A favor do contribuinte

STJ deve rever jurisprudência sobre denúncia espontânea

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24 de junho de 2007, 0h01

A priori, é mister obtemperar que um dos grandes benefícios fiscais concedido aos contribuintes, qual seja, a possibilidade de exclusão da multa pela denúncia espontânea, nos termos do artigo 138, do Código Tributário Nacional, vem sendo totalmente distorcido de sua real finalidade pela jurisprudência dos nossos tribunais pátrios, notadamente pelo Superior Tribunal de Justiça.

É que a jurisprudência da 1ª Seção daquele colendo Tribunal pacificou-se no sentido de não admitir o benefício da denúncia espontânea nos casos de tributos sujeito ao lançamento por homologação, ou seja, quando o contribuinte declara a dívida por meio dos instrumentos colocados à disposição (DCTF, Gia, Dacon), mas efetua o pagamento fora do tempo, à vista ou em parcelas.

A polêmica, em torno do dispositivo em referência, dá-se precipuamente em dois pontos, a saber: 1) possibilidade do pagamento parcelado da dívida; 2) a definição do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionados com a infração.

Na inteligência do artigo 138, do CTN, a corrente predominante entende que o mero pedido de parcelamento do tributo não configura denúncia espontânea, já que não há a comunicação da existência de qualquer infração.

Melhor explicando, para esses juristas, a responsabilidade pela infração, ou seja, a exclusão da multa, só ocorrerá no caso da confissão do débito seguido do pagamento integral, acrescidos dos juros.

Nesse norte, trilha a Súmula 208, do extinto Tribunal Federal de Recursos: “A simples confissão de dívida, acompanhada do seu pedido de parcelamento, não configura denúncia espontânea”.

Todavia, seguindo linha oposta, podemos aduzir que, da simples análise do Estatuto Tributário, denota-se que o legislador pretendeu conceder uma oportunidade para que os contribuintes confessem espontaneamente a sua infração, estimulando tal atitude através do afastamento do recolhimento de qualquer penalidade àquela vinculada.

Desta feita, é perfeitamente ajustável ao conceito da denúncia espontânea a hipótese de parcelamento da dívida, porquanto, relativamente à obrigatoriedade de se pagar o tributo devido, mais juros de mora, a lei acrescenta a expressão “se for o caso”. Resta, assim, indubitável que não há a obrigatoriedade de se pagar todo o montante devido, de uma só vez, para que se caracterize o instituto em apreço.

Defendendo a mesma linha de pensamento, podemos encontrar alguns seguidores no próprio STJ, como se vê na lavra da ministra Nancy Andrighi in Resp 246.723:

“A confissão da dívida acompanhada do pedido de parcelamento, já denota de per si, o intuito do contribuinte arcar com suas obrigações, pagando o tributo, devendo-se, assim, afastar o pagamento da multa administrativa, de caráter punitivo: a uma porque esta a compreensão que melhor reflete o intuito do legislador ao decidir afastar a punibilidade daqueles que confessam sua dívida. A duas porque porquanto o encargo decorrente do atraso será devidamente satisfeito, mediante a aplicação dos juros de mora sobre o valor integral do débito, não incorrendo o fisco em nenhum prejuízo advindo dessa prática, muito pelo contrário. Exigir-se o pagamento de multa punitiva nos casos de confissão de dívida, ainda que acompanhada do pedido de parcelamento do débito, sem que tenha previamente havido qualquer ato da fiscalização, ou se iniciado procedimento administrativo importa, pois, em violação ao artigo 138 do Codex Tributário”

Estabelecida a premissa, passamos à análise do segundo ponto de discussão. O parágrafo único, do artigo em comento, deixa claro que, juridicamente, é considerada espontânea toda denúncia apresentada pelo contribuinte antes do início de qualquer procedimento fiscalizatório.

O festejado Luciano Amaro, discorrendo sobre o tema com muita propriedade, ensina que: “A espontaneidade tem um conceito normativo, que se infere do parágrafo único, do artigo 138. Se eu agir porque estou com medo do Fisco, eu estou agindo espontaneamente. Se eu agir porque a fiscalização está no meu vizinho, eu estou agindo espontaneamente. Se eu agir porque o Fisco diz que a partir de amanhã ele dará início a uma devassa geral em tais ou quais setores, eu atuo, hoje, no sentido de me denunciar – eu estou agindo espontaneamente. (…) Depois que o fiscal já lavrou um termo de início de fiscalização, em que disse que vai investigar tal ou qual coisa, eu continuo podendo denunciar espontaneamente. Se ele fiscalizar minhas despesas de certa natureza, eu posso fazer uma denúncia de um outro assunto, que não estará dentro do escopo que ele veio ver”.

A problemática gira em torno do fato de que para o Fisco, e, infelizmente, também para a jurisprudência dominante, a entrega de declarações pelos contribuintes implica em confissão de débito, afastando-se, por conseguinte a possibilidade de o mesmo efetuar a denúncia espontânea e auferir os seus benefícios.

Ocorre que o Fisco está, cada vez mais, transferindo o seu ônus de fiscalização e arrecadação aos contribuintes, na medida em que cria inúmeras obrigações acessórias. Aliás, nos dias de hoje, não seria despiciendo afirmar que praticamente todos os tributos estão sujeitos ao lançamento por homologação.

Como se sabe, nessa modalidade de lançamento, o próprio sujeito passivo verifica a ocorrência do fato gerador, calcula o montante devido, efetua o pagamento antecipado, cabendo ao sujeito passivo apenas a conferência da apuração e do pagamento já realizados.

Nesse diapasão, faz–se mister aduzirmos que o simples preenchimento pelo contribuinte de guias de recolhimento oferecidas pela administração tributária não configura autolançamento ou, na melhor escrita, lançamento por homologação.

Com efeito, o preenchimento de guias, seja a Gia (estadual) ou a DCTF (federal), é mero dever instrumental do contribuinte. Mesmo que ele pretenda não pagar o tributo devido, remanesce o dever instrumental de protocolar a respectiva guia sob as penas da lei, haja vista que esse documento tem valor de declaração ou informação sobre matéria, de fato, indispensável para a efetivação do lançamento.

Nessa senda, o cumprimento de uma obrigação acessória pelo sujeito passivo da relação tributária, na qual ele, por exigência da lei, declara os seus respectivos débitos, não poderá jamais ser equiparada a um procedimento fiscal, à luz do disposto no aludido parágrafo único do artigo 138, do CTN.

Ora, se partirmos das premissas fiscais, os contribuintes que desejarem efetuar a denúncia espontânea e, assim, obterem a exclusão da multa de mora não deverão fazer as respectivas declarações, sob pena de, na visão fazendária, frise-se, confessarem seus débitos e não terem direito ao benefício em referência. Agindo assim, estar-se-ia, na verdade, aumentando a informalidade e, por conseqüência, a sonegação fiscal. Um absurdo!

Ademais, o Fisco não pode cobrar o tributo simplesmente à vista da alegação de que o sujeito passivo descumpriu seu dever legal. É preciso lançar o tributo, notificar o sujeito passivo, para que só assim possa prosseguir com as providências necessárias ao efetivo recebimento do valor devido.

Não se deve preterir que a atividade de fiscalização e arrecadação é exclusiva da administração, como expressamente reza o artigo 142, do CTN.

Em abono aos argumentos ora esposados, pertinente à citação das brilhantes palavras do mestre Souto Maior Borges: “Assim, a atividade do sujeito passivo, antecedente à homologação, não corresponde a um ato de criação do Direito, mas a simples observância da norma tributária”.

Com tais ponderações, é forçoso concluir que a interpretação então dominante na jurisprudência pátria sobre o artigo 138, do CTN, não coaduna com o melhor direito, razão pela qual é imperativa sua revisão pelos nobres ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Para a satisfação dos contribuintes, que vem sendo extramente prejudicados com a tese ora combatida, bem como a mais abalizada doutrina tributária, que não corrobora com o entendimento perfilhado por aquela mais alta Corte, apraz-nos informar que o Superior Tribunal de Justiça, em breve, deverá rever essa questão.

Isto porque, por questão de ordem suscitada pela ministra Eliana Calmon, decidiu-se remeter os autos do Resp 850.423/SP para apreciação da Primeira Seção do STJ. A hipótese em destaque retrata a discussão em torno da ocorrência ou não da denúncia espontânea prevista no já mencionado artigo 138, do CTN, quando há declaração pelo contribuinte do ICMS devido por meio da GIA, desacompanhada do pagamento do tributo no vencimento.

Com muita propriedade, a ministra Eliana Calmon sustentou que a jurisprudência sobre esse tema deve ser revista, porquanto, o atraso do pagamento não se confunde com a inadimplência. A ministra ponderou, ainda, a forte discussão na doutrina se a referida declaração do contribuinte é ato homologatório ou declaratório, haja vista que o contribuinte declara e a fazenda, posteriormente, homologa com efeito retroativo à data da declaração.

Espera-se, assim, que os ministros do Superior Tribunal Justiça, na figura de pacificadores de divergências de leis federais, como preceitua nossa Carta Política, analisem com extrema cautela a questão e, ao fim, modifiquem o entendimento então vigente em defesa do direito e da mais lídima justiça tributária.

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