Quem é Bondioli?

Não se nasce advogado nem juiz, mas apenas criatura humana...

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23 de junho de 2007, 15h52

Acabo de receber a notícia segundo a qual teria ocorrido a morte do Advogado que esteve juiz durante um certo tempo, meu irmão Carlos Alberto Bondioli. Somos irmãos porque assim resolvemos já adultos, casados, com filhos e filhas.

Sempre fui contra o tal “quinto” constitucional e tentei convencer o Bondioli a não ser tornar juiz. Mas ele é muito teimoso, detalhista, com mania de perfeição, quase um chato. Desejava ser juiz, mas voltou a ser Advogado porque seu corpo não é tão bom quanto sua alma.

Sei que neste planeta há milhões de ex-esposas, ex-maridos e ex-patrões, mas não existem ex-irmãos. Não sei dizer não a meus irmãos, o que já me causou muitos problemas. O Bondioli é outro que tem dificuldade para dizer não.

Quando o Bondioli resolveu ser juiz eu era Conselheiro da OAB-SP e fui cabalar votos para ele entrar no Tribunal de Alçada através do “quinto”. Ele já havia sido indicado duas vezes por expressiva votação. Mas é tão detalhista, tão chato, que queria ser indicado pela unanimidade dos Conselheiros. Não sabe deixar por menos.

Irmão é irmão e sempre tem razão. Às favas com meus escrúpulos, meus princípios e minhas idéias sobre o “quinto”, se meu irmão queria ser juiz.

Telefonei para todos os Conselheiros. Enchi tanto a paciência do meu outro irmão, o Kalil Sales, que ele veio de Barretos só para votar no Bondioli. Pedi ainda ao Scorza, que veio de Presidente Prudente mesmo doente para a mesma finalidade. Resumo da ópera: 59 Conselheiros presentes à sessão, 59 votos para o Bondioli. Unanimidade. No caso, uma exceção, pois foi uma unanimidade inteligente, sábia.

Na “República”, Platão diz que

“…o bom juiz não deve ser jovem, mas ancião, alguém que aprendeu tarde o que é a injustiça, sem tê-la sentido como experiência pessoal e ínsita em sua alma; mas por tê-la estudado, como uma qualidade alheia, nas almas alheias.”

Quando virou juiz, Bondioli me criou um problema, pois nossos contatos diminuíram. Não gosto de ir a gabinetes e nem mesmo ao Tribunal. Quando ia visitá-lo em sua casa eu me aborrecia com as pilhas de autos que ele tinha para despachar à noite ou nos fins de semana. Os uísques no Confraria não aconteciam mais, nem mesmo as caipirinhas de vodka, que ele faz questão de mostrar ao barman como se prepara, escolhendo e cortando o limão de uma forma muito esquisita. Como juiz ele ficou muito mais chato, sem tempo para nada. Mania de trabalhar demais, que eu penso que só nós, advogados, temos.

Foi tesoureiro da OAB-SP. Muito prático e objetivo. Logo no início de seu mandato a funcionária veio ao seu gabinete com um monte de cheques para assinar. Ele não assinou nada sem antes examinar toda a papelada minuciosamente. Os credores que esperassem… Mania de advogado que não assina nada sem ter certeza absoluta do que está fazendo. Mania que se fosse adotada por todos os juizes evitaria muitos problemas, quem sabe atrasando ainda mais a justiça…

Dizem que Bondioli morreu. Sei que isso é uma lenda. Ele agora é um Advogado mais experiente, mais sábio. Aprendeu mais algumas coisas no Tribunal de Justiça, para o qual ficou emprestado durante alguns anos. Pois é isso que acontece quando um verdadeiro Advogado vai pelo “quinto” aos Tribunais.

Existem alguns advogados que se tornam juizes pelo “quinto” e ficam tão emocionados com o fato que perdem a memória e se esquecem de que não são, mas apenas estão juizes. Alguns até deixam de receber seus colegas advogados, outros pensam que não precisam mais trabalhar, outros passam a se imaginar importantes e pensam que de repente se tornaram mestres de seus colegas. Ainda bem que estes são a minoria das exceções. Bondioli, quando era juiz, pertencia à esmagadora maioria dos juizes que dignificam e honram o maior Tribunal de Justiça do país. Não sei se ele se orgulhava de ser juiz (ele nunca me disse isso), mas sei que seus colegas juizes se orgulham de tê-lo tido como colega.

Bondioli me pregou muitas peças e eu também lhe aprontei algumas. Ríamos muito disso. Mas essa peça de hoje não tem graça nenhuma. Há cerca de trinta dias tínhamos combinado um bate-papo. Agora ele é Advogado outra vez e eu adoro conversar com meus colegas. Eu esperava que a conversa fosse logo, pois estou ansioso para contar-lhe umas fofocas engraçadas. Enrolado com os compromissos do meu escritório, fiquei adiando a conversa.

Bondioli não é mais juiz. Agora, Advogado, é apenas meu irmão, aliás quase gêmeo, nascido no mesmo ano, com os mesmos 64 anos…

Já não estou tão ansioso pela nossa conversa. As fofocas vão ter que esperar. Tenho que parar de escrever. Há estranhas gotas pingando sobre o teclado…

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