Em defesa da classe

Judiciário nunca foi tão questionado, diz presidente do TJ-MT

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21 de junho de 2007, 10h03

A Justiça tem sido uma das instituições mais questionadas dos últimos tempos. É o que afirmou o presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Paulo Lessa, durante evento para fortalecimento do Judiciário, que aconteceu na terça-feira (19/6).

Segundo o magistrado, nunca se falou tanto sobre a morosidade, a ineficiência e, mais recentemente, a corrupção no Poder Judiciário. “Fragilizar o Poder Judiciário equivale a fragilizar a democracia; ao passo que valorizar o Poder Judiciário, equivale a assegurar o exercício da cidadania”, afirmou.

Lessa frisou que se no Judiciário há suspeitos de comportamento incompatível com o exercício do cargo, nele também existem integrantes com os predicados necessários e em número suficiente para mostrar à sociedade que desvios de conduta pontuais nem de longe comprometem a credibilidade e a seriedade de uma instituição que tem a incumbência de distribuir a justiça.

Considerou que críticas fundamentadas são bem-vindas, já que contribuem para a consolidação do Poder Judiciário. “Queremos um Judiciário: forte e fortalecido na sua missão constitucional de esteio do Estado republicano”, disse.

O evento aconteceu simultaneamente no Palácio da Justiça, em Cuiabá, e nas 79 comarcas de Mato Grosso e contou com o apoio do Ministério Público, Defensoria Pública e OAB.

Leia o discurso

Hoje é um dia especialmente importante e singular na história do Poder Judiciário de Mato Grosso. É um momento de grande simbolismo.

As razões para essa distinção serão declinadas ao longo dessa manifestação e, estou certo, concordarão comigo.

Começo por lembrar que a Justiça tem sido uma das instituições mais questionadas no Brasil dos últimos tempos. Por variadas razões, nunca se falou tanto sobre morosidade, ineficiência e, mais recentemente, sobre corrupção no Poder Judiciário.

Sem qualquer sentimento de fobia a juízos críticos, considero que alguns questionamentos têm razão de ser e as críticas fundamentadas são bem-vindas, na medida que contribuem para a consolidação do Poder Judiciário que queremos: forte e fortalecido na sua missão constitucional de esteio do Estado republicano.

O que não podemos aceitar é a irresponsável e arbitrária generalização, na maioria das vezes feita sem elementar conhecimento dos procedimentos judiciais de modo a poder avaliar corretamente a justiça e suas contribuições ao aperfeiçoamento das instituições.

Mesmo porque, lembrando palavras recentes proferidas pelo eminente desembargador Mariano Travassos, se existem no Judiciário suspeitos de comportamento incompatível com o exercício do cargo, nele também existem integrantes com os predicados necessários e em número suficiente para mostrar à sociedade que desvios de conduta pontuais nem de longe comprometem a credibilidade e a seriedade de uma instituição que tem a incumbência de distribuir a justiça, e que o faz, como um todo, dentro de um padrão ético irrepreensível.

Assim, entre as críticas com fundamento, destaco a morosidade e seu duplo grau de negativismo: irrita quem precisa da justiça, e estimula injúrias contra magistrados, servidores e a própria Instituição.

No plano conceitual, considero pertinentes aquelas que apontam o Poder Judiciário como distante, isolado e aparentemente inacessível para a maioria dos cidadãos que precisa dos seus serviços.

Concordo também que o Poder usa uma linguagem ininteligível para muitos e que ainda cultiva hábitos e procedimentos divorciados da realidade que o cerca, porque continua preso a códigos arcaicos, concebidos em tempos outros, para uma realidade que não guarda relação, e nem a mais pálida lembrança com a vivenciada hoje.

Tratam-se de mazelas irrefutáveis mas, nem por isso, justificativas para ataques frontais à Instituição, e desqualificação do exercício da magistratura.

O Poder Judiciário brasileiro e, por extensão, o Poder Judiciário mato-grossense, é uma conquista da sociedade e, como instituição de interesse público, constituído pela via democrática, tem suas atividades norteadas pelo compromisso de acompanhar e responder às demandas da sociedade.

Pela razão de ser de sua função precípua, consubstanciada na garantia de manutenção do Estado de Direito, tem sua efetivação social condicionada à fidelidade com que atua no seu propósito essencial de distribuir justiça.

E a exemplo do que ocorre com os outros poderes da República, tem sua importância social aferida pela sua capacidade de inserção na coletividade e de atendimento dos pleitos dela decorrentes.

São verdadeiras todas essas premissas. Mas, é igualmente verdadeiro constatar que o Poder Judiciário de Mato Grosso, apesar de seus 133 anos, ainda é um desconhecido do meio social.

Faltam sobre ele corretas e completas informações. Não apenas relativas ao seu funcionamento, mas também acerca do que é capaz de realizar e, de fato, realiza em prol do interesse social.

Associado a esse desconhecimento, não podemos perder de vista que estamos passando por transformações tecnológicas que vêm revolucionando padrões de comportamentos, produção e consumo, numa velocidade sem precedentes na história.

Tudo muda muito rapidamente, com reflexos em todos os setores da vida social, criando paradoxos tais como a necessidade de sermos globalizados, ao tempo que não podemos deixar de ser paroquiais.

Trata-se de uma realidade em constante e profunda mutação, a qual o Poder Judiciário não está imune. Pelo contrário. Na proporção das mudanças em escala global, crescem os níveis de exigência da sociedade e, via de conseqüência, as demandas por cidadania e justiça social.

E o foco de tais aspirações não é outro senão o Poder Judiciário.

Não obstante o trabalho incessante nos tribunais, varas e juizados, segue elevado o volume de demandas não atendidas tempestivamente.

Os esforços dispendidos para mudar esse quadro parecem nulos diante das cobranças por atuação na velocidade dos acontecimentos.

Nesse contexto, a angústia toma conta de desembargadores e juízes e, estou certo, também de procuradores, promotores, defensores, advogados e demais profissionais envolvidos com a operação do Direito.

Trata-se de um quadro tão adverso para os representantes da justiça que poucos se dão conta que ao Judiciário não compete fazer as leis, mas cumpri-las e fazê-las cumprir.

Contudo, não é esse ponto para discutir aqui hoje.

Importa nesse momento enfatizar que, a despeito das circunstâncias, sentimo-nos no compromisso de identificar oportunidades.

E entre aquelas já definidas como prioridade, está a conclusão de que o Poder Judiciário não pode mais manter-se distanciado, absorvido que está pelos seus próprios problemas.

E, independente das motivações do quase isolamento social a que foi submetido, impõe-se o mais decidido ato no sentido de aproximar-se para efetivar-se enquanto poder público. E também para impedir que políticas geradas pela crueza do descompromisso com o Direito afrontem o exercício da cidadania.

E não é outra a razão de ser desse encontro: buscar aproximação e firmar um posicionamento público de defesa do Poder Judiciário como instituição vital para a manutenção do Estado de direito e essencial ao exercício da cidadania.

Posicionamento público, como sabemos, é um recurso bastante utilizado pela publicidade para criar percepções diferenciadas junto ao público-alvo.

O Poder Judiciário não tem hábito, cultura, e nem mesmo dotação orçamentária para investimentos em publicidade e esta não é parte de sua atividade fim.

Porém, não pode manter-se indiferente à necessidade de ofertar à sociedade uma percepção diferenciada dos seus serviços, sempre vinculada à razão de ser da sua existência, qual seja, entregar a prestação jurisdicional e assegurar o exercício da cidadania.

Neste momento, um evento como este está ocorrendo, simultaneamente, nas 79 comarcas do Estado. Inclusive, aqui bem próximo, nas comarcas da capital e Várzea Grande.

Também nesses locais, magistrados e servidores estão apresentando a logomarca institucional e dizendo, em uníssono, a representantes da comunidade jurídica e de organizações da sociedade como esperam que o Poder Judiciário seja visto, seja reconhecido.

Numa ação que, tanto quanto uma demonstração de integração e esforço para oferecer justiça acessível, efetiva e transparente, reflete esse posicionamento de defesa que, em síntese, remete para o respeito à imagem, ao significado e valor social do Poder Judiciário.

O que não corresponde a dizer que estejamos ignorando os problemas.

Antes disso, sem cair na tentação de soluções fáceis, a atual gestão do Tribunal de Justiça que, além de mim, conta com o trabalho incansável do desembargador Orlando Perri, na Corregedoria; e do desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, na Vice-Presidência, vem empreendendo intensos esforços para, entre outros, reduzir os espaços de morosidade, ampliar o acesso à justiça e, na fronteira das limitações legais, ofertar serviços mais céleres, próximo do cidadão e partícipe do desenvolvimento do Estado.

Para alcançar o êxito buscado, entretanto, o Poder Judiciário reivindica ser ouvido e espera que a sociedade perceba que do seu interior podem surgir alternativas conseqüentes para equacionar os problemas que ora interferem na entrega da prestação jurisdicional, no tempo e qualidade esperados.

Perceba também que a existência e papel constitucional do Poder Judiciário é uma conquista da sociedade democrática e representa a garantia de manutenção do Estado de direito e, como tal deve ser respeitado e valorizado.

Perceba, enfim, que fragilizar o Poder Judiciário equivale a fragilizar a democracia; ao passo que valorizar o Poder Judiciário, equivale a assegurar o exercício da cidadania.

A iniciativa de criar e, simbolicamente, tornar pública uma logomarca institucional, traduz o objetivo de estreitar laços com a sociedade e demonstrar que, na contramão da inaceitável generalização, a esmagadora maioria dos integrantes do Poder Judiciário está comprometida com a causa da cidadania e da justiça.

E mantém, no topo das suas prioridades, a defesa da Instituição como um patrimônio inalienável da democracia.

Ao manifestar esse entendimento e reivindicar para o Poder Judiciário tratamento à altura da sua missão constitucional, estamos confiantes de estar oferecendo uma importante contribuição para afirmação e compreensão do seu papel social, ao tempo que disseminando a convicção de que a defesa da democracia é uma tarefa de todos nós.

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