Falta de segurança

Atropelamento de funcionário na empresa gera indenização à família

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20 de junho de 2007, 17h18

Para evitar omissão na segurança dos empregados, uma empresa foi condenada a pagar R$ 52 mil de indenização por danos morais tanto para o marido quanto para o filho de uma funcionária. Ela foi atropelada por um caminhão no pátio da empresa e morreu. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que determinou, ainda, o pagamento de pensão à família da funcionária.

Segundo o relator, desembargador Odone Sanguiné, a quantia possui um caráter punitivo, a fim de reprimir omissões semelhantes no que diz respeito aos deveres de proteção e segurança dos funcionários. Em relação à pensão, afirmou que ela tem o objetivo de compensar a perda do auxílio material dispensado aos familiares, caso a vítima não tivesse sua vida interrompida.

A decisão manteve os valores de indenização e pensão estabelecidos em primeira instância. O marido receberá valor equivalente à metade de dois terços do salário da mulher até a data em que ela completaria 65 anos. Já o filho receberá a mesma quantia até completar 25 anos e, depois disso, a pensão será repassada ao marido da vítima.

Segundo uma testemunha, a mulher passava pelo pátio da empresa em direção ao seu setor de trabalho, quando foi atingida por um caminhão que entrava de ré na empresa. A empresa não discutiu a existência de culpa, limitando-se a questionar o valor de indenização por danos morais e à pensão.

Leia a decisão

Apelação Cível 70012493938

Nona Câmara Cível

Comarca de Taquara

APELANTE: PIRISA PIRETRO INDUSTRIAL LTDA

APELADO: DELCIO LUIZ KASPER

APELADO: DOUGLAS CASSIANO CORDEIRO KASPER

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o apelo e, de ofício, explicitar a sentença.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente) e Des. Tasso Caubi Soares Delabary.

Porto Alegre, 11 de abril de 2007.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Trata-se de apelação cível interposto por PIRISA PIETRO INDUSTRIAL LTDA, nos autos da ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por DÉLCIO LUIZ KASPER e DOUGLAS CASSIANO CORDEIRO KASPER, pois insatisfeita com a sentença de fls. 169/175 que julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar a demandada a pagar: (a) ao autor Délcio Luiz Kasper pensão equivalente a metade de dois terços do salário percebido pela vítima, até a idade em que a vítima completaria 65 anos de idade; (b) ao autor Douglas Cassiano Cordeiro Kasper pensão equivalente a metade de dois terços do salário percebido pela vítima, até completar vinte e cinco anos de idade, sendo que após a perda da qualidade de beneficiário o valor será acrescido ao do companheiro; (c) em uma única parcela os valores em atraso devidos a título de pensão, acrescido de juros legais e correção monetária pelo IGP-M; (d) indenização por danos morais no valor equivalente a duzentos salários mínimos para cada um dos autores e incluir os autores na folha de pagamento para as prestações vincendas, sem necessidade de constituição de capital. Condenou, ainda, a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre a soma das prestações vencidas e sobre a soma de doze prestações vincendas.

Em razões recursais (fls. 179/185), sustenta que o companheiro não demonstrou a dependência econômica da vítima, não fazendo jus ao pensionamento. Postula a redução da indenização por danos morais. Requer o provimento do recurso.

Os apelados apresentaram contra-razões pugnando pela manutenção da sentença (fls. 189/194).

Nesta instância recursal, o ilustre Procurador de Justiça opinou, em preliminar, pela declinação da competência para a Justiça do Trabalho e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 207/211).

A Colenda Décima Primeira Câmara Cível em acórdão da relatoria do Des. Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard declinou da competência para a Justiça do Trabalho (fls. 216/220), onde restou suscitado conflito de competência perante o Superior Tribunal de Justiça (fl. 229). No julgamento do Conflito de Competência n. 59.924/RS (fls. 235/236), a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul foi declarada competente para julgar o feito.

Os autos foram remetidos à Décima Primeira Câmara Cível, que declinou da competência para uma das Câmaras pertencentes ao 5º Grupo Cível (fls. 244/247).

Subiram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)


Eminentes colegas!

Mérito

a) Considerações iniciais acerca da responsabilidade do empregador

Com relação ao mérito, mostra-se importante tecer algumas considerações iniciais.

A responsabilidade civil do empregador baseia-se no art. 186 do CCB/02, e no art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Ainda, deve o empregador primar pela redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, inclusive quanto à estrutura física do ambiente de trabalho, bem como fornecer proteção em face de automação (art. 7º, incisos XXII e XXVII, Constituição Federal).

Destes dispositivos se extrai que a responsabilidade do empregador por danos sofridos por seu empregado em decorrência de acidente do trabalho, lastreada no direito comum, é subjetiva. Desta forma, imperativa a comprovação dos seus pressupostos básicos, quais sejam, ação ou omissão (dolo ou culpa), nexo causal e resultado de dano.

Entretanto, a doutrina e a jurisprudência vêm alargando o conceito de culpa, entendendo ser suficiente para a sua configuração a culpa leve e até levíssima do empregador.

Deste modo, num primeiro momento, o ônus probatório compete à vítima do infortúnio laboral. Entretanto, em se tratando de demonstração do cumprimento de normas relativas à segurança do trabalho, assim como fornecimento de equipamento individual de proteção, e segurança do ambiente de trabalho, tal incumbência se inverte, ficando a cargo do empregador.

Assim, cabe ao empregador provar que forneceu orientações e treinamento técnicos necessários ao funcionário, que alcançou equipamento de proteção eficaz à segurança do empregado, que a máquina revestia-se dos aparelhos de segurança específicos, etc.

Neste sentido manifestou-se esta Corte ao aduzir que “na esteira de remansosa jurisprudência, em se tratando de normas de segurança do trabalho, compete ao empregador demonstrar tê-las implementado na empresa, cabendo-lhe, ainda, zelar pelo seu efetivo cumprimento, bem como pela eliminação de riscos no ambiente laboral, especialmente aqueles que cercam a atividade do empregado.” (Apelação Cível nº 70010468494, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, julgado em 31/03/2005).

Na lição de Irineu Antonio Pedrotti e William Antonio Pedrotti1, “a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho. É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular”.

Cumpre referir que, em certas funções, existe um risco de acidente inseparável da própria atividade econômica desenvolvida pelo patrão, somente diminuído se tomadas todas as cautelas cabíveis.

Por isso, em alguns arestos têm sido adotada a teoria do risco criado, através da qual o risco intrínseco à atividade exercida pelo trabalhador não pode ser por ele suportado, mas pelo empregador, agente que se beneficia economicamente com tal mão-de-obra.

Nesta linha, “a doutrina e a jurisprudência pátrias têm admitido, em se tratando de atividade que exponha o empregado a risco no desempenho de suas atividades laborais, a responsabilização do empregador sem que se perquira da culpa deste pelo evento danoso, contentando-se com a demonstração do dano e do nexo causal, pois, à medida que o empregador beneficia-se da atividade de risco desempenhada pelo empregado, deve arcar com o ônus do benefício auferido com a exposição daquele ao risco inerente à atividade econômica que exerce.” (Apelação Cível nº 70010200491, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgado em 01/12/2004).

Importante ressaltar trecho do referido julgado, em que o eminente Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano assim se manifestou:

Admite-se, assim, em hipóteses como a da presente ação, que a culpa decorre das próprias circunstâncias em que se verifica o acidente, por aplicação da teoria do risco criado.

Em tais casos, refere SÉRGIO CAVALIERI FILHO, utilizando-se de ensinamento de CAIO MÁRIO, que “…o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido a imprudência, a negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado.” (in Programa de Responsabilidade Civil, Editora Malheiros, SP, 3ª Ed., 2002, p. 168).

Daí a induvidosa culpa e responsabilidade exclusiva da empresa demandada.

Ademais, em tema de acidente do trabalho, embora não se trate de responsabilidade objetiva, o fato é que, estando demonstrado o fato, o dano e o nexo causal, cuja prova compete à parte autora, à parte demandada cumpre provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Portanto, compete ao réu provar que não agiu com culpa ou dolo ou então provar a culpa concorrente ou exclusiva da vítima, a fim de afastar ou amenizar a responsabilidade pela indenização.

Embora, como dito, não se trate de responsabilidade objetiva, o C. STJ já decidiu que basta ao autor comprovar fato constitutivo de seu direito em tese e provar o nexo causal entre o evento danoso e a prestação da atividade laboral, cumprindo ao empregador comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado.


b) Caso concreto

Em 18/10/2000 (fl. 16) faleceu Maria Isabel Cordeiro, companheira de Délcio Luiz Kasper e mãe de Douglas Cassiano Cordeiro Kasper, em virtude de acidente que ocorreu no pátio da empresa.

Segundo consta no depoimento de Valdecir Antonio Ribeiro Paz (fl. 31), in verbis: “Que na data de 18.10.00, por volta das 13h., recém havia começado o expediente da tarde, sendo que praticamente todos já estavam em seus setores. O declarante ficou mais alguns minutos no pátio interno da empresa. Neste momento, o motorista José chegava na firma com um caminhão, sendo que este entrou de ré para o pátio interno, sendo que neste momento também chegava para o trabalho Maria Isabel. Em dado momento, Maria atravessou por trás do caminhão, com o intuito de dirigir-se para seu setor. O declarante viu que o caminhão iria atingi-la, sendo que gritou para o motorista porém, este não ouviu, tendo batido com a carroceria do caminhão em Maria Isabel, sendo que esta caiu para em seguida a roda traseira do caminhão passar por cima de sua cabeça.”. Tal fato é incontroverso.

Destaco que na certidão de óbito (fl. 16) constou como causa mortis: “desorganização do tecido cerebral, multiplus fratura do crânio, traumatismo crânio encefálico”.

Friso, que a apelante não discute a existência de culpa, limitando-se a questionar o valor da indenização por danos morais e pensionamento.

Evidenciados nos autos os requisitos para reparação civil, a saber, ilicitude da conduta do agente, nexo causal e a gravidade da lesão suportada pelos autores.

Nessa senda, destaco o seguinte precedente desta Colenda 9ª Câmara Cível: “AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE EM VIRTUDE DE ACIDENTE DO TRABALHO POR CHOQUE ELÉTRICO. PARADA CÁRDIO-RESPIRATÓRIA. CULPA. ACIDENTE OCORRIDO ANTES DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. DESIMPORTA, PARA EFEITO DA ANÁLISE DA CULPA DO EMPREGADOR, QUE O INFORTÚNIO TENHA SOBREVINDO ANTERIORMENTE AO TEXTO CONSTITUCIONAL DE 1988. NÃO-ADOÇÃO, POR PARTE DA EMPREGADORA, DA VIGILÂNCIA NECESSÁRIA E SEGURANÇA À DESENVOLTURA DO TRABALHO DOS SEUS OBREIROS. ÔNUS DA PROVA. É DO EMPREGADOR O ÔNUS DA PROVA EM SE TRATANDO DO RESPEITO A NORMAS DE SEGURANÇA DO TRABALHO. DANO MORAL. QUANTIFICAÇÃO. EXPRESSÃO DO DANO E QUANTIFICAÇÃO DA CULPA. (…)” (Apelação Cível Nº 70001094101, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, Julgado em 28/05/2003)

Danos morais

Uma vez verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não se cogitando a comprovação do prejuízo, pois considerado in re ipsa, ou seja, derivado do próprio infortúnio.

Neste diapasão, “para caracterizar-se o dano moral, motivado por acidente do trabalho, basta comprovar-se o fato do qual decorre, pois se entende que uma vez demonstrada a ofensa, ipso facto, estará demonstrado o dano moral. Ocorre que, considera-se o dano moral uma presunção natural, oriunda das regras da experiência comum”. (AC 70009557729, Nona Câmara Cível, TJRS, Relator: Íris Helena Medeiros Nogueira, julgado em 08/09/2004).

Dano moral é o prejuízo que afeta psicológica, moral e intelectualmente a vítima. Daí porque aumentam as dificuldades em estabelecer a justa compensação pelo dano.

Nos dizeres de Irineu Antonio Pedrotti2, “na prática é difícil a estimativa rigorosa em dinheiro que corresponda à extensão do dano moral experimentado pela vítima”.

Inobstante esta dificuldade vislumbrada no arbitramento do dano moral, deve o julgador se ater a determinados critérios, tais como o fato em si, sua gravidade, a pessoa ofendida e o ofensor, etc.

Não se pode desconsiderar que a indenização moral possui um prisma punitivo, expresso pelo sentido de que a conduta lesiva do ofensor não fique impune, devendo-lhe ser atribuída esta “sanção”, sobretudo como forma de reprimir omissões semelhantes no tocante à segurança do trabalho.

Conforme Carlos Roberto Gonçalves, “tem prevalecido, no entanto, o entendimento de que a reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor. Ao mesmo tempo que serve de lenitivo, de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do sofrimento havido, atua como sanção ao lesante, como fator de desestímulo, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem”.3

Na maioria das vezes, a correspondência em dinheiro não poderá suprir de forma equivalente os danos morais suportados pelos requerentes. Todavia, o caráter satisfatório da composição do prejuízo moral é revelado pela tentativa de atenuação dos padecimentos amargados pelos ofendidos, através de retribuição financeira.

Nestes termos, tenho que a indenização por danos morais estipulada na sentença em valor equivalente a 200 salários mínimos em 04/11/2004 (fl. 175) se mostra adequada.


Também nesse sentido, o parecer ministerial, in verbis (fl. 210):

“Quanto ao dano moral, a quantia fixada encontra-se dentro dos parâmetros adotados nesta Colenda Câmara. É certo que a vida não tem preço, mas a finalidade do dano moral é a de indenizar uma perda irreparável, sem, no entanto, enriquecer indevidamente o autor.

Ademais, embora peça a redução do montante, a apelada não alega impossibilidade de suportar a condenação, apenas tecendo comentários em favor da minoração.

Ora, o fato é grave. A culpa sequer foi objeto do recurso, reconhecida em razão de condenação na esfera criminal.”

Contudo, destaco a inviabilidade da utilização do salário mínimo como critério de correção monetária, impendendo ajustar o julgado no ponto. Ocorre que a inconstitucionalidade da referida vinculação para atualização monetária já foi declarada pelo Excelso STF. O Plenário desta Corte Suprema, ao julgar, em 01.10.97, a ADIN 1425, firmou o entendimento de que, ao estabelecer o artigo 7º, IV, da Constituição que é vedada a vinculação ao salário-mínimo para qualquer fim, “quis evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado”. Nesse sentido também o RE 225488 / PR, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Julgamento: 11/04/2000, Órgão Julgador: Primeira Turma

De outra parte, esta Colenda Câmara também assim decide a questio: Apelação Cível Nº 70008077398, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 27/04/2005.

Ressalto que tal valor deve ser convertido em reais na data da sentença, correspondendo, portanto, a R$ 52.000,00, e desde então acrescido de juros moratórios de 1% ao ano e correção monetária pelo IGP-M .

Friso que a correção monetária não constitui plus, e sim mera atualização da moeda, devendo incidir a partir da fixação do quantum devido, é dizer, a partir do julgamento.

Perfilhando tal entendimento, manifestou-se o E. STJ nos arestos a seguir: (1) “Correção monetária que flui a partir da data do acórdão estadual, quando estabelecido, em definitivo, o montante da indenização.” (REsp 566714 / RS; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 09.08.2004 p. 275); (2) “Caso, ademais, em que fixado o quantum do ressarcimento em moeda corrente, a atualização monetária há de ser computada a partir de tal data, eis que naquele momento é que o montante representa a indenização devida, sendo descabida a pretensão do autor de retroagir a correção a época anterior, posto que a defasagem somente poderia ocorrer de então, jamais antes.” (REsp 316332 / RJ; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 18.11.2002 p. 220).

Por outro lado, quanto aos juros moratórios, na hipótese de reparação por dano moral, entendo cabível o início da contagem a partir da fixação do quantum indenizatório, é dizer, a contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. Considerando que o Magistrado se vale de critérios de eqüidade no arbitramento da reparação, a data do evento danoso e o tempo decorrido até o julgamento são utilizados como parâmetros objetivos na fixação da condenação, de modo que o valor correspondente aos juros integra o montante da indenização.

Destaco que tal posicionamento não afronta o verbete da Súmula nº 54 do STJ. Ao revés, harmoniza-se com o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça. A ultima ratio do enunciado sumular é destacar que a reparação civil por dano moral deve possuir tratamento diferenciado na sua quantificação em relação ao dano material, dado o objetivo pedagógico, punitivo e reparatório da condenação.

O montante fixado pelo magistrado a quo condiz com a gravidade do evento danoso, mostrando-se suficiente aos fins a que se presta nos lindes do sistema jurídico, ainda que a dor relativa à perda de genitor e esposo se afigure sabidamente incalculável. De todo modo, o valor arbitrado auxiliará os demandantes a recomporem seu patrimônio moral, vilipendiado em sua esfera íntima pelos demandados. Por outro lado, tenho que o quantum fixado não se mostra motivo hábil a ensejar locupletamento indevido.

Outrossim, entendo que tal montante se verifica capaz de dissuadir a parte ré de cometer novos ilícitos advindos da negligência e da omissão dos deveres de proteção e segurança em relação aos seus empregados.

Registro que em casos similares esta Colenda Nona Câmara Cível tem fixado indenizações por danos morais no valor de R$ 60.000,00 para cada filho (vide o recente precedente de minha relatoria: AC nº 70012887923).

Dano material – Pensionamento

Impendem algumas considerações, à luz das regras estabelecidas no artigo 1.537, II do CCB/1916 (artigo 948, II do CCB/2002), que dispõe sobre a prestação de alimentos às pessoas a quem o de cujus os devia.


O pensionamento destina-se a compensar a perda do auxílio material dispensado aos autores Délcio e Douglas, respectivamente por sua companheira e genitora Maria Isabel Cordeiro, caso sua vida não se houvesse interrompido.

Nesse mesmo diapasão, o parecer do ilustre Procurador de Justiça, in verbis (fl. 210):

“É evidente que o companheiro da vítima, que com ela tem um filho e vida em comum, deva ser beneficiário do pensionamento. Primeiro, porque tal dependência econômica já ficou reconhecida pela Previdência Social, garantindo-lhe o direito ao pensionamento previdenciário. Segundo, porque a vida em comum, pressupõe tal dependência, visto que ambos trabalham para assegurar a manutenção do lar. Terceiro, porque a Constituição Federal protege a família como instituição, independentemente da existência de casamento ou não.

Desta forma, plenamente demonstrada a dependência econômica do companheiro da vítima.”

Registro que o pensionamento por ato ilícito não se confunde com aquele pago pela Previdência Social. Portanto, cabe a manutenção do pensionamento deferido na sentença.

Neste diapasão, ressalto o escólio do egrégio Superior Tribunal de Justiça: “ III. O pensionamento por ilícito civil não se confunde com o pago pela Previdência Social, por ter origem diversa, de sorte que possível a concomitância entre ambos, não ficando eximido o causador do sinistro se, porventura, a vítima ou seus beneficiários percebem pensão paga pelo INSS. Precedentes. IV. A pensão devida à filha do de cujus até a idade de vinte e cinco anos, quando presumida pela jurisprudência a independência econômica daquela em relação ao genitor falecido, ressalvado o direito de acrescer à viúva supérstite. V. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (REsp 575839; Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR; Quarta Turma; Julgado em 18/11/2004) (grifou-se.). também nesse sentido, vide: Apelação Cível Nº 70010241180, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 12/05/2005.

A pensão foi adequadamente fixada em relação ao autor Délcio Luiz Kasper em valor equivalente a metade de dois terços do salário percebido pela vítima, até a idade em que a vítima completaria 65 anos de idade; e ao autor Douglas Cassiano Cordeiro Kasper em valor equivalente a metade de dois terços do salário percebido pela vítima, até completar vinte e cinco anos de idade, sendo que após a perda da qualidade de beneficiário o valor será acrescido ao do companheiro;

Dispositivo

Ante o exposto, voto no sentido de desprover o apelo e tão-somente explicitar, de ofício, que a indenização por danos morais, fixada em valor equivalente a duzentos salários mínimos para cada autor, deve ser convertida em reais na data da sentença (04/11/2004), correspondendo, portanto, a R$ 52.000,00, e desde a sentença acrescido de juros moratórios de 1% ao ano e correção monetária pelo IGP-M. No mais mantenho hígida a sentença, inclusive no tocante aos ônus sucumbenciais.

Des. Tasso Caubi Soares Delabary (REVISOR) – De acordo.

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE) – De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA – Presidente – Apelação Cível nº 70012493938, Comarca de Taquara: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO E EXPLICITARAM A SENTENÇA DE OFÍCIO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: JOAO CARLOS CORREA GREY

Notas de rodapé

1 – PEDROTTI, Irineu Antonio; PEDROTTI, William Antonio. Acidentes do Trabalho. 4ª ed. revista e atualizada, São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2003, p. 211.

2 – PEDROTTI, Irineu Antonio. Compêndio de Responsabilidade Civil. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 1992, p. 273.

3 – GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 566-567.

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