Além do limite

Ex-prefeito é condenado por aumento indevido de salário

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24 de junho de 2007, 0h00

Por equipar seus salários com os dos deputados estaduais, um ex-prefeito terá de devolver aos cofres públicos mais de R$ 52 mil. A decisão é da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que condenou também o ex-vice a pagar R$ 6,3 mil pelo mesmo motivo.

A decisão foi baseada no artigo 37 da Constituição Federal, que veda a vinculação ou equiparação de vencimentos, para o efeito de remuneração de pessoal de serviço público.

O Ministério Público entrou com uma Ação Civil Pública apontando irregularidades cometidas pelos governantes, quando os mesmos ocupavam os respectivos cargos na prefeitura de Fortuna de Minas (MG), em 1992. Segundo o MP, os agentes receberam valores além dos limites legais permitidos, com base em uma ilegítima resolução municipal que, segundo o MP, fixou subsídios para a legislatura de 1989 a 1992, em desacordo com a Constituição.

Segundo o relator, desembargador Armando Freire, as irregularidades apontadas pelo MP foram comprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, que considerou irregular a vinculação da remuneração dos agentes àquela recebida pelos deputados estaduais.

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL 1.0672.01.040569-0/001

COMARCA DE SETE LAGOAS – APELANTE(S): JOÃO BOSCO SILVA E OUTRO(A)(S), AUGUSTO FERREIRA DE ABREU ESPÓLIO DE, REPDO P/ INVTE ELIZA MARIA RESENDE ABREU – APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS – RELATOR: EXMO. SR. DES. ARMANDO FREIRE

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM ACOLHER PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DE UM DOS RÉUS E , NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 12 de junho de 2007.

DES. ARMANDO FREIRE – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ARMANDO FREIRE:

VOTO

Na presente ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, aviou-se apelação cível contra a r. sentença de fl. 240/249, por meio da qual a ilustre Juíza de Direito da Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Sete Lagoas julgou parcialmente procedente o pedido e condenou os apelantes a ressarcirem valores aos cofres públicos do Município de Fortuna de Minas.

A douta Juíza concluiu que os apelantes, na qualidade de agentes públicos, receberam valores indevidos, no ano de 1992, a título de remuneração. JOÃO BOSCO SILVA, na condição de ex-Prefeito do Município de Fortuna de Minas (1989 a 1992), foi condenado a ressarcir aos cofres públicos municipais o valor de R$ 52.126,73; ESPÓLIO DE AUGUSTO FERREIRA DE ABREU (Augusto Ferreira de Abreu foi ex-Vice-Prefeito do Município de Fortuna de Minas, de 1989 a 1992), foi condenado a ressarcir o valor de R$ 6.377,00. Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelos índices da CJMG e acrescidos de juros de 0,5%, a partir da citação até a data de vigência do novo Código Civil e, a partir desta data, de juros de 1%. A Magistrada os condenou, ainda, ao pagamento das despesas processuais.

Pelas razões recursais de fl. 251/256, os recorrentes pugnam pela reforma da sentença. Para tanto, transcreveram trecho de sentença proferida em processo de natureza similar (de nº 67201040563-3) e, também, trecho da peça de alegações finais produzidas no processo nº 672.04.132933-1.

Recurso recebido a fl. 259.

Em contra-razões (fl. 261/265), o MINISTÉRIO PÚBLICO pugna pelo não-conhecimento da apelação interposta pelo ESPÓLIO DE AUGUSTO FERREIRA DE ABREU, eis que não foi apresentada a procuração outorgada ao advogado subscritor da peça recursal. No mérito, pugna pelo desprovimento da apelação interposta.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Realmente, não há, nos autos, o instrumento de procuração assinado pelo representante do ESPÓLIO, por meio do qual teria outorgado poderes de representação ao nobre causídico subscritor da peça recursal.

Cumpre registrar que o ESPÓLIO foi citado (fl. 231/232), mas não apresentou contestação, sendo decretada sua revelia às fl. 235/236. Adveio a sentença e, posteriormente, interpôs o recurso, sem, contudo, apresentar a procuração outorgada ao subscritor da peça recursal.

Conforme nos lembra o culto Desembargador CLÁUDIO COSTA, o advogado sem instrumento de procuração “não será admitido a postular em juízo, devendo os atos por ele praticados serem tidos por inexistentes a teor dos arts. 13 e 37 do CPC”. E conclui: “Não se pode conhecer do recurso de apelação, quando subscrito por advogado, sem procuração nos autos” (Apelação Cível nº 1.0273.05.931384-4/001, 5ª Câmara Cível do TJMG, Galiléia, Rel. Cláudio Costa. j. 05.09.2005, unânime, Publ. 11.10.2005).


Por tais razões, acolho a preliminar de não conhecimento do recurso aviado pelo ESPÓLIO DE AUGUSTO FERREIRA DE ABREU, tal como suscitada pelo recorrido.

Por outro lado, conheço do recurso interposto por JOÃO BOSCO SILVA, diante da presença dos pressupostos de admissibilidade.

MÉRITO

O Tribunal de Contas, interpretando a Constituição de 1988 (artigo 29, V, da CRFB/88), considerou irregular a vinculação da remuneração dos Prefeitos e Vice-Prefeitos àquela percebida pelos Deputados Estaduais. Editou a Instrução Normativa nº 02/89, de 08/06/1989, por meio da qual orientou os Municípios para que observassem os limites e critérios estabelecidos pela Constituição para recomposição da remuneração dos agentes políticos a partir de janeiro de 1989. Estabeleceu, ainda:

“No curso da legislatura, não está vedada a recomposição dos ganhos, em espécie, devidos aos agentes políticos – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores – tendo em vista a perda do valor aquisitivo da moeda.

Nesta hipótese, a remuneração será recomposta com base em índice oficial de aferição de perda do valor aquisitivo da moeda, e na sua aplicação terá a Câmara Municipal, ao votar a respectiva resolução, de observar se o limite de 65% (sessenta e cinco por cento) não foi ultrapassado – art. 38 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”

A Súmula nº 73 editada pelo TCEMG igualmente estabelece que a fixação do novo subsídio do Preceito e do Vice-Prefeito deverá observar o índice oficial de recomposição do valor da moeda (Súmula revisada cf. MG de 19.02.2002 – p. 40).

No caso em apreço, os apelantes foram condenados a restituírem valores que teriam recebido a maior a título de remuneração, no exercício de 1992, quando eram Prefeito e vice-Prefeito do Município de Fortuna de Minas.

Verifico que, durante a tramitação do julgamento das contas da Prefeitura de Fortuna de Minas, em relação ao exercício de 1992, o Auditor Nelson Boechat Cunha considerou procedente o levantamento feito pela Diretoria Financeira e Orçamentária para Municípios – DFOM do TCEMG, que constatou o recebimento a maior, nos termos da Súmula TC 69, conforme “Anexos 14-A e 15-A, fls 26, 27 e 29” (fl. 45/46). Tais fls. 26, 27 e 29 estão numeradas nos presentes autos às fl. 35, 36 e 38. Ali constam os valores das diferenças recebidas a mais pelos referidos agentes no exercício financeiro de 1992.

De acordo com o Inspetor de Controle Externo, Jader Campos Cerqueira, fl. 38:

“A Resolução 05/88, fixadora dos subsídios para a Legislatura 1989 a 1992, não foi aceita por contrariar o art. 37, inciso XIII da Constituição Federal, prevalecendo o critério de dezembro de 1988.”

Segundo a referida Resolução 05/88:

“O subsídio do Prefeito Municipal fica estabelecido na importância correspondente a 20% (vinte por cento) dos subsídios, auxílios mensais, ajuda de custo e demais vantagens fixadas para os deputados à Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, alterado automaticamente sempre que for alterada a remuneração dos Deputados Estaduais, obedecidos os limites previstos da Lei Complementar nº 17 de 11/07/1988.” (fl. 124/125)

Os cálculos e análises formuladas por órgãos competentes do TCEMG orientaram o voto do ilustre Relator, Sr. Conselheiro Moura e Castro que, na apreciação das contas, concluiu pela rejeição das contas de 1992 da Prefeitura Municipal de Fortuna de Minas. O voto do Relator foi acompanhado à unanimidade.

Destarte, sob o entendimento de que os critérios de recomposição remuneratória até então utilizados tornaram-se irregulares, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, no exercício de sua competência, na qualidade de órgão executor do controle externo, apreciou as contas relativas aos pagamentos de remuneração dos agentes políticos qualificados nos presentes autos. Após regular trâmite do julgamento das contas, concluiu que ambos receberam valores em excesso, em determinado período do seu mandato.

Dentre as irregularidades, o ex-Prefeito e o ex-Vice-Prefeito receberam valores além dos limites legais permitidos, com base em ilegítima Resolução Municipal nº 05/88, que fixou subsídios para a Legislatura 1989 a 1992 em desacordo com o disposto no artigo 37, XIII, da CRFB/88.

O TCEMG concluiu, enfim, que tais agentes políticos deverão devolver aos cofres municipais, devidamente corrigidos, os seguintes valores: Cr$ 106.210.051,31 e Cr$ 12.830.626,02, respectivamente (fl. 51/53). Conforme atualização até o dia 25 de março de 1997, o valor recebido a maior pelo ex-Prefeito foi de R$ 52.126,73 (vide fl. 90) e pelo ex-Vice-Prefeito foi de R$ 6.377,00 (vide fl. 91). Isto foi registrado na certidão de fl. 87 da Diretora Financeira e Orçamentária para os Municípios.

No âmbito legislativo municipal, a conclusão foi a mesma. Aos 10/11/95, a Câmara Municipal de Fortuna de Minas, no exercício de sua competência, como detentora do controle efetuado sobre a gestão fiscal, rejeitou as contas dos então Prefeito e Vice-Prefeito relativas ao ano de 1992 (fl. 72 a 75). O fez por meio da Resolução nº 06/95, com base no Parecer Prévio conclusivo do TCEMG. Foram 5 (cinco) votos pela rejeição das contas contra 2 (dois) votos pela sua aprovação.


Consoante o artigo 31, § 2º, da Constituição da República, tem-se que, no julgamento político-administrativo das contas, predominou a conclusão do TCEMG.

No âmbito Judiciário, a pretensão ministerial se sustenta nas conclusões do TCEMG e do Legislativo Municipal.

O Tribunal de Contas, por meio de legítima, autônoma e independente atividade fiscalizadora contábil, financeira e orçamentária, reconheceu as irregularidades, apontando valores, apresentado cálculos e oferecendo conclusões matemáticas. Enquanto que os réus não se desincumbiram de desconstituir a prova contábil produzida que indicou o recebimento de remuneração além da devida. Aliás, um deles limitou-se, permissa venia, ao campo das alegações, enquanto o outro foi revel.

Entendo, com base nos elementos acima registrados, com respaldo na jurisprudência e, sobretudo, nos fundamentos que ilustram a sentença, que se deve, realmente, impor aos réus o dever de restituição dos valores que foram recebidos em desrespeito aos limites e critérios estabelecidos constitucionalmente para recomposição da remuneração dos agentes políticos.

“(…) Restando demonstrado, na esteira da fiscalização promovida pelo Tribunal de Contas, que o Presidente da Câmara Municipal e os Vereadores beneficiaram-se de reajustes remuneratórios fixados por resoluções baixadas na mesma legislatura, em evidente desconformidade com o § 2º, do art. 15, da Carta de 1969, vigente à época, e não havendo contraprova cabal que afaste as conclusões do parecer daquele Tribunal, é de manter-se a condenação dos ex-agentes políticos de restituir aos cofres públicos os valores recebidos a maior. (…)” (Apelação Cível nº 1.0335.03.900285-2/001, 8ª Câmara Cível do TJMG, Itapecerica, Rel. Edgard Penna Amorim. j. 25.03.2004, unânime, Publ. 19.05.2004).

“Conforme dispõe o art. 29, V, da Constituição Federal, a Câmara Municipal fixará a remuneração do Prefeito, vice-Prefeito e dos Vereadores, em cada legislatura, para a seguinte, não podendo, assim, os vencimentos dos mesmos ser alterados, mediante resolução, quando já em curso nova legislatura. A Constituição Federal outorgou ao Poder Legislativo autonomia e competência para fixar a remuneração de seus agentes, desde, é claro, que se respeitem as limitações da Lei Maior, deve ser declarada, em processo próprio, a nulidade do ato que lhe deu origem, operando, tal declaração, efeitos “ex tunc”, e obrigando-se os beneficiados à devolução aos cofres públicos dos vencimentos recebidos ilegalmente.” (TJMG – AC 70.073/2 – 5ª C. Cível – Res. Des. Bady Curi – j. 27.02.1997 (05.139/140-178).

Em síntese, tem-se que o Tribunal de Contas de Minas Gerais, em interpretação do artigo 29, inciso V, da CRFB/88, considerou irregular a vinculação da remuneração dos Prefeitos e Vice-Prefeitos àquela percebida pelos Deputados Estaduais. Editou a Instrução Normativa nº 02/89, de 08/06/1989, por meio da qual orientou os Municípios para que observassem os limites e critérios estabelecidos pela Constituição para recomposição da remuneração dos agentes políticos a partir de janeiro de 1989, diante da perda do valor aquisitivo da moeda.

No caso em tela, restando demonstrado, em parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas que prevaleceu na Câmara Municipal (art. 31, § 2º, CRFB/88), que o ex-Prefeito e o ex-Vice-Prefeito municipais receberam remuneração a maior no ano de 1992, em desrespeito aos limites e critérios estabelecidos constitucionalmente para recomposição da remuneração dos agentes políticos, a partir de janeiro de 1989, cabe condená-los a ressarcir os valores excedentes ao erário municipal, com juros e correção monetária.

Impõe-se, assim, a confirmação da sentença, motivo pelo qual nego provimento ao recurso.

Custas ex lege.

É o meu voto.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ALBERTO VILAS BOAS e VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE.

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