Gastos com pessoal

DF assume condição de estado pela Lei de Responsabilidade Fiscal

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22 de junho de 2007, 0h00

Para a delimitação de gastos com pessoal, o Distrito Federal deve ser enquadrado como estado e não como município. O entendimento é do Supremo Tribunal Federal em julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pela Câmara Legislativa, que questionava dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00).

A ação pedia a redução do alcance literal de normas da LRF, com a alegação de que se o Distrito Federal tem seus poderes organizados à semelhança do modelo previsto para os municípios, “não é razoável atribuir-lhe, no que diz respeito à repartição de despesas entre poderes, o mesmo tratamento dispensado a estados”.

A Câmara argumenta que o sistema político-administrativo do Distrito Federal se assemelha ao dos municípios que não têm Poder Judiciário e Ministério Público próprios.

Segundo o relator, ministro Carlos Ayres Britto, o Distrito Federal possui, realmente, situação peculiar e foi a própria Constituição Federal que o elevou à condição de parte integrante da federação. Lembrou que a unidade federativa desfruta, cumulativamente, de competências que são próprias dos estados e dos municípios.

“Se é verdade que o DF não se traduz em estado-membro, não menos certo é que município ele também não é”, afirmou o ministro, que disse acreditar que o DF está muito mais próximo da estruturação dos estados-membros do que da arquitetura constitucional dos municípios. O relator recordou que a Constituição, ao tratar da competência legislativa concorrente, colocou o Distrito Federal em pé de igualdade com os estados e a União, e não com os municípios.

Carlos Ayres Britto considerou que a LRF conferiu ao Distrito Federal tratamento harmônico com a sua situação tributária e financeira privilegiada. Isto porque o DF tem ao seu dispor fontes cumulativas de receitas tributárias, adicionando às arrecadações próprias dos estados, aquelas destinadas, constitucionalmente, aos municípios.

Para o ministro, o DF se trata de “pessoa político-territorial em privilegiada situação de poder arrecadar mais e gastar menos”.

ADI 3.756

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.756-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO

REQUERENTE(S) : MESA DIRETORA DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL

REQUERIDO(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

REQUERIDO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTERESSADO(A/S) : TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

ADVOGADO(A/S) : SEBASTIÃO BAPTISTA AFFONSO

INTERESSADO(A/S) : SINDICATO DOS SERVIDORES DO PODER LEGISLATIVO E DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL – SINDICAL/DF

ADVOGADO(A/S) : JÚLIO CÉSAR BORGES DE RESENDE

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, tendo por objeto o inciso II do § 3º do art. 1º, bem como os incisos II e III do art. 20 da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000.

2. Os dispositivos sob controle de constitucionalidade são estes:

“Art. 1º.

(…)

§ 3º Nas referências:

(…)

II – a Estados entende-se considerado o Distrito Federal;

(…)”

*************************************

“Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os

seguintes percentuais:

(…)

II – na esfera estadual:

a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado;

(…)

III – na esfera municipal:

a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver;

(…)”

3. Pois bem, a acionante sustenta que, “se o Distrito Federal tem seus poderes organizados à semelhança do modelo previsto para os Municípios, não é razoável atribuir-lhe, no que diz respeito à repartição de despesas entre Poderes, o mesmo tratamento dispensado aos Estados, cuja organização é bastante distinta daquela reservada pelo texto constitucional ao Distrito Federal” (fls. 17). Daí arrematar que não se pode interpretar o inciso II do § 3º do art. 1º da LC 101/00 de modo a concluir que toda e qualquer referência da Lei de Responsabilidade Fiscal aos Estados tenha o condão de alcançar o Distrito Federal (fls 18).


4. Nessa marcha batida, a autora reclama que os dispositivos impugnados violam o princípio da isonomia; ou seja, a prevalecer “a interpretação de que toda e qualquer referência da LRF aos Estados abarca o Distrito Federal, haveria uma dupla violação ao princípio da isonomia, pois, ao impor ao Distrito Federal a repartição observada pelos Estados, a LRF estaria, ao mesmo tempo, afastando a possibilidade de ser observada a repartição prevista para os Municípios” (fls. 21).

5. Prossigo no relatório para dizer que, após declinar os fundamentos jurídicos da pretensão de ver julgada procedente esta ação direta de inconstitucionalidade, a postulante pugna por uma “redução sistemática do alcance literal dos artigos 1º, § 3º, inciso II, e 20, II, da LRF, de modo a prevalecer que: a) a referência da LRF aos Estados somente alcança o Distrito Federal quando isso se revelar cabível; b) a fórmula de repartição, entre os órgãos dos Estados, do limite global de despesas com pessoal não é aplicável ao Distrito Federal; c) deve o Distrito Federal observar a fórmula de repartição do limite global prevista para os Municípios, uma vez que com eles guarda identidade quanto à organização político-administrativa” (fls. 26).

6. Já em sede de informações (fls. 135/153), o Presidente da República suscita preliminar de não conhecimento da presente ação. Isto porque “pretender que se leia Município, quando a lei manda expressamente que ‘Nas referências a Estados entende-se considerado o Distrito Federal’ (Art. 1º, § 3º, b, II), é sem dúvida violência extrema ao significado da norma” (fls. 140). No mérito, Sua Excelência se posiciona pela improcedência da pretensão da requerente.

7. De sua parte, o Senado Federal argúi preliminar de ilegitimidade ativa ad causam da Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, por entender ausente o requisito da pertinência temática. Mais: esgrime a tese da impossibilidade jurídica do pedido, dado que a pretendida declaração de inconstitucionalidade fará, a seu juízo, com que o Distrito Federal não se submeta a nenhum limite com gasto de pessoal (fls. 162). Quanto ao mérito, sustenta que o fato de o Distrito Federal não ser nem Estado nem Município “fez com que o Legislador entendesse por bem equipará-lo ao Estado, no que se refere aos limites de pagamento com pessoal. Foi uma opção política”.

8. Quanto ao Advogado-Geral da União, este se manifestou pela improcedência do pedido (fls. 166/177). Mesmo ponto de vista, aliás, do Procurador-Geral da República, segundo se extrai da ementa do parecer de fls. 179/188, que reproduzo:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Limites estaduais e municipais de gastos com pessoal. Fixação, em cumprimento ao art. 169 da CRFB/88, pela Lei Complementar 101/2000. Previsão do Distrito Federal. Argumentações da requerente que acenam para os percentuais dedicados aos municípios. Considerações sobre a configuração políticoadministrativa dos entes federativos que tentam aproximar o DF desses. Enfoque equivocado da questão, que passa, antes pela perspectiva financeira. Realidade de receita que, somado aos propósitos da LRF, encaminham-no para o regime próprio dos Estados. Central debate diz sobre a alocação de recursos (gastos com pessoal x demais despesas da Administração), e não sobre o tamanho da receita. Parecer pela improcedência do pedido”.

9. Para ultimar este relatório, averbo que figuram no processo, na qualidade de amici curiae, o Tribunal de Contas do Distrito Federal e o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas do Distrito Federal – SINDICAL/DF.

É o relatório.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.756-1 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)

Afasto, de saída, a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam da Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Assim o faço por entender que se encontra preenchido o requisito da pertinência entre o plexo de competências constitucionais da acionante e o centrado objeto desta ação direta.

12. A reforçar este posicionamento, basta ver que a presente impugnação tem por alvo os dispositivos da LC nº 101/00 que dispõem, justamente, sobre as finanças públicas do Distrito Federal. De modo especial quanto à aplicação dos limites globais das despesas com pessoal do Poder Legislativo Distrital. Logo, direto é o interesse da Casa Legislativa requerente quanto ao equacionamento da lide, o que me dispensa de tecer maiores considerações sobre o assunto.


13. Já no tocante às demais preliminares, agitadas pelos requeridos (1), anoto que, por se confundirem com o próprio mérito da discussão que se trava nesta ação constitucional, examinarei todas elas no transcorrer deste meu voto; razão por que passo, sem demora, ao enfrentamento da questão de fundo.

14. Assim fazendo, começo por dizer que, nos termos do abalizado magistério de José Afonso da Silva (5), o Distrito Federal:

“(…) Não é Estado. Não é Município. Em certo aspecto, é mais do que o Estado, porque lhe cabem competências legislativas e tributárias reservadas aos Estados e Municípios (arts. 32, § 1º, e 147). Sob outros aspectos, é menos do que os Estados, porque algumas de suas instituições fundamentais são tuteladas pela União (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Polícia).

(…)”

15. Também eu já tive o ensejo de falar sobre as peculiaridades ou a natureza verdadeiramente insimilar do Distrito Federal, notadamente a partir da Constituição de 1988. Refiro-me, entre outros, ao voto que proferi na assentada Plenária de 08.06.2005, por ocasião do julgamento da ADI 3.151. Voto permeado da idéia central de que a Lei Republicana elevou mesmo o Distrito Federal à condição de parte integrante da Federação brasileira, na medida em que dispôs, em seu art. 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se um Estado Democrático de Direito (…)”. Complementarmente, dotou o Distrito Federal de autonomia político-administrativa, o que fez sob esta sonora dicção:

“Art. 18. A organização políticoadministrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

(Original sem destaques)

16. Daqui se conclui que o Distrito Federal, tanto quanto a União, os Estados e os Municípios, é uma bem caracterizada unidade federativa. E como toda unidade federativa, é dotado desses dois elementos conceituais mínimos: a indissolubilidade e a autonomia. Porém, um ente federado de compostura marcadamente singular, dado que: a) desfruta de competências que são próprias dos Estados e dos Municípios, cumulativamente (art. 32, § 1°, CF); b) algumas de suas instituições elementares são organizadas e mantidas pela União (art. 21, XIII e XIV, CF); c) os serviços públicos a cuja prestação está jungido são financiados, em parte, pela mesma pessoa federada central, que é a União (art. 21, XIV, parte final, CF) (3).

17. Sucede que, no entender da autora, o legislador infraconstitucional laborou em equívoco. Segundo ela, o Distrito Federal possui uma organização políticoadministrativa semelhante à dos Municípios, motivo pelo qual o limite com os gastos de seus quadros funcionais é de ser o fixado no inciso III do art. 20 da LC nº 101/00, assim redigido:

“Art. 20 A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:

(…)

III – na esfera municipal:

a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver;

b) 54% (cinqüenta e quatro por cento) para o Executivo.

(…).”

18. Tal visual das coisas, todavia, não me parece juridicamente acertado. Se é verdade que o Distrito Federal não se traduz em Estado-membro, não menos certo é que Município ele também não é (algumas poucas semelhanças à parte). Sabido que ele, Distrito Federal, exerce competências constitucionais não-franqueadas às unidades municipais.

19. Na matéria, o que tenho por adequado é assentar que o Distrito Federal está bem mais próximo da estruturação dos Estados-membros do que da arquitetura constitucional dos Municípios. A principiar pela observação de que, ao tratar da competência legislativa concorrente, a Constituição colocou o Distrito Federal em pé de igualdade com os Estados e a União. Não com os Municípios (art. 24).

20. Essa aproximação institucional também é revelada pelo Texto Magno quando versou, no art. 34, o tema da intervenção. Dizendo, então, que “A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:” (grifei). Reservando para os Municípios um artigo em apartado: o de n° 35.


21. Também no que se refere ao Poder Judiciário, o Distrito Federal exibe maiores semelhanças com os Estados-membros. Conforme dispõe o inciso VII do art. 92 da Constituição, ele, Distrito Federal, assim como os Estados, possui juízes e Tribunais próprios (4). Vale dizer: o Distrito Federal tem, em plenitude, os três orgânicos Poderes estatais: Legislativo, Executivo e Judiciário. Os Municípios, somente dois (inciso I do art. 29). Diga-se o mesmo quanto à figura do Ministério Público, sonegada que foi à organização municipal, mas integrante da estrutura político-administrativa do Distrito Federal (5).

22. Já no que se refere ao próprio Poder Legislativo, a Constituição reservou ao Distrito Federal uma estrutura parelha com os Estados-membros. É que o § 3° do art. 32 enuncia: “aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto no art. 27”. Logo, a Constituição Federal tratou de maneira uniforme os Estadosmembros e o Distrito Federal quanto ao número de deputados integrantes da Casa Legislativa, à duração dos respectivos mandatos, aos subsídios dos parlamentares, etc.

23. Nesse ritmo argumentativo, de se ver que a própria Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal somente pôde ajuizar a presente ação direta de inconstitucionalidade porque a Constituição Federal lhe dispensou o mesmíssimo tratamento conferido às Assembléias Legislativas estaduais; ou seja, reconhecendo-lhe legitimidade para instaurar o controle judicial abstrato de normas (art. 103, IV, CF). O que não sucede com nenhuma Mesa de nenhuma Câmara de Vereadores em particular.

24. Acresce que, no modelo constitucional brasileiro, o Distrito Federal se coloca ao lado dos Estados-membros para compor a pessoa jurídica da União. Já os Municípios, embora detenham o status de pessoas federadas, agrupam-se em blocos territoriais endógenos para formar os diversos entes estaduais (6). Dizendo melhor: se a Federação é constituída pela União, mais o Distrito Federal, os Estados e os Municípios (soma das quatro parcelas federadas, portanto), a União mesma é constituída apenas por estas duas categorias de pessoas políticas de

base territorial: os Estados e o Distrito Federal. E se os Estados são formados pelos respectivos Municípios, o Distrito Federal, no entanto, está proibido de se de

dividir em unidades municipais (art. 18, combinadamente com o art. 32).

25. Uma outra nota ou traço de aproximação entre o Distrito Federal e os Estados-membros é que ambos os modelos de pessoa federada participam da formação da vontade legislativa da União. Isso por elegerem deputados federais e senadores, que são os parlamentares de que se compõem, respectivamente, as duas Casas Legislativas do Congresso Nacional: Câmara dos Deputados e Senado Federal. Participação política, essa, ainda uma vez não-franqueada às nossas organizações comunais.

26. Seja como for, e bem percebeu o douto presentante do Ministério Público Federal, subjaz à lógica da Lei de Responsabilidade Fiscal o regime financeiro que é próprio de cada qual das quatro partes componenciais da nossa Federação. Leia-se:

“(…)

25. Sem prejuízo das demais fontes que compõem a receita corrente líquida, em

última análise, o Distrito Federal, ao menos em termos proporcionais, conta com privilegiada base de cálculo para a fixação dos limites globais de gastos com pessoal. Diversamente do que ocorre com os demais entes federados, o Distrito Federal tem ao seu dispor fontes mescladas de receitas tributárias, acumulando as arrecadações estaduais e as municipais. O espectro financeiro que dá respaldo aos gastos com pessoal é, em termos proporcionais, consideravelmente prestigiado.

26. Numa massa de arrecadação tão alargada, não vinga a idéia de aproximação do DF com os municípios, ao menos para efeito da aplicação dos ditames da LRF. Esses possuem realidade fiscal completamente diversa, o que exige a configuração de limites e repartições diferenciadas. Note-se, em ilustração, que a Constituição cuida de formular sistema complexo de fomento das receitas públicas destinadas aos municípios, destinando-lhes considerável parcela da arrecadação tributária dos Estados e da União (arts. 158 e 159, §§ 3º e 4º, da CRF/88). O árido ambiente financeiro, especialmente agravado em localizados municípios, justifica o incremento dos limites, sem o que a manutenção de mínimo pessoal se veria inevitavelmente comprometida.


27. Mesclando tal realidade financeira com os propósitos confessados da LRF, diploma que prestigia a prevenção com os gastos públicos, em especial atenção aos dispêndios com pessoal, nada indicaria que, num juízo de ponderação, em que são considerados os comportamentos estatais também sob filtros como os da razoabilidade e da proporcionalidade, o DF devesse ser encaixado no regime de limite de gastos dos municípios. Esses possuem percentual maior, em contrapartida ao que é previsto para os Estados, por razões de ordem financeira, o que justifica, em termos materiais, o tratamento diferenciado, suplantando-se, no âmbito da LRF, parcela dos objetivos daquele diploma, a partir da admissão de gastos majorados com pessoal.

(…)

31. A posição que aponte para a limitação indicada aos Estados também para o DF não defende a redução da receita líquida deste. Apenas toma partido de uma dada alocação financeira. O excedente da despesa total com pessoal, que não teria convencional alocação pelo fato do DF não financiar o Judiciário e o Ministério Público locais, será dedicado a outras despesas. Não se trata, portanto, do tamanho do orçamento e das receitas, mas da forma de suas execuções. Repita-se, o limite com pessoal é regra que pretende dar racionalidade ao sistema, tocando no modo de cumprimento do orçamento, a enfrentar ponto sensível da questão – gastos com pessoal e imposição genérica de limites.

(…)”

27. É de se inferir, pois, que a LC 101/00 conferiu ao Distrito Federal um tratamento rimado com a peculiar e privilegiada situação tributário-financeira dessa entidade federativa. Situação que se tipifica por uma alargada base arrecadatória (em tese), comparativamente com a dos próprios Estados-membros. Equivale a dizer: o Distrito Federal tem, ao seu dispor, fontes cumulativas de receitas tributárias, dado que adiciona às arrecadações próprias dos Estados aquelas que timbram o perfil constitucional dos Municípios.

28. Em síntese, razoável é o critério de que se valeu o dispositivo legal agora questionado. Se irrazoabilidade houvesse, ela estaria em igualar o Distrito Federal aos Municípios, visto que o primeiro é, superlativamente, aquinhoado com receitas tributárias que assistem assim aos Estados-membros como às unidades municipais. Isto sem contar que o Distrito Federal é contemplado com o favor constitucional de não custear seus órgãos judiciários e ministeriais públicos, tanto quanto sua Defensoria Pública, Polícias Civil e Militar e ainda seu Corpo de Bombeiros Militar (art. 21, XIII e XIV, CF). A patentear que se cuida de pessoa político-territorial em favorecida situação de poder arrecadar mais e gastar menos. Entenda-se: arrecadar mais, tendo em conta sua cumulativa base de imposição e arrecadação tributária; gastar menos, tendo em vista o financiamento alóctone (isto é, pela União) do seu Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Civil e Militar, Corpo de Bombeiros. Além − já foi dito − de parte dos serviços públicos que lhe são afetos (inciso XIV do art. 21 da CF, parte final).

29. Esse o quadro, voto pela improcedência do pedido.

**************

1 O Presidente da República suscita preliminar de não-conhecimento, ao argumento de que a ausência de polissemia dos textos normativos postos em xeque inviabiliza o acolhimento da pretensão autoral de se atribuir interpretação conforme a Constituição aos dispositivos impugnados. A seu turno, o Presidente do Congresso Nacional diz que a pretendida declaração de inconstitucionalidade fará com que o Distrito Federal não se submeta a nenhuma espécie de limitação com gasto de pessoal (fls. 162).

2 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros: São Paulo. 22a ed., p. 629.

3 A assistência financeira que a União presta ao Distrito Federal, nos termos da parte final do inciso XIV do art. 21 da Constituição, não é sem razão. A capital do Distrito Federal (Brasília) é a sede dele próprio, bem como da União. Logo, nela se concentram todos os órgãos e entidades de uma dúplice administração: a Distrital e a Federal.

4 Embora o Poder Judiciário do Distrito Federal seja organizado e mantido pela União (art. 21, XIII, CF), ele é órgão distrital. Data venia de qualificadas opiniões em contrário.

5 Também quanto ao Ministério Público do Distrito Federal, conquanto a Constituição o tenha, atecnicamente, incluído na estrutura do Ministério Público da União (art. 128, I, “d”, CF), ele integra a organização político-administrativa distrital. Afinal, a própria Lei Maior lhe dá contornos semelhantes aos dos Ministérios Públicos dos Estados. O MPDFT tem Procurador-Geral próprio, nomeado pelo Governador do Distrito Federal (e não pelo Presidente da República) para mandato de dois anos, permitida uma só recondução (e não várias. Ver art. 128, § 3°, CF).

6 Note-se que o caput do art. 35 fala, didaticamente, que “O Estado não intervirá em seus Municípios”. Municípios deles, Estados, naturalmente.

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