Império quebrado

Prédio da Rede Manchete do Rio de Janeiro vai a leilão

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23 de junho de 2007, 0h00

Está à venda uma parte da história da imprensa e da televisão do Brasil. A sede da Bloch Editores e da TV Manchete será leiloada no próximo dia 26 de junho, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Com o leilão, espera-se saldar a dívida de todas as ações trabalhistas da empresa, calculada em R$ 32 milhões. O conjunto de três prédios da Praia do Russel, na Glória, terá lance mínimo de R$ 37,7 milhões.

A elevada cifra é uma raridade em termos de falências no país e deve ser o imóvel de maior valor leiloado neste ano. Com 30 mil metros quadrados, o conjunto dos três edifícios foi projetado por Oscar Niemeyer num dos endereços mais nobres da cidade, de frente para o Aterro do Flamengo. O número 804 foi inaugurado em 1968, e a construção dos números 766 e 744 foi concluída em 1980. O hall de mármore, os vidros da fachada vindos da Bélgica e as divisórias em Jacarandá ressaltam ainda mais a suntuosidade do conjunto, que conta também com o Teatro Manchete.

A Bloch Editores abriu falência em 2000, com uma dívida de R$ 250 milhões. Três mil funcionários amargaram longa espera, com inúmeras mudanças de juízes responsáveis pelo processo até 2005, quando a juíza da 5ª Vara Empresarial do Rio, Maria da Penha Victorino, assumiu o comando da ação. A magistrada aplicou o artigo 192 da nova Lei de Falências (Lei 11.101/05), publicada no mesmo ano, para acelerar o pagamento das indenizações. De acordo com o dispositivo, a nova lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados antes do início de sua vigência. “A nova lei confere uma brecha para a aplicação de seus princípios em processos em andamento. Logo, na falência da Bloch Editores, foi utilizado o Decreto-Lei 7.661, de 1945, que prevê a venda imediata dos bens da massa falida, com o objetivo de evitar a deterioração dos imóveis e finalizar os créditos trabalhistas”, afirmou a juíza.

As rescisões acumulam cerca de R$ 32 milhões. Até 5 de junho deste ano, foram pagos R$ 12 milhões com o arrecadado nos leilões anteriores, como o apartamento de Luci Bloch, primeira esposa de Adolpho Bloch, o dono da empresa, já falecido, na Avenida Atlântica. A residência alcançou ágio 200% acima da cotação inicial e foi vendida por R$ 2,4 milhões no início do ano.

Para iniciar o pagamento das ações, a juíza decidiu fazer rateios entre as indenizações até então habilitadas. Os ex-funcionários receberam pagamentos de R$ 5 mil em cada uma das duas primeiras parcelas. A última foi realizada em dezembro de 2006. Com isso, 600 processos foram sanados. Os demais 1.722 ex-funcionários esperam completar os valores das indenizações e outros 665 aguardam a homologação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT).

Algumas indenizações chegam à casa dos milhões, mas boa parte alcança até R$ 50 mil, como a do ex-chefe de segurança Jileno Sandes Dias. Ele ingressou na empresa em 1974. “Tinha direito a R$ 80 mil, mas fiz um acordo para receber 50%, na esperança de ser mais rápido”. No dia do fechamento da empresa, em 2 de agosto de 2000, Dias recebeu os oficiais de justiça na portaria da Praia do Russel. “Como qualquer pessoa com um doente terminal na família, os funcionários esperavam um milagre que não aconteceu”. A edição número 1.250 da revista Manchete foi feita, mas não chegou às bancas. “Muitos não agüentaram o baque e morreram antes de receber o dinheiro”.

Grupo Manchete

A Bloch Editores começou como uma gráfica e lançou o primeiro número da revista Manchete em 26 de abril de 1952. Com a Manchete, o ucraniano naturalizado Adolpho Bloch construiu uma das maiores empresas de comunicação do país, que detinha ainda as revistas Fatos e Fotos, Amiga, Desfile e Ele e Ela, e mais 12 emissoras de rádio e cinco de TV. Além da Bloch Editores, o grupo era formado pelas empresas Bloch Som e Imagem, Bloch Gráficos e TV Manchete Ltda. A divisão gráfica, a parte de áudio e as rádios não foram a falência.

Em 1997, a RedeTV! comprou o sinal da TV Manchete. A falência da emissora tramita na 28ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo. A antiga sede paulistana da empresa, na Rua Ida Kolb, foi liberada para leilão. No entanto, a juíza Maria da Penha expediu um ofício ao juízo paulista no qual requer o prédio, situado no bairro da Casa Verde, para os fins da massa falida na jurisdição do Rio de Janeiro.

Atualmente, a Universidade Salgado de Oliveira (Universo) detém o uso do edifício da Praia do Russel. O contrato de aluguel é de sete anos, e expira em 2011. A Universo pretende criar um centro de ensino à distância e realiza obras de conservação estrutural e restauração da fachada tombada como patrimônio histórico. A mantenedora não se manifestou sobre o interesse na aquisição do imóvel. A juíza Maria da Penha ainda não decidiu como serão as condições para a ocupação imediata do prédio.

O leiloeiro Fernando Braga, responsável pela venda, recebeu mais de 200 interessados nos quatro dias de visitação. “Todo o patrimônio dele [Adolpho Bloch] era da empresa. A venda do total do espólio para o pagamento das indenizações está sendo como ele gostaria”.

Além das duas sedes, constam do patrimônio ainda outros imóveis: fazendas em Itatiaia, terrenos em São Gonçalo, Recife, Brasília, apartamentos na Barra da Tijuca, o parque gráfico em Parada de Lucas, entre outros. Parte da vasta coleção de obras de arte, com trabalhos de Portinari, Djanira e Cícero Dias foi entregue ao Banco Rural como garantia de um empréstimo anterior à falência. O restante já está avaliado e aguarda marcação do leilão.

A família de Adolpho Bloch entrou com o pedido de embargo sobre o restante das obras, pedindo a exclusão dos itens da massa falida. A juíza Maria da Penha indeferiu o pedido, afirmando que as obras pertenciam à empresa e devem fazer parte do acervo da massa falida.

Após o leilão do edifício da Praia do Russel, o próximo bem à venda serão 16 lotes em Santa Cruz, no subúrbio do Rio de Janeiro, em julho. Aos poucos, o império de Adolpho Bloch, que faria 100 anos em 8 de dezembro de 2008, é desfeito de forma silenciosa, confirmando a impressão do ex-chefe de segurança Jileno Dias. “Parece que foi um gigante que caiu e não fez barulho.”

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