Meio ambiente em perigo

Ibama não poderia ter criado área de amortecimento em Abrolhos

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23 de junho de 2007, 0h00

Um investimento de R$ 60 milhões num projeto de criação de camarão na Bahia ganhou uma batalha contra o meio ambiente. O juiz da 7ª Vara do Distrito Federal concluiu que um ato do Ibama não poderia ter criado uma área de amortecimento no Parque Nacional Marinho de Abrolhos, que se estende por 450 km entre os litorais da Bahia e Espírito Santo. Nessas áreas, as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas para minimizar os impactos negativos.

A criação de uma zona de amortecimento só pode ser feita por ato do Poder Público de mesmo nível hierárquico exigido para a criação da unidade de conservação: decreto presidencial ou resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), concluiu o juiz José Márcio da Silveira e Silva.

A ação contra o ato do presidente do Ibama foi apresentada pela prefeitura e pelos vereadores do município baiano de Caravelas. Mas esta não foi a primeiro processo contra a criação da área de amortecimento, pela Portaria 39/2006. Pouco antes de deixar o governo da Bahia, Paulo Soto (DEM-BA), entrou com um Mandado de Segurança na 9ª Vara do Distrito Federal. Ele alegava que essa área prejudicava a economia do estado.

Logo depois da publicação da portaria, os senadores baianos Antônio Carlos Magalhães, César Borges e Rodolpho Tourinho (todos Democratas) e os capixabas Magno Malta (PL), João Motta e Marcos Guerra (PSDB) chegaram a propor um decreto legislativo para anular a zona de amortecimento.

O Conama já tinha estabelecido que essa área deveria ser de 10 km no entorno do Parque Nacional Marinho de Abrolhos. O ato da presidência do Ibama prevê a ampliação dessa zona para 280 km. A criação da unidade de conservação se deu pelo Decreto 88.128/1983.

Para decidir, o juiz José Márcio da Silveira e Silva precisou analisar a Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Ele observa que a norma não especifica qual o instrumento jurídico cabível para promover o ato de criação, mas indica em seu artigo 22, que as unidades de conservação devem ser criadas por ato do Poder Público.

Daí, recorre a um precedente julgado pelo ministro Herman Benjamin do Superior Tribunal de Justiça. Em sua decisão, o ministro diz que ato do Poder Público é decreto ou resolução do Conama.

E explica: o artigo 225 da Constituição Federal não exige lei para a criação de unidade de conservação. “Basta, no caso da administração pública, decreto ou resolução, ficando o Poder Público, em qualquer caso, obrigado a indenizar o proprietário, na hipótese de a restrição inviabilizar os usos econômicos de toda a propriedade, como sucede, normalmente, com as unidades de proteção integral”, completa.

Por isso, o juiz da 7ª Vara do Distrito Federal acolheu a segurança solicitada pela prefeitura e vereadores de Caravelas.

Leia a sentença e o Decreto do Ibama

SENTENÇA Nº 255/2007-B

PROCESSO Nº 2006.34.00.021017-7

CLASSE: 2100 – MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

IMPETRANTE: MUNICÍPIO DE CARAVELAS/BA

IMPETRANTE: CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE CARAVELAS/BA

IMPETRADO: PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA

RELATÓRIO

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado pelo MUNICÍPIO DE CARAVELAS/BA e OUTRO contra ato imputado ao PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, objetivando declarar nula a Portaria 39, de 16/5/2006, que definiu os limites da Zona de Amortecimento do Parque Nacional Marinho de Abrolhos.

Sustenta, em apertada síntese, a incompetência da autoridade coatora para criar a citada zona de amortecimento, a indelegabilidade da competência do Presidente de República em relação ao referido ato administrativo, violação ao princípio da legalidade, ofensa ao princípio da proporcionalidade e à Resolução 13/90 do CONAMA, em face da extensa área delimitada pela Zona de Amortecimento em questão, ausência de estudos técnicos e consulta pública, desrespeito ao art. 25, § 3°, da Constituição Federal e usurpação das atribuições conferidas ao Conselho Gestor do Parque Nacional Marinho de Abrolhos.

A autoridade impetrada prestou informações às fls. 194/232, argüindo, preliminarmente, inadequação da via eleita, por inexistência de prova pré-constituída e necessidade de dilação probatória, e conflito federativo, a atrair a competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, “f”, da CF/88. No mérito, defende a legalidade da Portaria 39, de 16/5/2006.

A autoridade coatora apresentou os documentos de fls. 233/574.

O MPF opinou pela denegação da segurança (fls. 582-5).

É o relatório. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

Conexão. Assinalo a existência de conexão entre o presente processo e os processos 2006.34.00.026130-3 e 2006.34.00.023097-0, razão por que todos estão sendo julgados nesta mesma oportunidade, nos termos do art. 105 do CPC.


Rejeito a preliminar de inadequação da via eleita, porquanto a matéria deduzida nos autos é eminentemente de direito e os documentos juntados aos autos são suficientes à formação da convicção deste Juízo.

Rejeito a preliminar de conflito federativo, porquanto, nos termos do art. 102, I, “f”, da CF/88, é da competência do Supremo Tribunal Federal apenas “as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;” pelo que eventual conflito entre município e a União não atrai a competência do Excelso Pretório. Assim, reconheço a competência deste Juízo para processar e julgar o presente mandado de segurança.

Ainda em preliminar, apesar de não argüido, observo que o ato administrativo combatido consubstancia ato de efeitos concretos, em virtude da imposição de imediatas limitações ao exercício do direito de propriedade, pelo que contra ele cabe mandado de segurança.

Passo a analisar o mérito.

Ao apreciar o presente mandado de segurança, este Juízo cinge-se a verificar se o ato coator consubstanciado na Portaria 39, de 16 de maio de 2006, subscrito pelo Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, subsume-se ao princípio da legalidade, assim entendido como conforme aos requisitos delineados pela legislação pertinente e pela Constituição Federal.

O cerne da questão, portanto, reside em definir se a Lei 9.985/2000 autoriza a fixação dos limites da Zona de Amortecimento do Parque Nacional Marinho de Abrolhos mediante Portaria do Presidente do IBAMA.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, assevera que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

A fim de regulamentar o referido dispositivo constitucional, editou-se a Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC e estabeleceu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação (art. 1°).

A Lei 9.985/2000 define a zona de amortecimento como “o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade;” (art. 2°, XVIII).

A zona de amortecimento, embora não seja parte integrante da Unidade de Conservação correspondente, sujeita as atividades humanas nela exercidas a normas e restrições específicas estabelecidas pelo respectivo órgão de administração (art. 2°, XVIII c/c art. 25, § 1°, ambos da Lei 9.985/2000).

Por isso, como se trata da imposição de limites ao exercício do direito de propriedade, a criação da referida zona deve observar estritamente o princípio da legalidade.

Nesse sentido, o § 2° do art. 25 da Lei 9.985/2000 assevera que “Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas normas de que trata o § 1° poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou posteriormente”.

Apesar de a norma não estabelecer expressamente qual ato do Poder Público deve ser editado para definir os limites da zona de amortecimento, entendo que do texto extrai-se a conclusão de que, qualquer que seja o momento dessa demarcação, exige-se sempre ato de mesma hierarquia do utilizado para criação da própria unidade de conservação, tendo a norma apenas facultado a delimitação postergada no tempo, mantendo-se, porém, os mesmos requisitos de forma e hierarquia do ato que criou a unidade de conservação.

Assim, a expressão “ou posteriormente” contida no final do dispositivo limita-se a tratar de aspecto temporal, não permitindo inferir que a ulterior definição possa ser feita por meio de ato normativo de hierarquia inferior ao exigido para a criação da unidade.

Fixado esse ponto, cumpre determinar qual o ato apropriado para criar unidades de conservação.

Novamente a Lei não especifica qual o instrumento jurídico cabível para promover o ato de criação, apenas indicando no art. 22, caput, que “As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público”.

Por isso, recorro ao escólio do Ministro Antônio Herman Benjamin do Superior Tribunal de Justiça, que pontifica: “ato do poder público’ é decreto ou resolução do Conama”, pois “a Constituição Federal, em seu art. 225, § 1º, inciso III, nos passos do que se dá no tombamento, não exige lei em sentido estrito para a criação de unidade de conservação. Basta, no caso da administração pública, decreto ou resolução, ficando o Poder Público, em qualquer caso, obrigado a indenizar o proprietário, na hipótese de a restrição inviabilizar os usos econômicos de toda a propriedade, como sucede, normalmente, com as unidades de proteção integral.” (in “Introdução à Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação”, págs. 302/3, apud “Direito Ambiental das áreas protegidas”, Coordenação Antônio Herman Benjamin, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001).


Ora, se o ato de criação somente pode ser formalizado mediante decreto do Presidente da República ou resolução do Conama, e se os limites da zona de amortecimento devem ser definidos em ato de mesma hierarquia, resta evidente que mera portaria do Presidente do Ibama não é suficiente para tal mister.

Impende ressaltar que a Administração Pública submete-se ao princípio da legalidade e, portanto, somente pode fazer o que é por lei expressamente autorizado. No caso, não há nenhuma norma legal atribuindo ao Presidente do IBAMA competência para definir os limites de zona de amortecimento de unidades de conservação, nem especificamente a zona do Parque Nacional Marinho de Abrolhos.

Ademais, conforme se verifica do art. 6º, inciso III, da Lei 9.985/2000, ao IBAMA foi atribuída a qualidade de órgão executor, sendo, portanto, completamente estranha às suas atribuições o exercício de competência normativa primária, configurado pela definição dos limites de zona de amortecimento.

Saliente-se que o próprio § 1º do art. 25, prevê que o Ibama apenas “estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação”, a caracterizar sua atuação regulamentar meramente subsidiária, vinculada à administração da zona de amortecimento.

Assim, a interpretação correta do §2° do art. 25 da Lei 9.985/2000, que decorre do princípio da legalidade e deflui da própria repartição de atribuições estabelecida nessa norma, é que, mesmo quando criada posteriormente ao ato de criação da unidade, a zona de amortecimento deve ser instituída por intermédio de ato do Poder Público de mesmo nível hierárquico exigido para criação de unidade de conservação, isto é, decreto presidencial ou resolução do Conama. Observo que, no caso do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, o ato de criação foi exteriorizado pelo Decreto 88.128/1983.

Concluo, portanto, que falece competência ao Presidente do IBAMA para, mediante Portaria, fixar os limites da Zona de Amortecimento do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, à míngua de autorização legal.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA para anular a Portaria IBAMA n° 39, de 16 de maio de 2006, que definiu os limites da Zona de Amortecimento do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, por incompetência do Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.

Custas antecipadas. Sem honorários advocatícios.

Publicar. Intimar o IBAMA. Notificar a autoridade coatora. Intimar o MPF.

Brasília, 14 de junho de 2007.

JOSÉ MÁRCIO DA SILVEIRA E SILVA

Juiz Federal Substituto da 7ª Vara/SJ-DF

Leia o Decreto do Ibama

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS

PORTARIA Nº 39, DE 16 DE MAIO DE 2006

O PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁ- VEIS – IBAMA, no uso das atribuições previstas no art. 24, Anexo I, da Estrutura Regimental, aprovada pelo Decreto no- 4.756, de 20 de junho de 2003, e art. 95, item VI, do Regimento Interno, aprovado pela Portaria GM/IBAMA/No- de 230, 14 de maio de 2003, e Considerando as disposições do art. 25 da Lei no- 9.985, de 18 de junho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação; e,

Considerando as proposições apresentadas pela Diretoria de Ecossistemas – DIREC, no Processo Ibama no- 02001.003427/2005-06, resolve:

Art. 1º — Definir os limites da Zona de Amortecimento do PARQUE NACIONAL MARINHO DOS ABROLHOS, bem como estabelecer normas específicas de uso e ocupação.

Art. 2º — A Zona de Amortecimento do PARQUE NACIONAL MARINHO DOS ABROLHOS é a área compreendida entre o paralelo 15o- 45´S ao norte; o paralelo 19o- 38`S ao sul; a linha isobatimétrica dos 3.500 metros a leste e, a oeste, os limites da orla marítima conforme disposto no Decreto 5.300, de 2004, Capítulo IV, Seção I, artigo 23.

Art. 3º — Fica definida dentro da Zona de Amortecimento do PARQUE NACIONAL MARINHO DOS ABROLHOS uma área de exclusão, entre os paralelos 18o- 54´S e 16o- S, na qual fica proibida qualquer atividade de exploração e produção de hidrocarbonetos.

Art. 4º — As demais áreas da Zona de Amortecimento do PARQUE NACIONAL MARINHO DOS ABROLHOS, ou seja, entre os paralelos 15o- 45´S e 16o- S e entre os paralelos 18o- 54´S e 19o- 38`S, são consideradas áreas de restrição para atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos, onde a permissão para exploração de tais atividades deverá estar condicionada ao atendimento de exigências específicas no âmbito do licenciamento ambiental, quais sejam:

I — elaboração de EIA/RIMA envolvendo a discussão conjunta de todas as etapas da exploração e produção de hidrocarbonetos;

II — obtenção prévia de dados meteorológicos e oceanográficos primários;

III — consideração de cenários críticos determinísticos com inversão de ventos e correntes, além de tempestades oceânicas;

IV — criação de comissão técnica ad hoc, a ser constituída pelo IBAMA sempre que houver um pedido de licenciamento na área de restrição, mediante indicação dos representantes pelo Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, ouvido o Conselho Consultivo da unidade;

e,

V — realização de audiências públicas somente após a emissão de parecer conclusivo da mencionada Comissão.

Art. 5º — Quaisquer outros empreendimentos que afetem a zona de amortecimento definida nesta Portaria, além da exigência de autorização do IBAMA, conforme disposto no art. 36 da Lei 9.985, de 2000, ficam sujeitos também a exigências específicas no âmbito do licenciamento ambiental, a serem definidas pelo IBAMA.

Art. 6º —- Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

MARCUS LUIZ BARROSO BARROS

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