ação de impugnação de mandato eletivo (fl. 2.542).

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fl. 2.598).

A coligação e seu candidato interpuseram, então, recurso especial (fl. 2.606). Sustentaram que seria necessária a correta valoração da prova, e não seu reexame. Apontaram contrariedade aos arts. 126, 131, 302, 332 e 333 do Código de Processo Civil, 215 do Código Civil, 14, § 10, da Constituição Federal, e 41-A da Lei nº 9.504/97, uma vez que teriam ocorrido flagrantes atos de abuso do poder econômico, corrupção e fraude. Afirmaram que teria ficado comprovada a produção de grande material de propaganda eleitoral pela Prefeitura. Aduziram que a caracterização da captação ilícita de sufrágio prescindiria de expresso pedido de voto. Requereram que se examinassem e revalorassem os demais fatos dispostos na exordial e afastados pelo juiz eleitoral como isentos de ilicitude.

A Procuradoria Regional Eleitoral também interpôs recurso especial (fl. 2.629). Sugeriu que se desse novo enquadramento jurídico ao primeiro fato narrado na inicial, pois este não configuraria conduta vedada a agente público (art. 73 da Lei nº 9.504/97), e sim abuso do poder econômico (art. 22 da Lei Complementar nº 64/90). Alegou que a configuração da captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei das Eleições, não exigiria expresso pedido de voto, o que, conseqüentemente, faria do fornecimento de nove ônibus para alunos prestarem o exame do Enem um ilícito eleitoral. Asseverou, ainda, que, para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, não se analisaria a potencialidade lesiva no resultado do pleito.

O presidente do TRE negou seguimento aos recursos (fl. 2.665).

Daí, a interposição deste agravo de instrumento pela Coligação O Futuro é Agora e Pedro José Brandão dos Reis (fl. 2).

O Ministério Público opina pelo provimento do agravo (fl. 2.753).

Em virtude da afirmação de suspeição do Ministro CAPUTO BASTOS, o feito foi a mim redistribuído.

2. Faço a análise deste agravo conjuntamente com o Agravo de Instrumento nº 7.297.

Os agravos são tempestivos e atacam os fundamentos da decisão agravada. Portanto, devem ser providos. Presentes as peças essenciais, passo ao julgamento dos recursos especiais (art. 36, § 4º, RITSE).

Trata-se de ação de impugnação de mandato eletivo ajuizada com base em dez fatos que constituiriam abuso do poder econômico, captação ilícita de sufrágio e conduta vedada a agente público.

Mas o juiz eleitoral excluiu oito deles, por não constituírem ilicitudes, o que foi ratificado pelo TRE. Está claro que juízo diverso dependeria, aqui, de reexame da matéria fático-probatória, coisa inviável em recurso especial (súmula 279 do STF).

3. Mas, o primeiro e o quarto fatos, consistentes, respectivamente, na realização de propaganda eleitoral com uso de material e funcionários da Prefeitura e no fornecimento de nove ônibus para alunos do município participarem da prova do Enem, na cidade de São José do Rio Preto/SP, foram considerados ilícitos pelo juiz eleitoral, gerando a cassação dos mandatos dos impugnados.

A Corte Regional reformou esse entendimento. Concluiu que o primeiro fato, por configurar conduta vedada prevista no art. 73 da Lei nº 9.504/97, não poderia ser objeto da demanda, pois “[…] não é lícito que no âmbito da ação de impugnação de mandato eletivo sejam apurados fatos que configuram condutas vedadas a agentes públicos […]” (fl. 2.546).

De fato, a jurisprudência deste Tribunal já fixou que “a ação de impugnação de mandato eletivo, prevista no art. 14, § 10, Constituição Federal, não se destina a apurar as hipóteses previstas no art. 73 da Lei Eleitoral” (Acórdão nº 4.311, de 12.8.2004, Rel. Min. GILMAR MENDES).

Não merece prosperar o pedido da PRE de que seja emprestada nova qualificação jurídica ao fato, para caracterizá-lo como abuso do poder econômico, em vez de conduta vedada, pois não houve o devido prequestionamento da matéria.

A súmula 211 do STJ dispõe ser “inadmissível recurso especial quanto a questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo” .

A referida súmula reflete a jurisprudência da Corte:

[…]

I – Em sede extraordinária, para que haja o prequestionamento da matéria, é necessário que o tribunal de origem tenha enfrentado a questão com clareza suficiente.


[…] (Acórdão nº 25.230, de 8.11.2005, Rel. Min. CESAR ROCHA);

[…]

1. Conforme já consignado no acórdão embargado, para que esteja configurado o prequestionamento de determinada matéria, faz-se necessário o efetivo exame pela Corte Regional Eleitoral.

[…] (Acórdão nº 7.162, de 1º.3.2007, Rel. Min. CAPUTO BASTOS).

Ora, em nenhum momento o TRE analisou o primeiro fato sob a ótica do abuso do poder econômico – fê-lo apenas como hipótese de conduta vedada a agente público. Caracterizaria, pois, supressão de instância, proceder ao exame de nova qualificação jurídica, sem pronunciamento prévio do Tribunal a quo sobre a questão.

4. Quanto ao segundo fato, consistente no fornecimento de nove ônibus para alunos do município realizarem a prova do Enem, entendo que, tal como o reconheceu a sentença, ficou configurada a captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

Narra o juiz eleitoral:

[…] A doação dos ônibus partiu do comitê financeiro de campanha e o réu Celso compareceu ao local, como candidato, para apresentar sua imagem pessoal aos alunos e seus familiares, vinculando-a ao benefício material oferecido, restando inegável a prática de captação ilícita de sufrágio, capitulada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

[…]

Importante ressaltar que a doação partiu do comitê financeiro de campanha dos réus Celso e Lafayete, sendo por isso irrefutável a finalidade eleitoral dessa doação, ou seja, de angariar votos mediante o oferecimento de benefício material a eleitores.

[…]

Não bastasse, o réu Celso ainda esteve no local de partida dos ônibus e conversou com os alunos, expondo a todos os presentes a sua conhecida figura de candidato – e prefeito – e assim, logicamente, relacionando-a com a vantagem material a eles oferecida.

[…] (fls. 2.083-2.084).

A Corte Regional não negou tais fatos; apenas excluiu a ilicitude da conduta, pois concluiu que não houve “[…] prova inequívoca de que tenha havido pedido de votos do então candidato Celso Olimar Calgaro em troca da cessão dos ônibus” (fl. 2.547). Ponderou que “[…] o pedido de voto específico e individualizado não foi provado de forma inequívoca e robusta” (fl. 2.548).

Ora, o entendimento atual desta Corte Superior é que a configuração da captação ilícita de sufrágio prescinde de pedido expresso de voto.

Cito precedentes:

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO – CONFIGURAÇÃO – ARTIGO 41-A DA LEI Nº 9.504/97.

Verificado um dos núcleos do artigo 41-A da Lei nº 9.504/97 – doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza – no período crítico compreendido do registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, presume-se o objetivo de obter voto, sendo desnecessária a prova visando a demonstrar tal resultado. Presume-se o que normalmente ocorre, sendo excepcional a solidariedade no campo econômico, a filantropia (Acórdão nº 25.146, de 7.3.2006, relator designado Ministro MARCO AURÉLIO);

[…]

2. Para caracterização da conduta ilícita é desnecessário o pedido explícito de votos, basta a anuência do candidato e a evidência do especial fim de agir.

[…] (Acórdão nº 773, de 24.8.2004, relator designado Ministro CARLOS VELLOSO).

Observe-se que, em se tratando de captação ilícita de sufrágio, não há excogitar influência no resultado do pleito, segundo a aturada jurisprudência desta Corte:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÃO 2000. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. REEXAME. NEGADO PROVIMENTO.

I- A apelação leva ao conhecimento do Tribunal Regional a matéria impugnada e aquela que a Corte pode analisar de ofício.

II- Desnecessária para a caracterização da captação de sufrágio a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta ilegal e o resultado do pleito. Todavia, se a Corte Regional julgou que não houve o ilícito, para se alterar esse entendimento seria necessário o reexame da prova, o que é vedado em sede de recurso especial (Súmulas nos 279/STF e 7/STJ) (Acórdão nº 21.324, de 2.3.2004, Rel. Min. PEÇANHA MARTINS. Grifos nossos).

De todo modo, o fato teria capacidade de alterar o resultado das eleições, pois foram beneficiados cerca de 270 jovens com idade apropriada para votar. Esses votos, ampliados com os dos respectivos familiares, garantiriam a diferença existente entre os candidatos, que, conforme consta do sistema de divulgação do resultado das eleições deste Tribunal, ficou em apenas 868 votos.

5. Ante o exposto, dou parcial provimento aos recursos interpostos pela Coligação O Futuro é Agora e outro e pelo Ministério Público Eleitoral, para, reformando o acórdão da Corte Regional, manter o estabelecido na sentença quanto à cassação dos mandatos dos candidatos a prefeito e vice-prefeito, Celso Olimar Calgaro e Lafayete Carusi, com base nos arts. 41-A da Lei nº 9.504/97 e 14, § 10, da Constituição Federal (art. 36, § 7º, do RITSE). Publique-se.

Brasília, 21 de junho de 2007.

MINISTRO CEZAR PELUSO

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!