Advocacia grampeada

Policiais são denunciados por enganar juiz para obter grampo

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21 de junho de 2007, 20h02

Dois policiais foram denunciados, nesta quinta-feira (21/6), pelo grampo em um dos telefones celulares do escritório do advogado Roberto Podval, em São Paulo. O Ministério Público paulista demonstra na denúncia que os policiais enganaram o juiz para obter autorização para grampear o telefone do escritório, que não era alvo de investigação.

Segundo o MP, os policiais alegaram que a linha era de membros do Primeiro Comando da Capital, o PCC. “Na verdade, a referida linha telefônica estava cadastrada em nome de ‘Advocacia Podval’, cujos integrantes não eram alvo de investigação, tanto que seus nomes jamais foram citados no correr do inquérito policial”, afirmou o Ministério Público.

O MP sustenta que o grampo foi proposital. “Os denunciados, deliberadamente, inseriram a linha telefônica com vistas a obter a interceptação das comunicações telefônicas através dela realizadas, com objetivos outros que não o de obter prova em investigação criminal.”

Roberto Podval, em entrevista à revista Consultor Jurídico, tentou minimizar o fato e afirmou que considera estranha a atitude do MP. Ele conta que o telefone celular grampeado era usado por um estagiário. Por isso, disse que que houve um engano e não um erro proposital. “Se ainda fosse o meu telefone, tudo bem. Mas era o de um estagiário.” Mesmo assim, considera o episódio preocupante.

Podval, que já havia relatado o episódio à ConJur, aproveita a oportunidade para chamar a atenção para a falta de cuidado com que têm sido autorizados os grampos. “Não são só os investigadores que têm de responder. O grampo foi autorizado por um juiz, que devia ter visto melhor de quem era a linha telefônica.”

Veja a denúncia apresentada pelo MP

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SÃO PAULO

Procedimento Investigativo Criminal nº 001/07

Os Representantes do Ministério Público infra-assinados, designados no Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial – GECEP, no uso de suas atribuições legais, vêm oferecer DENÚNCIA contra JOSIVAL PEREIRA DA SILVA e MARCOS ROBERTO ALQUATRI, investigadores de polícia, qualificados a fls. 278/283 do incluso procedimento investigativo criminal, pela prática do crime de INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COM OBJETIVOS NÃO AUTORIZADOS EM LEI, como a seguir exposto:

No dia 09 de agosto de 2006, alertados por “denúncia anônima” de que Fernando Aguiar, alcunhado “Cão”, seria narcotraficante e teria participação na onda de ataques do PCC que assolou a Cidade de São Paulo, com incêndios a ônibus, os denunciados, na condição de policiais civis lotados no 69º Distrito Policial da Capital, dirigiram-se ao endereço indicado como sendo o da casa de Fernando. Lá, apreenderam uma folha de papel contendo anotação manuscrita de nomes e números de telefones, além de um “curriculum vitae”, uma fotografia e um termo de contrato de locação (fls.24/25 e 27/28 do PIC e fls.09/10 e 12/13 do inquérito policial, em apenso n.o. 06.73.808-1 – cópias).

De volta à Delegacia de Polícia, os denunciados elaboraram o relatório de investigações de fls. 21 (PIC) e fls.14 (IP), nele inserindo a falsa informação de que a sogra de Fernando, Rosimeire de Carvalho, teria dito que seu genro fazia uso da linha telefônica (XX)XXXX.XXXX, confirmando o teor de manuscrito supostamente apreendido na casa de “Cão”. De fato, relataram os denunciados: “…que ainda recebemos de sua sogra a confirmação que Fernando estaria fazendo uso do telefone celular de nº (XX)XXXX.XXXX” (“sic”) – fls. 21(PIC); 14 (IP).

Na verdade, a referida linha telefônica estava cadastrada em nome de ‘Advocacia Podval’, cujos integrantes não eram alvo de investigação, tanto que seus nomes jamais foram citados no correr do inquérito policial instaurado (nº 050.06.73.808-1) pela 8ª. Delegacia Seccional de Polícia, que abrigou as investigações preliminares realizadas pelos dois denunciados, no 69º Distrito Policial da Capital.

Os denunciados, deliberadamente, inseriram a linha telefônica citada em seu relatório, com vistas a obter a interceptação das comunicações telefônicas através dela realizadas, com objetivos outros que não o de obter prova em investigação criminal. Obtiveram êxito, dando causa à almejada interceptação.

De fato, confeccionado o relatório, os denunciados encaminharam-no ao Delegado de Polícia Titular do 69º Distrito Policial, Dr. Ubiracyr Pires da Silva, acreditando que ele mesmo representaria ao Poder Judiciário pela interceptação das comunicações telefônicas realizadas através da referida linha, hipótese em que, deferida a representação policial, caberia aos denunciados o monitoramento das escutas. Isso, contudo, não aconteceu. O predito relatório foi encaminhado à 8ª Delegacia Seccional de Polícia (fls.15 do IP) e o delegado de polícia nela lotado, Dr. Marcelo Teixeira Lima, representou pelas interceptações das comunicações telefônicas da linha (XX)XXXX.XXXX e das demais contidas na lista de fls. 10 do inquérito policial, cuja cópia se encontra anexa. (cf. fls.06/11 – PIC – cópia da medida cautelar de interceptação telefônica – n.o. 050.06.063.930-0).

Fato é que, em razão da falsidade contida no relatório da lavra dos denunciados, a interceptação foi obtida junto ao DIPO, em 11 de agosto de 2006 (v. decisão de fls.66/68 – PIC), e as escutas das conversas do usuário da linha telefônica foram realizadas do dia 22.08.06, às 13,01 hora, até o dia 25.08.06, às 20,56 horas (fls.320/338).

Ao final do período, o resultado da interceptação telefônica foi informado ao DIPO, pelo sr. delegado de polícia responsável por seu acompanhamento, sem mencionar, contudo, que a linha não era alvo da investigação e que nada de interesse foi depreendido das conversas.

Ocorre que o Ministério Público – como procedimento de praxe em cautelares de interceptação telefônica – requereu ao DIPO fossem encaminhados aos autos do procedimento de interceptação telefônica os dados cadastrais da linha (XX)XXXX.XXXX, assim como das demais linhas interceptadas. Em conseqüência, revelou-se a verdade, ou seja, que a referida linha telefônica, falsamente atribuída a Fernando Aguiar, pelos denunciados, para a obtenção de interceptação telefônica com objetivos outros que não a obtenção de prova em investigação criminal, pertencia a um escritório de advocacia, que não era alvo da investigação.

Em vista disso, instaurou o Ministério Público, pelos signatários, Procedimento Investigativo Criminal – que instrui a presente – objetivando apurar as práticas criminosas anunciadas, que se confirmaram com os depoimentos da sogra e da ex-companheira de Fernando, prestados no Ministério Público. Exibida a folha contendo o nome ‘Fernando’ e o n.o. ‘(XX)XXXX.XXXX, salientou a primeira: ‘… informa não tê-lo passado aos policiais, mesmo porque não sabia que seu genro tinha telefone celular…’ (sic); e a segunda: ‘…informa não reconhecê-lo. Seu ex-companheiro, pelo que é de seu conhecimento, não tinha aparelho celular…’ (sic) – fls.317/316.

Os próprios denunciados, quando ouvidos no Ministério Público, não confirmaram a informação constante do relatório. JOSIVAL PEREIRA DA SILVA, ‘..informa tê-lo apreendido no mesmo local, sobre a cama…’; e, MARCOS ROBERTO ALQUATRI, que ‘…Não se recorda se apreendeu o documento fls.11…” – fls.278/281.

Por fim, ouvido o CD com a gravação das comunicações telefônicas ilegalmente interceptadas (fls. 320/338 e 340), constatou-se que nele não havia nenhuma conversa relacionada aos fatos objeto do referido inquérito policial.

Face ao exposto, denunciam JOSIVAL PEREIRA DA SILVA e MARCOS ROBERTO ALQUATRI, como incursos, ambos, no art. 10 in fine, da Lei n.o.9.296 de 24 de julho de 1996, c.c. o art. 29 do Código Penal. Requer-se que, r. e a. esta, seja instaurado o competente processo penal, conforme o rito estabelecido pelos arts. 394 a 405 e 409 a 502, todos do Código de Processo Penal, citando-se os denunciados para os interrogatórios a fim de que, julgados, venham a ser condenados pelos crimes a eles imputados. Finalmente, requer-se a oitiva das vítimas e testemunhas abaixo arroladas.

Vitimas:

Roberto Podval (fls.274/275)

Alexandre Aparecido do Nascimento – fls.315

Testemunhas:

Marcelo Teixeira Lima – fls.282/283 – req.

Mirian de Carvalho – fls.316

Rosimeire de Carvalho – fls.417

São Paulo, 21 de junho de 2007.

FABIO JOSÉ BUENO

Promotor de Justiça

MARCIA DE HOLANDA MONTENEGRO

Promotora de Justiça

LUIZ ANTONIO DE OLIVEIRA NUSDEO

Promotor de Justiça

PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO CRIMINAL N.O. 001/07 – GECEP

I – Ao Cartório do GECEP, determina-se que xerocopie os autos do Procedimento Investigativo Criminal nº 01/2007, bem como o Apenso I desses autos, relativo ao inquérito policial nº 050.06.73808-1, para instrução das medidas administrativas a serem tomadas pelo Grupo, encaminhando-se os originais, em anexo à denúncia, ao Cartório Distribuidor, para protocolo.

II – Meritíssimo Juiz,

1. Oferece-se Denúncia em separado, em quatro laudas impressas e assinadas apenas no anverso.

2. Requer-se folha de antecedentes e certidões dos processos-crime e inquéritos policiais que dela constarem.

3. Requer-se ademais:

3.1. oficie-se à Corregedoria-Geral da Polícia Civil, para conhecimento e providências cabíveis, com cópia da Denúncia.

3.2. oficie-se ao DD. Promotor de Justiça Natural do inquérito policial n.o. 050.06.73.808-1, dando-lhe conhecimento da Denúncia.

3.3. o arquivamento dos autos em relação ao delegado de polícia Marcelo Teixeira Lima, à falta de indícios suficientes de que tenha concorrido dolosamente para os fatos descritos na Denúncia, ressalvado o disposto no art. 18 do C.P.P.

Do que dos autos consta, pode-se concluir que, tendo-lhe sido apresentada a ‘investigação preliminar’ realizada pelos denunciados, o delegado de polícia representou pela interceptação telefônica de todos os números ali contidos. No entanto, não há indícios suficientes de que ele tivesse conhecimento da falsidade. De fato, não se pode descartar – com a necessária segurança – que ele tivesse sido induzido a erro, acreditando que cumpria regularmente o seu dever legal, qual seja, o de promover as diligências necessárias à apuração da “notitia criminis” levada a seu conhecimento (art. 5º do CPP).

A propósito, cumpre salientar que, admitindo-se a hipótese de que a autoridade policial tenha sido levada a erro, obtendo a autorização de interceptação telefônica com dados falsos, insciente dessa circunstância, isso em nada interfere na conduta dos denunciados, que permanece criminosa, porquanto aquele que determina o erro responde pelo crime deste decorrente, “ex vi” do art. 20, § 2º, do Código Penal.

São Paulo, 21 de junho de 2007.

LUIZ ANTONIO DE OLIVEIRA NUSDEO

Promotor de Justiça

FABIO JOSÉ BUENO

Promotor de Justiça

MARCIA DE HOLANDA MONTENEGRO

Promotora de Justiça

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